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Montes Claros/MG - 2015 Admilson Eustáquio Prates Ângela Cristina Borges Jeferson Betarello Letícia Aparecida Ferreira Lopes Rocha Religião e Ética 2015 Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei. EDITORA UNIMONTES Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro, s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG) - Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089 Correio eletrônico: editora@unimontes.br - Telefone: (38) 3229-8214 Catalogação: Biblioteca Central Professor Antônio Jorge - Unimontes Ficha Catalográfica: Copyright ©: Universidade Estadual de Montes Claros UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES REITOR João dos Reis Canela VICE-REITORA Antônio Alvimar Souza DIRETOR DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÕES Jânio Marques Dias EDITORA UNIMONTES Conselho Consultivo Antônio Alvimar Souza César Henrique de Queiroz Porto Duarte Nuno Pessoa Vieira Fernando Lolas Stepke Fernando Verdú Pascoal Hercílio Mertelli Júnior Humberto Guido José Geraldo de Freitas Drumond Luis Jobim Maisa Tavares de Souza Leite Manuel Sarmento Maria Geralda Almeida Rita de Cássia Silva Dionísio Sílvio Fernando Guimarães Carvalho Siomara Aparecida Silva CONSELHO EDITORIAL Ângela Cristina Borges Arlete Ribeiro Nepomuceno Betânia Maria Araújo Passos Carmen Alberta Katayama de Gasperazzo César Henrique de Queiroz Porto Cláudia Regina Santos de Almeida Fernando Guilherme Veloso Queiroz Luciana Mendes Oliveira Maria Ângela Lopes Dumont Macedo Maria Aparecida Pereira Queiroz Maria Nadurce da Silva Mariléia de Souza Priscila Caires Santana Afonso Zilmar Santos Cardoso REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA Carla Roselma Athayde Moraes Waneuza Soares Eulálio REVISÃO TÉCNICA Karen Torres C. Lafetá de Almeida Káthia Silva Gomes Viviane Margareth Chaves Pereira Reis DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS Andréia Santos Dias Camilla Maria Silva Rodrigues Sanzio Mendonça Henriques Wendell Brito Mineiro CONTROLE DE PRODUÇÃO DE CONTEÚDO Camila Pereira Guimarães Joeli Teixeira Antunes Magda Lima de Oliveira Zilmar Santos Cardoso diretora do Centro de Ciências Biológicas da Saúde - CCBS/ Unimontes Maria das Mercês Borem Correa Machado diretor do Centro de Ciências Humanas - CCH/Unimontes Antônio Wagner Veloso Rocha diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas - CCSA/Unimontes Paulo Cesar Mendes Barbosa Chefe do departamento de Comunicação e Letras/Unimontes Mariléia de Souza Chefe do departamento de Educação/Unimontes Maria Cristina Freire Barbosa Chefe do departamento de Educação Física/Unimontes Rogério Othon Teixeira Alves Chefe do departamento de Filosofi a/Unimontes Alex Fabiano Correia Jardim Chefe do departamento de Geociências/Unimontes Anete Marília Pereira Chefe do departamento de História/Unimontes Claudia de Jesus Maia Chefe do departamento de Estágios e Práticas Escolares Cléa Márcia Pereira Câmara Chefe do departamento de Métodos e técnicas Educacionais Helena Murta Moraes Souto Chefe do departamento de Política e Ciências Sociais/Unimontes Carlos Caixeta de Queiroz Ministro da Educação Cid Gomes Presidente Geral da CAPES Jorge Almeida Guimarães diretor de Educação a distância da CAPES Jean Marc Georges Mutzig Governador do Estado de Minas Gerais Fernando Damata Pimentel Secretário de Estado de Ciência, tecnologia e Ensino Superior Vicente Gamarano Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes João dos Reis Canela Vice-Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes Antônio Alvimar Souza Pró-Reitor de Ensino/Unimontes João Felício Rodrigues Neto diretor do Centro de Educação a distância/Unimontes Fernando Guilherme Veloso Queiroz Coordenadora da UAB/Unimontes Maria Ângela lopes Dumont Macedo Coordenadora Adjunta da UAB/Unimontes Betânia Maria Araújo Passos Autores Admilson Eustáquio Prates Doutorando em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Mestre em Ciências da Religião pela PUC/SP. Especialista em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Especialista em Bioética pela Universidade Federal de Lavras. Graduado em Filosofia pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. Professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e tecnologia de Goiás / Câmpus Formosa/GO. Professor no departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes (2004-2014). Coordenador do Grupo de Extensão Filosofia na Sala de Aula – Pró-Reitoria de Extensão/Unimontes (2004-2014). Autor dos seguintes livros Sala de Espelhos: inquietações filosóficas; Exu, a esfera metamórfica, publicados por Editora Unimontes; organizador dos seguintes