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Resenha - Legitimidade Internacional

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Faculdade Integrada do Recife
Relações Internacionais
Direito Internacional Humanitário
A LEGITIMIDADE INTERNACIONAL
Aluna: Flávia Salazar Sousa
Matrícula: 200801443663
Professor: Rodrigo B. de Albuquerque
Recife, 2012
JUBILUT, Liliana Lyra. Não intervenção e legitimidade internacional. São Paulo: Saraiva, 2010. Título II, Capítulos 1, 2 e 3.
	A questão da legitimidade da norma da não intervenção vem ganhando cada vez mais relevo nas Relações Internacionais atuais, principalmente em virtude da sua constante flexibilização em face de outros princípios da ordem jurídica internacional, em especial, os direitos humanos.
	Liliana L. Jubilut, no Título II de seu livro Não intervenção e legitimidade internacional, propõe a análise da aludida questão partindo, primeiramente, do estabelecimento do conceito e das premissas do termo “legitimidade”, para, depois, enfocá-lo no contexto das relações internacionais e, somente após essas fases preliminares, concentrar-se na questão da crise de legitimidade da não intervenção.
	Assim, segundo a autora, o termo legitimidade pode ser entendido como uma “fundamentação do poder, em função da qual o poder deve ser organizado e limitado” (JUBILUT, 2010, p. 67). Essa definição permitiria, por sua vez, a análise do termo sob diversas perspectivas, das quais se destacariam: 1) a legitimidade subjetiva; 2) a legitimidade como obediência às regras; assim como 3) a legitimidade objetiva.
	Sob um enfoque subjetivo, a legitimidade diz respeito ao atributo de quem detém o poder, isto é, corresponde à questão de que se quem detém o poder o faz com base em um justo título. Jubilut aponta que, ao longo da História, esse fundamento foi profundamente alterado, uma vez que enquanto no Estado Moderno dizia respeito ao “direito divino” dos monarcas governarem, nos Estados Democráticos ele corresponde à vontade popular.
	No tocante à obediência em função da legitimidade, ela decorreria, por seu turno, do senso de obrigatoriedade moral gerado pela crença na regra ou no órgão criador da regra, correspondendo, portanto, ao seu respeito desinteressado e internalizado, ao contrário do que ocorreria com a obediência pela coerção ou pelo interesse, cujos fundamentos são inegavelmente de caráter egoístico.
	A legitimidade objetiva, por sua vez, “retoma e aprofunda a questão da fundamentação do poder, buscando encontrar em cada ato a correlação com o fim determinado pela comunidade, ou seja, com os valores da mesma” (JUBILUT, 2010, p. 68). Está diretamente relacionada, portanto, ao ideal de justiça compartilhado pela sociedade.
	Tendo-se em vista que a legitimidade corresponde à fundamentação do poder, a autora chama atenção para a importância do surgimento da corrente do positivismo jurídico para o tema. Isso porque, até o seu advento, todas as teorias jurídicas precedentes buscavam fundamentar o poder em uma justificativa ética, para que fosse dotado de efetividade. No entanto, a teoria positivista subverteu essa questão, sobrevalorizando a legalidade ao buscar o fundamento da legitimidade dentro do próprio sistema jurídico, isolando-a dos demais ramos da vida ética e afastando-a das opções axiológicas vigentes. Dessa forma, com o positivismo jurídico, a legitimidade do poder passou a se limitar à sua perspectiva subjetiva, isto é, à adequação da norma às suas próprias regras, caracterizando um sistema de autolegitimação.
	Nada obstante, as atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial sob o manto da legalidade levou ao questionamento da permissividade material positivista, renovando o interesse internacional na reinserção de questões axiológicas no Direito. Isso, por seu turno, deu ensejo ao resgate do tema da legitimidade do poder, valorizando a adequação das normas aos valores compartilhados pela sociedade, os quais passaram a ser positivados na forma de princípios do Direito.
	Visto que a legitimidade consiste em um critério avaliativo de poder, sua aplicação nas Relações Internacionais tem variado profundamente, de acordo com as tendências teóricas adotadas pelos seus estudiosos. Neste sentido, Jubilut, ressalta o fato de que, enquanto as correntes do Realismo e do Neorrealismo não admitem limites morais para a atuação estatal em um sistema caracterizado pela anarquia, as teorias da Escola Inglesa e do Construtivismo já vislumbrariam a existência de uma sociedade internacional, denotando assim “uma tentativa de resgate da unidade ética por meio da aproximação de todos os elementos das relações internacionais” (JUBILUT, 2010, p. 80).
	A autora segue essa segunda tendência, defendendo uma visão holística das Relações Internacionais. Neste sentido, ter-se-ia que a legitimidade internacional deveria se conformar a uma tríade normativa, composta dos seguintes elementos: legalidade, moralidade e constitucionalidade; mais o elemento da política internacional, o qual seria responsável pela ampliação da indeterminação do conteúdo específico da legalidade.
