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Colegao Estado e Constituigao Orgallizndores Jose Luis Bolzan de Morais Lenio Luiz Streck COllse/ll0 Editorial J ase Luis Bolzan de Morais Lenia Luiz Streck Rogerio Gesta Leal Leonel Severo Rocha Ingo Wolfgang Sarlet Andre Copetti Consell/O ConsultivD Andre-Jean Arnaud Wanda Maria de Lemos Capeller Jorge Miranda Michele Carducci B486d BercQvici, Gilberta Oilemas do estado federal brasileiro / Gilberta Bercovici. _ Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2004. 104 p.; 13 x 21 em. - (Estado e Constituic;ao; 3) ISBN 85-7348-331-8 1. Federalismo. 2. Teoria do Estado. 3. Estado federaL I. Titulo. CDU - 342.24 fndices para 0 cataloga sistematico: Federalismo Teoria do Estado Estado federal (Bibliotecaria responsavel: Marta Roberto, CRB-l0/6S2) Estado e Constitui~ao - 3 GILBERTO BERCOVICI DILEMAS DO ESTADO FEDERAL BRASILEIRO livrar~ia DO AD OGADO editora Porto Alegre, 2004 Nestor Castillo Gomes OABISC 21 175 © Gilberto Bercovici, 2004 (apa, projeto grrifieo e rliagrallla~iio Livraria do Advogado Editora Revisiio Rosane Marques Borba Direitos desta edi~iio reservados por Livraria do Advogado Editora Uda. Rua Riachuelo, 1338 90010-273 Porto Alegre RS Fone/fax: 0800-51-7522 livraria@doadvogado.com.br www.doadvogado.com.br Impresso no Brasil/Printed in Brazil Nota da organizayao Chegamos, com a presente trabalho, de autoria do jovem e reconhecido Gilberta Bercovici, ao terceiro numero da nossa cole~ao "Estado e Constitui~ao" e, com isso, cremos, it sua consolida~ao como projeto aberto it discussao dos temas contemporaneos que en- volvem as dilemas e perspectivas enfrentadas pel a Esta- do Constitucional. Temos, assim, convic~ao de que vimos contribuin- do para a duvida permanente ace rca do presente e do futuro do Estado e da Constitui~ao, nao como fen6me- nos estanques, mas como projetos institucionais da mo- dernidade. o texto de Bercovici, com certeza, tranl, como em outros de seus trabalhos, contribui~oes expressivas para aqueles que somas co-responsaveis pel a montagem de uma democracia substancial permanentemente em cons- tru~ao e intrinsecamente comprometida com a dignida- de humana, a li cer~ada na incerteza peculiar a todo projeto democratico. Continua mas, todavia, abertos a novas projetos e pro pastas, a novas reflexoes que venham contribuir para a trato destes temas e, sobretudo, para dar conta da proposta civilizat6ria presente na f6rmula aberta do Estado Democratico de Direito. Neste momento, contudo, devemos nos enfrenta r com as questoes postas pelo Auto r para, assim, conti- nuarmos nosso processo de conhecimento, agradecendo ao mesmo pela acolhida de nossa solicita~ao. Prof. Dr. Jose Luis Bolzan de Morais Sumario Introdu l;ao .. . . 9 Capitu lo 1- Forma~ao do Federalismo no Brasil 11 1.1. As Origens Norte·America nas do Federalismo 11 1.2. 0 Es tado Unitc1 rio Imperial (1822·1889) 23 1.3. A Repub lica, 0 Coronelismo e 0 Poder dos Es tados (1889·1930) 31 1.4. Entre 0 Federalismo Coopera ti v~ e a Centrali za,ao (1930·1945) 38 1.5. Federalismo, Desenvol vimentismo ea Questao Regional (1945-1964) 42 1.6. Nova Centra li za ~ao (1964-1 985) . 49 Capitulo 2 - Federa lismo e Descentraliza~ao na Constitui~iio d e 1988 . 55 2.1. 0 Federalismo Coopera ti vQ da Cons tituic;ao de 1988 . 55 2.2. A Ques tao da Descentra li zac;ao 64 2.3. A " Descentrali zac;ao por Ausencia" e 0 Ajuste Fisca l . 65 2.4. A Necessidade de Planejamento e Coordena<;ao na Descent ra li za<;ao de Polfticas Sociais . 69 Capitulo 3 - Representa-;ao Poiftica e Federalis mo: urn debate inacabado . 73 3.1. A Crise d a Representa<;ao Pollt ica e a Cons li tuinte de 1987-88 73 3.2. A IguaJdade do Vo to 76 3.3. 0 Bicamerali smo no Brasil 79 3.4. A Desproporcionalidade na Camara dos Depulados 88 Considera-;oes Finais . 95 Bibliografia . 100 , Introdu~ao Seguindo a tradi~ao republicana, 0 artigo 10 da Constitui~ao de 1988 declara que a forma do Estado brasileiro e 0 Estado Federal. Mas, 0 fato de a Constitui- ~ao definir 0 Brasil como urn Estado Federal nao nos poupa do trabalho de analisar detidamente que fede ra- lismo e 0 brasileiro. Afinal, nao existe um "modelo" de federalismo ideal, puro e abstrato, que englobe a varie- dade de organiza~6es existentes nos Estados denomina- dos federais. 0 que existe e uma serie de sol1l ~6es concre tas, historicamente variadas, de organiza~ao do Estado, dentro de d eterminadas ca racterfsticas comuns entendidas como necessarias a urn regime fed eral.' Em nenhuma concep~ao doutrinaria 0 fed eralismo e entendido como oposto it lInidade do Estado. ~lo .fontrario, 0 objetivo do federalismo e a unidade, respei- tando e assimilando a pluralidade.2 Nem poderia ser 110se Juan Gonzalez ENCINAR, EI Es fndo Ullitnrio-Federa{; La Alltollomin como PriHcipio ESlructural del Estado, Madrid, Tecnos, 1985, p. 86-89 e Dalmo de Abreu DALLARI, 0 Estndo Federal, Sao Paulo, Atka, 1986, p. 50-51 e 77-78. Em scntido contnlrio, para tlma lenta liva de justificar uma Teoria Geral do Federa- lismo, embora reconhe"\a a necessidade de se fa lar em varios Estados federais, nao em urn Estado federal ideal, vide Jose Alfredo de Oliveira BARACHO, Teorin Gernl do Federalismo, Rio de Janeiro, Forense, 1986, p. 5-10 e 315-324. 2 Jose Juan Gonzalez ENCINAR, op. ciL, p. 80-81 e Dalmo de Abreu DALLARI, o Es/ndo Federal ciL, p. 51-52 . .f!'ra Rui de Britto Alvares Affonso, s6 no Brasil £-federalis!!,o e associado it descentralizac;ao, e nao a unidade. Na sua opiniao, esta "inversifo conceitual" corresponde, efetivamente, a crise do pacto fede- rativo brasileiro. Cf. Rui de Britto Alvares AFFONSO," A Federac;ao no Brasil: Impasses e Perspectivas" ill Rui de Britto Alvares AFFONSO & Pedro Luiz Barros SILVA (orgs.), A Federap'io em Pt!rspectiva: ElIsaios Seleciollndos, Sao Paulo, FUNDAP, 1995, p. 57. Dilemas do Estado Federal Brasileiro 9 diferente, afinal a unidade esta na essencia da organiza- ~ao estatal. Para garantir a unidade (fim), 0 Estado possui determinada forma de organiza~ao (meio), mais ou menos centralizada3 Todo Estado, inclusive 0 fede- ral, neste sentido e unitario, pois t~m como um de seus objetivos a busca da unidade. A autonomia nao se op6e it unidade, mas it centraliza~ao em determinados orgaos ou setores do Estado' Neste. senti do, num Estado fede- ral a unidade e 0 resuhado de um processo de integra- ~ao, em que a autonomia nao se limita a ser um objeto passiv~ (garantia), mas e, essencialmente, sujeito ativo na forma~ao desta unidade estatal (participa~ao)S Partindo do pressuposto da especificidade do fede- ralismo brasileiro, 0 objetivo deste livro e, a partir de uma perspectiva historica da forma~ao do federalismo no Brasil (capitulo 1), buscar compreender as quest6es ainda polemicas e nao resolvidas da estrutura federal d a Constitui~ao de 1988, especialmente no tocante ao fede- ralismo cooperativ~ e it descentraliza~ao das politicas sociais (capitulo 2) . Encerramos a analise dos dilemas do Estado Federal brasileiro com a discussao, ainda inaca- bada, das complexas rela~6es entre representa~ao politi- ca e federalismo no Brasil (capitulo 3) . Por uma serie de raz6es hi~toricas e politicas, a diferencia~ao entre repre- .§enta~ao dos Estado~e do povo praticamente nao existe !:Io nosso sistema politico-constitucional. No Brasil, £omo veremos, tanto 0 Senado como a Camara dos Oeputados representam os Estados. 3 Para Hermann Heller, 0 Estado e uma unidade de decisao e a<;30. Cf. Hermann HELLER, Staats/elm!;11 Ges(lmmeite ScI"iftell, 2~ ed, Ttibingen, J.CS. Mohr (Paul Siebeck), 1992, vol. 3, p. 339-349. Vide tambem Jose Juan Gonzc11ez ENCINAR, op. (i L, p. 60. De acordo com Gonzalez Encinar,a unidade e um objetivo, e a autonomia e urn principia estrutural (de organiza<;ao) do Estado. Ou seja, a autonomia e urn meio, a unidade e urn lim. Vide Jose Juan Gonzalez ENCINAR, op. cit., p. 93-95 e 161. 4 Jose Juan Gonzalez ENCINAR, op. cit" p. 58-63. 5 Cr. Rudolf SMEND, Ver/assllIIg lind VerfasslIIIgsrecil1 ;1' Staatsreclltliche Abllml- dflillgell lind alldere AII/salze, 3' ed, Berlin, Duncker & Humblot, 1994, p. 224-227 e 268-273; Konrad HESSE, Oer UIIUarisclle BUlldesstaat, Karlsruhe, Verlag c.P. MUller, 1962, p. 26-27 e Jose Juan Gonzalez ENCINAR, op. cit., p. 126-130. 10 Eslado e COllslitlli,iio 3 GILBERTO BERCOVICI • Cap itul o 1 Forma~ao do Federalismo no Brasil 1.1, As Origens Norte-Americanas do Federalismo o Estado federal foi criado em 1787, com a sua ado~ao pelos Estados Unidos, recem-independentes da Inglaterra , 0 regime ate entao em vigor era 0 confedera- tivo. Os termos "Confedera~ao" e "Federa~ao" foram utilizados na epoca indistintamente, de forma a poder causar alguma confusao, Os proprios Arligos Federalis- las, de autoria d e Alexander Hamilton, James Madison e John Jay,6 costumam usar varias vezes os dois termos sem qualquer diferencia~ao. Para evitar maiores dllvidas, tra~aremos um esbo~o de como funcionava a Confedera~ao norte-americana para a compararmos com 0 novo tipo de Estado que a sucedeu, A Confedera~ao possuia um orgao politico central, 0 Congresso, de carater predominantemente diplomatico, que carecia de autoridade propria, respei- tando a absoluta independencia dos Estados associ ados, Os representantes dos Estados se reuniam no Congresso para del iberar assuntos de interesse comum (na sua maioria, os ligados as re la~6es e comercio internacio- nais), 0 Congresso era subordinado ao poder dos Esta- 6 Alexander HAMILTON, James MADISON & John JAY, Tile Fedemlist Papers, London / New York, Penguin Books, 1987. Devemos dar destaque aos artigos 9 e 10 (sobre as vantagens do novo tipo de governo); 30 a 36 (sobre tributac;ao, em especial 0 n° 32) e 41 a 46 (sob re a repartic;ao de competencias entre a Uniao e os Estados, particularmente 0 artigo 45). Dilemas do Estado Federal Brasileiro 11 dos, sujei tando-se ao seu poder de veto. Dessa maneira, as decis6es so poderiam ser tomadas pel a unanimidade dos treze Estados. As delibera~6es da Confedera~ao tinham mais 0 carater de recomenda~6es do que pro- priamente 0 de leis, pois a sua execu~ao era deixada a cargo dos Estados, que so respeitavam essas delibera,6es se as consideravam adequadas aos seus interesses parti- cu lares.