livros: O fazer Filosófico; Filosofia: educação infantil ao ensino médio; e Temas e estratégias desenvolvidas em sala de aula, também publicados por Editora Unimontes. Ângela Cristina Borges Mestre em Ciências da Religião pela Pontifica Universidade Católica de São Paulo, atualmente doutorando-se na mesma área e universidade. Professora do curso de Ciências da Religião da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes e coordenadora do curso de Ciências da Religião UAB/Unimontes. É tutora do Programa de Educação Tutorial de Ciências da Religião PETCRE-Unimontes/CAPES, onde orienta projetos na área. Jeferson Betarello Mestre em Ciências da Religião pela PUC-SP e licenciado em Filosofia. Autor do livro UNIR PARA DIFUNDIR – o impacto das federativas no crescimento do Espiritismo, editado pela editora da Universidade de Franca – Unifran. Co-Organizador dos livros: A Temática Espírita na Pesquisa Contemporânea / editora CCDPE-ECM; Espiritismo visto pelas áreas de conhecimento atuais / editora CCDPE-ECM. Letícia Aparecida Ferreira Lopes Rocha Especialista em Neuropsicologia Educacional e Ciências da Religião.Graduada em Ciências da Religião pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. Professora de Educação Religiosa na Educação Básica. Professora formadora e conteudista UAB - Unimontes. Sumário Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 Ética e Moral: Conceitos e Concepções Éticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.2 Explorando o Conceito de Valor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.3 Explorando o Conceito de Moral. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .14 1.4 Explorando o Conceito de Ética. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .19 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .23 Aproximações e Distanciamentos entre as Tradições Religiosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 2.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 2.2 Descobrindo o Universo Ético . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 2.3 Ética nas Tradições Religiosas: Judaísmo, Cristianismo, Islamismo, Hinduísmo, Budismo, Religiões Afro-Brasileiras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .26 2.4 Uma Ética que Aproxima as Tradições Religiosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .32 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .33 Unidade 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .35 A Dimensão Ética do Rosto em Lévinas e Ética em Mounier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .35 3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .35 3.2 A Importância de Levinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .35 3.3 A Dimensão Ética do Rosto em Levinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .35 3.4 Mounier e o Personalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37 3.5 A Ética em Mounier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .39 3.6 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41 Unidade 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .43 Ética da Libertação e Interculturalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .43 4.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .43 4.2 Ética da Libertação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .43 4.3 Interculturalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .47 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .53 Resumo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .55 Referências básicas e complementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .57 Atividades de Aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .59 9 Ciências da Religião - Religião e Ética Apresentação Caro (a) acadêmico (a), este Caderno versará sobre Religião e Ética. Essa temática é bastante instigante e envolvente, as pessoas evocam, a todo o momento, o termo ética para justificar atos, ou para dizer da falta em determinados atos, ética nos mais variados espaços (na política, no es- porte, na educação, no trabalho...), e também, ética nas religiões, assunto em discussão neste ca- derno que ora apresentamos. A ética permeia o espaço das tradições religiosas, ao passo que as tradições religiosas têm muito a dizer e a contribuir para a construção de uma ética que traga harmonia e esperança en- tre os seres humanos neste mundo atual. Ademais, as religiões permeiam e configuram o agir e o proceder das pessoas, individualmente e coletivamente, inseridas no universo religioso. Para tal, este Caderno tem como intuito principal, compreender a ética em sentido estrito, a ética no bojo de algumas crenças religiosas, correntes éticas que foram elaboradas no século XX, mais precisa- mente a Ética da Libertação e, por fim, verificar no pensamento dos filósofos Emmanuel Lévinas e Emmanuel Mounier traços de ética que eles propõem. Esperamos que este estudo contribua no entendimento das questões relacionadas à ética nas religiões e que ele possa trazer abundantes frutos de conhecimento a você como cientista da religião. Bons estudos e boas descobertas! Os autores. 