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As filosofias da história - Voltaire

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Aula 2 – As Filosofias da História 
 
 Nesta aula vamos tratar das filosofias da história na época do iluminismo, 
tomando como análise dois de seus pensadores: Voltaire e Kant. O objetivo é de expor 
em linhas gerais o que foram essas filosofias da história, quais seus objetivos e o que as 
distinguia da perspectiva histórica dos historiadores. 
A expressão “filosofia da história” foi inventada por Voltaire, no século XVIII, 
para designar uma história crítica, ou científica, que ultrapassasse, ou não se 
restringisse, a simples narração de fatos passados. Como filósofo, ele buscou nas 
histórias particulares dos povos europeus e não-europeus traços que pudessem ser 
considerados universais na história da humanidade. Posteriormente, Condorcet, Kant e 
Hegel dariam um sentido ainda mais filosófico ao neologismo. 
O estudo das filosofias da história é fundamental para compreendermos não 
apenas o pensamento histórico e social do século XIX – sua influência foi marcante, por 
incorporação ou por negação, no marxismo, no positivismo e no historicismo –, mas do 
nosso próprio mundo contemporâneo. Novos conceitos elaborados no século XVIII, 
como “revolução”, “progresso” e “civilização” associaram-se a uma nova concepção do 
tempo histórico – um tempo histórico linear e infletido ao futuro. 
 
Iluminismo 
“O iluminismo foi um movimento intelectual europeu que se constituiu de forma plena no século XVIII 
com os enciclopedistas franceses Voltaire, Diderot, Helvétius, Rousseau e outros. Na Inglaterra, é Locke 
o seu representante mais expressivo. Na Alemanha, Kant. 
O Iluminismo nasceu e se desenvolveu a partir da valorização da ‘luz natural’ ou ‘razão’. A 
razão iluminista prometeu conhecimento da natureza através da ciência, aperfeiçoamento moral e 
emancipação política. A consciência de uma época se reconhece na metáfora da luz. Aufklärung – 
Clareamento, Clarificação, Iluminação –, Enlightment, Ilustración, Iluminismo e Esclarecimento remetem 
a um mundo inteiramente ‘iluminado’, isto é, visível. Nada deve permanecer velado ou coberto. O 
conhecimento da natureza se emancipa do mito, e o conhecimento da sociedade deve, também, fundar-se 
na razão. A razão esclarecida é uma razão emancipada. 
Como seres dotados de razão, devemos nos valer de nosso próprio entendimento, sem a tutela de 
outro. A razão esclarecida é a razão em estado de maioridade. O lema do Iluminismo kantiano é: ‘ousar 
saber’”.1 
 
Nesse “século das luzes” muitos filósofos se preocuparam com a história, ou até 
se fizeram historiadores, a exemplo de David Hume, que escreveu uma História da 
Inglaterra, Montesquieu que, quatro antes de publicar sua obra mais importante, 
Espírito das Leis (1748), havia escrito Considerações sobre as causas da grandeza dos 
Romanos e da sua decadência e Voltaire, que foi filósofo, historiador e filósofo da 
história.
2
 
 
Voltaire (1694-1778) 
 
 
1
 MATOS, Olgária C. F. A Escola de Frankfurt: luzes e sombras do Iluminismo. São Paulo: Moderna, 
1993, p. 33 
2
 CARBONELL, C.-O. Historiografia, op. cit., p. 82. 
Dizem os comentaristas que foi a amante de Voltaire, a Marquesa de Châtelet, 
que o provocou a escrever história de uma maneira diferente da produzida pelos 
historiadores. Seu argumento era enfático: 
 
O que importa em mim, uma francesa morando em minha propriedade, saber que 
Egil sucedeu a Haquin na Suécia, e que Otomano era filho de Ortogrul? Li com 
prazer a história dos gregos e dos romanos; eles me ofereceram certos retratos que 
me atraíam. Mas nunca consegui terminar qualquer história longa de nossas nações 
modernas. Praticamente não vejo nelas outra coisa que não confusão; um grande 
número de pequenos acontecimentos sem nexo ou sequência, mil batalhas que nada 
resolveram. Renunciei a um estudo que sobrecarrega o espírito sem iluminá-lo.
3
 
 
 Verdade ou não, a crítica estava colocada e Voltaire a incorporara. Para ele, a 
solução seria aplicar filosofia à história. “Só os filósofos deveriam escrever História”, 
teria dito.
4
 Segundo Will Durant, ele buscou “um princípio unificador pelo qual toda a 
história da civilização na Europa pudesse ser entrelaçada para formar um único fio; e ele 
estava convencido de que esse fio era a história da cultura”. A história deveria tratar não 
de reis, mas de movimentos, forças e massas; não de guerras, mas da marcha da mente 
humana.
5
 Em carta ao marquês d’Argenson, de 26 de janeiro de 1740, ele dizia: 
“Apenas foi feita a história dos reis, mas não foi feita a da nação, parece que durante 
1.400 anos houve nas Gálias somente reis, ministros e generais, mas nossos costumes, 
leis, hábitos, vestuário e espírito não estão lá?”6 
 O resultado das reflexões de Voltaire apareceu em 1756, com a publicação da 
obra, dedicada à Marquesa, Essai sur le moeurs... (Ensaio sobre os Costumes e o 
Espírito das Nações e sobre os Principais Fatos da História, de Carlos Magno a Luís 
XIII). A expressão “filosofia da história” foi empregada no título da introdução a essa 
obra, escrita em separado, em 1765.
7
 
