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FERNANDO ORTIZ Professor da Universidade de Havana u A FILOSOFIA PENAL DOS ESPÍRITAS ESTUDO DE FILOSOFIA JURÍDICA S Ã O P A U L O FERNANDO ORTIZ Professor da Universidade de Havana * A FILOSOFIA PENAL DOS ESPÍRITAS ESTUDO DE FILOSOFIA JURÍDICA T R A D U Ç Ã O D E CARLOS IMBASSAHY ★ R. RIACHUELO, 108 — SÃO PAULO \ A memória de César Lombroso 11835-1909) Apresentação 1 Prefácio 2 Ao leitor 4 I — Objeto deste estudo 12 II — As bases ideológicas do espiritismo 16 III — As leis da evolução anímica 29 IV — O delito 34 V — Determinismo e livre-arbítrio 37 VI — A questão nos textos de Allan Kardec 45 VII — Os fatores da delinquência 61 VIII — Caracteres anatômicos do criminoso 66 IX — O homem criminoso 79 X — Atavismo dos criminosos 81 XI — A hereditariedade criminal 85 XII — Classes de criminosos 94 XIII — A escala dos espíritos 105 XIV — Os fatores cósmicos 116 XV — Os fatores sociais 119 XVI — Epidemias delituosas 135 XVII — Substitutivos penais 138 XVIII — Fundamento da responsabilidade 140 XIX — Fundamento da pena 145 XX — Os incorrigíveis 148 XXI — A pena de morte 151 XXII — Não há penas eternas ou perpétuas 156 XXIII — O código penal de além-túmulo 168 XXIV — A pena de talião 183 XXV — A condenação condicional 195 XXVI — A sentença indeterminada 198 XXVII — A reparação do dano pessoal 199 XXVIII — Lombrosianismo criminal e espiritismo penal 202 A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 1 APRESENTAÇÃO Esta obra, que o Pense disponibiliza agora em versão digital, é um dos grandes clássicos do pensamen to social espírita. Trata-se de um livro essencial na estante de qualquer estudioso da filosofia espírita e da jurisprudência. O autor, o escritor e antropólogo cubano Fernando Ortiz Fernández, deixa bem claro logo no início do livro que não é espírita, fato esse que lhe dá uma isenção filosófica que pode ser conferida na leitura desse amplo estudo quer faz acerca da filosofia penal espírita, confrontando-a com várias correntes filosóficas. ■ A puntes para un estudio crim inal: ■ Los negros brujos (1906); ■ Los negros esclavos (1916); ■ Los cabildos a frocubanos (1921); ■ H istoria de la arqueología indocubana (1922); ■ G losario de afronegrism os (1924); ■ Martí y las razas (1942); ■ El engano de las razas (1946); ■ El huracán, su m ito log ia y sus sím bolos (1947); ■ La filosofia penal de los espiritistas (1951); P ó s tu m a s - ■ Hampa afro-cubana... Los negros curros (1986); ■ La santería y la brujería de los blancos (2000); ■ Culecció d'els mal-noms de Ciutadélla (2000); ■ Visiones sobre Lam (2002). Fonte: Fundación Fernando Ortiz - http://www.fundacionfemandoortiz.ory Antropólogo, etnólogo, sociólogo, jurista e linguista, Ortiz é cubano, nascido em 16 de julho de 1881. É considerado um dos maiores intelec tuais da América Latina. Escreveu mais de 100 obras sobre os mais variados assuntos. Dotado de uma pro digiosa cultura geral, foi professor uni versitário, fundador de várias institui ções culturais e uma das maiores autori dades no estudo da cultura africana. Desencarnou em 1969. Escrito em 1951, o livro foi traduzido pelo escritor e pensador espírita Carlos Imbassahy e aqui lançado no mesmo ano pela editora LAKE. W < CQ O PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 2 P R E F Á C I O Fernando Ortiz e a criminologia moderna Deolindo Amorim (Da S o c ie d a d e B ra s ile ira de F ilo so fia ) A evolução da criminologia ampliou muito a perspectiva dos estudos inerentes à delinqüência. A nteriorm ente, ainda que se tivesse a intuição do problema criminal em suas relações com as ciências sociais, apenas os especialistas, divididos em grupos, segundo as escolas tradicionais e suas tendências doutrinárias, se preocupavam com as questões atinentes à criminologia, cujo campo não tinha, como tem hoje, tanta elasticidade. O prob le ma criminal, a bem dizer, era assunto exclusivo dos juristas e, como especialização, dos estudiosos do direito penal. Hoje, p o rém, a não ser quanto à técnica do direito penal, que exige, é claro, cultura especializada, o problema criminal interessa tanto ao penalista, como ao sociólogo, ao jornalista, ao teólogo. Não há quem não deseje, em sã consciência, uma sociedade melhor. Como decorrência desta proposição, diversos tipos de pesquisa convergem para o problem a criminal, porque o índice de crim i nalidade, tanto em alta como em baixa escala, é um reflexo das condições sociais. Não se pode estudar um a sociedade, sob o ponto de vista do com portam ento humano em face dos fenôme nos sociais, sem conhecer a posição de seu coeficiente criminal, quais os fatores que preponderam no aumento ou na diminuição dos delitos, assim como o seu sistema de sanções e prevenção. Sob este aspecto, a criminologia já não pode mais ser um depar tam ento indevassável, fechado à curiosidade dos que, não sendo especialistas em m atéria criminal, são obrigados, por força de outros estudos, a fazer incursões na seara dos penalistas. Quem estuda, por exemplo, a organização social, os costumes, as re a PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz ções dos grupos humanos, ainda que o faça do ângulo puram ente sociológico, não pode deixar de tocar em determ inadas teses de direito penal, principalm ente quanto à figura do criminoso, con siderado em relação às influências mórbidas ou mesológicas. Fora da esfera profissional, demarcada pelos limites a que estão circunscritos os diversos ram os de atividade, não há, p re sentem ente, a rigor, o que se possa chamar assunto im penetrá vel, um a vez que a cultura geral se aplica à solução de muitos problem as em cuja discussão se encontram criminalistas, educa dores, m oralistas, homens públicos, técnicos etc. Claro é, p o r tanto, que a criminologia, sobre ser um campo vastíssimo e com plexo, comporta estudos especiais, luz de prism as novos, n a tu ralm ente estranhos às velhas escolas penais: clássica, positiva e sociológica. Todavia o direito terá sempre uma técnica própria, como a sociologia, a psicologia etc., sem que deixe de haver entrosam ento entre as ciências. A própria ciência penal m oder na já se desvencilhou muito do tradicionalismo acadêmico, em consequência do ecletismo, fenômeno que também se verifica nos círculos de outras ciências, como reação, aliás inevitável, a tudo quanto se transform e em cristalização ou estagnação das ideias. Sob estas premissas, o direito penal também pode ser encarado por aspectos novos, desde que através de tais aspectos algumas questões, ainda sujeitas a discussão, venham a ser de algum modo elucidadas. A ciência, em qualquer de seus ramos, não p o de rejeitar contribuições honestas, seja qual for a crença ou a orientação filosófica daquele que, inspirado no desejo de p ro curar a verdade, se propõe a aum entar o patrim ônio científico da hum anidade com alguma observação ou experiência pessoal. O professor Fernando Ortiz, da Universidade de Havana, é um revolucionário em m atéria penal. Que o diga, logo à p r i meira vista, o título de um de seus livros, publicado há pouco, na A rgentina, pela Editorial Victor Hugo, de Buenos A ires: La F ilosofia Penal de Los E sp ir itistas . É, como diz o subtítulo, u m e s tu d o de f i lo s o f ia ju r íd i c a , n ã o é u m a a p o lo g ia ou um a c rític a do esp iritism o sob o aspecto fenom enológ ico ou religioso. Diga-se, desde já, que Fernando Ortiz não é espiritis- ta . Pretende ele, porém, colocado simplesmente na posição de criminalista, aliás avançado senão corajoso, m ostrar que a filo sofia espírita pode esclarecer alguns aspectos da criminologia moderna. A atitude é arrojada, mas não é, comoparece, fruto PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 4 do arrebatam ento ou da imaginação. O trabalho de Fernando Ortiz não pode ser condenado como heresia jurídica, porque está bem condensado, embora defenda uma tese capaz, até, de p ro vocar escândalo entre ju ristas pouco familiarizados com os te mas da metapsíquica ou do espiritismo. Na América Latina, ao que parece, é a prim eira vez que um crim inalista se dispõe, ac i ma de preconceitos religiosos ou de convencionalismos acadêm i cos, a discutir princípios da ciência penal à luz do espiritismo. A tese de Fernando Ortiz poderá ser discutida e, por fim, re je i tada, mas a verdade é que o seu livro deve ser lido pelos crim i- nalistas, porque põe em foco um tem a inteiram ente novo em di reito penal. Que relação tem o direito penal com o espiritism o? É justam ente neste ponto que está a originalidade do livro. Não se trata, porém, de uma originalidade estravagante ou de uma das m uitas "criações cerebrinas" de nosso século: tra ta-se de um estudo filosófico, de um confronto prudente e desapaixonado en tre Lombroso e Kardec. Trabalhos de tal ordem não devem ser criticados a priori, apesar do espanto que possa causar tal ap ro ximação, embora Lombroso tenha dado testem unho público de convicção a respeito dos fenômenos espíritas. Diz Fernando Ortiz: "O espiritismo pode chegar na magnitude de sua con cepção evolucionista a um atavismo mais radical, e com o qual não sonhou o gênio de Lombroso, o atavismo in terp lanetário ." Fernando Ortiz