~ Confedera,ao, em sum a, nao passava de uma soma dos componentes politicos das antigas colonias inglesas, gerando um governo extrem~mente instavel devido aos constantes impasses politicos Essa instabilidade fez com que se procurasse dotar o novo pais de um governo efetivamente nacional. Representantes de praticamente todos os Estados se reuniram na Filadelfia, em 178(, para deliberar sobre a reforma dos Artlgos da Confedera,ao (a primeira Cons- titui,ao americana). _O resu ltado foi uma outra Consti- ~i,ao, que instituia um novo modelo de Estado, 0 _modelo federa l, visto como capaz de ga rantir a unidade porte-americana. 0 federalismo reconheceu a iden tida- de e a autonomia das treze ex-colonias e ofereceu um esquema de so lu,ao de eventuais conflitos ou con trover- sias. Escreveu Hamilton sobre a nova organiza,ao criada em 1787: "The proposed Constitution, so far f rom implying an abolition of the State governments, makes them consti- tuent parts of the national sovereignty, by allowing them a direct representation in the Senate, mId leaves in their posses- sion certain exclusive and very important portions of sove- reign power. This fully corresponds, in every rational import of the terms, with the idea of a federal governmen t".' A desconcentra,ao do poder politico deu-se com a existencia de d uas esferas de poder politico: a federal e a estadual (os Municfpios foram esquecidos nessa divisao de poderes, sendo deixados no ambito da competencia estadual). Uma esfera nao e superior a outra. 0 que 7 Alexander HAM ILTON, James MADISON & John JAY, op. cit. , Artigo n° 9. 12 Estndo e COlls tit llifiio 3 GILBERTO BERCOVICI prevalece sobre am bas e a Constitui,ao. Entretanto, a inexistencia de hierarquia entre os entes federados nao e absoluta . Em determinadas circunstancias, 0 poder fede- ral prevalece. f. interpr~ta,ao hoje dominante e a de que !la~ hipoteses de competencia concorrente ou em que @ ha eleme_ntos sufi cientes para uma afirma,ao indu- bitavel de competencia, a que prevalece e a da Uniao. Alguns teoricos, como Alexis de Tocqueville, de- senvolveram a teoria de que 0 Estado federal era dotado de dupla soberania: a federal e ados Estados-membros. Tocqueville dizia que os Estados Unidos eram compos- tos por dois governos separados e quase independen tes. Um, habitual e indefinido, cuidava das necessidades do cotidiano. 0 outro, excepcional e circunscrito, cu idava de certos interesses gerais: " 0 governo federal nao passa, a lias, como acabo de dizer, de uma exce,ao: e 0 governo dos Estados a regra comum". Cad a Estado, para ele, era uma pequena na,ao soberana. Inclusive, por possuirem soberania propria, Tocqueville achava que os Estados tinham 0 direito a secessao, contrariando, assim, um dos pilares do sistema federal (a defesa da uniao indissoluvel dos Estados levaria, en tre outros motivos, os Estados Unidos it guer- ra civ il entre 0 Norte e 0 Sui em 1861).8 Os proprios autores dos Artigos Federalistas constantemente usam a expressao "soberania dos Estados", mas, cumpre ressal- tar que essa utiliza,ao da-se no sentido atual de au tono- mia, nao de soberania . Na realidade, 0 unico en te titular da soberania e a Uniao. 0 Estado-Membro e dotado apenas de autonomia, compreendida como governo pro- R!io dentro do cfrculo de competencias tra,adas pela Constitui,ao Federal. ,- Na Federac;ao norte-americana, como em tod as as demais, prevaleceu 0 criterio juridico-formal no estabe- 8 Alexis de TOCQUEVILLE, A Delllocrncin /1(1 America, 3~ ed. Belo Horizon- Ie / Sao Paulo, ltatiaia / EDU5P, 1987, p. 52-53, 92-94, 111, 115, 119-121,128-130 e 278-284. Dilemas do Estado Federal Brasileiro 13 lecimento da estrutura federal, delimitando-se as esferas de atua~ao dos Estados-Membros e da Uniao. Essa delimita~ao, chamada de lreparti~ao de competencias, e 9 ponto centra l do fecleraiTsmo, f'ressuposto da autono- mia dos entes federados. As unidades federadas rece- bem diretamente da Constitui~ao Federal as suas competencias, is to e, 0 reconhecimento de seus poderes conjugado com a atribui~ao de encargos. Nao se trata de mera descentraliza~ao administrativa, mas da existencia conjunta de multiplos centros de decisao polftica, cada qual com a exc1usividade em rela~ao a determinados assuntos. A Uniao trata dos interesses gerais, os Estados dos seus pr6prios interesses regionais ou locais ou daqueles que sao melhor tratados se delegados ao poder local. Desta forma, nos Estados Unidos de 1787, foram definidas com cuidado as atribui~oes da Uniao e deixou - se 0 res to (a competencia residual) para os Estados. Os principais objetivos a serem defendidos pela Uniao se- riam a defesa comum dos membros, a preserva~ao da paz publica (contra convulsoes internas ou ataques ex- ternos), a regula~ao do comercio com outras na~oes e a manuten~ao de rela~oes polfticas e comerciais com os pafses estrangeiros. Aos Estados caberia tudo aquilo de que nao fossem explicitamente destitufdos pela Consti- tui ~ao. As duvidas seriam dirimidas pela Suprema Cor- te. A decorrencia direta da reparti~ao de competencias e a distribui~ao das fontes de recursos financeiros para equilibrar os encargos e as rend as das unidades federa- das.A forma norte-americana de reparti~ao de compe- tencias, depois imitada pela maioria dos Estados federais surgidos posteriormente, foi assim resumida por James Madison, co-autor dos Artigos Federalistas, no artigo 45: "The powers delegated by the proposed Constitu- tion to the federal government are few and defined. Those which are to remain in the State governments are numerous and indefinite. The former will be exercised principally on 14 c:.srnaQ e L.oIIstitlfifiio 3 GILBERTO BERCOVICI external objects, as war, peace, negotiation, and foreign commerce; with which last the power of taxation will, for the most part, be connected. The powers reserved to the several States will extend to all the objects which, in the ordinary course of affairs, concern the lives, liberties, and properties of the people, and the internal order, improvement, and prospe- rity of the State. The operations of the federal government will be most extensive and importan t in times of war and danger; those of the State governments, in time of peace and security. As the former periods will probably bear a small proportion to the latter, the State governments will here enjoy another advantage over the federal government. The more adequate, indeed, the federal powers may be rendered to the national defence, the less frequent will be those scenes of danger which might favour their ascendancy over the governments of the particular States"9 Esta separa~ao absoluta de competencias do federa- lismo c1assico (denominado federalismo dualista) e jus- tificada no contexte de um Estado liberal, em que a atua~ao estata l era relativamente reduzida. A separa~ao total e, assim, possfvel por causa da pouca extensao e relativa simplicidade da interven~ao do Estado. Para ~parte da doutrina norte-americana, 0 federalismo ~ua lista era um complemento necessario ao Es tado libe- ral e ao laissez-faire economico, evitando uma maior regula~ao e interven~ao estatal (especia lmente da parte da Uniao) na economia. 'O - A questao da "separa~ao dos Poderes" foi a motiva- ~ao de uma das mais severas crfticas feitas 11 Constitui- ~ao norte-americana no perfodo de sua elabora~ao e ratifica~ao. 0 tema e tratado nos artigos de numeros 47 a 9 Alexander HAMILTON, James MADISON & John JAY, op. cit., Artigo n° 45. 10 Edward S. CORWIN, Americlln Constitutional History, New York, Harper Torchbooks, 1964, p. 163-164; Bernard SCHWARTZ, Direito COllstiludollnl Americallo, Rio de Janeiro, Forense, 1966, p. 63-65, 68-70 e 206-207; Bernard SCHWARTZ, £1 Federalismo NortellmericfII/O Actulll, Madrid, Civitas, 1993, p. 39-44 e Enoch Alberti ROVIRA, Federnlismo y Cooperncioll ell In Republica Federal Alemnlln, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1986, p. 353-355. Dilemas do Estado Federal Brasileiro 15 51, todos de autoria de James Madison. Os crfticos da Constitui~ao de 1787 alegavam que esta nao havia con- sagrado a "separa~ao de Poderes", estando 0 poder distribufdo d e maneira desproporcional entre os diver- sos 6rgaos estatais, 0 que favoreceria 0 acumulo do poder em uma s6 mao, ou seja, 0 estabelecimento de uma tirania. 1I Para Madison, esta crftica s6 poderia ser provenien- te da ma-interpreta~ao da obra de Montesquieu. Afina l, o pensador frances nunca disse que os poderes nao deveriam possuir nenhuma ingerencia parcia l ou ne- nhum controle uns sobre os outros. Alem disso, a pr6- pria Constitui~ao da Inglaterra, exemplo utilizado por Montesquieu, nao consagrava a separa~ao total e absolu- ta dos Poderes.'2 0 que Montesquieu afirmou reiterada- mente e a sua opos i~ao it concentra~ao de todo 0 poder nas maos de uma s6 pessoa, que caracterizaria a tirania. Destacamos, assim, 0 seguinte trecho do Artigo nO 47, de autoria de Madison: "From these facts, by which Montes- quieu lUas guided, it may clearly be inferred that in saying 'There can be no liberty where the legislative and exeClltive powers are united in the same person, or body of magistrates', or, 'if the power of judging be not separated from the legislative and executive powers', he did not mean that these departments ought to have no partial agency in, or no control over, the acts of each other. His meaning as his own words import, and still more concillsively as illustrated by the example in his eye, can amount to no more than this, that where the whole power of one department is exercised by the same hands which possess the whole power of another depart- ment, the fundamental principles of a free constitution are subverted" .13 II Neste sentido, vide Pedro Carl os .Bacelar de VASCONCELOS, A Sepnrn(no dos Poderes nil COllstifuipi0 Americllna: Do Veto Legislativo aD Execlltivo U"ittirio - A Crise Reglllnt6rin, Coimbra, Coimbra Ed., 1994, p. 24-25. 