Seria pertinente, portanto, a observação que alguns historiadores fizeram de ver 
a Nova História no século XX, voltada para a história cultural, o cotidiano, as 
mentalidades e mesmo às classes subalternas, como herdeira direta do pensamento 
histórico de Voltaire?
8
 
 Segundo estudo de Marcos Antônio Lopes, há certo exagero nisso, pois, Voltaire 
teria sido moderno mais na intenção do que na prática historiográfica. Há de fato um 
programa novo na sua obra, principalmente no Ensaio sobre os Costumes. Todavia, em 
seus mais importantes livros de história (História de Carlos XII, O Século de Luís XIV, 
História do Império da Rússia, História da guerra de 1741) apresenta, como os 
 
3
 DURANT, Will. A história da filosofia. Trad. Luiz Carlos do Nascimento Silva. Rio de Janeiro: Nova 
Cultural, 1996, p. 216. Emilie du Châtelet-Laumont (1706-1749) foi estudiosa de filosofia, química e 
outras ciências. Sua obra mais conhecida, que leva também a assinatura de Voltaire, é um estudo sobre a 
natureza e propagação do fogo. 
4
 Ibid., p. 217. 
5
 Ibid., p. 218. 
6
 Apud DOSSE, François. A história em migalhas: dos Annales à Nova História. Trad. Dulce Oliveira 
Amarante dos Santos. Bauru, SP: Edusc, 2003, p. 140. 
7
 TÔRRES, Acrísio. Esclarecimentos necessários. In: VOLTAIRE. A filosofia da história. Trad. Eduardo 
Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. VII. 
8
 DOSSE, F. A história em migalhas, op. cit., p. 140; LE GOFF, Jacques. A História Nova. Trad. Eduardo 
Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 37. 
próprios títulos indicam, uma história de reis, de guerras, da política, como se 
costumava a fazer.
9
 
O historiador inglês Robin Collingwood foi mais radical na crítica. Segundo ele, 
escritores como Voltaire e David Hume 
 
fizeram muito pouco, no sentido de aperfeiçoar os métodos da investigação 
histórica. Retomaram os métodos delineados, na geração precedente, por homens 
como Mabillon, Tillemont e os bolandistas, mas não os utilizaram com um espírito 
verdadeiramente investigador. Não estavam suficientemente interessados pela 
história, em si mesma, para prosseguirem a tarefa de reconstituir a história de 
períodos obscuros e remotos. Voltaire proclamou abertamente que não era possível 
atingir qualquer conhecimento histórico, seguramente fundamentado, sobre os 
acontecimentos anteriores ao termo do século XV.
10
 
 
De qualquer modo, algumas novas ideias, sobretudo no que diz respeito ao 
alargamento do campo de estudo da história, foram engendradas no pensamento 
historiográfico contemporâneoque se gestava. 
 Mas o que mais nos interessa aqui é o pensamento filosófico sobre a história de 
Voltaire. Seu objetivo era não tanto o conhecimento histórico em si, como assinalado 
por Collingwood acima, mas de encontrar uma Razão na história. 
Os iluministas reivindicaram uma Razão livre de toda a autoridade 
transcendente, teológica; postularam a racionalidade última do universo. Se os seres e as 
coisas que nos circundam estão submetidos a certas regularidades
11
, então a História 
também deverá ter as suas, cabendo ao homem, por meio de sua inteligência e 
racionalidade, descobri-las. Na introdução do Ensaio sobre os costumes ele explica: 
 
(...) não vemos que todos os animais, assim como todos os outros seres, executam 
invariavelmente a lei que a natureza dá à sua espécie? O passarinho faz seu ninho, 
do mesmo modo que os astros fornecem sua trajetória por um princípio que nunca 
muda. (...) 
 O homem, em geral, sempre foi o que é: o que não significa que sempre tenha 
tido bonitas cidades, canhão com bala de vinte e quatro libras, óperas-cômicas e 
conventos de religiosas. Mas sempre teve o mesmo instinto, que o leva a se amar em 
si mesmo, na companheira do seu prazer, em seus filhos, em seus netos, nas obras de 
suas mãos.
12
 
 
 
 A preocupação do filósofo aí não é com as histórias particulares dos homens, 
situadas num tempo e espaço específicos, mas com a história do homem como ser 
universal. 
 