toma por base precisam ente o livro que contém a parte filosófica do espiritism o: O Livro dos Espíri to s . Sem fazer profissão de fé, sem querer, po rtan to , form ar nas file iras dos d iscípu los de A llan K ardec, o ilu stre p ro fessor cubano, que já publicou, entre outros trabalhos especia lizados, La criminalita dei negri in Cuba no "Arquivo de P si quiatria e Medicina Legal e Antropologia", e Supertizioni Cri- minose, Turin, não nega o atavismo criminal, mas recorre à fi losofia espírita para esclarecer a questão. Fá-lo com im par cialidade, com a isenção espiritual de todos os homens infensos a dogmatismos de qualquer espécie. Argum enta Fernando Or- tiz: já se compreenderá facilmente como o evolucionismo espí rita pode explicar a herança moral, comprovada cientifica PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 5 mente até certo ponto pela antropologia. Os antropologistas fi liados à escola m aterialista procuram explicar as anomalias psíquicas pela constituição somática, o que leva o crim inalista a um círculo muito acanhado, porque há, como se sabe, dege- nerescências morais que não apresentam qualquer indício de anorm alidade física. Não se vai, com isto, ao extremo de dizer que as aberrações físicas do tipo lombrosiano não sejam a ex pressão evidente, na maioria dos casos, de anorm alidades p s í quicas. Entretanto, a predisposição criminal pode ser explica da pelos antecedentes espirituais do indivíduo. Este ponto é muito transcendental ou metafísico, mas não deve ser despre zado quando se procura, como no caso de Ortiz, estabelecer paralelo entre o estado moral do criminoso e as suas caracte rísticas físicas. Existe, de fato, relação entre o estado moral e o estado físico? Sob este aspecto, a tese de Ortiz inclina-se para a solução espírita: o estado moral vem da inferioridade do espírito, não procede, portanto , de causas orgânicas. Neste caso, segundo a tese espírita, as deformações do corpo, as fisionomias m onstruosas e outras chamadas "aberrações da natu reza" têm certa relação com a vida espiritual, com aquilo que poderíamos chamar a vida pregressa do espírito em anteriores existências. Tais deformações, pelo princípio da reencarnação, defendido por A llan Kardec, são efeitos e não causas. O livro de Ortiz estuda a criminologia m oderna precisam ente sob este ponto de vista. Daí a associação aparentem ente inexplicável de Lombroso e Kardec no livro do crim inalista cubano. Resta, porém, exam i nar a questão sem qualquer ideia preconcebida. Lê-se, em La Filosofia Penal de los Espiritistas, pág. 56: "Se é certo que a ciência descobriu que a herança psi cológica existe, demonstrando a persistência de caracteres nas mesmas famílias e até nos mesmos povos através do tempo e de gerações, também é certo que as leis da he rança não estão descobertas como o está o fenômeno." Para esclarecer a questão, fora do círculo, já conhecido, das escolas penais, o prof. Ortiz recorre à filosofia espírita, com o que corrobora o seu pensam ento. Apóia-se ele no seguinte p r in cípio da codificação doutrinária de Allan Kardec: "Com frequên cia, os pais transm item aos filhos a semelhança física. Transm i tem eles também a semelhança moral ?" Resposta: PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 6 "Não, porque têm almas ou espíritos diferentes. O corpo procede do corpo, porém o espírito procede do espírito. Entre os descendentes de uma raça não existe mais do que consanguinidade." As qualidades morais residem no espírito, e não podem ser transm itidas pelos caracteres somáticos. Basta verificar, na p rá tica, o que ocorre em diversas famílias: pais, filhos, e irmãos com inclinações e graus de moralidade muito diferentes uns dos ou tros. A hereditariedade não explica este fenômeno. A história do Brasil tem um exemplo frisante no contraste psicológico entre Pedro I e Pedro II. Admite-se a influência, aliás relativa, de cer tas pecualiaridades ancestrais no tem peram ento, no caráter do indivíduo, mas daí não se infere que todo o processo de form a ção e desenvolvimento de suas qualidades psicológico-morais obedeça, de modo absoluto, à sequência das vias hereditárias. O autor de La F iloso fia Penal de los E sp iritistas p refere , neste particular, a tese espírita, apoiada, aliás, no processo reencar- nacionista. A cor e a raça não têm influência no estado moral, porque a superioridade ou inferioridade do homem está no es pírito. Este princípio, defendido por Allan Kardec, é aceito, hoje, por eminentes pesquisadores, inclusive aqueles que, co mo o nosso ilustre e saudoso A rtur Ramos, que teve ocasião de citar o prof. Ortiz, não se filiam a qualquer pensam ento re li gioso. Allan Kardec não era especialista em antropologia, mas a verdade é que as suas ideias contrárias ao preconceito racial, sustentadas na segunda m etade do século 19, coincidem com o que afirmam, nos dias atuais, verdadeiras expressões desta ciência. A rtur Ramos, como se sabe, nunca se revelou simpático ao espiritismo. E ntretanto a sua grandiosa e hum anitária cam panha contra o preconceito de cor, campanha sempre apoiada na ciência, nunca inspirada em sentim entalism o ou dem ago gia, afirmou exatam ente o princípio de que a superioridade ou a inferioridade, tanto do indivíduo como dos grupos, só se afe- re pelas qualidades do espírito, e não pela epiderme. Pois bem, este mesmo princípio fora sustentado por Allan Kardec, no século passado. O prof. Ortiz verificou, assim, o que os an tro pólogos ainda não verificaram : o espiritismo é um a doutrina fundamentalmente contrária ao preconceito de cor, tanto por PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz sua organização filosófica, como por suas conseqüências m o rais. No embasamento de sua filosofia, o espiritismo vincula alguns aspectos positivos do problem a criminal aos anteceden tes espirituais do criminoso. Diante deste postulado, torna-se discutível, assume outro caráter a figura do criminoso nato. É aqui, precisamente neste ponto, que está a parte nevrálgica do livro de Fernando Ortiz. O criminoso nato, segundo adoutrina espírita, é um doente do espírito, é um indivíduo que traz, de seu passado espiritual, um acervo de culpas e mazelas morais. Logo, dentro desta tese, o instinto criminal não tem a sua fon te nas deficiências orgânicas, embora estas (efeitos e não cau sas) tenham influência nas paixões como nas atitudes. Por ou tras palavras, isto significa nada mais nada menos que a p re disposição criminal é uma degenerescência de origem moral, nunca de origem física. Tendo partido deste ponto, F e rn an do Ortiz vê a escola de Lombroso dentro de um campo muito maior e mais claro. Faltou ao glorioso criminalista e psiqu ia tra italiano, m estre consagrado, um passo para subir da evo lução puram ente hum ana à evolução espiritual. Fernando Ortiz, escudado em Allan Kardec (O Livro dos E s píritos e A G ênese), assim como em Gabriel Delanne (A Evolu - ção Aním ica), não nega que haja tipos predispostos ao crime. A predisposição, porém, segundo a filosofia espírita, vem do espírito. O conceito de criminoso nato, portanto, em face das duas teses — a espírita e a lombrosiana — m agistralm ente e s tudadas e d iscu tidas por Fernando O rtiz, não desaparece, tan to mais que Ortiz é um lombrosiano convicto. Entretanto, o t r a balho de Ortiz dilata a visão geral do problema, não apenas em relação à escola positiva, mas em relação, também, às ou tras escolas. O fato de haver criminoso nato (escola positiva) não leva ao determinismo biológico. Foi sob este ponto de vista, espe cialmente, que Ortiz estudou o assunto à luz do espiritismo. Sendo a tendência criminal um defeito do espírito, m uitas ve zes ligado a causas rem otas, através de outras existências (p rin cipio reencarnacionista) a regeneração espiritual, por meio da educação e da reform a de costumes, pode modificar o com por tamento do delinquente nato. Esta proposição exclui, como se vê, o determinismo absoluto. O determinismo sociológico tam bém não se harmoniza com a doutrina espírita, porque nem PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz sempre o criminoso é um escravo do meio social. O indivíduo liberta-se das influências sociais, da imposição do meio à p ro porção que vai fazendo m elhor uso de seu livre-arbítrio. Não se pense, porém, que a filosofia penal do espiritismo cai na e s cola clássica. Aliás, Fernando Ortiz passa tam bém por esta e s cola em seu interessante livro. O livre-arbítrio — afirma a doutrina espírita — não é absoluto, porque depende da ele vação do espírito. Logo, perante o espiritismo, é falso o p r in cípio de que o criminoso é sempre responsável, porque é livre, tem vontade própria. A liberdade está na razão direta do adiantam ento espiritual, cuja base é a reforma moral do in divíduo. Por todos estes motivos, o livro de Fernando Ortiz merece a atenção dos penalistas, dos homens emancipados, que não têm receio de tom ar conhecimento de qualquer discussão. A ssim, pois, A Filosofia P en a l de los E sp iritis ta s, publicado, ago ra, em português, pela livraria "Allan Kardec", de São Paulo (tradução de Carlos Imbassahy) é um livro discutível, não há dúvida, mas é um livro