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Teoria do Estado - Hegel e a filosofia da História

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Teoria Política Contemporânea
Hegel e a filosofia da História I
BOBBIO, Noberto. Estudos sobre Hegel: Direito, Sociedade Civil, Estado. São Paulo: Editora UNESP, 1989. Capitulo 1 – “Hegel e o jusnaturalismo”.
A filosofia jurídica de Hegel é, com relação ao direito natural, ao mesmo tempo dissolução e realização, isto é ‘dissolução’ no sentido de que as categorias fundamentais elaboradas pelos jusnaturalistas para construir uma teoria geral do direito e do Estado são refutadas por Hegel mediante uma critica frequentemente radical, que tende a mostrar suas inconsistência e inadequação. Já como ‘realização’ entende que Hegel tem um ultima instancia ao mesmo objetivo final, atingindo-o, ou acreditando atingi-lo, precisamente porque forja instrumentos novos para substituir os velhos, agora tornados imprestáveis. A filosofia do direito de Hegel, ao mesmo tempo em que se apresenta como a negação de todos os sistemas de direito natural, é também o ultimo e mais perfeito sistema de direito natural, o qual, enquanto ultimo, representa o fim, e, enquanto mais perfeito, representa a realização do que o precedeu. Com Hegel o jusnaturalismo está definitivamente morto. A definição da filosofia jurídica de Hegel como dissolução e realização da tradição do direito natural implica uma tomada de posição contra uma diversa e bem mais freqüente interpretação: a que contrapõe a filosofia do direito de Hegel ao jusnaturalismo e faz de Hegel e do Jusnaturalismo dois termos de uma antítese. Essa interpretação apresenta duas faces opostas, que para BOBBIO parecem ambas unilaterais; unilateralidade que resulta de qual dos dois termos da antítese seja considerado termo positivo, se o primeiro ou o segundo. No primeiro sentido, temos a perspectiva histórica dos que, interpretando o pensamento de Hegel como um pensamento realista, revelador da natureza essencial e perene do Estado, desembaraçaram-se de uma vez por todas das pretensões e ilusões iluministas de reformar o mundo mediante a obra solitária da razão abstrata; no segundo sentido, temos a tese dos que, interpretando a tradição do direito natural como uma continua e sempre renovada tentativa de pôr o que deve ser acima daquilo que é, de contrapor a razão lúcida à força cega, de educar o poder da razão para refutar as razões do poder, acusam a filosofia jurídica de Hegel de terminar sendo uma justificação do fato consumado, uma instigação a aceitar o poder constituído. O que é racionalismo abstrato, na primeira contraposição, converte-se, na segunda, em razão reformadora e libertadora; o que é realismo cínico na segunda se converte, na primeira, em descoberta da razão concreta. A unilateralidade dessas duas posições deriva do fato de que são, cada uma delas, a expressão de uma atitude imediatamente polemica e, portanto, por sua natureza, tendente à simplificação da posição adversária, em vez de serem um esforço de compreensão dirigido, por um lado, para abarcar, em sua complexidade e em sua unidade, a história da gradual consciência que o pensamento reflexivo adquire da formação do Estado moderno, e, por outro, para decifrar a ambigüidade do pensamento hegeliano, que se põe contra os epigonos de uma tradição não para quebra-la, mas para recompô-la, e que, no momento mesmo em que parece abandoná-la, a confirma.
Hegel tem em comum com a escola histórica o conceito de Volksgeist, que constitui no conceito de ‘totalidade ética’, porém esse conceito perde intensidade à medida que Hegel aprofunda o problema do Estado, vale a consideração acerca da diferença de significado entre o Volksgeist de Hegel e o da escola histórica, em Hegel o conceito de espírito do povo serve para dar um conteúdo concreto à vontade racional do Estado, mas a fonte última do direito continua sendo a lei, enquanto suprema manifestação da ordem jurídica, na escola histórica, ao contrario serve para afirmar a prioridade do direito que nasce espontaneamente do povo sobre o que é artificialmente produzido pelos órgãos legislativos. Hegel assume em face do romantismo jurídico uma atitude contraria à assumida em face do Iluminismo e do jusnaturalismo: não dissolução e realização, mas apropriação e transfiguração. Com relação ao jusnaturalismo, Hegel critica as categorias fundamentais, mas prossegue o mesmo esforço no sentido da compreensão ao romantismo, acolhe as categorias fundamentais, mas as orienta em sentido contrário.