12 Alexander HAM ILTON, James MADISON & John JAY, op. cit., Artigo n° 47. 13 Ibidem. 16 Estndo e COllstiilli(no 3 GILBERTO BERCQVICI Para os autores dos Artigos Federalistas, a Constitui- ~ao norte-americana conseguiu evitar a concentra~ao do poder em uma s6 mao, sem separar de forma total e absoluta os Poderes do Estado. Nao poderia ser diferen- te, pois nao ha, para eles, nenhum caso de algum Estado que tenha conseguido manter os varios Poderes absolu- tamente distintosl4 A chamada "separa~ao dos poderes" nao exigiria, assim, que os Poderes Legislativo, Executivo e Judici;irio fossem inteiramente desvinculad os uns dos outros. Na realidade, 0 essencial era, inclusive, a sua vincula~ao e interpenetra~ao, realizadas de maneira que cada urn dos Poderes obtivesse 0 controle constitucional sobre os demais. A mera declara<;ao escrita dos limites dos varios Poderes nao era suficientelS 0 mecanismo encontrado na Constitui~ao norte-americana foi, ao inves da separa- <;ao total e absoluta dos Poderes, a introdu~ao do sistema defreios e contrapesos (checks and balances). 16 Nas palavras de Madison: "The only answer that can be given is that as all these exterior provisions are found to be inadequate the defect must be supplied, by so contriving the interior structure of the government as that its several constituent parts may, by their mutual relations, be the means of keeping each other in their proper places".17 Os autores dos Artigos Federnlistas, particuiarmente Madison, defendiam uma forma de governo que evitas- se que as fac<;6es ls se tornassem maioria apta a controlar 14 Alexander HAMILTON, James MADISON & John JAY, op. cit., Artigo nO 47. Vide tambem Bernard SCHWARTZ, Direito Conslill/ciollal AmericllIlo cit., p. 28-29. 15 Alexander HAMILTON, James MADISON & John JAY, op. cit., Artigo n° 48. 16 Sobre 0 sistema de freios e contrapesos, vide especialmente Pedro Car los Bacelar de VASCONCELOS. op. cit., p. 29-33. 17 Alexander HAMILTON, James MADISON & John JAY, op. cit ., Artigo nO 51. 18 "By nfnctioll, Jllllderstnlld n IIlImber of citizens, wltether nmolillting to n majority or millority of tlte whole, who are Illlited and nctllnted by some commoll impllise of pnssioll, or of illterest, adverse to tile rights of other citizells, or to the perlllammt alld nggregate ill terests of lite commllllity". Alexander HAMILTON, James MA. DISON & John JA Y, op. cit., Artigo n° 10. Dilemas do Estado Federal Brasileiro 17 ...------'1 - o Estado. 0 objetivo do born governo seria 0 de garantir os bens pl.blicos e os direitos privados contra as fac~6es, assegurando ao mesmo tempo 0 espirito e forma do governo popular. Este governo 56 poderia ser 0 governo republicano: "The two great points of difference between a democracy and a republic are: first, the delegation of the govemment, in the latter, to a small number of citizens elected by the rest; secondly, the grea ter number of citizens, and greater sphere of country, over which the latter may be extended" .'9 o grande desafio do governo republicanoseria 0 de evi tar que a natural supremacia do Poder Legislativo, enquanto poder mais pr6ximo do povo, se transformas- se em uma tirania da maioria ou de uma fac~ao domi- nante.'o Este pensamento foi muito bern explicitado por Thomas Jefferson: "AI the powers of government, legislati- ve, executive, and judiciary, result to the legislative body. The concentrating these in the same hands a precisely the defini- tion of despot ic govemment. It will be no alleviation that these powers will be exercised by a plurality of hands, and not by a single one. One hundred and seven ty-three despots would surely be as oppresive as one. Let those who doubt it tum their eyes on the republic of Venice. As little will it avail us tha t they are chosen by ourselves. An elective despotism was not the governmen t we fought for, but one which should not only be founded on free principles, but in which the powers of government should be so divided and balanced among several bodies of magistracy, as that no one could transcend their legal limits, without being effectually checked and restrained by the others. For this reason that convention which passed the ordinance of govemment, laid its foundation on this basis, that the legislative, executive and judiciary 19 Alexander H AMILTON, James MADISON & John JAY, op. cit., Arligo nO 10. 20-r:h,omas JEFFERSON, "Notes on the State of Virginia" ill TIle Life tIlld Selected Wntlllgs of Thomas Jeffersoll, New York, Modern Library, 1993, p. 221-223 e Alexander HAMILTON, James MADISON & John JAY, op. cit., Arligos nO 48 e 51. 18 Estado e C0l15til/li~iio 3 GILBERTO I3ERCOV[CI departments should be separate and distinct, so that no person should exercise the powers of more than one of them at the same time".'! A democracia pura (para os autores da ep oca, a democracia direta da Atenas chl.ssica) se caracteriza ria por urn pequeno numero de cidadaos que se uniriam e administrariam pessoalmente 0 governo, nao resolven- do os maleficios advindos do surgimento das fa c~6es. Ja a republica teria a opiniao do povo, portanto tambem a das fac~6es, filtrada pelas assembleias. Alem disso, a grande extensao da republica dividiria a esfera de inte- resses: os interesses amp los e gerais seri am tratados na assembleia naciona!, e os interesses loca is e particu lares, nas assembleias estaduais." Este e 0 ponto central da estrutura do Es tado norte-america no e da sua democracia: a jun~ao do meca- nismo d e freios e contrapesos (ou seja, repud io it divisao total e estanque dos Poderes) com 0 federalismo. Em outras palavras, a separa~ao horizontal de Poderes con- jugada com a separac;ao vertical, nenhuma de forma absoluta, mas de uma maneira equilibrada onde um Poder controla 0 outro, tanto os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciario como a Uniao e os Estados. E Madison sintetizou esta f6rmula no Artigo nO 51: "In a single republic, all the power surrendered by the people is submitted to the administration of a single govemment; and the usurpations are guarded against by a division of the government into distinct and separate departments. In the compound republic of America, the power surrendered by the people is firs t divided between two distinct governments, and then the portion allotted to each subdivided among distinct and separa te departments . Hence a double security arises to 21 Thomas JEFFERSON, op. cit., p. 221-222. 22 Alexander HAMILTON, James MADISON & John JAY, op. cif., Artigos nO 10 e 14. Dilemas do Estado Federal Brasileiro 19 If""" the rights of the people. The different governments will con- trol each other, at the same time that each will be controlled by itself'B Desde 0 modelo original norte-america no, as defi- ni~6es e caracteristicas dos varios tipos de federalismo, todavia, nunca podem ser consideradas como absolutas. Afinal, 0 federalismo norte-americano caracteriza-se pela dec isiva atua~ao da Suprema Corte na sua configu- ra~ao no decorrer da evolu~ao hist6rica. Assim, nos prim6rdios da Republica Americana, a Suprema Corte, liderada por Marshall, buscou consolidar a Uniao, refor- ~ando seus poderes frente as ex-Colonias, agora Esta- dos-Membros: era 0 national federalism.24 Ap6s a Guerra Civ il (1861-1865), a interpreta~ao da Suprema Corte buscou ressa ltar os poderes estaduais frente a Uniao, enfatizando a separa~ao rigid a de compeb~ncias (dual federalism) . A tendencia a uma maior coopera~ao entre as duas esferas e a preponderancia federal vern desde 0 final do seculo XIX, mas a ruptura definitiva com 0 federalismo dualista 56 ocorre com 0 New Deal de Frank- lin Delano Roosevelt (1932-1945).25 Foi a necessidade de interven~ao do Estado para solucionar os problemas gerados com a depressao da decada de 1930 que levou ao abandono do federa lismo 23 Alexander HAM ILTON, James MADISON & John JAY, op. cit., Artigo n° 51. 24 Urn exemplo desta cons tru~ao jurisprudencia\ e a e laborac;ao da "Doutrina dos Poderes Irnplfci tos", em que se assegurava a UniAo nao apenas as poderes enumerados expressamente no texto consti tucionaL mas tambem as poderes necess~ ri os e apropriados ao exercfcio efetivo destes poderes expressos. Vide especialmente Edward S. CORWIN, op. cit., p. 148-152; !!ernard SC HWARTZ, Dirdto C01lstitllciollnl Americano cil., p. 51 -55 e Bernard SCHWARTZ, Ef Fede- ralisti/o NorteallleriCflllO Actllal ciL, p. 21-24. 25 At~ 1937, a Suprema Corte decidia de modo favon1vel ao laissez-faire eco- nomico. 0 caso rna is famoso, sobre direitos trabalhi stas, fo i 0 LociJller v. New York, de 1905, que simbolizou 0 periodo de 1905 a 1937, conhecido como "Loch"er period". Cf. Cass R. SUNSTEIN, Ti,e Partial COllstilllt ioll, reimpr., Cambridge (Mass.)/London, Harvard University Press, 1997, p. 42-51 e 62-66. Vide tambem Edward S. CORWIN, op. ciL, p. 102-103 e Enoeh Albe rti ROVI- RA, op. cit., p. 347-349. 