11 Ciências da Religião - Religião e Ética UnidAdE 1 Ética e Moral: Conceitos e Concepções Éticas Admilson Eustáquio Prates 1.1 Introdução Prezado acadêmico, a presente unidade discutirá um possível conceito de valor, moral e éti- ca. Além disso, apresentará um sobrevoo acerca das concepções éticas, sabendo que existe mui- to ainda a ser escrito sobre o assunto, mas, devido ao espaço, fez-se um recorte temporal para apresentar uma linha do tempo com suas reflexões éticas. Para tanto, o texto procura apresentar exemplos que dialoguem com os conceitos. 1.2 Explorando o Conceito de Valor É comum perceber no cotidiano a confusão conceitual entre valor, moral e ética. Essas cate- gorias são tratadas como sendo sinônimas. No entanto, cada uma delas tem uma especificidade única, singular, um conceito próprio, mas isso não quer dizer que não exista um diálogo entre elas. Durante a existência, o ser humano é forçado a tomar decisões, escolher entre as opções oferecidas. Por exemplo, um determinado professor sempre que inicia sua aula sobre valor per- gunta aos estudantes o que eles preferem: uma garrafa de água mineral ou uma mala com dois milhões de dólares. Grande maioria da turma imediatamente responde: dinheiro. Mas sempre tem aquele ou aquela que questiona: “professor, e se estiver no deserto?” Quando a variável de- serto entra na discussão, altera as posições escolhidas de alguns, e as perguntas surgem: que tipo de deserto? Deserto no meio do nada, que não tem nada? Deserto onde tem cidades ou oá- sis? O professor responde: deserto de deserto, aquele que não tem nada. Quando essa resposta é anunciada pelo professor, a turma, exceção de alguém, escolhe a água. A pessoa que pensa dife- rente da turma escolhe a mala de dinheiro e os colegas gritam: “você vai morrer!”, “o que você vai fazer com tanto dinheiro no meio do deserto?”. A estudante responde: “Morro, mas morro rica”. Essa história simples, no entanto, profunda e complexa retrata o que nós fazemos a todo o momento: escolhemos. O ato de escolher não é virginal, ele vem totalmente recheado e per- meado por intencionalidade. O nosso olhar acerca do mundo é um olhar temporal, espacial e, além disso, é resultado momentâneo das necessidades físico-biológicas e dos desejos. Por que momentâneo? Devido às mudanças constantes que ocorrem. Pensar em valor, ou seja, a dimensão axiológica (axios, em grego, valor) significa compreen- der a relação entre o sujeito e o objeto, entre sujeito e sujeito, isto é, o valor é a representação, o produto da relação que é gerado do contato entre o ser humano com o mundo e o ser huma- no com seres humanos. Assim sendo, valor não é uma coisa e, sim, uma representação que tem sentido e significado para determinada pessoa, grupo, comunidade, enfim, para uma socieda- de. Dessa maneira, entende-se que o valor não tem existência própria, única e universal. Ele será construído a partir de duas partes: o ser humano e o mundo. O indivíduo possui dimensões naturais, como o corpo e as reações físico-químicas presente em seu organismo. Ele está inserido em um ambiente natural com determinado tipo de relevo, clima, vegetação, fauna. Além desses aspectos naturais, existe a dimensão subjetiva. A subjetivi- 12 UAB/Unimontes - 4º Período dade é construída, é fruto dessa relação entre o ser humano e o mundo. Quando a estudante es- colhe a mala com dois milhões de dólares mesmo sabendo que morrerá, ela é ridicularizada pela turma. Todavia, o que a faz escolher é o valor que norteia sua existência. E, naquele momento, o critério usado foi o bem material: o dinheiro, o capital. O que o capital, o dinheiro representa para a sociedade em que vivemos? O cenáriono qual o dinheiro está presente foi e é construído pelos princípios capitalista. Entende-se que o café da manhã de uma pessoa é extensão daquilo que ela possuía no bolso. Em uma sociedade capi- talista, o ideal de sucesso, realização, enfim, de bem-estar, está associado ao capital, como, por exemplo, viagens, tratamento de saúde, casa, transporte, educação, acesso a justiça, tratamento de beleza, vestuário, lazer, alimentação. Nesse sentido, é difícil sentir, pensar e decidir além das próprias vivências. Existem mulheres que sabem que o marido tem amante, comete adultério e, mesmo