	A criação da Organização das Nações Unidas, após a Segunda Guerra Mundial, seria, assim, a consagração e o aprofundamento dessa sociedade internacional, mediante sua institucionalização. Ao conceber-se na Carta da ONU uma estrutura normativa consagradora dos valores e princípios comuns aos Estados, iniciou-se um movimento no sentido de estabelecer um constitucionalismo internacional e, com ele, uma ordem internacional pública como parâmetros para a análise da legitimidade neste contexto.
	Diante da relevância atribuída pela Carta à segurança internacional, como fim último da própria Organização e princípio basilar das Relações Internacionais, há de concluir-se que ela constitui um dos princípios que compõem a ordem pública internacional atual.
	Por outro lado, com a importância denotada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, e com sua ampla aceitação pela comunidade internacional, principalmente após a Guerra Fria, passou-se também a enquadrar os direitos humanos como princípio dessa ordem, não obstante as críticas apresentadas pela corrente do relativismo cultural, no sentido de que o universalismo atribuído a esses direitos desrespeitaria as peculiaridades culturais de cada povo.
	Essa crítica pôde ser superada, uma vez que o universalismo deixou de focar-se no rol dos direitos assegurados pela aludida Declaração – o qual pode, de fato, variar de acordo com os diferentes contextos culturais -, passando então a enfatizar a universalidade dos valores basilares dos direitos humanos, isto é, a dignidade humana, a qual seria, por sua vez, imanente e natural a cada ser humano.
	Uma vez estabelecido o binômio segurança internacional-direitos humanos como conteúdo da ordem pública internacional contemporânea, Jubilut passa então à análise dos problemas referentes ao confronto desses dois princípios, cujo exemplo prático se dá na questão da flexibilização do princípio da não intervenção.
	A não intervenção aparece consagrada na ordem internacional hodierna na Carta das Nações Unidas, elencada em seu capítulo 1°, que trata dos princípios e propósitos da Organização. Sua localização topográfica na Carta leva, portanto, ao entendimento de que a não intervenção deve ser compreendida como um princípio do Direito Internacional, posição essa criticada pela autora, para quem a constante flexibilização da referida norma implica o reconhecimento de que a não intervenção trata-se apenas de uma regra ou, no máximo, de um princípio subordinado, desprovido do caráter de absolutismo e imutabilidade, característicos dos princípios fundamentais.
	Como embasamento ao seu posicionamento, Jubilut discorre sobre as três exceções básicas à não intervenção, quais sejam: 1) a legítima defesa; 2) o cumprimento de dever legal; e 3) a violação de regra internacional.
	A legítima defesa seguiria resguardada pela ordem internacional contemporânea, tanto na forma individual como na coletiva, uma vez que se encontra prevista no art. 51 da Carta da ONU, inclusive como um dos limites ao uso da força nocenário internacional.
	O cumprimento de dever legal, por sua vez, corresponderia à chamada “intervenção por humanidade”, consistente na proteção de nacionais que se encontram no estrangeiro. 
	Segundo a autora, essa modalidade estaria em desuso por uma série de razões, das quais se destacam a concepção seu caráter imperialista, na medida em que apenas os Estados mais fortes eram capazes de efetuá-la; assim como o reconhecimento do tema como uma preocupação internacional, passando a ser absorvido pela ONU, e, em especial, pelo Conselho de Segurança, como uma de suas competências.
	Por fim, a violação de regra internacional englobaria todas as demais, uma vez que todas as previsões legais de flexibilização da soberania de um Estado baseiam-se na violação de uma regra do Direito Internacional.
	Nada obstante, conforme bem assinala Jubilut, essa última modalidade de intervenção encontra-se atualmente bastante limitada, dado que a carta da ONU somente autoriza o uso da força pelo CSNU para manter a paz e a segurança internacionais. Este fato ensejaria, de acordo com a autora, uma crise de legitimidade da não intervenção, visto que priva o sistema de uma justificativa legal para o uso da força em casos que tenham como fundamento o outro princípio da ordem pública internacional, isto é, a defesa dos direitos humanos.
	Isso porque, desde o reconhecimento, pelo CSNU, da correlação entre a violação de direitos humanos e a ameaça à paz e a segurança internacionais, esse órgão vêm realizando seguidas intervenções de caráter humanitário, com o respaldo, inclusive, da comunidade internacional. O fato de não haver uma previsão legal expressa da possibilidade de intervenções de caráter humanitário, portanto, não tem impedido que o Conselho se utilize de esforços hermenêuticos para suplantá-lo, diminuindo a força dessa norma enquanto seu caráter de obediência não coercitiva.
	Jubilut ressalta, ademais, que dita situação prejudica também a coerência interna do sistema internacional, no tocante à adequação de uma norma ao todo, uma vez que, conforme indica a tendência atual, a defesa dos direitos humanos apresenta hoje uma relevância hierárquica superior frente ao princípio soberano e, consequentemente, ao princípio da não intervenção.
	Diante do exposto, faz-se mister reconhecer a necessidade de uma alteração teórica das previsões legais de flexibilização do princípio não interventor, a fim de que seja assegurada sua observância pela sociedade internacional, posto que, caso isso não seja feito, a legitimidade de todo o sistema poderá ser posta à prova.

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