sério, profundo e avançado. G A Z E T A J U D IC IÁ R IA - R io d e J a n e ir o , 31 de m a io d e 1951 PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 9 A O L E I T O R Há quatro lustros, nas aulas de minha muito que rida Universidade de Havana, cursava eu os estudos de di reito penal, no programa do professor González Lanuza, naquela época o mais científico nos domínios espanhóis; iniciava-me, então, nas ideias do positivismo criminoló- gico e intercalava, nessas leituras escolares, obras m ui to alheias à universidade, obras essas que o acaso punha ao meu alcance ou que minha curiosidade investigadora buscava com fervor. Entre estas últimas estavam as leituras religiosas, que ainda agora me produzem especial deleite e me des pertam no ânimo singular interesse. Foi, então, que co nheci os livros fundamentais do espiritismo, escritos por Hippolite Léon Denizard Rivail, ou seja, Allan Kardec, como lhe aprazia chamar-se, revivendo o nome com que, segundo dizia, fo i conhecido no mundo, em encarnação anterior nos tempos druídicos. A simultaneidade dos estudos universitários sobre criminologia com os acidentados estudos filosóficos acer ca da doutrina espírita, fez com que o entusiasmo em mim, PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 10 despertado pelas teorias lombrosianas e ferrianas, me le vasse a investigar especialmente o modo por que pensa va a propósito dos mesmos problemas penais aquele in teressante francês, que ousava apresentar-se como um druida redivivo. Logo que minha mente tomou essa direção, percebi, não sem alguma surpresa, que o materialismo lombrosia- no e o espiritismo de Allan Kardec coincidiam notavel mente, em não poucos lugares; que, partindo de premis sas materialistas, e conduzidos pelo mais franco positi vismo, ou tomados de conceitos espiritualistas e levados pelo mais sutil idealismo, poderíamos chegar às mesmas teorias criminológicas. Tomei, então, alguns apontamentos, e não poucas no tas marginais deixei nos livros que li naqueles dias dis tantes; meu trabalho mental, porém, não passou daí. Ou tros estudos e outras necessidades, primeiro acadêmicas, depois profissionais, distrairam-me desse curioso tema, embora não o esquecesse. Anos depois, em 1905, pude, na Itália, fa lar incidentemente a Lombroso da curiosa coincidência de suas principais teorias penais com as dos espíritas. Ele me prometeu que redigiria, sobre esse as sunto , um t raba lho p a r a o seu A rch ivo di Ps ichia tr ia ; mas, a minha ausência da Itália, os vaivéns da vida, e a morte do mestre da criminologia contemporânea, fize ram-me suspender, descuidar, olvidar quase aquele meu compromisso; finalmante, quando professor da Faculda de de Direito da Universidade de Havana, fu i designado, em 1911, para pronunciar o discurso regular com que PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 11 anualmente se inaugura a academia teórico-prática da faculdade. Toquei, então, no tema, dando-lhe forma de discur so, e o li naquela sessão; mas a pressa com que fo i prepa rado e meu natural desejo de retocar o trabalho, impe diram sua publicação. Enfim, vê ele agora a luz; documentado pelas pági nas dos livros originais de Allan Kardec, este tema, novo e virgem, como creio, de todo trato público com os es tudiosos da filosofia do direito, aqui aparece, evocador dos meus longínquos dias de estudante, graças à genero sa insistência do p ro f J. A. González Lanuza, o neófito decano da Faculdade Havanesa, e do prof. A. S. Busta- mante, o sábio catedrático da mesma faculdade, diretor da "Revista Jurídica". A esses, a expressão do meu reconhecimento, e ao leitor o pedido de indulgência, de serenidade de julga mento, e de seriedade em sua intenção, visto que, nos dias em que vivemos, por estas terras de recente passa do colonial, nada mais frequente que a crítica desapieda- da, que a condenação apriorística e a falta de atenção, quando se nos apresenta qualquer tema filosófico, o qual, direta ou indiretamente, nos traça o mais transcenden tal problema da vida e o da filosofia da morte. FERNANDO ORTIZ Professor na Universidade de Havana PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 12 I OBJETO DESTE ESTUDO Não sou espírita. Nem sou também dos que opinam como a q u e le biólogo ilustre, que declarava a William James: a inda que as provas científicas da telepatia e dos demais fenômenos anímicos fossem concludentes e demonstrativas,os homens de ciência deveriam fi car de acordo p a ra faze-las desaparecer, pois que tais fenômenos transtornariam as leis da natureza, das quais não podem prescindir os sábios p a ra con tinuar suas investigações. Não creio, pois, na intangibil idade dos dogma- tismos, a inda quando lhes chamem científicos; por fortuna, porém, até hoje, a razão que me afastou de outros credos religiosos, os quais a temorizaram minha infância, impede-me de aderir ao dos espí ritas, apesar da doçura de sua mística e do suges tivo progresso de sua concepção religiosa. Não admito, nem repilo, nem sequer discuto os princípios da filosofia espírita; nem mesmo analiso e critico os fenômenos supranormais que os espíri tas chamam de medianímicos e que Richet chamou de metapsíquicos, pois prescindo deles em absolu PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 13 to. Limito-me a recordar as ideias nas quais os espíritas, especialmente Allan Kardec, seu apósto lo, cristalizam suas crenças acerca da criminologia, que poderíamos chamar cósmica ou universal , e compará-las com outras cristalizações filosóficas de criminologia h um ana do nosso mundo. Apresso-me a esta negação rotunda, em come ço a este trabalho, pa ra que não se veja nele a obra de um sectário, nem a de um propagandis ta , nem a de um impugnador fanatizado, senão a tarefa serena e fria de quem trata de refletir objetivamente ob servações e conclusões de uma das filosofias reli giosas modernas mais sugestivas e divulgadas, e obtidas pela análise, sob o ponto de vista da crimi- nologia ou da filosofia penal. Penso que tal estudo não se fez até agora e que não será inútil conhecer a criminologia espíri ta; o estudo dos seus princípios não é mais do que um capítulo de outro estudo da filosofia criminal, mais amplo e mais frutífero, e, entretanto, virgem de qualquer arroteamento científico, qual é o estu do da criminologia de Deus de que talvez trate mos algum dia. Ou seja, dos princípios criminais que a história das religiões vai descobrindo atra vés da evolução da ideia religiosa, nos quais se re fletem as crenças sobre o princípio do mal, o deli to do homem, o castigo divino, as penas ultratum- bas, o purgatório correcional, o clássico inferno per pétuo e todos os sistemas teológicos com que, no PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 14 transcurso das idades, se tem querido explicar o di reito de castigar, que possuem os deuses , e o fim de suas p en as e métodos penitenciários . E, sem dúvida, a criminologia teológica é u m a rica mina de filões p a r a o estudo da filosofia penal a través dos séculos, tão fecunda, acaso, como o exame das instituições dos povos e dos códigos penais . Por outro lado, o e s tu d o da c r im ino log ia do es piritismo, dessa crença que p re tendem ser um n o vo avanço da evolução religiosa moderna , religião que se quis ap re sen ta r como racional e exper im en tal, n e g a d o r a do materia lismo imperante , mas usu- frutuária de toda a sua tecnologia, produziu em meu ânimo impressões inesperadas , que tentarei r ep ro duzir; não serão menos curiosas as que derivam da observação de que muitos dos princípios que p a recem orientar a ciência criminal con tem porânea , e s tavam compreendidos em livros anter iores da fi losofia espírita; o positivismo criminal de nossos dias, que quase poder íamos cham ar de materialis- mo penal, chega a afirmações bás icas de teorias, perfe itamente explicáveis e m an t idas também pelo antitético espiri tualismo, pelo mais radical , acaso representado no estádio das ideias modernas , em par te ao menos, o espiritismo de Allan Kardec e de seus discípulos e continuadores . Os extremos se tocam, p o d e rá dizer-se, e assim acontece em nosso estudo. PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz Não merecerá , pois, a a tenção do estudioso, essa curiosa convergênc ia do materia lismo cientí fico e do espiritualismo idealista no campo da cri- minologia? E, se porven tura dem ons t rada essa convergência , a filosofia não pode r ia descobrir coincidências mais transcendenta is? Discutir o fundamento do castigo não é discutir o fundamen to do bem e do mal, não é discutir a base angular de toda a filosofia? Seja como for, o aspecto criminal do espiritismo é suficientemente curioso p a r a merecer um esforço. Outras considerações seriam impróprias deste lu g a r e por completo fora da finalidade m odes ta des te trabalho. PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 16 II AS BASES IDEOLÓGICAS DO ESPIRITISMO A filosofia espíri ta par te da existência de um Ser supremo, Deus, criador de todas as coisas, e da exis tência imortal dos espíritos. O espiritismo se distingue, porém, de outros credos religiosos, po rque vem a ser u m a teoria evo- lucionista da