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FICHAMENTO - SOUZA SANTOS - Por que é tão difícil construir uma teoria crítica? (POLÍTICA II - UFRGS)

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"Por que é tão difícil construir uma teoria crítica"?
(Boaventura de Souza Santos)
1. Teoria crítica é aquela que não limita a realidade apenas ao que existe, pois a considera um campo passível de transformação - uma estrutura móvel, não estanque. Assim, a função da teoria crítica é analisar esse campo sujeito a mudanças (a realidade empírica), para a partir do que nele é criticável, definir alternativas ao mesmo. Portanto, a teoria crítica defende que a realidade fática de "agora" não impede uma realidade fática diferente no "depois", pois a essa primeira - e a suas imperfeições - há opções, que serão avaliadas em seu âmbito e natureza pela teoria em questão. 
Maneiras de impulsionar a teorização da realidade concentram-se nos sentimentos de indignação e inconformismo. Nosso século abriu muitos espaços para essas sensações desconfortáveis, como inferimos das tantas promessas não cumpridas que presenciamos, tais como:
	*A igualdade: desmistificada, em dados estatísticos, pela diferença presente entre salários recebidos por europeus e norte-americanos em relação a países do terceiro mundo, efetuando-se as mesmas tarefas e em igual tempo de trabalho (p. ex.). 
	*A liberdade: quebrada pela contradição entre a existência de democracia concomitante ao massivo desrespeito aos direitos humanos. 
	*Paz no pós guerra: excluída pelo número de mortes em guerras, 20x maior no século XX em relação ao XVIII, e ao número de guerras que quase quadruplicou. 
	*A dominação da natureza: promessa cumprida em reverso, o que se observa pela crise ecológica, pela "privatização" de parte da Floresta Amazônica, e a escassez de água potável. 
---> todos esses motivos, dentre muitos outros, conclamam a necessidade de criação de uma teoria crítica moderna (o marxismo foi o principal alicerce da sociologia crítica no século XX)
 Horkheimer definiu a TCM como aquela fundada na necessidade de superar o dualismo entre o cientista que produz o conhecimento de forma individual, e todo o resto da sociedade que o rodeia. O autor sustenta que a sociedade em que vivemos é irracional, porque não segue uma vontade geral e autoconsciente, e sim reside em uma vontade única: a do capitalismo, que se estrutura segunda a divisão dual e burguesa acima referida. 
Devido a essa estruturação social da vontade fragmentada, a TCM não pode aceitar os conceitos valorativos automaticamente como a ordem social os concebe, bem como não pode tomá-las como "naturais" ou "fatídicos": é necessário uma aceitação onde está presente a condenação , o que cria tensões sociais que pedem pela intensificação da luta por objetivos emancipatórios - sendo essa atitude a primeira consequência da teoria crítica que quer a transformação social. 
Boaventura considera que a elaboração de uma teoria social critica tornou-se mais difícil. Por que? 
---> os conceitos antes estudados com afinco (classe, conflito, elite, dominação, racismo, sexismo, exploração, teologia da libertação) bem como as configurações teóricas em que eles se integram (estruturalismo, existencialismo, fenomenologia, psicanalíticas) perderam sua centralidade ou então reelaborados e fragmentados de tal maneira que perderam sua força crítica. Ademais, a sociedade convencional em face da crise da sociedade criou a "crítica da sociedade crítica", defendendo que a função da sociedade é analisar o ser, e não a busca do dever ser:
			*crença de que não se deve "tomar partido";
			*dificuldade de identificar alternativas;
2. A dificuldade de construção da teoria crítica
Teoria crítica Moderna: concebe a sociedade como uma totalidade, propondo uma alternativa total a ela. Essa concepção de sociedade é uma construção social que é calcada em pressupostos, os quais são:
	*toda a sociedade sendo abarcada por uma forma de conhecimento total não dual;
	*um único princípio de ação social e um único agente coletivo que possa colocá-lo em prática;	
 *um contexto político institucional que torne possível a formulação de lutas para os objetivos propostos;
O conhecimento totalizante, adotado pelo TCM, é um conhecimento da ordem sobre o caos. Ele se diferencia na sociologia funcionalista e na sociologia crítica. Na funcionalista, a pretensão é a ordem da regulação social, enquanto na crítica a pretensão é a ordem da emancipação social. No final do século encontramo-nos em desordem em ambos os aspectos, o que faz com que vivamos em sociedades libertários (caos da regulação social) e autoritárias (caos da emancipação social). 