saben- do que é traída, não termina o casamento. Muitas respondem: “Ruim com ele, pior sem ele”. Ou- tras dizem que não terminam porque é um péssimo negócio, ele é rico e proporciona segurança financeira e que o amor não proporciona o que os bens materiais favorecem. Por que algumas pessoas são evangélicas e outras são espíritas? Por qual motivo existem pessoas que vão à missa e outras fazem meditação no Himalaia? Por que algumas pessoas co- mem churrasco bovino ao contrário de outras que compreendem a vaca como a grande mãe? Por que algumas pessoas bebem café e comem feijoada e outras não? Por que meninas usam minissaia e outras não? Existe rito fúnebre no qual pessoas choram e outros nos quais as pes- soas cantam, dançam e comem a carne do defunto. Percebem-se que algumas pessoas gostam de música sertaneja, outras de funk e outras de música popular brasileira. A resposta para essas perguntas e afirmativas é que o valor atribui sentido e significado para o sujeito que escolhe. A pessoa é orientada pela constelação de valor que compõe o seu mundo subjetivo. Dessa maneira, pensar em valor é transitar na dimensão afetiva do ser humano, isto é, só existe valor no campo afetivo, quando o sujeito não está indiferente e, sim, é afetado, tocado, provocado, estimulado. Para Garcia Morente: Os valores não são, mas valem. Uma coisa é valor e outra coisa é ser. Quando di- zemos de algo que vale, não dizemos nada do seu ser, mas dizemos que não é in- diferente. A não-indiferença constitui esta variedade ontológica que contrapõe o valor ao ser. A não-indiferença é a essência do valer (MORENTE, 1996, p.296). O ser humano não é somente um ser natural, mas também um ser simbólico. Caminhar, cor- rer, comer, rir/sorrir, dormir são atividades naturais de todo os ser humano saudável. Contudo, a maneira de caminhar, de correr, de comer, de rir/sorrir, de dormir é vivenciada e interpretada conforme o grupo social no qual o indivíduo está inserido. O ato de caminhar, que é uma ação natural de locomover-se de um lugar a outro, pode representar charme, elegância, sensualidade ou ser repudiado, recebendo determinados adjetivos como arrogância, soberba. Isso acontece devido à capacidade humana de transcender as coisas, construindo represen- tações acerca delas. Os indivíduos emitem juízo de realidade e juízo de valor. O primeiro descreve a realidade, apresenta-a como ela é. Um exemplo disso é: o carro é vermelho, a cadeira é velha, Joaquim retornou da viagem, Arnaldo comprou um doce de leite, karine está rezando, Karine é uma moça. São exemplos que apresentam e descrevem a realidade sem realizar julgamento ou avaliar o fato. O segundo emite um parecer, ele faz uma avaliação, ou seja, apresenta um valor. Isto é, o carro vermelho é tão lindo quanto o prata, a cadeira velha é mais confortável que a cadeira nova, Joaquim retornou da viagem antes de concluir as atividades, Arnaldo comprou um doce de leite muito caro, Karine está rezando para reconfortar o espírito, Karine é uma moça linda. Na primeira frase do exemplo, percebe-se uma avaliação estética, assim como na última fra- se. O segundo exemplo emite um juízo de utilidade; o terceiro, um juízo moral; o quarto realiza uma avaliação acerca do valor econômico do produto; o quinto está ligado à dimensão religiosa e de fé. Assim sendo, entende-se que a emissão de um juízo de realidade vem acompanhada de um juízo de valor. Além de o valor ser resultado das relações entre o indivíduo e ele mesmo, e das relações entre o indivíduo e o mundo, é também herdado em parte pela sociedade a que pertence. Os valores são repassados para as novas gerações, por exemplo, por meio da família, da escola, da igreja, das brincadeiras, dos jogos. A cultura, a sociedade, o grupo social do qual o indivíduo faz parte, o objeto pedra – frag- mento de rocha –, por exemplo, é compreendido como uma arma, um enfeite, um ornamento, um símbolo sagrado ou profano, um objeto de investimento financeiro. 13 Ciências da Religião - Religião e Ética [...] como a prata. Podemos falar nela tal como existe em seu estado natural nas jazidas respectivas; é então um corpo inorgânico que possui estrutura e com- posição, bem como determinadas propriedades naturais que lhe são ineren- tes. Podemos falar também da prata transformadora pelo trabalho e, então, já não possuímos um mineral em seu estado puro ou natural, mas um objeto de prata. Como material trabalhado pelo homem, serve, nesse caso, para produzir braceletes, anéis ou outros objetos de enfeite, para a fabricação de serviços de mesa, cinzeiro, etc., podendo ser utilizada como moeda. Temos assim uma dupla existência da prata: a) como objeto natural; b) como objeto natural humano ou humanizado. Como objeto natural, é simplesmente um fragmento da natureza com determinadas propriedades físicas e químicas (SANCHEZ VÁSQUEZ, 1998, p. 111-112). Assim sendo, no universo humano, as coisas passam até um valor simbólico, uma represen- tação resultado da ação humana. A categoria valor tem sua origem nas atividades econômicas, sendo transferido e utilizado nas diversas áreas da atividade humana, sobretudo, na dimensão acerca da moral. Conforme Vasques, o valor possui alguns traços essências: 1) Não existem valores em si, como entidades ideias ou irreais, mas objetos reais (ou bens) que possuem valor. 