alma, teoria cer tamente an t iga (1 ) m as cuja revivescência m o d e rn a se deve ao espiri tismo e à teosofia. Com efeito, os espíritos são criados imperfeitos, e sua existência se desenvolve depois de u m a série enorme de p rovas dolorosas que os despertam, que lhes fortalecem as faculdades e os e levam até às al turas da evolução ps íquica, de m an e i ra que, se gundo os biólogos mate ria li s tas como Sergi, os se res que entram em seu campo de v isual idade , da a m e b a aos g ran d es mamíferos, progr idem, t rans formam-se e se fazem inteligentes pe la dor que ex per imentam, na série imensa de provas , o que supõe o contato constante com o meio ambiente. (1) Bramanistas, budistas, pitagóricos etc. podiam ser citados como antigos partidários desta doutrina nascida na Índia. PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 17 O fim do espírito é progredir , ascender, e levar -se sempre e acercar-se de Deus. Na história na tu ral dos espíritos não há regressões; pode haver p a radas , si tuações de quie tudes, n u n c a retrocesso. Para a lcançar esse progresso, o espírito pode aproveitar todos os instantes, q ua lquer que seja o seu estado, mesmo o da erra tic idade ou de imate- ria lização , fora dos m u ndos estelares, ou em um estado de encarnação, de trânsito em um mundo qua lq u e r dos muitos que se supõe serem habitados. A v ida do espírito pressupõe, portanto, u m a sé rie de ava ta re s em um ou em vários mundos, se gundo seu es tado de ad ian tamento ; sua p e r so n a lidade e terna percorre essas t ransmigrações , de for ma tangível e material , com o caráter próprio, so- freado, ao mesmo tempo, o peso da m até r ia a que está l igado o perispírito e contra cuja inércia ética te rá que lutar, vencendo-a . E aí está a prova, a dor que p r e p a r a a consc iência e é o acicate da exper iência, propulsora do progresso. Essa m etem psicose , dogm a de vár ias religiões antigas, é tão longa, segundo os espíritas, que não só aprox ima o espírito, por deg raus infinitos, de Deus, sem jamais se confundir com ele, como, no extremo oposto, essa evolução começa, p a r a os ev o lu c io n is ta s d a a l m a , d a s fo rm as m a i s r u d i m e n tares e primitivas do espírito, quase me a trever ia a dizer; desde os espíritos infinitamente imperfeitos, desde os micro-espíritos, p a ra seguir a escala ascen PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 18 dente, até as formas mais e levadas dos espíritos angélicos, os g randes espíritos, os macro-espíritos, se assim lhes podemos chamar. Fazendo caso omisso dos demais m undos que conhecemos, não seria um absurdo p a r a a filoso fia do espírito supor em nosso p la n e t a duas e sca las pa ra le la s evo lu c io n is ta s , a m a te r ia l e a e sp i r i tual, am bas perfeitas e constan temente entrosadas , a t ravés de seculares e milenár ias g en ea lo g ia s das espécies e de suas transformações evolutivas. Se o biólogo fala, por exemplo, nos protozoá- rios, no gérmen que se há de converter no homo sapiens, não seria difícil sustentar, como o admite o espiritismo, que também em c ad a um dos proto- zoá r io s , se en ca rn a um espírito primitivo; seu p ro gresso, h u m a n a m e n te incomensurável, há de con vertê-lo em um ser superior, p e rm a n en te e sapien- te, em um spiritus hum anus, como diria um Lineu dos espíritos. Aquilo, portanto, que cham am os vida hum ana , não é mais que um a de tan tas épocas de estratifi- cação, de prova, de encarnação , a t ravés das quais os espíritos vão apu ran d o suas faculdades e acer cando-se cada vez mais das perfeições absolutas. Por isto, o espírito, ao en ca rn a r em um corpo h u mano, traz do além e de suas vidas p a s sa d as , um a pe rsona l idade já p l a s m a d a com carac te res p ró prios; e este princípio ou lei, como que iram cha- PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 19 mar-lhe, não deverá ser esquecido, porque servirá de base mais adiante, a curiosas deduções . Esse evolucionismo dos espíritos é tão fatal como o dos biólogos. Há que recorrer à escala evolutiva, degrau por degrau. Se os natura li s tas dizem na tu ra non facit saltum, os espíritas poderão dizer, ana logam ente : spiritus non facit saltum; o espírito há de subir, p a u s a d a ou rap idam en te , se gundo seu esforço, porém grau a grau, até à su p e rior idade dos anjos. Assim o expõe Allan Kardec, no parágrafo 271 do seu O Livro dos Espíritos: 271 — Estando o espírito na erraticidade, nas di versas condições em que poderá progredir, como o conseguiria se nascesse, por exemplo, entre canibais? "Entre canibais não nascem espíritos já ad ian tados , mas os da na tu reza dos canibais, ou a inda inferiores. Sabemos que os nossos antropófagos não se acham no último d eg rau da escala espiritual e que há m undos onde o embrutecimento e a ferocidade não têm an a log ia na Terra. Os espíritos que aí se enca rnam são infe riores, portanto, aos inferiores deste mundo. Nascer, pois, entre os nossos selvagens r e p re senta p a r a eles um progresso, como seria p a ra nossos an t ropófagos a profissão em que der ra m assem sangue . Não podem pôr as vistas PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 20 mais alto pois sua inferioridade moral não lhes permite com preender maior progresso. O es p í r i to avança g ra d a t iv a m e n te . Não lhe é dado transpor de salto a d is tância que vai da b a r b á rie à civilização, e esta é u m a das razões da necess idade da r e e n c a r n a ç ã o , q u e , v e rd a d e i ramente , corresponde à just iça de Deus. De outro modo, que seria desses milhões de cria turas que morrem todos os dias na maior d e g rad ação , se não t ivessem meios de a lcançar a super ior idade? Por que os p r ivar ia Deus dos favores con cedidos aos outros h om ens?” Com maior clareza se vê esse para le li smo nos seguintes parágrafos da A Gênese de Allan Kardec: ”Da sem e lhança de formas exteriores que existe entre o corpo do homem e o do macaco, certos fisiologistas concluiram que o primeiro era u m a transformação do segundo. Isto não é abso lu tam ente impossível, sem que a d igni dade h u m a n a tenha algo que perder. Corpos de monos poder iam ter servido de vest imenta aos primeiros espíritos hum anos , que , n e c e s sar iamente pouco avançados , v ieram encarnar na Terra; essas vestes eram mais própr ias às suas necess idades e ao exercício de suas fa culdades que o corpo de qua lquer outro an i mal. Em vez de se p re p a ra r um a roupagem PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 21 especial p a r a o espírito, ele j á a encontrar ia feita. Pôde vestir-se, portanto, com a pele do macaco , sem deixar de ser espírito humano; também o homem se reveste, por vezes, com a pele de certos animais, sem deixar de ser h o mem. Advirta-se que não se trata de u m a hipótese admit ida como princípio, mas ap resen tada , so mente, p a r a mostrar que a origem do corpo não prejudica o espírito; que este é o principal e que a sem e lhança do corpo do homem com o do m acaco não implica a p a r id a d e entre os dois espíritos. Admitindo essa hipótese, pode-se dizer que sob a influência e por efeito da a tiv idade in te lectual do seu novo habi tan te , e invólucro m o dificou-se, embelezado nos detalhes, sem alte rar a forma geral do conjunto. Os corpos aperfeiçoados, ao procriar, se r e produziram nas m esm as condições, como acon tece nas árvores enxer tadas ; deram n asc im en to a nova espécie, que foi, aos poucos, a fas tan do-se do tipo primitivo, à m ed ida que o espí rito progredia . O espírito de m acaco que não foi an iquilado continuou procriando corpos de macaco p a r a seu uso, tal como o fruto da á rvo re silvestre que rep roduz árvores silvestres, e o espírito hum ano tem procriado corpos de ho- PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 22 mens, var ian tes do molde primitivo onde se e s tabelecera. O tronco bifurcou-se: produziu um ramo e este ramo se transformou em tronco. Como não há transições bruscas na na tureza , é provável que os primeiros homens que n a s ceram na Terra pouco se diferenciassem do m a caco, na forma externa e, sem dúvida, também pouco q uan to à inteligência. Existem a inda hoje se lvagens que , pelo t a m a nho dos braços e pés, têm tão evidente o an d a r e o porte do macaco , que só lhes falta o pelo p a r a completar a semelhança . (1) À medida , porém, que o espírito r e c u p e ra a consciência de si mesmo, perde a memória do passado , sem perder as faculdades, as qua l i dades e as aptidões adquir idas anteriormente , aptidões que se a ch av am em estado latente, m om en taneam en te , e que, re tom ando sua ati v idade, vão ajudá-lo a fazer mais e melhor do que antes ; nele renasce o que adquir iu em t ra balho anterior. A presente existência é novo ponto de part ida , novo d eg rau a subir. T am bém aqui se manifes ta a b o n d a d e do Criador, porque a lem b ran ça de um passado , mui tas vezes penoso ou humilhante , unido às a m a r guras de nova existência, poder ia per tu rbá- lo (1) De A Gênese, cap. X I, "Hipótese sobre a origem do corpo humano" - n.