20 Estado e Coltstitlli(iio 3 GILBERTO I3ERCQVICI dua lista nos Estados Unidos 2 6 0 que ocorreu com 0 federalismo norte-americano, a partir do New Denl, foi a transforma~ao das re la~6es Uniao-Es tados, dando ori- gem as tendencias fundamentai s das polfticas publ icas desenvolvidas posteriormente. Comparativamente a Uniao, os Estados perderam grand e parte de sua autori- dade e nao a recuperaram mais. 0 que tambem nao gerou nenhuma "ditadura federal ", nem se deve excl u- sivamente a polftica naciona lista de Roosevelt. Na reali- dade, os Estados perderam a capacidade de solucionar, isoladamente, os principais problemas economico-so- ciais de suas popula~6es, ao mesmo tempo em que a Uniao construiu e consolidou urn vasto e poderoso apa- relho ad ministrativo fed eral.27 Com 0 New Deal, inicialmente, houve, de fato, uma tendencia fortemente centralizadora. No en tanto, a cen- trali za~ao excessiva foi posta de lado quando 0 Govemo Federal se deu conta da necessidade da co l abora~ao dos poderes subnacionais para a rea liza~ao do ambicioso programa proposto por Roosevelt: passou-se, en tao, a enfa ti za r nao rna is a competi~ao, mas a coordena~ao e coopera~ao entre Uniao e Estados, com 0 desenvolvi- mento do fooperative federalism, 28 tomando 0 federalismo 26 Edward S. CORWIN, op. cit ., p. 145-146; Bernard SCHWA RTZ, Direito COllstilllciollal Americfl/IO cit., p. 207-209 e 229-232; Bernard SCHWARTZ, El Federalislllo Nortealllt:ricallo Actllal cit., p. 44-48, 68-69 e 112-119 e Dalmo de Abreu DALLARI, 0 Estado Federal cit., p. 43-48. De acordo com James Patter- son, durante a deeada de 20, a esfera estadual era mais importante e inova- dora do que a esfera fede ral, especial mente no toeante as politicas sociais. No entanto, boa parte destas inova<;oes estaduais acabaram fracassando, rerua- nescendo apenas alguns poucos avanc;os pontuais em determinados Estados norte-americanos. Cf. James T. PAITERSON,Tile New Deaf alld tile States: Federalism ill Trnllsitioll, Princeton, Princeton University Press, 1969, p. 3-1 6. 27 James T. PATIERSON, op. cit., p. 198 e 202-207. Para a v isao crftica dos /lew dealers sobre 0 federalismo norte-america no em seus moldes tradicionais, vide Cass R. SUNSTEIN, "Cons titutionalism after the New Deal", Harvard Law Review nO 101, dezembro de 1987, p. 425, 442-443 e 504-508. 28 A Suprema Corte 56 come<;ou a abandonar a coneep<;ao dualista do fede~ ra li smo nor te-americano a partir de 1937, quando passou a reinterpretar a loa Emenda a Const itui<;ao de 1787, que determinava que os poderes remanes- cen tes, ou seja, os nao explicitados no tex to eons titueional, perteneiam aos Dilemas do Estado Federa l Brasileiro 21 , A centraliza~ao fomentada pelo Imperador fez com que ~ refor~asse 0 senti men to autonomista que vigorava em varias Provincias, particularmente em Pernambuco: Em 2 de julho de 1824, foi proclamada a Confedera~ao do E'll.'ador,. baseada no exemplo norte-americano. Uni- ram-se para formar uma republica federativa as Provin- cias de Pernambuco, Para ilia, Rio Grande do Norte e Ceara. Foi feito um apelo as Provincias de Piau!, Mara- nhao e Para pa ra que aderissem, alem das demais Provincias que quisessem ser reg idas pel a fonna de go verno a ser estabelecida pela futura Assembleia Cons- tituinte. As for~as imperiais, no en tanto, rapidamente Q.errotaram a Confedera~ao do Eguador. Os_seus Ifderes morreram em combate, fug iram do P-ill£...Oll foram pre- sos, s~ndo alguns condenados, como Frei Caneca, a ..I)1orte 32 As fo[(; as centrifugas, entretanto, iriam se manifes- tar ate 0 inicio do Segundo Reinado. Curiosa mente, ao contra rio do que possa parecer, a di visao da republi cana America espanhola em va rios paises acabou por se tornar em forte estimulo a unidade, sendo sempre invo- cada como modelo a ser evitado pelo Brasil a qualquer pre,o.33 Mas 0 mesmo consenso nao ocorria em rela,ao a D. Pedro I d esde a cruel repressao it Confedera<;ao do Equador. Tido como desp6tico e absolutista, 0 Impera- dor era tratado de forma cada vez mais hostil pelos liberais brasileiros. As sucessivas crises entre a Camara dos Deputados e D. Pedro I acaba ram por indispor 0 monarca com a opiniao publica. _0 fra casso dessa pri- 32 Amaro QUINTAS, "A Agita~ao Republi cana no Nordeste" ill Sergio BlIar- que de HOLANDA (coord .), Historin Geml da Civilizflfiio Bnisileirn, tama II, vol. 3, 6" ed, Sao Pau lo, Difel, 1985, p. 227-233 e Jose Murilo de CARVALHO, "Federalismo e Central iza<;ao no Imperio Brasileiro: Hist6ria e Argumento" ill POll los e Bordndos: Escritos de Hist6rin e Potrticn, reimpr., Bela Horizonte, EdUFMG, 1999, p. 163-164. 33 Sergio Buarque de HOLANDA, "A Heran<;a Colonial - Sua Desagrega<;ao" ;11 Sergio Buarque de HOLANDA (coord. ), Hisf6rin Gera' rill C;vilizflfiio Brasi- leirn, toma II, vol. 3, 6a ed, Sao Paulo, Dife!, 1985, p. 15 e Jose Murilo de CARVALHO.op. , ;/. , p. 161-163. 24 Estado e COllstit1ti~ifo 3 GILBERTO BERCOVICI meira tentativa de centraliza,ao consubstanciou-se com .a 7 de abril de 1831, quando D. Pedro I foi for<;ado a abdicar. Como D. Pedro II era ainda uma crian~a , instalou- se uma Regencia ate a sua maioridade. Tentou-se criar uma especie de "monarquia federativa" jil em outubro de 1831, quando fo i apresentado it Assembleia Geral 0 "Projeto Substitutivo Miranda Ribeiro", que acabava com a vitaliciedade do Senado (tornando-o renovavel na sua ter,a parte a cada legislatura); transformava os Conselhos Gerais em Assemblt~ias Provincia is com d uas casas; di vidia os poderes tributarios entre as Assem- bleias Geral e Provincial, alem de discriminar as rendas publicas; instituia a autonomia municipal (0 Governo Geral continuaria a nom ear 0 Presidente da Provincia, e as Assembleias Provincia is nomeariam os intendentes de cada Municipio); entre outras modifica,6es. Aprova- do pela Camara, nao foi sequer discutido no Senad034 As iniciativas da Camara dos Deputados opunha-se quase sempre 0 Senado vitalicio e, na sua grande maio- ria , conservador. 0 impasse s6 foi superado com a Lei de 12 d e outubro de 1832, determinando que os eleitores concederiam poderes especiais aos deputados para alte- rar os artigos e paragrafos da Constitui~ao expressamen- te declarados como reformaveis: seria aprovado 0 Ato Adicional (Lei nO 16, de 12 de agosto de 1834) . Com 0 Ato Adicional, ocorreu uma certa descentra- li za~ao. Embora sem autonomia, as Provincias foram dotadas de Poder Legislativo pr6prio e tutela sobre os Municipios. Foram criadas, em sub'stitu i<;ao aos Conse- Ihos Gerais, as Assembleias Legislativas Provinciais, com prerrogativas de elabora<;ao d e projetos e leis am- pliadas (artigos 10 e 11 do Ato Adicional). 0 Presidente .H Paulo Pereira de CASTRO, "A 'Experiencia Republicana', 1831-1840" ill Serg iO Buarque de HOLANDA (coord .), Hist6ria Geral da Civilizafiio Brasileira, lomo II, vol. 4, Sa ed, Sao Pau lo, Dife!, 1985, p. 29-31 e Jose Murilo de CAR- VALHO, op. ,;/., p. 164-165. Dilemas do Estado Federal Brasilciro 25 I I , da Provincia continuou, entretanto, um delegado da Corte, a ser nomeado pelo Poder Central. Nem todas as resolu<;6es das Assembleias Provincia is precisariam mais ser aprovadas pel a Assembleia Geral. As que eram especificadas no Ato Adicional poderiam ser enviadas diretamente ao Presidente da Provincia, que as sancio- naria ou nao. o paradoxo do alargamento das franquias prov in- ciais foi 0 fato de ter sido feito as custas dos Municfpios. A defesa da ideia de separar do Poder Central tudo aquilo que poderia ser resolvido em ambito provincial nao teve a sua contrapartida no tocante aos Municfpios. As Assembleias Provinciais passaram a poder legislar sobre impostos, despesas e empregados municipais, alem de criar ou revogar posturas municipais sem preci- sar esperar ou depender da iniciativa das Camaras Municipais (artigos 10, IV a VII e XI, e 11, III, do Ato Adicional). De 6rgaos politicos, juridicos e administrati- vos durante a Colonia,3s as Camaras, segundo 0 artigo 24 da Lei de 1 ° de outubro de 1828 (Regimen to das Ciimaras Municipais do Imperio), passaram a meras "corpora~6es administrativas". Segundo Victor Nunes Leal, a tutela das Camaras pelas Assembleias Provinciais era justifica- da na epoca por dois motivos: 0 de cada Provincia estabelecer 0 regime municipal que the Fosse mais con- veniente e 0 do fortalecimento das Provincias em rela~ao ao Governo Central atraves da unifica~ao de sua politica interna. Ja historiadores como Sergio Buarque de Holan- da analisam essa decadencia das institui~6es municipais como consequencia do quadro mais largo da liquida~ao da heran~a coloniaL'6 35 Sabre 0 import ante papeJ politico desempenhado peJas Camaras Munici- pais durante 0 perfodo colonial, vide especial mente Caio PRADO Jr, Evol ll(iio Palilica do Brasil· ColOnia e Imperio, 19~ ed, Sao Paulo, Brasiliense, 1991, p. 29-32 e 38-44 e Victor Nunes LEAL, Corollelisl1Io, EIlxnrin e Voto: 0 Mllnicipio e 0 Regime RepresentativD liD Brasil, 6~ ed, Sao Paulo, Alfa-Omega, 1993, p. 60-73. 36 Serg io Buarque de HO LANOA, "A Heran~a Colonial - Sua Oesagrega<;ao" cit., p. 23-26 e Victor Nunes LEAL, op. cil ., p. 76-78. 26 Estado e Co"stit lli~iio 3 GILBERTO BERCOVICI A Eegencia nao conseguiu montar llm esquema de estabilidade com um nucleo hegem6nico de Provincias, como ocorreria durante a Primeira Republica. As abun- dantes revoltas do periodo buscavam nao a de sagrega- ~ao, mas uma mefFlOr participa~ao no ' poder. Elas traduzem 0 anseio de conquistar uma maior integra ~ao no comando politico para a conquista de mais poder de decisao e beneficiar a economia local. 