2) Dado que os valores não constituem um mundo de objetos que exista inde- pendentemente do mundo dos objetos reais, somente existem na realidade natu- ral e humana como propriedade valiosa dos objetos da mesma realidade. 3) Por conseguinte, os valores exigem – como condição necessária – a existência de certas propriedades reais – naturais ou físicas – que constituem o suporte ne- cessário das propriedades que consideramos valiosas. 4) as propriedades reais que sustentam o valor, e sem as quais este não existi- ria, são valiosas em potência. Para passar a ato e transformar-se em propriedades valiosas efetivas, é indispensável que o objeto esteja em relação com o homem social, com seus interesses e com suas necessidades. Desta maneira, o que vale so- mente em potência adquire um valor efetivo (SANCHEZ VÁSQUEZ, 1998, p. 116). Dessa maneira, visualiza-se que o valor é uma atividade humana que busca atribuir sentido ao mundo e a si mesmo. Quando atribuímos sentidos, fundamos regras, normas, e isso é resulta- do da prática valorativa, estabelecimento de um plano de ação que direcionará as escolhas, bus- cando o bem e evitando aquilo que prejudica. Deparamos agora com um problema: o que é o bem? O seu contrário, o mal, o que é? O BOX 1 nos ajudará a esclarecer inicialmente a concepção de bem e de mal. BOX 1 Valores morais e não morais [...] Os objetos valiosos podem ser naturais, isto é, como aqueles que existem originaria- mente à margem ou independentemente do trabalho humano (o ar, a água ou uma planta sil- vestre), ou artificiais, produzidos ou criados pelo homem (como as coisas úteis ou as obras de arte). Mas, desses dois tipos de objetos, não se pode dizer que sejam bons de um ponto de vista moral; os valores que encarnam ou realizam são, em casos distintos, os da utilidade ou da beleza. Às vezes se costuma falar da “bondade” desses objetos e, por essa razão, empregam-se expressões como as seguintes: “esteé um bom relógio”, “a água que agora estamos bebendo é boa”, “X escreveu um bom poema” etc. Mas o uso de “bom” em semelhantes expressões não possui nenhum significado moral. Um “bom” relógio é um relógio que realiza positivamente o valor correspondente: o da utilidade, ou seja, que cumpre satisfatoriamente a necessidade humana concreta à qual serve. Um “bom” relógio é um objeto “útil”. E algo análogo podemos dizer da água quando a qualificamos como “boa”; com isso, queremos dizer que satisfaz po- sitivamente, do ponto de vista de nossa saúde, a necessidade organiza que deve satisfazer. E um “bom” poema é aquele que, por sua estrutura, por sua linguagem, realiza satisfatoriamente, como objeto estético ou obra de arte, a necessidade estética humana à qual serve. Em todos esses casos, o vocábulo “bom” sublinha o fato de que o objeto em questão rea- lizou positivamente o valor que era chamado a encarnar, servindo adequadamente ao fim ou à necessidade humana respectiva. Em todos esses casos, também, a palavra “bom” tem um significado axiológico positivo — com relação ao valor “utilidade” ou ao valor “beleza” —, mas não tem significado moral algum. 14 UAB/Unimontes - 4º Período [...] Podemos falar da “bondade” de uma faca enquanto cumpre positivamente a função de cortar para a qual foi fabricada. Mas a faca — e a função relativa — pode estar a servi- ço de diferentes fins; pode ser utilizada, por exemplo, para realizar um ato mau sob o ângulo moral, como é o assassinato de uma pessoa. Desde o ponto de vista de sua utilidade ou fun- cionalidade, a faca não deixará de ser “boa” por ter servido para realizar um ato repreensível. Pelo contrário, continua sendo “boa” e tanto mais quanto mais eficientemente tiver servido ao assassino, mas essa “bondade” instrumental ou funcional está alheia a qualquer qualificação moral, apesar de ter servido de meio ou instrumento para realizar um ato moralmente mau. A qualificação moral recai aqui no ato de assassinar, para o qual a faca serviu. Não é a faca — eti- camente neutra, como o são em geral os instrumentos, as máquinas ou a técnica em geral — que pode ser