Ao assumir o conceito de ‘totalidade ética’, como fundamento de um novo sistema do direito e do Estado, Hegel já colocou as premissas para a demolição, parte por parte, da construção erigida pelos sistemas de direito natural. A dissolução do jusnaturalismo começa quando Hegel declara que a ‘totalidade ética absoluta não é nada mais do que um povo’. Essa adoção implica em algumas conseqüências que tem efeito efetivo corrosivo sobre os pressupostos em que se haviam baseado os sistemas de direito natural. Na totalidade ética o todo vem antes das partes: Hegel se compraz em retomar a afirmação de Aristoteles de que ‘segundo a natureza, o povo precede o individuo’. Na tradição do direito natural, o individuo singular vem antes do todo, ou seja, do Estado: o Estado é um todo que é construído a partir do individuo, é o termo final de um processo que começa a partir do individuo isolado. Na totalidade ética o todo não somente vem antes das partes, mas é superior às partes de que é composto. Sobre essa superioridade, bem como sobre a priopridade do todo sobre a parte é que se gunda um dos temas recorrentes da polemica de Hegel contra o direito natural: a critica do contrato social. A critica de Hegel parte dos princípios: 1) o principio do qual ele parte é precisamente o da totalidade ética realizada no povo, cuja vontade vem antes da vontade dos indivíduos e é absoluta porque é para eles, enquanto ‘eles’ não são de modo algum imediatamente aquela. 2) A vontade universal não pode ser constituida pela vontade singulares, já que é ela mesma que as constitui. Hegel recusa, portanto, o contratualismo, mas ao contrario de outros críticos, não argumenta com a inexistência empírica do contrato, mas com sua inconsistência racional. Hegel crê que o contrato social deva ser rechaçado não por ser empiricamente falso, mas por ser racionalmente inadequado à realização do objetivo. A teoria do contrato social é uma indébita transposição de um instituto próprio do direito privado para a esfera do direito publico – transposição que, para Hegel, é um dos erros característicos de toda a tradição do direito natural. Do ponto de vista político, essa elevação do contrato a categoria do direito publico tem uma conseqüência deletéria: a vontade objetiva da Constituição estatal torna-se dependente da vontade subjetiva dos indivíduos; a vontade racional é submetida a uma composição instável de vontades arbitrárias. 3) a totalidade ética, na medida em que se identifica com a vida (e com o destino) de um povo, é um momento da história universal, ou seja, é um evento histórico. Como tal, não é uma criação da imaginação nem uma construção do intelecto. Hegel se comporta diante do estado de natureza como diante do contrato social: não recusa seu conceito, mas o seu mal uso, o uso arbitrário, que depende, neste segundo caso, não mais de uma transposição a uma outra esfera, mas de uma interpretação errada. O erro consiste em fazer do estado de natureza um estado originário de inocência, mas para Hegel a um estado real de violência, que se apresenta quando o Estado ainda não existe, como ocorre nas relações dos Estados entre si, ou no momento em que o Estado desaparece por dissolução interna. Enquanto os jusnaturalistas se serviram da hipótese do estado de natureza como ponto de partida para chegar ao estado civilizado, para Hegel o estado de natureza, enquanto antítese do estado civilizado não serve minimamente a este escopo: do estado de natureza nada se pode dizer senão que ‘dele é preciso sair’. Enquanto estado da violência, o estado de natureza não é um estado jurídico e o homem, nele não tem nenhum direito.O direito – mesmo o direito privado – não é para Hegel um fato individual: é sempre um produto social, e o estado de natureza é a ausência de qualquer forma, ainda que embrionária, de sociedade. A tarefa da filosofia do direito é justificar o Estado como momento supremo da vida coletiva. A justificativa de Hegel vai a tal ponto que se propõe não como um programa para o futuro, mas como um reconhecimento do presente. 