° 16. (Nota do tradutor) PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 23 e estorvá-lo; ele só se lembra do que aprendeu, porque isto é que lhe é útil. Se, por vezes, con serva v a g a intuição dos acontecimentos p a s s a dos, é como a lem brança de um sonho fugitivo. Trata-se, pois, de um homem novo, por mais antigo que seja seu espírito; cam inha em n o vos carreiros, auxil iado pelo que adquiriu, o que o vulgo ch am a disposições natura is . Quando torna à v ida espiritual, o p a ssad o se lhe desenrola diante dos olhos e ele ju lga se em pregou bem ou mal o tempo. Tomando a h u m a n id a d eno g rau ínfimo da es cala intelectual, entre os mais a t rasados selva gens, indagam os se este é o ponto de par t ida da a lm a hum ana . Segundo a opinião de a lguns filósofos espiri tualistas, o princípio inteligente, distinto do princípio material , individualiza-se e se e labo ra, p a s sa n d o pelos diversos g raus da espir i tua lidade; é aí que a a lm a se ensa ia p a ra a vida e desenvolve suas primeiras faculdades pelo exercício; seria, por assim dizer, seu tempo de incubação . C h e g a d a ao ponto de desenvolvimento m áx i m o , q u e ta l e s t a d o p e r m i t e , e l a r e c e b e as fa culdades especiais, que consti tuem a a lm a h u m a n a ; h a v e r i a , a ss im , fi l iação e sp i r i tu a l como há filiação corporal. PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 24 Este sistema, fundado na g rande lei de u n id a de que pres ide a criação, é preciso convir, e s tá conforme à b o n d a d e e à just iça do Criador, dá um fim, um destino aos animais; estes de i xam de ser cria turas d e se rdadas , encontrando, no futuro que lhes é reservado, u m a com pen sação aos seus sofrimentos. O que constitui a homem espiritual não é sua origem, senão os atributos especiais de que é dotado, a sua en t rada na h u m an idade ; esses atributos o transformam e fazem dele um ser distinto, como é distinto o fruto saboroso da ra iz a m a r g a de que saiu. Por haver p a ssad o pe la fieira da an imal idade , o homem não deixar ia de ser homem. Não seria animal, como o fruto não é a raiz, como o sábio não é o feto informe pelo qual com e çou sua vida no claustro materno. A ve rd ad e i ra v ida do animal como a do h o mem, não está em seu invólucro corpóreo, que não p a s s a de um a veste; reside no princípio inteligente que p recede e sobrevive ao corpo. Este princípio tem necess idade do corpo p a ra desenvolver-se pelo trabalho sobre a matér ia bruta; o corpo gasta -se e desfaz-se neste t r a b a lho. O espírito, po rém , não se ga s ta , pelo con trário, fica sempre mais robusto, mais lúcido, m ais capaz . Que importa, pois, que o espírito mude, com mais ou menos frequência, de envol PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 25 tório? Não deixa por isto de ser espírito, como o homem não deixa de ser homem porque mude cem vezes de roupa no ano. Nos seres inferiores da criação, onde não existe o sentido moral e em que a inteligência não substituiu o instinto, a luta não pode ter outro móvel que não seja a satisfação das necess idades materiais. Uma das mais imperiosas é a da a l im en tação ; lutam uni camente p a r a viver, p a ra a p a n h a r ou defender u m a presa , porque não podem ser estimulados por móvel mais elevado. É nesse período da existência que o espírito se vai formando p a ra os t rabalhos da vida; a lcançando , então, o grau de desenvolvimento necessário p a ra sua t rans formação, recebe de Deus novas faculdades: o livre-arbítrio e o sentido moral, a cente lha di vina, que, em u m a pa lavra , dá novo rumo a suas ideias e o dota de novas proporções. As novas faculdades se desenvolvem g ra d u a l mente, visto que não há saltos na natureza . H á um período de transição em que o homem mal se diferencia do bruto nas primeiras idades ; p re domina o instinto animal e a luta g ira em torno das necess idades materia is. Mais tarde equi- va lem-se o instinto e o sentido moral, e o homem luta, não já pelo sustento, mas para satisfazer a ambição , o orgulho, o desejo de domínio, e p a r a isso é preciso destruir. PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 26 À m ed ida que predomina o sentido moral, v a i -se desenvolvendo a sensibilidade: a necessida de de destruir vai d e sa p a rec e n d o até extinguir- -se e tornar-se odiosa. O homem nesse estado tem horror à violência e ao de r ram am ento de sangue . A luta, entretanto, é sempre n eces sá r ia p a r a o progresso do espírito, porque , a inda chegado a esse ponto, que nos pa rece culminante , está muito longe da perfeição. Só à força de apl icação e a tiv idade pode a d quirir conhecimentos e exper iência, e despoja r -se dos últimos vestígios da animalidade. Mas, nesse grau de elevação, a luta, em vez de san gren ta e brutal, torna-se p u ra m e n te espiri tual: luta contra as dificuldades e não contra seus semelhan tes” . Anos depois, Gabriel Delanne, a rm ado com o arsenal de dados que lhe minis traram os biologistas e na tura l is tas do século passado , dá maior prec isão à teoria da evolução do espírito em re lação com a evolução física, em seu muito in te ressan te livro A Evolução Aním ica (1895), do qual extraio estes p a r á grafos sintéticos: ”Quer sob o ponto de vista do instinto, quer sob o da inteligência ou o do sentimento, não existe outra diferença senão de grau entre a a lm a dos animais e a do homem. O mesmo PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 27 princípio imortal a n im a a todas as cria tu ras vivas. De começo, manifesta-se de modo ele mentar, nas ínfimas g radações da existência; pouco a pouco se vai aper fe içoando na sua g rande evolução, desenvolve as qua l idades que t inha em gérm en e as manifesta de forma mais ou menos a n á lo g a à nossa, à m ed ida que se aprox ima da hum an idade . Não podem os conceber porque hav ia de criar Deus seres sensíveis ao sofrimento, sem lhes outorgar, ao mesmo tempo, a faculdade de se benef iciarem com os esforços que fazem por progredir . Se o princípio inteligente que os an im a esti vesse condenado a ocupar e ternamente a m es ma posição inferior, Deus não seria justo, fa vorecendo o homem às expensas das outras criaturas. Diz-nos, porém, a razão, que não é possível que tal suceda , e a observação demonstra que há identidade substancial entre a a lm a dos brutos e a nossa, que tudo se harmoniza e en cade ia est re itamente no universo, desde o átomo ínfimo ao sol gigantesco perd ido na noite do espaço; desde a m onera até o espírito superior que pa i ra nas regiões serenas da er- raticidade. Se supusermos que a a lma se individualiza len tamente por um a e laboração das formas in PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 28 feriores da na tu reza até chegar g rad a t iv am en - te à h u m an id ad e , quem não se a s s o m b ra rá com a m arav i lhosa g ra n d e za de semelhante a scensão? Através de milhares de formas inferiores, nos labirintos de u m a ascensão não interrompida; m edian te m oda l idades ra ras e sob a p ressão dos instintos e a sevícia de formas inverossí meis, a cega ps ique se dirige p a ra a luz, p a r a a consciência esclarecida, p a r a a l iberdade. Os inúmeros ava ta res , em milhares de o rg a nismos diferentes devem dotar a a lm a de todas as forças que lhe hão de servir mais tarde; têm por objeto desenvolver o envoltório fluídi- co, fixar nele as leis c ad a vez mais complica das que regem as formas vivas, e criar-lhes um tesouro por meio do qual chegará , com o tempo, a m an ipu la r a m até r ia de modo incons ciente, p a r a que o espírito possa prosseguir sem o óbice dos l iames terrestres". PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 29 III AS LEIS DA EVOLUÇÃO ANÍMICA Assim como a evolução dos seres orgânicos deste mundo se determina,segundo os biologistas, p e la ação complexa de um a multidão de leis, des de as e lementares físicas da g rav idade e da inér cia dos corpos, por exemplo, até às pouco defini das da he red i ta r iedade e do atavismo, também a evolução espíri ta se desenvolve, mercê de leis de diferentes índoles, que às vezes são fixadas com se g u r a n ç a dogmática, e que outras vezes se tornam confusas, porém não menos necessá r ias dentro de tal sistema filosófico. Assim, Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, de fine as leis da adoração , do progresso, da l iberda de etc. , n em mais nem m enos como o fazem cer tos dogmáticos da sociologia. Pelo que in teressa ao nosso estudo, d igamos que os espíritas admitem entre as leis da evolução dos espíritos, como fundamental , a que cham am lei divina ou natura l , que outra coisa não é senão um direito natural aplicado a toda v ida cósmica e também, como é lógico deduzir, à vida dos homens. PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 30 Esta lei na tura l é e te rna e imutável, e Kardec a define dizendo que é a lei de Deus; ap esa r disso, porém, não é fácil compreendê- la e explicá-la, e, sobretudo, ap esa r de seu conceito absoluto como um dogma, tão absoluto como foi o direito natural p a r a certos filósofos juristas, essa lei divina ou na tural, eterna e imutável, de que falam os espíritas, se nos ap re sen ta tão re la tiva e m