0 grupo de Pro- vincias que deu a principal base para a Independencia, Sao Paulo, Rio deJaneiro e Minas Gerais, nao se revol- tou, pois possuia vantagens politicas superiores ao seu poder economico, numa epoca em que 0 centro dinami- co da economia concentrava-se em Bahia, Pernambuco e Maranhao (locais de maior arrecada~ao tributaria do periodo). As revoltas eclodiram nas areas que se sentiam espoliadas com a p~rtilha do poder entao vigente (Rio Grande do Sui e Bahia) ou COiTi' 0 arastamento das Ifderan~as locais na politica regionaqPanl), al~m das ,9isputas pelo poder provincia1 (~ranhao). A separa~ao era reclamada ou imposta como tatica de luta, sob a promessa de retorno it unidade assim que a causa pela qual os revoltosos lutavam Fosse vitoriosa (exemplos patentes foram 0 da fSabinada baianal e 0 da_Revolu<;ao Farroupilha gallcha).37 o inicio de descentraliza~ao promovido pelo Ato Adicional teve vida curta. As condi~oes politicas gera- das pela constante instabilidade do periodo regencial fizeram com que maioria conservadora instalada no Legislativo, autodenominada "Regresso", aprovasse a Lei de Interpreta~ao do Ato Adicional (Lei n° 105, de 12 de maio de 1840). Esta lei de interpreta~ao refor~ou 0 centralismo, retirando varias prerrogativas dadas as Provincias, concentrando mais 0 poder na Corte e nas 37 Caio PRADO Jr, op. cit., p. 71-81 e 86-89; Raymundo FAORO, Os 0 0 11 05 do Poder: Formn~jjo do Pa/ ronalo Pofft ico Brasileiro, 8" ed, Sao Paulo, Globo, 1989, p. 315-31 6 e 320-321 ; Paulo Pereira de CASTRO, op. cit. , p. 50-53 e Jose Murilo de CARVALHO, op. cit., p. 165-1 67. Dilemas do Estado Federal Brasileiro 27 3 1 maos do Imperador: ampliaram-se as prerrogativas dos Presidentes de Provincia as custas das Assembleias Pro- vinciais. Os liberais reagiram a onda conservadora, estimu- lando 0 chamado "Golpe da Maioridade". Vitoriosos, foram convocados pelo novo Imperador, D. Pedro II, entao com apenas 14 anos de idade, para organizar 0 primeiro gabinete do Segundo Reinado. Logo apeados do poder, os liberais tentaram mudar a situa~ao, provo- cando mais duas revo ltas provincia is, a de 1842 (conhe- cida por Revo lta Liberal, baseada em Sao Paulo e Minas Gerais) e a de 1848 (nova mente em Pernambuco, conhe- cida como "Revolu~ao Praieira"). Em ambas, 0 Governo Central tomou logo controle da situa~ao. Com a derrota da Revolu~ao Praieira, terminou 0 ciclo de revoltas do periodo imperial. A pr6xima crise interna do regime, entre 1870 e 1889, seria tambem a ultima. Durante 0 Segundo Reinado, os Presidentes das Provincias ficavam no cargo, na maioria das vezes, apenas durante 0 tempo necessario para garantir 0 predominio de seu partido (que era 0 do gabinete) na Provincia. Para obter sucesso nas elei~5es, 0 Presidente da Provincia escolhia chefes politicos para decidir a sorte das elei~5es nos colegios eleitorais, manobrava postos da Guarda Nacional, perseguia e afastava ele- mentos oposicionistas ou suspeitos II situa~ao, removia ou nomeava autoridades policiais, etc. Assim que con- cluisse sua tarefa, deixava 0 cargo para seu substituto legal. Quando 0 Presidente da Provincia tambem era deputado II Assembleia Geral, exercia 0 cargo, normal- mente, apenas durante 0 recesso parlamentar ou quando nao tivesse nada de mais importante para fazer na Corte. Frequentemente, 0 mesmo homem ocupava durante a sua carreira a presidencia de va rias Provincias. A alta rotatividade de Presidentes era tambem ex trema mente prejudicial as Provincias, pois atrapalhava toda a sua administra~ao. Para resolver este problema, foram pro- 28 r_, J _ "'_ L;.;!IW ' IV t: ..... ulIstillli(ifo 3 GILBERTO BERCQVIC! postos varios projetos que modificavam a nomea~ao do Presidente da Provincia, alguns prevendo, inclusive, a elei~ao direta. Em 1860, foi proposta a Reforma Almeida Pereira, que criava no servi~o publico uma carreira de "Presidente de Provincia". De acordo com esta proposta, os gabinetes escolheriam pessoas de sua confian~a em um quadro de servidores publicos apartidarios e dota- dos de conhecimentos especializados38 Nenhuma das reformas apresentadas foi aprovada, perdurando a questao dos Presidentes das Provincias, particularmente a da sua eletividade, ate a Republica . A primeira contesta~ao republicana ao regime mo- narquico desde 0 fim das revoltas provincia is foi 0 ~esto Republicano de 1870, que exigi a, en tre ou tros temas, a implanta~ao da Federa~ao, nos moldes norte- american os. A solu~ao para as novas aspira~5es e confli- tos surgidos com as transforma~5es economicas e socia is da segunda metade do seculo XIX parecia estar no federalismo. A centraliza~ao passou a ser vista como um entrave ao desenvolvimento do pais. I) unitarismo durou enquanto houve id entifica~ao do poder economico com 2.....I2 0der politico, alem da ~sencia de grandes conflitos entre as elites dirigentes . '\(Com 0 deslocamento do centro dinamico da economia ~6s 1850, 0 desequilibrio criado entre 0 poder economi- So e 0 poder politico deu novo vigor II aspira~ao federa- listf,r As regi5es fornecedoras da maior parte dos estadistas do Imperio, 0 Norte a~ucareiro e os nucleos cafeicultores do Rio de Janeiro, estavam em crise. 0 ..!l0vO centro economico era 0 oeste paulista . _Al~ado II condi~ao de motor do desenvolvimento do pais, Sao f.aulo se sentia prejudicado e discriminado pel a centrali- za~ao . Dessa forma, de todas as Provincias, Sao Paulo 38 Raymundo FAORO, op. ciL, p. 377-379; Joao Camilo de Oliveira T6RRES, A Form(l~iio do Federalismo 110 Brasil, Sao Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1961, p. 112-114 e Simon SCHWARTZMAN, Sao Pallio e 0 Estndo Naciollal, S~o Paulo, O;[el, 1975, p. 106·1 09. Dilemas do Estado Federal Brasileiro 29 era aquela em que os republicanos estavam em maior nLtmero e melhor organizados. No casoEaulista, a defe- ~o~ublicanis_mo com federalismo tinha como _moti- y'o 0 desejo de aumentaLs.ellSJec~Q?: .Q?El'ublicanos defendiam uma redistribuic;ao das rend as para que Sao ~ulo puaesse financiar os custos de sua economia em ~ansao, base;!.da no cafe. A primeira vit6ria eleitoral republicana no pais, inclusive, foi a eleic;ao de tres deputados republicanos para a Assembleia Provincial de Sao Paulo, ja em 1877 e, em 1881, foram eleitos seis deputados republicanos para a mesma Assembleia . Os EIiIDeiLos, e unicos, deputados republicanos eleitos para a Assembleia Geral foram Prudente de Moraes eManuel Ferraz de Caml20s Sal,es, de Sao Paulo (futuros Presiden- 1.~s da Rel'ublica), e Alvaro Andrade Botelho, de. Minas Gerais, em 1884.39 - Ao contrario do crescimento do sentimento republi- cano no SuI, reinava a indiferenc;a no Norte. Na Bahia, os republicanos eram ignorados. Nunca a Bahia conseguiu formar um partido republicano forte. tQ.s dois principais politicos baianos da Primeira Republica, Rui Barbosa e Jose Joaquim Seabra, eram ambos origimirios dos velhos partidos monarquico]) Pernambuco, por sua tradic;ao revolucionaria, reunia maiores condic;6es para a propa- gac;ao dos republicanos. Entretanto, 0 partido republica- no era fraco, e, talvez para compensar essa fraqueza , muito radical, dissociando-se da grande maioria repu- blicana do resto do pais. Os republicanos hist6ricos de Pernambuco, devido aos varios choques entre as diver- sas facc;6es politicas, nao teriam forc;a para assumir 0 go verno com a Proclamac;ao. Ap6s um periodo turbulen- 39 Raymundo FAORO, op. cit., p. 452-466; Simon SCHWARTZMAN, op. cit., p. 79·80 e 112-114; Sergio Buarque de HOLANDA, "0 Manifesto de 1870" ill Sergio Buarque de HOLANDA (coord .), Hist6ria Gem! da Civiliza~iio Brasileira, toma II, vol. 7, 4a ed, Sao Paulo, Difel, 1985, p. 265·267; Renata LESSA, A II/vel/{:na RepllbJicalla: Campos Sales, as Bases e n Decndellcia da Primeira Repllblica Brasileira, Sao Paulo/Rio de Janeiro, Vertice/RT / IUPERJ, 1988, p. 41-42 e Jose Murilo deCARVALHO, op. cil., p. 170-172. 30 Eslado e COllstitlli{:no 3 GILBERTO BERCOVICI to, este iria para um antigo membro do Partido Conser- vad~r, Francisco de Assis Rosa e Silva.~ razao dessa suposta lealdade do Norte it monarquia pode ser tirada das pessimas condic;6es economicas vigentes, com 0 prec;o dos principais produtos caindo no mercado inter- nacional. Ao inves de se revoltarem contra 0 regime, aquelas Provincias viam no auxilio do Poder Central a sua Lmica esperanc;a~ 1.3. A Republica, 0 Coronelismo e 0 Poder dos Estados 0889-1930) ProcIamada a RepLlblica, 0 federalismo foi institui- do pelo Decreto nO 1, de 15 de novembro de 1889. As antigas Provincias foram transformadas em Estados._O federalismo da Constituic;ao de 1891, moldado no fede- ~smo dualista classico:1 praticamente ignorou a coo- Eac;ao entre Uniao e entes federados. 0 artigo 5° desta Constituic;a042 restringia 0 auxilio federal aos Estados exclusivamente aos casos de calamidade publica. Em 1897, 0 Governo Federal regulamentaria 0 artigo 5° de forma minuciosa, especificando os casas em que os Estados poderiam receber auxilio da Uniao, alem de determinar que, junto com a solicitac;ao formal do pedi- do, a ajuda federal dependeria de comprovac;ao docu- mentada de que os recursos disponiveis do Estado solicitante foram totalmente exauridos sem exito para 40 Sergio Buarque de HOLANDA, "0 Manifesto de 1870" cii., p. 267·268. Sabre as rela~oes entre as Provincias do Norte e 0 Governo Imperia l, vide, especiaimente, a obra de Evaldo Cabral de MELLO, 0 Norte Agrnrio e 0 Imperio, 1871-1889,2" ed, Rio de Janeiro, Topbooks, 1999. 