qualificada de um ponto de vista moral, mas o seu uso; isto é, os atos humanos de utilização a serviço de determinados fins, interesses ou necessidades. Vê-se, então, que os objetos úteis, ainda que se trate de objetos produzidos pelo homem, não encarnam valores morais, embora possam encontrar-se numa relação instrumental com esses valores (como vimos no exemplo anterior da faca). [...] Os valores morais existem unicamente em atos ou produtos humanos. Tão-somente o que tem um significado humano pode ser avaliado moralmente, mas, por sua vez, tão-so- mente os atos ou produtos que os homens podem reconhecer como seus, isto é, os realizados consciente e livremente, e pelos quais se lhes pode atribuir uma responsabilidade moral. Nes- se sentido, podemos qualificar moralmente o comportamento dos indivíduos ou de grupos sociais, as intenções de seus atos e seus resultados e conseqüências, as atividades das insti- tuições sociais etc. Ora, um mesmo produto humano pode assumir vários valores, embora um deles seja o determinante. Assim, por exemplo, uma obra de arte pode ter não só um valor estético, mas também político ou moral. É inteiramente legítimo abstrair um valor dessa cons- telação de valores, mas com a condição de não reduzir um valor ao outro. Posso julgar uma obra de arte por seu valor religioso ou político, mas sempre com a con- dição de nunca pretender deduzir desses valores o seu valor propriamente estético. Quem condena uma obra de arte sob o ponto de vista moral nada diz sobre o seu valor estético; sim- plesmente está afirmando que, nessa obra, não se realiza o valor moral que ele julga que nela deveria realizar-se. Por conseguinte, um mesmo ato ou produto humano pode ser avaliado a partir de diversos ângulos, podendo encarnar ou realizar diferentes valores. Mas, ainda que os valores se juntem num mesmo objeto, não devem ser confundidos. Fonte: SANCHEZ VÁSQUEZ, 1998, p. 122-124. Em síntese, pode-se pensar valor como sendo uma entidade mental produzida da relação humana com ele mesmo e com o mundo que o cerca. No próximo tópico, pretende-se apresentar a dimensão moral e explorar o seu conceito. 1.3 Explorando o Conceito de Moral Inicialmente entende-se que matar, roubar, furtar, mentir, trair são ações imorais, rejeitadas pela sociedade. Na convivência huma- na, sendo no mínimo duas pessoas relacionando, é impossível que exista convívio sem um código moral. Assim sendo, visualiza-se que pode faltar alimentos e água em uma sociedade, mas não pode dei- xar de existir um código moral. O que é moral? Podemos entender por moral um conjunto de regras, normas, valores que direciona a ação do indivíduo em uma determinada sociedade, grupo ou comunidade. Conforme Sânchez Vásqüez: “Moral vem do latim mos ou mores, “costume” ou “costu- mes”, no sentido de conjunto de normas ou regras adquiridas por Figura 1: Capa do filme O Último Samurai Fonte: Disponível em <http://megafilmeshd. net/o-último-samurai/>. Acesso em 28 jan. 2015. diCA Assistir o filme O Último Samurai. Em 1870 é enviado ao Japão o capitão Nathan Algren (Tom Cruise), um conceituado militar norte-americano. A mis- são de Algren é treinar as tropas do imperador Meiji (Shichinosuke Na- kamura), para que elas possam eliminar os últi- mos samurais que ainda vivem na região. Porém, após ser capturado pelo inimigo, Algren aprende com Katsumoto (Ken Watanabe) o código de honra dos samurais e passa a ficar em dúvida sobre que lado apoiar. Fonte: Disponível em <http://megafilmeshd. net/o-último-samurai/>. Acesso em 28 jan. 2015. Após assistir ao filme, construir um quadro comparativo acerca dos valores que são apresentados no filme e postar no fórum de discussão. 15 Ciências da Religião - Religião e Ética hábito. A moral se refere, assim, ao comportamento adquirido ou modo de ser conquistado pelo homem” (1998, p.14). Dessa maneira, entende-se que moral é algo que o indivíduo aprende, isto é, é imposto ao sujeito desde o momento em que ele nasce. Ela, inicialmente, não é uma escolha livre e cons- ciente e, sim, uma imposição que a sociedade, a comunidade, o grupo, a família impõem sobre a pessoa. Podem-se apresentar alguns exemplos, como: “Menino mastiga com a boca fechada!”; “Não brigue com seu irmão!”; “Menina, senta direito. Cruza as pernas!”; “Meu filho, vai tomar seu banho, agora”; “Não pode fazer isso!”; ““ Está na hora de dormir!” Esses exemplos são típicos e específicos de determinada sociedade, ou seja, o código moral é particular, resultado singular de grupos específicos, e, além disso, está ligado a um determinado tempo e espaço, como, por exemplo, às mulheres há um tempo não era permito frequentar escola; atualmente, as mulheres estudam e ocupam