ovediça na expe riênc ia das sociedades h u m a n a s e nas concepções teóricas de aplicações terrenas, como relativo, ins tável e pouco seguro se mostrou o famoso direito natural . Saiba-se, entretanto, que os espíri tas o confes sam claramente , e o que é mais, harmonizam o a b soluto da lei com a re la tiv idade de sua ap a rên c ia neste mundo. Escreve Allan Kardec: 617 — É dado ao homem aprofundar as leis morais? "Sim, porém não lhe b a s ta u m a só existência. Que são, com efeito, a lguns anos p a ra a a q u i sição de tudo o que constitui o ser perfeito, em bora se tenha em conta a d is tância que s e p a ra o se lvagem do homem civilizado? P a ra is to seria insuficiente a mais longa existência possível; e com mais forte razão o será q u a n do curta, como sucede em g rande número de casos". PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 31 E não somente o espiritismo deriva essa relati v idade da de nossos conhecimentos e faculdades, como a explica com critério evolucionista com pa rável ao mais rigoroso evolucionismo sociológico de nossos dias, dizendo: 618 — As leis diversas são as mesmas para todos os mundos? "Diz a razão que devem ser própr ias à n a tu re za de c ad a mundo e proporciona is ao g rau de ad ian tam en to dos seres que os habitam." Dentro, ainda, desta re la tiv idade, existe uma lei de Deus, e o progresso se a lcança por seu cum primento. No aceitá-la está o bem, no n egá- la es tá o mal. O b em traz consigo o melhoramento do ser, a aquis ição de mais poderosas faculdades, u m a ati v idade de raio mais amplo, um avanço na senda que conduz à felicidade angélica, que se aproxima de Deus. Ao contrário, o mal aca r re ta a pa ra l isação de s se movimento ascensional, o embotamento das for ças do espírito, até que este, pe la dor, a d q u i ra a consciência de seu erro e triunfe em novas provas, vença o obstáculo e renove sua m arch a infinita. Há, portanto, um a sanção à infração da lei natural. Claro está, porém, que os conceitos do bem e do mal serão relativos, do ponto de vista de nosso p laneta , pe la re la tiv idade de nossos conhec im en PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 32 tos e pe la re la tiva imperfeição de nossa consc iên cia; ne ssa está escri ta a lei de Deus, ou seja a defi nição do bem; de q ua lquer modo ambos os concei tos se impõem: o bem e o mal, o que a consciência ap rova e o que lhe repugna . Dir-se-á, porém: sendo a consciência individual a definidora do bem e do mal, d e pendendo do ad ian tam ento ou atraso das faculdades do espíri to e havendo espíritos de diversos graus , o bem e o mal poderão ser os mesmos p a r a todos os homens? Poderão ter p a ra todos eles o mesmo valor ético? 636 — São absolutos, para todos os homens, o bem e o mal? Responde Kardec: ”A lei de Deus é a m e sm a p a r a todos; porém, o mal depende principalmente da vontade que se tenha de praticá-lo. O bem é sempre o bem e o mal sempre o mal, qua lq u e r que seja a p o sição do homem. Diferença só há quanto ao g rau da r e sp o n sab i l id ad e”. E acrescenta , como exemplo: 637 — Será culpado o selvagem que, cedendo ao seu instinto, se nutre de carne humana? ”Eu disse que o mal depende da vontade . Pois bem! Tanto mais culpado é o homem, q u a n to melhor sabe o que faz”. PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 33 As circunstâncias dão rela tiva g rav idade ao bem e ao mal. Muitas vezes comete o homem faltas q u e , n e m por serem consequência da posição em que a sociedade o colocou, se tor nam menos repreensíveis . Mas , a sua res ponsab i l idade é p roporc ionada aos meios de que ele dispõe p a r a compreender o bem e o mal. Assim, mais culpado é, aos olhos de Deus, o homem instruído que pra tica um a sim ples injustiça, do que o se lvagem ignorante que se en t rega aos seus instintos". PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 34 IV O D E L I T O Que será, portanto, o delito p a ra os espíri tas? Se queremos definir um delito absoluto, por assim dizer, si tuando-nos em um ponto de vista que a b a r que a to ta lidade da vida dos espíritos, o delito será a violação da lei de Deus; confessemos, porém, que não fizemos u m a definição, mas um a substituição de pa lavras . Mas, se restringirmos o conceito ao campo vi sual da h u m a n id a d e a que pertencemos, tendo em consideração a re la tiv idade de conceitos, em tal caso, p a r a o espiritismo; e tendo a inda em vista o sentido evolucionista dessa doutrina, p o d e rá então definir-se o delito hum ano, segundo os espíritas, como o definia e legan tem ente o Dr. M. C. Piepers, que não era espírita, ao que eu saiba. Assim dizia, no relatório que enviou ao V Con gresso Internacional de Antropologia Criminal de Amsterdam (1): O delito é a lesão social produzida pelo estado egoístico da psique hum ana (leia-se es pírito) na qual a evolução altruística não está su- (1) A noção do crime no ponto de vista evolucionista. PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 35 ficientem ente avançada para dominar as tendên cias egoísticas dentro do limite que exige determi nado estado social. De modo que, fora de um delito absoluto, mera abs t ração dogmática, o delito p a r a os espíri tas é um conceito relativo que pode concretizar-se un i camente quando se re lac iona com esse limite exi gido por de terminado estado social. Nem outra coisa quis dizer a criminologia científica, desde o famoso antigo princípio nullum crimen sine le g e , que resiste vitorioso a toda tenta tiva de definição do delito como conceito absoluto perse, ou como conceito de fenôm eno natural, segundo p re tendeu Garófalo. O delito, portanto , não é mais do que um fenó- meno de a traso na evolução espírita, em re lação com um ambiente mais ad ian tado , donde dedu- zem os espíritas como os sociólogos atuais, que um delitoem determinado ambiente (em tal m undo ou em tal país) deixa de sê-lo em outro. E p a r a que se veja até onde chega o espiritis mo em seu critério evolucionista e relativo do deli to, leia-se em Allan Kardec o que se refere a um a das formas mais selvagens da m a ld a d e : 670 — Poderiam ter sido agradáveis a Deus os sa crifícios humanos praticados com intenção piedosa? "Não. Nunca. Deus, porém, j u l g a p e la in ten ção. Sendo ig n o r a n t e s , os h o m e n s p o d e r i a m PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 36 crer que pra t icassem ato louvável, imolando seus semelhantes. Nesses casos, Deus a ten tava mais na ideia do que no fato. Melhoran do, os homens deviam reconhecer seu erro e reprovar esses sacrifícios, que as inteligências esc la recidas não pode r iam a c e i t a r ” . Confessemos, pois, que o espiritismo, nesse conceito do delito, se a p a r ta dos dogmatismos das religiões, absolutos e fechados, que não admitem essa re la tiv idade na ideia do pecad o e do delito, e que se ap rox im a das conclusões científicas da razão. PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 37 V DETERMINISMO E LIVRE-ARBÍTRIO Para os positivistas, o criminoso, como todo h o mem, é um ser cujos atos são de terminados por complexíssimos fatores, que o impulsionam, fatal e cegam ente , p a r a tal ou qual direção; p a ra os cha mados clássicos, o criminoso e o homem têm o seu controle próprio e absoluto, a l iberdade de fazer o bem ou o mal conforme queira. Determinis tas e l ivre-arbit r is tas se a co m e te m com ardor p a ra o império de seu princípio cardeal na ciência criminal; esta questão carece, en t re tan to, de importância fundamental no campo da cri- minologia, visto que se to rna desnecessá r ia q u a n do se t ra ta de expor o direito de castigar. Com efeito, u m a parte dos l ivres-arbitristas, os clássicos da filosofia penal (Carrara , por exemplo) par tindo a p en a s do princípio do l ivre-ar- bítrio, vêem-se forçados a admitir restrições de fato a essa abso lu ta l iberdade, q u ando tratara do grau na força do delito. O delinquente vê cerceado seu l ivre-arbítrio, em re lação à idade, inteligência, loucura, idiotez, PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 38 em br iaguez e u m a porção de causa s que lhe a l t e ram o equilíbrio absoluto, p a r a discernir abso lu ta mente entre o bem e o mal; de sorte que, por vezes, concebe como bom o delito, e a inda o sabendo mau, é a r ras tado p a r a ele muito a seu pesar. De modo que, por absoluto que seja o princí pio, difícil seria distinguir os diversos g raus na ação criminosa, por existir nos indivíduos vár ios motivos ou circunstâncias que a lte ram a suposta l iberdade absoluta. Onde está, pois, esse livre-arbítrio absoluto, que a lguns querem conceber e pelo qual o homem pode resistir, só, impassível e vitorioso, a um a c a ta ra ta de solicitações externas? De outra parte, porém, observa-se que os d e terministas, por mais radicais que sejam, a inda quando anali sem e expliquem a imensa complexi dade de fatores que influem nas de terminações do homem, terão sempre de admitir que entre esses inúmeros fatores codete rminantes estão os fatores íntimos da indiv idua lidade psicológica do ser, que reúnem sua força à de todos os demais fatores, p a ra de terminar o ato hum ano. Donde resulta que