41 Cf. Dalmo de Abreu DALLARI, "Os Estados na Federa~ao Brasilei r3, de 1891 a 1937", Revista de Direito COllst;tllcio1lal e Ciellcia Po/{/ica n° 3, Rio de Janeiro, Forense, julho de 1984, p. 103-105. .J2 Artigo 5° da Cons titlli~ao de 1891: "lncumbe a cada Estado prover, a expensas proprias, as necessidades de sell governo e administra~ao; a Uniao, porem, prestani SOCCOTTOS ao Estado que, em caso de calamidade publica, os solicitar". Dilemas do Estado Federal Brasileiro 31 1T debelar a calamidade que 0 atingiu. Para evi tar os pedidos de auxflio dos Estados, 0 Ministro da Justi<;a de Prudente de Moraes, Amaro Cavalcanti, declarou, em Circular aos Governos Estaduais, de 22 de mar<;o de 1897, que 56 seriam atendidos os pedidos de auxflio financeiro para a tender a situa<;5es de calamidade publi- ca quando 0 Governo Federal julgasse cabivel 43 Parado- xalmente, foram as ca lamidades publicas, mais especificamente as secas no Nordeste, que justificaram as primeiras medidas de rela<;5es intergovernamentais tomadas sob 0 federalismo dualista do regime de 1891, especialmente com as obras contra as secas levadas a cabo durante 0 Governo de Epitacio Pes so a (1919-1922). JLr..esultado desse~istema foi a manuten<;ao de desigualdades gritantes entre os va rios membros da F_ede@s~~ Os tn~~ Estados economicamente mais fortes (Sao Paulo, Minas Gerais e, em menor grau, Rio Grande ao SuI) dominavam a Republica. Nao e coincidencia terem sido esses Estados os unicos que nao sofreram interven<;ao federal,44 sob qualquer pretexto, ate 1930. ' Podemos considerar como perifericos, mas sem poder efetivo, os Estados de Rio de Janeiro, Bahia e Pernambu- co. Todos os demais d ependiam diretamente da Uniao, que, por sua vez, era dominada pelos jogos de alian<;as dos tres grandes Estados. 43 A reprodusao do texto da Circular de 1897 encontra-se em SERVI<;O DE INFORMA<;AO LEGISLATIVA (SENADO FEDERAL), "0 Auxilid da Uniao aos Estados nos Casas de Calamidade Publica", Revis/a de /lljormflrao Legis/a- liva nO 7, Brasflia, Senado Federal, setembro de 1965, p. 252-253. Vide tambem Raul Machado HORTA, "Problemas do Federalismo" ill Raul Machado HOR· TA (arg.), Perspect ivas do Federalismo Brnsileiro, Bela Horizonte, Ed. Revista Brasileira de Estudos Polfticos, 1958, p. 25-27 e A All/onomia do Estado-Membro 110 Direito COllstitllcional Brasileiro, mimeo, Bela Horizonte, Tese de Titularida- de (F.wldade de Direito do UFMG), 1964, p. 285-287; SERVI<;O DE INFOR- MA<;AO LEGISLATIVA (SENADO FEDERAL), "0 Auxilio da Uniilo aos Estados nos Casos de Calamidade Publica" cit., p. 252-258 e Dalmo de Abreu DA LLARI, "Os Estados na Federa<;ao Brasileira, de 1891 a 1937" cit ., p. 119-121. 44 Sobre 0 regime da interven<;ao federal previsto na Constitui<;ao de 1891 (ate a Reforma de 1926), vide Enrique Ricardo LEWANDOWSKI, Pressttpostos Materiais e Formais da llltervell(iio Federal 110 Brasil, Sao Paulo, RT, 1994, p. 59-69. 32 Estado e COllstitlli(iio 3 GILBERTO BERCOVlCi No sistema politico implantado com a Republica, 0 Poder Executivo sobrepunha-se aos demais. A "Politica dos Governadores" era a subordina~ao do Congresso Nacional aos interesses das oligarguias es taduais alia- das ao Presidente da Republica . A sucessao presidencial era 0 grande momento do regime, constituindo a origem de, praticamente, todas as crises que ocorreram durante a vigencia da Constitui<;ao de 1891.)Como a escolha do Presidente era decisiva, a grande va'nfagem ficava com os tres grandes Estados, de maior popula<;ao e melhor sistema educacional, pois os analfabetos nao vo tava.~ ..Minas Gerajs, Sao Paulo e Rio Grande do SuI sobrepuja- yam os demais Estados em eleitorado, representando cerca de 50%_ dos votos nas elei<;5es presidenciais. Mas, mesmo nestes Estados, a frau de eleitoral corria solta. A estab ilidade da sucessao era garantida pela alian<;a entre o PRP (Partido Republicano Paulista) e 0 PRM (Partido Republicano Mineiro), a famosa alian<;a do "Cafe-com- Leite", que impunha 0 seu candida to ao resto do pais . As disputas 56 ocorriam quando as duas maquinas partida- rias es taduais divergiam, abrindo espa<;o para os dois elementos aut6nomos das decis5es politicas nacionais: 0 PRR (Partido Republicano Riograndense) e 0 Exercito. 0 sistema politico da Republica Velha nao mobilizava 0 eleitorado, gra<;as ao controle politico dos coroneis, no ambito municipal, e das maquinas partidarias, no ambi- to estadual. Quando ocorreu a mobiliza<;ao do eleitora- do (em 1910, 1922 e 1930), 0 sistema chegou ao limiar da ruptura . 52 Presidente da Republica d is tribufa as verbas federais entre os seus aliados nos Estados, podendo 'ugfizar 0 Exercito para depor qualquer governo es ta- <lual que se opusesse a sua politica. As exce<;5es nova- mente eram Minas, Sao Paulo e Rio Grande do SuI, cujas for<;as militares estad uais numerosas e bem-armadas garantiam a autonomia do Estado, juntamente com a coesao politica em torno de um partido politico estad ual Dilemas do Estado Federa l Brasileiro 33 r- f"' ,: ~,' (" ,. fo r te, que englobava praticamente todos os grupos poli- ticos do Estado (com a exce<;ao gaucha, onde dois parti - dos se d iglad iavam com armas na mao, apesa r do predomfnio indiscutivel do PRR ,45 o fe nomeno do coronel ismo e tfpico do perfodo repub licano que se imCia em 1889, embora va rios dos seus elemen tos, dados pela classica defini<;ao de Victor N unes Lea146 foss em determinaveis durante 0 Imperio e a Colonia. Isto decorre, basicamente, d a aboli<;ao da escrava tura, do aumento do contingente eleitoral e da ado<;ao do federalismo. 0 voto d os trabalhadores rurais, ap6s a ex tin<;ao da escravidao e a extensao do di reito d e 45 A causa das disputas polfticas no Rio Grande do Sui, que chegaram efeti- vamente a guerra civil em 1893 e 1923, era a sua Constituh;ao Estadual, inspirada no positivismo de Augusto Comte, elaborada por JUlio de Castilhos, a partir do projeto apresentado (e rejeitado) por Teixeira Mendes e Miguel de Lemos ao Mareehal Deodoro. A Constitui~ao gallCha contrariavl!...Jntlmeros disEositivos da Constitui~ao Federal de 1891: 0 presidente (gOvernador) doEstado poderia ser reeleito, desde que obtivesse maioria de 2/3; 0 vice-pre- sidente era escolhido pelo presidente, a nao ser que a maioria das dlmaras municipais votasse contra a indica<;ao e a assembh~ia legisla ti va possuia com- petencia apenas em materia on;amentaria e tributaria, a lE~m de reconhecer a elei<;ao do presidente e de processa-lo nos casos de crime de responsabilidade. o Poder Legislativo estava !las maos do presidente, que deveria dar ampla divulga<;ao aos seus projetos de lei. Os projetos poderiam receber sugestoes durante 0 prazo de 3 meses, cabendo ao presidente aceita-las ou nao, promul- gando a lei como quisesse . A lei s6 nolo entraria em vigor se a maior ia de 2/3 dos municipios a recusasse. 46 "Como indica<;ao introdut6ria, devemos notar, desde logo, que concebemos o 'coronelismo' como resultado da superposi<;ao de formas desenvolvidas do ,.. reg ime representativo a uma estrutura economica e social inadequada. Nao e, pois, mera sobrevivencia do poder privado, cuja hipertrofia constitu i {eno- menD tlDico de nossa hist6ria colonial. E antes uma forma peculiar de mani· privado, ou ~eja, uma adapta<;ao em virtud~da qual os anhgo e exor15itante poder privado tern ~guido~oexjs · ~ffirodeextensabase representativa. Por isso mesmo, o 'coronelismo' e so15retudo urn cornpromisso, uma troca de proveitos en tre o poder publico, progressivamente forta lecido, e a decadente influencia social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terras . Nao e possivel, pois, compreender 0 fenomeno sem referencia a nossa estrutura agniria, que {or- nece a base de sustenta<;ao das manifesta<;oes de poder privado ainda tao visfveis no interior do Brasil. Paradoxalmente, entretanto, esses remanescen- tes de privatismo sao alimentados pelo poder publico, e isto se explica justa- mente em fun<;ao do regime representativo, com sufragio amplo, pois 0 governo nao pode prescindir do eleitorado rural, cuja situa<;ao de dependen- cia ainda e incontestavel." ill Victor Nunes LEAL, op. cit., p. 20. 34 Estndo e C01/stitui(iio 3 GILBERTO BERCOVICI sufragio, passou a ter importancia fundamental na Pri- meira Republica. A influencia politica dos donas d e terras (os "coroneis" ) aumentou gra,as a dependencia ~grande parcela d~eitorado causad!, pela esfi'liti:l-' ' ~I-aria e fundiari<! ,~ ado<;ao de urn regime repre- ,I sentativo mais amplo que 0 do Imperio, juntamen te com II a existencia desta estrutura social e economica arca ica, I acabou por vinc.!!,lar os detentores do poder politico aos ! donas de terr~ Qs_ dirigente.s politicos interioranos deveriam garantir .QS_ votos d~us_dep,endentes ao ~erno nasereT~5es estaduais e federa's consolidando ~m troca, sua omina~ao poljtica loc'a Com 0 federalis- mo e a existencia, entao, do governo estadual eletivo (nao mais nomeado pelo Poder Central, como no Impe- rio), tornou-se necessaria a implanta<;ao de maquinas eleitorais nos Estados, baseadas no poder dos coroneis. Essa maquina, alem de garantir 0 compromisso corone- lista, acabou por determinar"ij. institui<;ao da chamada "Politica dos Governadores"c1 Os Municipios nao dispunham de grandes recursos para poder implementar as p oliticas necessarias ao bem- estar de sua popula<;ao e ao seu desenvolvimento. Pra ti- camente todos dependiam financeiramente do Governo Estadual. Desta forma, os Estados 56 liberavam verbas para os Municipios onde os aliados do Governador estivessem administrando, Se 0 governo municipal nao apoiasse 0 estadual, nao receberia 0 v ital auxflio finan- ceiro e, conseqiientemente, perderia 0 apoio de sua base eleitoral. 