Pergunte a uma criança sem educação, que começa a raciocinar e a falar, se o 
cereal que um homem semeou em sua terra lhe pertence e se o ladrão que matou o 
 
9
 LOPES, Marcos Antônio. Voltaire historiador: uma introdução ao pensamento histórico na época do 
Iluminismo. Campinas, SP: Papirus, 2001, p. 39 e ss. 
10
 COLLINGWOOD, R.G. A ideia de história. Trad. Alberto Freire. Lisboa: Editorial Presença, 1972, p. 
105. 
11
 FORTES, Luiz R. Salinas. O iluminismo e os reis filósofos. 8 ed. São Paulo: Brasiliense, 2004 (Col. 
Tudo é História; 22), p. 18. 
12
 VOLTAIRE. A filosofia da história, op. cit., p. 60 e 61. 
dono dessa terra tem um direito legítimo sobre esse cereal; você verá que a criança 
responderá como todos os legisladores da Terra. 
Deus nos deu um princípio de razão universal, como deu penas às aves e 
pelagem aos ursos (...).
13
 
 
 Ocorre que esse princípio universal da natureza humana percorre um sentido em 
direção ao triunfo das luzes, ou seja, um caminho de superação da humanidade do 
estado de barbárie, fanatismo e superstição à “civilização”. As guerras e as religiões 
seriam os grandes obstáculos para que se alcançasse o estado civilizado. Há um fio 
condutor na história, não mais controlado pela Providência divina, mas pela ideia de 
“progresso”. Voltaire “vê a história como o desenvolvimento progressivo da razão” nos 
campos da ciência, da moral, do direito, da indústria, da técnica e do comércio.
14
 
 A ideia de “progresso” fica evidente no elogio que ele faz à política-econômica 
da Inglaterra, país onde esteve exilado por três anos: “Enriquecendo os cidadãos 
ingleses, o comércio contribuiu para torná-los mais livres, e, por sua vez, a liberdade 
ampliou o comércio. A grandeza do Estado veio como consequência”.15 
 O pensamento de Voltaire, dentre outros, instrumentaliza a ação dos 
movimentos liberais e burgueses na Revolução Francesa contra o Antigo Regime. 
 
Antigo Regime 
“Conceito para designar a dinâmica das sociedades ocidentais entre os séculos XVI e XVIII, a qual, no 
entanto, tende a dissolver-se durante o período – com a mercantilização das relações econômicas, com a 
formação do Estado Moderno, com a secularização do pensamento e com o avanço da alfabetização – 
para dar lugar a uma outra, bastante diferente, que rege predominantemente o mundo contemporâneo. (...) 
O termo surgiu nos debates da Assembleia Constituinte francesa, por ocasião da Revolução de 1789, a 
fim de caracterizar as instituições e o estilo de vida que se pretendia extinguir.” Em termos econômicos o 
AR se caracteriza por uma sociedade que se assenta na agricultura mas, com a expansão marítima, o 
comércio adquire posição tão importante que fala-se de um capitalismo comercial; em termos políticos, se 
caracteriza pelos Estados Monárquicos Absolutistas; “socialmente, o AR é marcado pelos contrastes e 
privilégios. Contraste entre o ambiente rural, preso a rotinas imemoriais e a formas de trabalho 
compulsório, e o ambiente urbano, dinâmico e propício às iniciativas do indivíduo. Contraste, por fim, 
entre a massa de analfabetos no campo, imersa num mundo fechado que mal ultrapassava o local de 
nascimento, e os reduzidos núcleos letrados urbanos (...). Contrastes que eram encarados como naturais, 
decorrentes da ordem estabelecida por Deus. Na realidade, o AR ignorava a ideia moderna de uma 
igualdade entre os indivíduos e, em vez da noção de direito, fundava-se na de privilégio, desigualmente 
distribuído no interior de uma sociedade concebida à imagem de um corpo – com cabeça, tronco e 
membros, dotados de funções diferentes, que não podiam ser confundidas. 
 Privilégio de nascimento, primeiro, que distinguia pelo sangue a nobreza; privilégio de 
ocupação, em segundo, que degradava os serviços manuais e valorizava aquele que vivia de rendas; por 
último, uma série de privilégios particulares, concebidos ad hoc a indivíduos, corporações, casas 
comerciais, instituições, grupos sociais, que iam desde a autorização de portar espada, ou utilizar um tipo 
de tecido, até isenções fiscais e direitos exclusivos para comerciar certos bens. A sociedade aparecia 
estruturada por uma complexa hierarquia de status, em que nem sempre a riqueza exercia papel 
determinante, e na qual era a busca da distinção que comandava as aspirações de ascensão social.”16 
 
 
 
 
13
 Ibid., p. 63. 
14
 Paulo D. Gusmão apud TÔRRES, Acrísio. Esclarecimentos necessários, op. cit., p. X. 
15
 VOLTAIRE. Cartas Inglesas ou Cartas Filosóficas. Trad. Marilena Chauí. São Paulo: Abril Cultural, 
1978 (Col. Os Pensadores), p. 16. 
16
 Adaptado de NEVES, Guilherme Pereira; VAINFAS, Ronaldo. Antigo Regime. In: VAINFAS, 
Ronaldo (Dir). Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

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