ante iguais fatores externos, o hom em se de te rm i n a r á de m a n e i ra distinta, segundo o coeficiente que à soma de energ ias tr agam os fatores in tr ínse cos do seu ser, do seu e u . Onde está, pois, pe rguntam , esse de termin is mo absoluto, que alguns querem impor, e pelo qual PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 39 o ser h um ano é um grão de areia, joguete da ma- ru lhada , sem persona l idade , sem indiv idualidade , sem cará te r? E muito bem se a rgum enta , como Ferri, con testando a Van Calker, e, defendendo o determinis mo absoluto, ao dizer que essa individualidade , es se caráter, esse eu não p a s s a do reconhecimento implícito do determinismo fundamental da originá ria consti tuição o rgân ica e ps íquica ( t em peram en to e caráte r) de todo indivíduo, determinismo que o homem tem de comum com todos os seres vivos. Se esse caráter, porém, e esse eu é fruto de um determinismo na originária consti tuição orgânica e ps íquica, convenhamos que não menos certo é que esse determinismo criador de uma. constitui ção individual, desde seu início, teve que a tuar so bre algo, sobre um a célula protoplásmica cheia de vida ; esse algo com vida, que em seu começo sig nifica muito pouco na causa l idade dos fenômenos na tura is que o in te ressavam, foi evolvendo, ad q u i rindo faculdades e forças p a ra depois de um t rans curso de idades incalculáveis, chegar a ser homem; este ser é g ran d em en te influenciável em todos os momentos da v ida ; chegou, porém, por sua vez, a ter um caráte r formado pelo poderoso núcleo de energias acum uláve is em seu ser, que lhe pe rm i tem raciocinar, às vezes, até com consciência, con tra solicitações do ambiente externo e de seu p ró PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 40 prio organismo, o que em idades anteriores, p a r a estados e seres menos evoluídos, seriam fatais em absoluto. Pois bem. Nessa maior a cu m u lação de faculda des e nessa maior concentração de forças de termi nan tes conscientes que se ch am a hom em , parece-me estar em posição o conceito que muitos tomam por l iberdade moral. Isso vem a ser, a meu juízo, o conceito espírita da l iberdade moral do homem; esse conceito é relativo, porque, por mui tas que se jam as energias concen tradas no mesmo núcleo hum ano (chame-se espírito), g randes são as ener gias que o rode iam; o conceito, porém, se afasta um pouco de um determinismo absoluto, que al guns ju lgam como abs t ração metafísica n e g a d o r a da ind iv idua l idade e do ser, como de um livre-ar bítrio, que equivale à metafísica concepção d i u r n a divindade. Neste terreno, repito, pa rece poder-se encon trar o espiritismo. Pa ra este, o livre-arbítrio é u m a faculdade que o espírito vai adquir indo à m ercê de u m a g rande evolução, e à m ed ida que vai despe r tando e saindo do primitivismo e das enca rnações grosse iras e p ré -hum anas . Por que, porém, o espírito progr ide nessas pri mitivas e vas tas idades , q uando não demonst ra li- v r e - a rb í t r io , nem c o n sc iê n c ia do seu ser e do seu progresso? PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 4 ! Pela exper iência que adquire , rea lizando atos que são prejudiciais e atos que lhe trazem felici dade. E assim, pouco a pouco, o espírito vai p e rc e bendo a vida, adquir indo ciência e consciência e chegando a essa fase de evolução na qual d e s prende força própr ia consciente, e a lcança o pleno livre-arbítrio. De tudo resu l ta um livre-arbítrio, fi lho do determinismo. Será um absurdo? Será, acaso, m era questão de pa lavras? Neste terreno da re la t iv idade de ambos os con ceitos (livre-arbítrio e determinismo) a ques tão de que vimos t ra tando desapa rece , seguindo-se Allan Kardec. Com efeito, não será o mesmo dizer: indivíduo livre mora lmente em seu arbítrio, cuja l iberdade, porém, éres tr ingida por suas especiais condições subjetivas, orgânicas , de civilização e pe la ação do ambiente; e indivíduo constante e fatalmente d e terminado em seus atos morais pelo influxo do a m biente e do próprio organismo que é influenciado consciente ou inconsc ientemente por certas condi ções pessoais que carac te rizam a individualidade in fluenciada, fazendo-a agir de m a n e i ra distinta da que agiriam seus semelhantes em igual caso? Não é igual um livre-arbítrio e um determinis mo não absoluto? PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 42 Não é o mesmo im ag inar um ser, cuja indivi dua l idade caracter ís t ica tem que se inclinar, mais ou menos, aos embates do ambiente , segundo a força deles e a t êm pera do seu caráter; e o que su põe u m a av a lan ch e de elementos concomitantes, que a rras tam um ser, porém lhe modificam o rumo, aqui ou acolá, segundo as resistências da indivi dua l idade com bat ida? Que importância terá então a questão do livre- -arbítrio e do determinismo, se os privam do seu ca rá te r absoluto? Em resumo, o homem não pode resist ir, impassível , ao fluxo e refluxo do mar da vida, pe la única virtude do seu arbítrio, como as d iv indades que cam inham sobre as ondas, sem submergir , pelo império de sua vontade so b re n a tural; nem é o homem um grão de a re ia perdido no oceano impotente de sua imensidade. O homem não é um deus, nem um átomo; é simplesmente hom em e n a d a no m ar da vida; e ch eg a rá ou não à pra ia , tais sejam as suas facul dades na ta tórias, a d is tância da margem, a força das ondas e sobre tudo sua vontade de nadar . O ato hum ano e por tanto o delito, terá que ser concebido como u m a resultante das forças com b inadas , subjetivas e objetivas, do indivíduo e do ambiente. Assim o entende a cr iminologia moder na e assim o explica o espiritismo, a in d a que o conceito de am bos sobre o l ivre-arbítrio seja bem diferente, pelo menos em suas fórmulas. PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 43 Não deixa de ser curioso observar como a éti ca espiritista, que é a antítese do materia lismo p e nal, e que presume como princípio básico da evo lução dos espíritos o livre-arbítrio, pode romper com os antigos dogmas religiosos e metafísicos, part idários do arbítrio absoluto dos homens , com premios e p en as e te rnas no fim da vida, p a r a ex pl icar um livre-arbítrio influenciado por circunstân cias es t ranhas à von tade do próprio espírito. Ainda que repetindo, direi que o espiritismo, por seu mérito evolucionista, supõe u m a infinita g r a d a ç ã o dos espíritos, cujo progresso, se b em que devido aos próprios esforços, é lento e pesado no início, por estarem as faculdades ps íquicas em em brião e pouco desenvolvidas; o progresso vai cres cendo e d e p en d e n d o cada vez mais do esforço consciente e do arbítrio do espírito, e menos sujei to aos influxos estranhos. Com o crescimento de suas faculdades, a u m e n ta sua in d e p en d ê n c ia subjetiva, seu poder próprio e com o aumento deste ag igan ta-se a eficácia de sua self direction. Se a princípio o espírito é ru d e , com u m a ru deza além da primitiva best ial idade , e depois, co mo um a criança, incapaz de dirigir-se por si p ró prio, reag indo com o ambiente, no transcurso de suas encarnações , progr ide e se governa como um sábio ou um homem de forte inteligência e von tade. PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 44 Nem outra, como parece , era a concepção de Gabriel Tarde, q u an d o em artigo referente ao 2° Congresso de Antropologia Criminal, im p u g n a v a a classificação tríplice dos fatores da de linquência , s e gundo Ferri, n e g a v a a influência independen te dos cham ados físicos e cósmicos, e dizia que quanto mais se e leva um organismo, mais e scapa à servidão das excitações físico-químicas, e a inda que ob te nha delas toda a energ ia a rm a ze n a d a , quanto mais as aproveita, tanto melhor delas dispõe e li vremente as dirige p a ra seus fins convenientes. De sorte que há espíritos a trasados, cujo livre- -arbítrio se acha como em crisálida, sem crescimen to n e m d e sen v o lv im en to , e c a e m faci lmente, im p u l sionados por espíritos m aus ou por causas externas de na tu reza diferente. E outros espíritos há, mais ad ian tados , com maior l iberdade, que se dirigem e defendem da ten tação, resistindo vitoriosamente. É, pois, um livre-arbítrio relativo ou um deter minismo relativo, como se queira, a base crimino- lógica do espiritismo, no que toca ao p rob lem a da responsabil idade. PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 45 VI A QUESTÃO NOS TEXTOS DE ALLAN KARDEC Veja-se, agora, como se podem documentar as observações e os raciocínios do capítulo anterior, com textos de Allan Kardec sobre o livre-arbítrio segundo o espiritismo: 120. Todos os espíritos passam pela fieira do mal para chegar ao bem? — "Pela fieira do mal, não; pe la fieira da ign o rân c ia”. 121 — Por que é que alguns espíritos seguiram o caminho do bem e outros o do mal? "Não têm eles o l ivre-arbítrio? Deus não os criou maus; criou-os simples e ignorantes, isto é, tendo tan ta ap t idão p a r a o bem q uan to p a ra o mal. Os que são maus, assim se to rnaram por von tade própr ia" . 