4,ssim explica-se 0 "govemismo" de l'rati~a mente tod~as situa<;5e§JllunicipJ!is durante a Primeira ~epublica . Apesar da falta de grande autonomia legal, os chefes municipais, que custeavam tod as as d espesas do alistamento e das elei<;5es, poderiam ter ampla auto- nomia "extralegal", isto e, sua opiniao prevaleceria no Governo em tudo 0 que dissesse respeito ao seu Munici- 47 Vic tor Nunes LE AL, op. cit ., p. 253-254. Dilemas do Estado Federal Brasileiro 35 pio, mesmo no tocante a assuntos de competencia exclu- siva da Uniao ou dos Estados, como a nomea~ao de certos funcionarios considerados "estrategicos" para a manuten~ao do poder local (delegados, juizes, promo to- res, professores, etc.) . Alem disto, as autoridades esta- duais e federais costumavam fechar os olhos para quaisquer arbitrariedades e violencias cometidas por seus aliados nos Municipios4 8 A manipula~ao do voto pelos coroneis e a depen- dencia econ6mica dos Municipios em rela~ao aos Esta- dos resultou no dominio dos votos pelo Governador, que decidia a composi~ao da sua bancada estadual no Congresso Nacional equal candidato a Presidencia da Republica seria eleito no seu Estado. 0 compromisso firmado entre 0 Governo Federal e os Governos Esta- duais deu origem a famosa "Politica dos Governado- res". Esta politica foi institucionalizada pelo Presidente Campos Sales (1898-1902), evitando uma serie de inter- ven~6es federais nos Estados . .tJo Imperio, se houvesse ~onflito entre 0 Presidente da Provincia e 0 Governo Central ou 0 Imperador, aquele era simplesmente remo- .!' ido. Jii na Republica, com Governadores eleitos, resol- via-s~ .Q.. cO!:,flito jltraveLd.a interven~ao federal ou da revolu~ao. - Para ~vitar que a situa~ao politica chegasse a um limiar de ruptura, Campos Sales selou um acordo com os Governadores dos Estados detentores das maiores bancadas no Congresso. Modificou-se 0 regimento da Camara na parte referente a verifica~ao de poderes: seria a "depura~ao" ou "degola" dos oposicionistas. Ate en- tao, no inicio da instala~ao da nova Camara, 0 parlamen- tar mais idoso, entre os supostamente eleitos, ocupava a Presidencia da Camara dos Deputados e nomeava cinco outros deputados para formar a Comissao de Veri fica- 48 Victor Nunes LEAL, op. cit ., p. 35·36, 45, 51-52 e 177-180, e Raymundo FAORO, op. cit. , p. 620·622, 629-639 e 646·654. 36 Estado t! CO IIstitlli(iio 3 GILBERTO BERCOVICI ~ao de Poderes. Feito 0 reconhecimento dos demais, eram sorteados os encarregados de julgar as reclama~6es dos nao-eleitos . Com a mudan~a do regimen to, 0 mesmo Presidente da Camara da legislatura anterior continua- ria na Presidencia para nomear a Comissao de Verifica- <;ao de Poderes. Garantia-se, assim, a continuidade na dire~ao politica da Camara dos Deputados. 0 diploma eleitoral passava a ser a ata geral de apura~ao da elei~ao, assinada pela maioria da Camara Municipal do Munici- pio-sede do distrito eleitora l. Desse modo, as elei<;6es ja vinham decididas desde a expedi<;ao dos diplomas pelas juntas apuradoras, controladas pelas situa~6es dos Esta- dos. A Comissao de Verifica<;ao de Poderes passou a servir como mais uma garantia para impedir 0 acesso de adver- sari os e oposicionistas ao Congresso. o Congresso Nacional tornou-se, assim, a expres- sao da dire<;ao politica dos Governos Estaduais. Os diplomas dos amigos, afilhados, aliados e apaniguados das situa<;6es estaduais seriam reconhecidos pel a situa- <;ao federal. Em troca, os Governadores exigiriam a fidelidade dos deputados e senadores de seu Estado a politica do Presidente da Republica. A rotina da Repu- Qgca VelI:!..a resumia-se aos acordos firmados pelo Presi- .£iente com os Governadores e a atua~ao do Poder Legislativo conforme 0 decidido naquelas alian<;as. Nas negocia<;6es para a sucessao presidencial, 0 sucessor era legitimado por consultas do Presidente aos chefes esta- duais, particularmente do PRP e do PRM. Essa estabili- dade foi arranhada em 1910 e 1922 e quebrada em 1930, quando ocorreram as unicas elei~6es competitivas da Primeira Republica. ..£§ta~m as bases do regime politico implantado -"p6s a Pros:lama~ao da Republica: coronelismo e "Politi- _ca dos Governadores". As elei<;6estinham como princi- pal caracteristica as mesas eleitorais com fun~ao de junta apuradora. Desta forma, ocorria a chamada fraude do "bico-de-pena": nomes eram inventados, mortos ressus- Dilemas do Estado Federal Brasileiro 37 citados, ausentes votavam. Os mesarios faziam verda- deiros milagres durante a elabora<;ao das a tas eleitorais. Caso nao se conseguisse evitar a elei<;ao do adversario atraves das atas falsas, restava a "degola". 0 Poder Legislativo cassaria 0 mandato daqueles que nao inte- ressavam a oligarquia dominante.'9 1.4. Entre 0 Federalismo Cooperativo e a Centraliza~i'i.o (1930-1945) Os choques entre as oligarquias estaduaisso e a cisao nas For<;as Armadas,s1 aliadas a forte crise economica 49 Victor N unes LEAL, op. cit., p. 229·230 e 244-248; Raymundo FAORO, op. cit. , p. 563-569 e Renato LESSA, op. cit., p. 105-110 e 138. 50 Minas Gerais foi preterida por Sao Paulo oa sucessao do Presidente Washing- ton Lufs, tambem paulista, que rompeu com 0 pacta do "Cafe com Leite". Os mineiros se aliaram a Paralba e ao Rio Grande do SuI e ian<;aram a candidatura do Governador gaucho Getulio Vargas a Presidencia da Republica, em oposi<;ao ao Govemador paulista Jlilio Prestes, apoiado pelos Qutros Estados e pe\o Pre- sidente da Republica. Vide Boris FAUSTO, A Revolll{:iio de 1930: Historiogrnfin c Hist6ria, 14" ed, Sao Paulo, Brasiliense, 1994, p. 92-99 e 102·104. 51 Im:lmeros setores das Forc;as Armadas (intitulados "tenentes") revoltaram- se contra 0 Governo Federal em 1922 (Rio de Janeiro) e 1924 (Sao Paulo e Rio Grande do Sui). Nesta ultima revolta, as tenentes, liderados por Luis Carlos Prestes, forma ram uma col una revolucionaria (a "Coluna Prestes"), que per- correu 0 interior do Bras il ate 1927, quando se intern au na Bolfvia, sem nunca ter s ido derrotada pelas forc;as govern istas. 0 tenentismo, enquanto movi· mento, foi politica e ideo logicamente difuso. As primeiras revoltas tern a caracterfstica de uma tentativa insurrecional independente de setores civis, vistos com desconfianc;a. Apesar da indefinic;ao ideol6gica, 0 tenentis mo pos- suia varios pontos de concordancia entre seus membros. Eles, as "tenentes", seriam as responsave is unicos pela regenerac;ao nadonal e pela pureza das institui c;Oes republicanas. A verda de da representac;ao deveria ser assegurada atraves de eleic;Oes hones tas, com voto secreto, regularizac;ao do alistamento eleitoral e reconhecimento dos resultados pelo Poder Judiciario. A revoluc; i'l.o deveria ser feita de forma autOnoma ao povo, que na~ soube romper com sua passividade para de rrubar as oligarquias, e 0 Exercito seria a protec;ao da nac;ao contra a eventual indisciplina popular. A grande prevenc;ao dos "te- nentes", entretanto, se dava com os politicos (e vice-versa). Essa prevenc;ao na~ impediria a alianc;a do tenentismo com setores oligarquicos dissidentes para prom over a Revollll;aO de 1930, embora fosse a causa dora de uma serie de problemas no perfodo p6s-revoluciomirio. A proposta que congregava todo 0 movimento era a de centrali zac;ao. A crHica ao liberalismo passava pela excessiva autonomia dos Estados, transformados em "20 feudos", sob a he- gemonia paulista. Cf. Boris FAUSTO, op. cit., p. 57-58, 61-69 e 75. 38 Estndo e Co"slitlli~ifo 3 GILBERTO BERCQVICI que se InlClOU com a quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, causaram, atraves da Revo lu<;ao de 3 de outu- bro de 1930, a queda do regime da Constitui~ao de 1891. o desmonte da maquina polftica da Primeira Republica teve infcio com 0 Decreto n° 19.398, de 11 de novembro de 1930, que instituia e regulamentava as fun<;6es do Governo Provis6rio formado pel os revoluciomlrios vito- riosos. Em todos os Estados have ria Interventores no- mead os por Getulio Vargas, Chefe do Governo Provis6rio, e estes nomeariam Prefeitos para todos os Municipios, sempre assistidos por um conselho consul- tivo. Este sistema era extrema mente hierarquizado, da- das as suas condi<;6es de governo de exce<;ao transit6rio. o Governo Provis6rio propos, ainda, a centraliza<;ao da arrecada<;ao tributaria por parte da Uniao e a proibi<;ao dos Estados contrairem emprestimos externos sem sua autoriza<;ao. Como contra partida, todas as dividas esta- duais passariam a Uniao. A Assembleia Constituinte foi instalada em 15 de novembro de 1933.52 Havia na Constituinte um consenso em torno da manuten~ao (ao menos nominal) do federa- lismo. Nao foi apresentada nenhuma proposta aberta- mente unitarista. 0 que se procurou foi uma defini~ao mais precis a de federalismo, que podemos denominar cooperativo,S3 de acordo com seu artigo 9°: "E facultado a Uniao e aos Estados ce lebrar acordos para a melhor 52 Mesmo com as eJeic;oes para a Consti tuinte marcadas, a o ligarquia de Sao Paulo, sob 0 pretexto de ex igir a imedia ta reconstitucionalizac;ao do pars, se levantou em armas na auto-denominada "Revoluc;ao Const itucionalista", em 9 de julho de 1932. Aderiram ao movimento a Forc;a Pttblica, alguns batalhoes do Exercito sediados em Sao Paulo e poucos militares sediados em Mato Grosso, sob 0 comando do General Bertoldo Klinger, alem dos voluntarios civis . 0 Governo Provis6rio mobilizou todos os outros Estados e combateu os revoltosos pelo su i e pela divisa mineira. Ap6s 3 meses de iutas, os rebel des foram derrotados, rendendo-se em 1° de outubro de 1932. Foi a ultima vez que urn Estado se levantou em armas contra a Uniao. 