cargos de executivas em grande empresa, além de ocupar cargos políticos, como prefeita, governadora, presidente. A moral prescreve o modo, a maneira como a pessoa deve-se comportar em grupo. Ela é constituída estruturalmente em dois aspectos, sendo uma normativa e outro fatual. O aspecto normativo está relacionado às normas, as regras, isto é, ao “dever ser”. O segundo, o fatual, é ato do indivíduo em ação, isto é, sendo efetivado. Conforme esses dois aspectos, podemos classificar a ação humana em determinado grupo como sendo moral, imoral, amoral e não moral. O ato moral é quando a pessoa cumpre, obedece às normas instituídas pela sociedade na qual ele convive. Já a ação imoral é resultado de uma desobediência, uma refeição a regra, como por exemplo, “Não xingar”, e o ato de xingar é imoral. [...] imoral e amoral. A diferença entre eles é que, enquanto o ato ou postura imo- ral é a negação de um determinado códigomoral vigente, no sentido corren- te de devasso, desregrado, libertino, o termo amoral significa uma postura de neutralidade frente a esta ou àquela moral em questão. Na prática, não nega, mas também não adere; simplesmente passa ao largo das normas. Isso é mui- to comum entre as diferenças de padrões culturais de conduta, notadamente com relação a valores religiosos. A obrigatoriedade, por exemplo, das mulheres usarem véu sobre as cabeças numa determinada seita pode não ter significado algum para outras mulheres visitantes. Se uma mulher de uma determinada co- munidade deixar de usar o véu para infringir o costume, sua atitude pode ser tida ali como um ato imoral [...] (PEREIRA, 2004, p.15). No que tange o ato amoral, ele está ligado à ação humana, à margem de qualquer regra ou respeito às normas. E a postura não moral é quando recorre a outros critérios de avaliação que não seja moral, por exemplo, análise de uma obra de arte, de uma obra literária, isto é, a postura de um crítico de arte é não moral. A moral é dinâmica, pois ao mesmo tempo em que os códigos são recebidos, transmitidos de uma geração para outra, sendo dessa maneira conhecida como moral constituída, ela tam- bém transgride, rompe, enfim, a moral constituinte é aquela a qual está em movimento, em mu- danças. Um exemplo, no período da Idade Média, na Europa, era permito chicotear pessoas em praça públicas, e atualmente é proibido esse comportamento; no Brasil Colônia, podia-se ter es- cravo, pessoas negras eram mercadoria que podiam ser vendidas e compradas e, além disso, ser tratadas como coisa. No presente momento, a escravidão é proibida. BOX 2 Progresso moral Nem sempre a mudança moral equivale a progresso moral. Existe progresso quando se dá um avanço com melhoria de qualidade. Isso significa que certos valores antigos não preci- sam ser considerados necessariamente ultrapassados, da mesma forma que valores dos “no- vos tempos” algumas vezes podem não indicar progresso. Quais seriam então os critérios para avaliar o progresso moral? Examinemos alguns deles. • Ampliação da esfera moral: certos atos, cujo cumprimento antes era garantido por força le- gal (direito), por constrangimento social (costumes) ou por imposição religiosa, passam a ser cumpridos por exclusiva obrigação moral. Por exemplo, um pai divorciado não preci- saria da lei para reconhecer a obrigação de continuar sustentando seus filhos menores de idade. Por outro lado, certas situações em que as pessoas fazem o bem tendo em vista a re- compensa divina são indicações de diminuição da esfera moral, porque, nesse caso, o estí- mulo para a ação não é a obrigação moral, mas uma certa “barganha” visando recompensa. AtiVidAdE Apresente o compor- tamento moral das mulheres na década de 30 e compare com o comportamento atual. Poste no fórum de discussão. 16 UAB/Unimontes - 4º Período • Caráter consciente e livre da ação: a responsabilidade moral está na exigência de um compromisso livremente assumido. Responsável é a pessoa que reconhece seus atos como resultantes da vontade e responde pelas conseqüências deles. Quando adultos, como mulheres e escravos, permanecem tutelados, o resultado é o empobrecimento mo- ral das relações humanas. • Grau de articulação entre interesses coletivos e pessoais: enquanto nas tribos primitivas o coletivo predomina sobre o pessoal, nas sociedades contemporâneas o individualismo exacerbado tende a desconsiderar os interesses da coletividade. É importante que o de- senvolvimento de cada um não seja feito à revelia do desenvolvimento dos demais. O último item nos faz refletir sobre as relações entre política e moral. Embora sejam cam- pos de ação diferentes e, sem dúvida, autônomos; política e moral estão estreitamente rela- cionadas. A política