122 — Como podem os espíritos, em sua origem, quando ainda mão têm consciência de si mesmos, gozar da liberdade de escolha entre o bem e o mal? Há neles algum princípio, qualquer tendência que PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 46 os encaminhe para uma senda de preferência a outra? "O livre-arbítrio se desenvolve à m ed id a que o espírito adquire a consciência de si mesmo. Já não h aver ia l iberdade, desde que a esco lha fosse d e te rm inada por u m a causa in d ep en dente da vontade do espírito. A causa não está nele, está fora dele, nas influências a que cede em virtude da sua livre vontade. É o que se contém na g rande figura emblemát ica da q u e d a do homem e do p eca d o original: uns cederam à tentação, outros resistiram". a) — Donde vêm as influências que sobre eles se exercem? "Dos espíritos imperfeitos, que p rocuram a p o derar-se deles, dominá-los, e que rejubilam com o fazê-los sucumbir. Foi isso o que se intentou simbolizar na figu ra de Sa tanás" . a) — Tal influência só se exerce sobre o espirito em sua origem? " A com panha-o na sua v ida de espírito, até que haja conseguido tanto império sobre si mesmo, que os m aus desistem de obsidiá-lo". 127 — Os espíritos são criados iguais quanto às di ficuldades? PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 47 "São criados iguais, porém, não sabendo don de vêm, preciso é que o livre-arbítrio siga seu curso. Eles progr idem mais ou menos ra p id a mente tanto em inteligência como em mora l ida de". "Os e s p í r i to s que desde o p r i n c íp io s e guem o caminho do bem, nem por isso são pe r feitos. Não têm, é certo, m aus pendores , mas prec isam adquirir a exper iência e os conheci mentos indispensáveis p a r a a lcançar a perfei ção. Podemos compará- los a crianças que, seja qual for a b o n d a d e de seus instintos natura is, necessi tam de se desenvolver e esclarecer, e que não passam , sem transição, da infância à madureza .Simplesmente, assim como há ho mens que são bons e outros que são maus des de a origem, com a diferença capital de que a criança tem instintos j á inte iramente formados, enquan to que o espírito, ao formar-se, não é nem bom nem mau; tem todas as tendências e toma u m a ou outra direção, por efeito do seu livre-arbítrio." 189 — Desde o inicio de sua formação, goza o es pírito da plenitude de suas faculdades? "Não, pois que p a r a o espírito, como p a ra o h o mem, tam bém há infância. Em sua origem, a vida do espírito é a p en a s instintiva. Ele mal tem consciência de si mesmo e de seus atos. PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 48 A inteligência só pouco a pouco se desenvolve. 190 — Qual o estado da alma na sua primeira en carnação? "O da infância na v ida corporal. A in teligên cia então a p e n a s desabrocha: a alma se en saia para a v ida”. 368 — Após sua união com o corpo, exerce o espí rito, com liberdade plena, suas faculdades? "O exercício das faculdades d epende dos ór gãos que lhes servem de instrumento. A gros ser ia da m atér ia as enfraquece". a) — Assim, o invólucro material é obstáculo à li vre manifestação das faculdades do espírito, como um vidro opaco o é à livre irradiação da luz? "É, como vidro muito opaco". Pode comparar-se também a ação que a matéria grosseira exerce sobre o espírito à de um charco lodoso sobre um corpo nele mer gulhado, ao qual tira a liberdade dos movimentos. 369 — O livre exercício das faculdades da alma es tá subordinado ao desenvolvimento dos órgãos? "Os órgãos são os ins trumentos da manifesta ção das faculdades da alma, manifestação que se acha subo rd inada ao desenvolvimento e ao g rau de perfeição dos órgãos, como a exce lência de um t rabalho o está à da fe rramenta própr ia à sua execução". PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 49 564 — Haverá espíritos que se conservem ociosos, que em coisa alguma útil se ocupem? "Há, m as esse estado é temporário e depende do desenvolvimento de suas inteligências. Há, cer tamente , como há homens que só p a r a si mesmos vivem. Pesam-lhes, porém, essa ociosi dade e, cedo ou tarde, o desejo de progredir lhes faz necessá r ia a a tiv idade e felizes se sen tirão por poderem tornar-se úteis. Referimo- -nos aos esp ír i tos que chega ram ao ponto de ter consciência de si mesmos e do seu livre-ar- bítrio; porquanto , em sua origem, todos são quais crianças que a c a b a m de nasce r e que obram mais por instinto qu e por von tade p ró pria". 843 — Tem o homem o livre-arbítrio de seus atos? "Pois que tem a l iberdade de pensar, tem igua lm en te a de agir. Sem o livre-arbítrio, o homem seria máqu ina" . 844 — Goza o homem do livre-arbítrio desde o seu nascimento? "Há l iberdade de agir, desde que haja vonta de de fazê-lo. Nas primeiras fases da vida, quase nu la é a l iberdade, que se desenvolve e m u d a de objeto com o desenvolvimento das faculdades. Estando seus pensam en tos em concordânc ia com o que a sua idade reclama, PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 50 a criança aplica o seu livre-arbítrio àquilo que lhe é necessário" . 845 — Não constituem obstáculos ao exercício do livre-arbítrio as predisposições instintivas que o ho mem já traz consigo ao nascer? "As predisposições instintivas são as do espí rito antes de encarnar. Conforme seja este mais ou menos ad ian tado , elas podem a r ra s tá-lo à prá t ica de atos repreensíveis , no que será secundado pelos espíritos que simpatizam com essas disposições. Não há, porém, arras- tamento irresistível, u m a vez que se tenha a von tade de resistir. Lembrai-vos de que q u e rer é poder". 846 — Sobre os atos da vida nenhuma influência exerce o organismo? E, se essa influência existe, não será exercida com prejuízo do livre-arbítrio? "É inegável que sobre o espírito exerce influên cia a matéria , que pode embaraçar- lhe as m a nifestações. Daí vem que, nos m undos onde os corpos são menos mate ria is do que na Ter ra, as faculdades se desdobram mais l ivremen te. Porém, o instrumento não dá a faculdade. Além disso, cumpre se dis t ingam as faculda des morais das intelectuais. Tendo um homem o instinto do assassínio, seu próprio espírito é, indubitave lmente, quem possui esse instinto e quem lho dá; não são seus órgãos que lho dão. PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 51 S e m e l h a n t e ao b ru to , e a i n d a p io r do q u e este , se t o r n a a q u e l e q u e nu l i f ica o s eu p e n s a m e n to, p a r a s ó se o c u p a r c o m a m a té r i a , p o i s q u e n ã o c u id a m a i s de se p r e m u n i r c o n t r a o mal . Nis to é q u e in co r re e m falta, p o r q u a n t o a s s im p r o c e d e p o r v o n t a d e p r ó p r i a " . 847 — A aberração das faculdades tira ao homem o livre-arbítrio? "Já n ã o é s e n h o r do seu p e n s a m e n t o a q u e l e cu ja i n t e l i g ê n c i a se a c h e t u r b a d a p o r u m a c a u sa q u a l q u e r e, d e s d e e n t ã o , já n ã o t e m l ib e r d a d e . E s s a a b e r r a ç ã o const i tu i m u i t a s v e z e s u m a p u n i ç ã o p a r a o espír i to q u e , p o r v e n t u r a , t e n h a sido n o u t r a e x i s t ên c ia , fútil e o rg u lh o so , ou t e n h a feito m a u u s o de s u a s f a c u l d a d e s . P o de e s se espír i to , e m ta l c a so , r e n a s c e r no co r po de u m id io ta , c o m o o d é s p o t a no de u m e s c ra v o e o m a u rico no de u m m e n d i g o . O es píri to , p o r é m , sofre p o r efeito d e s s e c o n s t r a n g im e n to , de q u e t e m p e r f e i t a c o n sc iê n c ia . E s tá aí a a ç ã o da m a t é r i a " . 849 — Qual a faculdade predom inante no hom em em estado de selvagerias: o instinto, ou o livre-ar- bítrio? "O ins tin to , o q u e n ã o o i m p e d e de agir co m in te i r a l i b e r d a d e , no t o c a n t e a c e r t a s co isas . M a s , a p l i c a , c o m o a c r i a n ç a , e s s a l i b e r d a d e PENSE - Pensamento Social Espírita A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 52 às s u a s n e c e s s i d a d e s e e la se a m p l i a c o m a in t e l ig ê n c i a . C o n s e g u i n t e m e n t e , tu, q u e és m a i s e s c l a r e c id o do q u e u m s e l v a g e m , t a m b é m és m a i s r e s p o n s á v e l p e lo q u e fazes do q u e u m s e l v a g e m o é p e lo s seus a to s" . 851 — Haverá fa ta lidade nos acontecimentos da vi da, conforme ao sentido que se dá a este vocábulo? Q uer dizer: todos os acontecimentos são predeter minados? E, neste caso, que vem a ser do livre-ar- bítrio? "A f a t a l i d a d e ex is te u n i c a m e n t e p e l a e s c o lh a q u e o espír i to fez, ao e n c a r n a r , d e s t a ou d a q u e l a p r o v a p a r a sofrer. E s c o lh e n d o - a , in s t i tu iu p a r a si u m a e s p é c i e de des t ino , q u e é a c o n s e q u ê n c i a m e s m a da p o s i ç ã o e m q u e v e m a a c h a r - s e co lo ca d o . Fa lo d a s p r o v a s físicas, po is , p e lo q u e to c a às p r o v a s m o r a i s e às t e n t a ç õ e s , o espíri to, c o n s e r v a n d o o l iv re -a rb í t r io q u a n t o ao b e m e ao m al , é s e m p r e s e n h o r de c e d e r ou de resist ir . A o vê- lo f r aq u e ja r , um b o m espíri to
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