53 Raul Machado HORTA, "Problemas do Federal ismo" cit ., p. 21-22 e A Alltonomia do Estado-Membro 110 Direito COllstitllciollal Brasileiro cit., p. 175-183 e 291-292 e Dalmo de Abreu DALLARI, "as Estados na Federac;ao Brasileira, de 1891 a 1937" cit., p. 108-110. Dilemas do Estado Federal Brilsileiro 39 coordena~ao e desenvolvimento dos respectivos servi~os, e, especialmente, para a uniformiza~ao de leis, regras ou praticas, arrecada~ao de impostos, preven~ao e rep res- sao da criminalidade e permuta de informa~6es" . o artigo 10 da Constitui~ao de 1934 fixou, pela primeira vez na hist6ria constitucional brasileira, a re- parti~ao das competencias concorrentes, dando enfase a solidariedade entre a Uniao e os entes federados . Ia a coopera~ao propriamente dita foi inaugurada com os artigos 140 e 177 da Constitui~ao de 1934, que tratavam do combate as endemias e as secas no Nordeste.54 Curio- samente, a principal influencia dos constituintes de 1933-34 foi a Constitui~ao alema de 1919, a celebre Constitui~ao de Weimar, 0 que demonstra, a nosso ver, urn desenvolvimento em direc;ao ao federalismo coope- rativo praticamente simultaneo dos federalismos norte- americano e brasileiro. o debate e as disputas politicas se desenrolaram nos anos 30 entre os liberais, "tenentes" e adeptos do autoritarismo. 0 idea rio liberal de defesa da autonomia estadual e de independencia dos agrupamentos politi- cos de "notaveis" foi utilizado como prote~ao contra a centraliza~ao e devido ao temor da crescente participa- ~ao popular. A timidez cada vez maior do liberalismo da decada de 1930 fez com que cedesse espac;o ao pensa- mento autoritario. 1sso ocorrja em urn contexto de passa- gem da politica de notaveis a de massas, dos partidos representativos das oligarquias estaduais ou parcelas das classes dominantes para partidos fundados em inte- resses socioeconomicos. 0 momenta era de perplexida- de dos liberais diante da radicaliza~ao ideol6gica e do ingresso das camadas populares urbanas no sistema politico. Com a inexistencia de urn partido nacional, 54 Ana Maria BRASILEIRO, "0 Federalismo Cooperativo", Revis/a Brasileirn de Estlldos Po/{ticos n° 39, Bela Horizonte, UFMG, julho de 1974, p. 95-97 e Dalmo de Abreu DALLARI, "Os Estados na Federac;ao Brasileira, de 1891 a 1937" cit., p. 121-122. 40 Estndo e COllStitlli(iio 3 GILBERTO BERCOVICI com exce~ao da fascista A~ao 1ntegralistaBrasileira e do Partido Comunista do Brasil (na clandestinidade, repre- sentado pela Alian~a Nacional Libertadora), as for~as revolucionarias se desestruturaram ap6s a Assembleia Constituinte. Os conflitos ocorridos entre 1934 e 1937 foram causados pela tentativa de institucionalizar urn poder p6s-revolucionario sobre a estrutura politica ba- seada novamente na politica dos Estados. 0 cerne das discuss6es continuou a ser centraliza~ao contra autono- mia estadual. A radicalizac;ao da luta entre os integralis- tas e os comunistas acabou por facilitar a reuniao das camadas dominantes e dos setores revolucionarios, que se aliariam no apoio a ditadura do Estado Novo. Com a instaura~ao do Estado Novo, em 10 de novembro de 1937, foi decretada a interven~ao federal em todos os Estados. Cabia aos interventores nomear os Prefeitos de todos os Municfpios (artigo 27 da nova Constituic;ao, outorgada em 10 de novembro de 1937). Os interventores serviriam como interligac;ao entre os Estados, Ministerios e 0 Presidente da Republica. Para evitar 0 surgimento de maquinas politicas autonomas em Estados fortes, como Sao Paulo e Rio Grande do SuI, foi realizado urn verdadeiro "rodizio" de interventores. o interventor s6 se mantinha caso dispusesse da con- fian~a total do Presidente Getulio Vargas. o novo sistema politico do Estado Novo conjugava as interventorias e sua assessoria, realizada por 6rgaos burocraticos subordinados ao DASP (Departamento Ad- ministrativo do Servi~o Publico), ambos sujeitos ao Pre- sidente. A centralizac;ao tambem se manifestava com 6rgaos tecnico-administrativos que estudavam materias especfficas ou setores da atividade economica, como os inurn eros institutos e autarquias criados nessa epoca. Alem do controle da economia atraves da intervenc;ao estatal, havia tambem 0 controle militar, efetivado pelo crescimento e reestrutura~ao das For~as Armadas. Dilemas do Estado Federal Brasileiro 41 f? ' AI o DASP, criado em 1938, controlava todo 0 sistema administrativo do pais, sendo 0 responsavel pela elabo- ra~ao anual do or~amento e pelo controle de sua execu- ~ao . Nos aspectos tecnicos, os ministerios deveriam se sujeitar ao DASP, mas mantinham a hierarquia tradicio- nal nos demais assuntos. Nos departamentos estaduais do DASP, 0 seu chefe deveria aprovar previamente os decretos-leis dos inter vento res e Prefeitos. Em casos de divergencia, a decisao seria do Presidente da Republica . o interventor rea lizaria a coordena~ao poiftica dos Esta- dos, 0 Departamento Administrativo cuidaria dos as- suntos tecnicos, como se Fosse uma especie de "legislativo". A rela~ao entre os interventores e os De- partamentos Administrativos variava em cada Estado, havendo aqueles interventores que controlavam tudo 0 que Fosse referente a seu Estado (como Benedicto Valla- dares, em Minas Gerais) e os que nao tinham jurisdi,ao sobre 0 Departamento Administrativo (como Adhemar de Barros, em Sao Paulo). Durante todo 0 Estado Novo, nao sobrou nenhuma esfera legisla tiva para que os Estados atuassem sem a permissao do Poder Centra!.55 1.5. Federalismo, Desenvolvimentismo e a Questao Regional (1945-1964) A Constitui,ao de 1946 consolidou a estrutura coo- perativa no federalismo brasileiro, prevista ja em 1934, com grande enfase na redu~ao dos desequilfbrios regio- nais, favorecendo, apesar do refor,o do poder federal, a coopera~ao e a integra,ao naciona!. Foi sob a vigencia desta Constitui,ao, na decada de 1950, que a Questao Regional ganhou importancia no debate poiftico nacio- nal, com a concep,ao de que a atua,ao estatal e 0 55 Victor Nunes LEAL, op. cit. , p. 92-94 e Maria do Carma CampeJlo de SOUZA, Es/ado e Partidos Po/{ticos 110 Brasil (1 930-1964), 3- ed, Sao Paulo, Alfa-Omega, 1990. p. 86-98. 42 Estndo e C01lstilui(fio 3 GILBERTO BERCOVICI planejamento eram elementos essenciais para 0 desen- volvimento, de acordo com as diretrizes elaboradas pela recem-criada CEPAL (Comissao Economica para Ameri- ca Latina) . Qesde en tao, todas as constitui,oes brasilei- ras tern a preocupa,ao de tentar consagrar instrumentos para a supera,ao das desigualdades regionais. A poiftica estatal desenvolvida em "regioes-proble- rna", como 0 Nordeste e a Amazonia, voltou-se no sentido de reduzir os desniveis existentes entre as varias partes do pais, evitando a acentua,ao dos desequilfbrios regionais. Buscava-se a harmoniza,ao interna do desen- volvimento naciona!. Os varios 6rgaos criados (como a Superintendencia do Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE) tinham por fun,ao dinamizar as for,as produ- tivas das suas areas de atua,ao e integra-las ao sistema naciona!. Nos Estados, muitos Governadores criaram seus pr6prios 6rgaos de planejamento (0 melhor exem- plo e 0 do Plano de A,ao 1959-1963 do Governador Carvalho Pinto, de Sao Paulo, criado pela Lei n° 5.444, de novembro de 1959), visando 0 estfmulo a expansao industrial, agropecuaria e extrativista nos seus territ6- rios, tentando obter uma rearticula,ao rna is inde- pendente em face do Centro-Sui ou do exterior. Em termos de consolida,ao da unidade economica, neste periodo, particularmente durante a Presidencia de Jus- celino Kubitschek, acelerou-se a industria liza,ao do Su- deste, criaram-se grandes incentivos para investimentos no Nordeste (com a SUDENE - Superintendencia do Desenvolvimento do Nordeste), integrou-se mais efeti- vamente a Amazonia ao sistema nacional (atraves da Belem-Brasflia) e incorporou-se 0 Centro-Oeste ao cen- tro dinamico com a instala,ao da capital em Brasflia . Criada por meio da Lei nO 3.692, de 15 de dezembro de 1959, a SUDENE tentou unir i' a,ao tecnica com 0 comando poiftico. Partindo do pressuposto de que nao existe plano de desenvolvimento gem poiftica de desen- volvimento, a SUDENE buscou apoio do poder polftico Dilemas do Estado Federal Brasileiro 43 f? regional, mediante 0 Conselho Deliberativo, vinculando o problema do desenvolvimento ao debate politico. Ao unir os Estados da regiao, a SUDENE passava a ter mais influencia nos centros nacionais de decisao. 56 Na estrutura administrativa da SUDENE, foi manti- da a participa~ao dos governos estaduais no seu Conse- Iho Deliberativo, adotando-se, assim, um criterio que proporcionava a influencia das unidades federadas nas decis6es do 6rgao federal de planejamento regional. A proposta original da SUDENE, com pIanos diretores elaborados na regiao, discutidos por governadores elei- tos no Conselho Deliberativo e enviados para discussao e aprova~ao no Congresso Nacional quebrava a pr<itica centralizada do planejamento nacional, alem de ter rele- vancia na tentativa de reestrutura~ao do federalismo brasileiro, envolvendo, efetivamente, os governos fed e- ral e estaduais, com a sua participa~ao conjunta em programas e projetos comuns. 57 o Conselho Deliberativo da SUDENE, segundo 0 artigo 5° da Lei nO 3.692/1959, era composto, originaria- mente, por vinte e dois membros, sendo nove indicados pelos Governadores de Estado do Nordeste,58 tres mem- S6 Celsa FURTADO, A Pre-Revolll{:iio Brasileirn, Rio de Janeiro, Punda de Cul - tura, 1962, p. 61-63 e Celsa FURTADO, A Falltasia Desjeita, 33 ed, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989, p. 50-5l. 57 Raul Machado HORTA, A Alitollomia do Es tado-Membro 110 Oireito COlls t if ll - ciollnl Brasileiro cit., p. 308-315, 325 e 335; Celsa FURTADO, 0 Bmsil Pos-"Mi- /agre", 7~ ed, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982, p. 144-145; Washington Peluso Albino de SOUZA, "0 Planejamento Reg ional no Federa lismo Brasileiro" ill Estudos de Direito £C01l6I11ico, Belo Horizonle, Movimento Editorial Faculdade de Direito da UFMG, 1996, vol. 2, p. 171 -172; Tan ia Bacelar de ARAUJO, "Planejamento Regional e Relac;oes Intergovernamentais" i1/ Rui de Brit to Alvares AFFONSO & Pedro Luiz Barros S]LVA (orgs .).
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