Não obstante as repetidas criticas que Hegel dirige ao estado de natureza, seu sistema sob a forma definitiva inicia o movimento a partir da vontade dos indivíduos em relação às coisas e aos outros indivíduos (direito abstrato), isto é, a partir das relações intersubjetivas ainda não reabsorvidas num ente coletivo, assim como se estabelecem no estado de natureza, entendido como estado pré-político. Só no estado pré-político se pode redescobrir, como fez Hegel, alguns bens inalienáveis e os respectivos direitos imprescritíveis. Alem disso, o estado de natureza originário, descrito por Hobbes como estado de guerra, aparece no final do movimento, quando o Estado não está mais em relação com os indivíduos, mas com os outros Estados. Para Hegel, a guerra é necessária e mantém a saúde dos povos, como o vento sobre o pântano, a guerra é o momento da igualdade absoluta (que é uma característica própria do estado de natureza). O direito no estado de natureza – segundo Kant – é provisório, não peremptório. Hegel não usa as mesmas palavras, mas o conceito não é diferente, quando, a propósito dos tratados internacionais, afirma que constituem um direito totalmente privado de eficácia. O estado de natureza, para Hegel, não está no principio, mas no fim, justamente porque esta no fim, quando cessa o direito do Estado, não é um estado somente imaginário, mas um estado real, profundamente enraizado na historia do mundo e, à diferença do estado de natureza originário, insuprimível. Entre o direito abstrato inicial, que é um direito inacabado, e o estado de guerra final, que ainda não é e talvez não seja nunca um estado jurídico, também Hegel encontra em seu caminho o Estado e faz dele o principio resolutivo da insuficiência histórica do homem e, não mesmo tempo, o motor da história do mundo.
Rousseau se servira do expediente do contrato social para fundar um Estado chamado a realizar a forma de liberdade nova e mais alta, a liberdade como autonomia, ou como costuma dizer, não mais a liberdade do individuo isolado em confronto com o Estado ou em face do Estado, mas a liberdade de todos os indivíduos de uma comunidade no Estado. Quando se ajuíza a influencia de Rousseau sobre seus sucessores, é preciso tomar cuidado para não confundir o expediente com o resultado: há autores que se servem do mesmo expediente, mas chegam a um resultado diferente (Kant por exemplo, que chega ao Estado como forma de proteger a liberdade dos indivíduos), e outros que rejeitam, o expediente excessivamente ligado a uma concepção atomista do Estado, mas aceitam o Estado. Hegel está entre eles. Para Hegel, assim como para Rousseau, a liberdade verdadeira não é o arbítrio, isto é, a liberdade do estado de natureza ou aquela ligada aos direitos de liberdade, que são um prolongamento, ou melhor, um resíduo da sociedade natural na sociedade política (o domínio do arbítrio é, para Hegel, não o Estado, mas a sociedade civil); nem a liberdade subjetiva, cujo domínio é a esfera da moralidade, mas a liberdade tornada objetiva, na medida em que se realiza somente na comunidade e mediante a lei. enquanto membro de um Estado ( e a participação de um individuo no Estado é, ao mesmo tempo, uma necessidade e um dever) o individuo perde a própria liberdade natural, que é somente aparente, para adquirir uma ‘liberdade substancial’, que é a liberdade no todo. Só esta liberdade na totalidade é, para Hegel, a realização da liberdade, a liberdade concreta. Desde o momento inicial do direito abstrato até o momento final do Estado, um continuo processo de realização da liberdade conduz ao momento conclusivo, o Estado, que é a ‘realidade da liberdade concreta’. Mas sem duvida, o Estado pode ser considerado como ‘a realidade da liberdade concreta” porque a liberdade que Hegel tem em mente é a liberdade como ‘obediência à lei’ (lei, naturalmente, enquanto expressão do Estado considerado como ‘o racional em si e para si’), isto é, a liberdade como autonomia.

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