--> destaca Foucault que se focou no conhecimento totalizante (ordem sobre o caos) da ciência moderna. Ele analisou o poder disciplinar da obs. total e generalizada construída por essa ciência, mostrando que nesse "regime da verdade" não haveria qualquer saída emancipatória (pretensão da TCM) porque a própria resistência se transforma, ela própria, em um poder disciplinar e, portanto, em uma opressão consentida, por que interiorizada. Mostra as opacidades e os silêncios dessa ciência "verdade absoluta", dando credibilidade a outros sistemas, outros regimes da verdade, desacreditados pela ciência moderna. 
*Contradição entre uma sociedade multicultural, que suspeita de universalismos, e uma sociologia disciplinar que ignora esse multiculturalismo. 
A TCM tem como princípio único de transformação social subjacente à inevitabilidade de um futuro socialista gerado pelo desenvolvimento das forças produtivas e as lutas de classe que essas forças geram, Ou seja, a TCM afirma que é inevitável a superação capitalista com o surgimento do socialismo em seu lugar, para que a transformação social realmente ocorra - e essa ruptura, ao contrário do ocorrido anteriormente, seria feita por uma minoria - a classe operária.
*PORÉM, não há agentes históricos, técnicos e nem uma forma de dominação, há VÁRIAS. Também não há um princípio técnico de mudança social, uma alternativa inevitável ou uma só face opressiva - todos são quesitos negligenciados pela TCM.
O autor destaca, nesse sentido, que a melhor teoria crítica produzida na atualidade (ultimas duas décadas), foi a sociologia feminista - porque são muitas as faces da dominação, as resistências, e os agentes que as protagonizam. Havendo multiplicidade, não há como unir todos os pontos em uma "teoria comum", que não seria a melhor alternativa.
*Mais do que uma grande "teoria comum", há necessidade de uma "teoria de tradução", que possa permitir um diálogo entre os atores coletivos sobre as diversas opressões. 
---> Modelos de desenvolvimento alternativo ou alternativas para o desenvolvimento?
*A crise da TCM trouxe a crise da distinção entre ícones analíticos distintos, que antes tornavam fácil a distinção entre campos demarcados e a contradições que existiam nesses mesmos campos.
Assim, esses ícones passaram a ser partilhados por campos diversos que podem conter muitas dessas contradições, e também foram criados ícones híbridos com elementos de campos diferentes. Ex: a substituição da oposição capitalismo/socialismo pelo ícone "sociedade industrial"/"sociedade pós industrial"/sociedade de informação", ou então o surgimento do conceito híbrido de globalização, que substitui a oposição entre imperialismo e modernização. Revolução x Democracia, virou desenvolvimento sustentável ou ajustamento estrutural. 
*isso dificulta o "tomar partido" ressaltado anteriormente, porque os campos se confundem;
*com a dificuldade de identificar os campos, o inimigo se tornou indefinido ou indeterminado.
Em suma: as promessas para a modernidade que não foram cumpridas, parecem ter se transformado em problemas para os quais a solução é obscura, posto que o próprio adversário é difícil de ser identificado. 
3. Teoria crítica pós moderna
Teoria inquietante, pois há disjunção entre a modernidade dos problemas e a pós modernidade das possíveis soluções. Defende que todo conhecimento critico tem que começar pela crítica do conhecimento, para virar conhecimento-emancipação, e não conhecimento-regulação (ocorreucom a TCM), porque a ciência se converteu em conhecimento hegemônico e se constitucionalizou. Conhecimento-emancipação: nesta forma de conhecimento, conhecer é reconhecer, elevar o outro da condição de objeto à condição de sujeito: ou seja, é a solidariedade, que implica:
	*Do monoculturalismo ou multiculturalismo: quebra do silêncio de culturas e formas do saber dominadas ou ridicularizadas/caladas, "teoria da tradução" para que uma cultura possa se tornar compreensível, inteligível a outra. Isso é importante, porque a solidariedade como forma de conhecimento, por elevar o indivíduo de objeto a sujeito, só pode ser obtida pelo reconhecimento do outro enquanto produtor de conhecimento. 
	*Outro desafio do conhecimento emancipação é que se cria uma escala falsa na ciência entre a enorme capacidade de agir científico e a não tão grande de prever. As consequencias de uma ação científica tender a ser menos científicas do que a ação em si, e esse desequilíbrio, que é ocultado, torna possível - em seu segredo, o heroísmo técnico do cientista. 
	*A atitude do CS crítico deve ser a de maximizar a objetividade (aplicação rigorosa dos métodos) e minimizar a neutralidade (tomar partido, e argumentar sem achar que essa posição é a única racional). 
	*A TC pós moderna parte do pressuposto de que o conhecimento é sempre contextualizado pelas condições que o tornam possível, e de que ele só progride quando transforma essas concepções para melhor. Por isso, o conhecimento emancipação só é conquistado assumindo as consequências de seu impacto.

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