diz respeito às ações relativas ao poder e à administração dos assuntos públi- cos. Quando há desequilíbrio de poder na sociedade, e a maior parte das pessoas não atinge a cidadania plena, isto é, não tem formas de atuação política, isso repercute na moral individual de inúmeras maneiras: as exigências de competição para manter ou alcançar privilégios e a luta pela sobrevivência na sociedade desigual elevam a níveis intoleráveis o egoísmo e o indi- vidualismo, geradores de violência dos mais diversos tipos. É assim que se pode falar em falta de ética tanto diante da malversação de verbas públicas, provocando, por exemplo, o colapso da rede de hospitais (quem há de negar que se trata de violência?), como também é imoral sequestrar ou assaltar a mão armada. Mas os problemas decorrentes da decadência ética que presenciamos não podem ser re- solvidos a partir de tentativas isoladas de educação moral do indivíduo. E preciso que exista a vontade política de alterar as condições patogênicas, isto é, as condições geradoras da doen- ça social, para que se possa dar possibilidade de superação da pobreza moral. Dito de outra forma, não basta “reformar o indivíduo para reformar a sociedade”. Um projeto moral desligado do projeto político está destinado ao fracasso. Os dois processos devem caminhar juntos, pois formar o homem plenamente moral só é possível na sociedade que também se esforça para ser justa. Fonte: Aranha; Martins, 1998, p.120. Existe uma relação estreita ente moral e religião, isto é, pode-se compreender religião como sendo um controlador social que exerceu e exerce um poder, um domínio sobre o ser humano. Paulo Nader, em sua obra Introdução ao Estudo do Direito, apresenta a categoria religião da se- guinte maneira: Um sistema religioso não se limita a descrever o além ou a figura do Criador. Define o caminho a ser percorrido pelos homens. Para este fim, estabelece uma escala de valores a serem cultivados e, em razão deles, dispõe sobre a conduta humana. [...] Religião é ‘um dos maiores controles sociais de que dispõe a so- ciedade’[...] ‘a injustiça e a imoralidade que diminuem o homem e impedem o desenvolvimento da personalidade, são intoleráveis para as pessoas verdadei- ramente religiosas’ [...] Nelson Hungria, famoso penalista brasileiro, enfatizou a importância da religião na paz e equilíbrio social: ’A Religião tem sido sempre um dos mais relevantes instrumentos no governo social do homem e dos agru- pamentos humanos. Se esse grande fator de controle enfraquece, apresenta-se o perigo do retrocesso do homem às formas primitivas e antissociais da conduta, de regresso e queda da civilização, de retorno ao paganismo social e moral. O que a razão faz pela ideias, a religião faz pelos sentimentos’ (NADER, 2011, p. 34). A religião, além de apresentar os códigos de conduta, também mostra a forma como será castigado caso as regras não sejam cumpridas. Voltaire, em sua obra Dicionário Filosófico, apre- senta a função social do inferno: Desde que os homens começaram a viver em sociedade devem ter percebido que não poucos criminosos escapavam à severidade das leis. Puniam-se os cri- mes públicos: restava estabelecer um freio para os crimes secretos. Só a religião poderia ser esse freio. Persas, caldeus, egípcios, gregos, imaginaram castigos de- pois da morte. [...] Enfim, fariseus e essênios, entre eles os judeus, admitiram a crença de um inferno à sua moda. Esse dogma já passara de gregos a romanos, e foi perfilhado pelos cristãos. [...] “Meu caro, não creio no inferno mais que você. 17 Ciências da Religião - Religião e Ética Mas é bom que o creiam a sua criada, o seu alfaiate e também o seu procurador” (VOLTAIRE, 2002, p. 304-306). A religião organiza tanto o mundo físico, concreto material quanto o mundo não físico, ou seja, o mundo invisível. Pode-se entender que religião atribui sentido a existência do indivíduo impondo normas, regras e padrões de comportamento. Isto é, o ser humano não pode ser guia- do pelo desejo, pelo princípio de prazer. Caso isso aconteça, a sociedadeé destruída, ou seja, vi- ver em sociedade é castrar os desejos, transformá-los em comportamentos aceitáveis pelo grupo social a qual compõe. Na Escritura Sagrada, conforme a perspectiva cristã, na parte do Antigo Testamento, Salo- mão escreveu o livro Provérbios, ao qual ele apresenta as maneiras de como se comportar em sociedade. BOX 3 PROVÉRBiOS 1 A resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira. 2 A língua dos sábios destila o conhecimento; porém a boca dos tolos derrama a estultícia. 3 Os olhos do Senhor estão em todo lugar, vigiando os maus e os bons. 4 Uma língua suave é árvore de vida; mas a língua perversa quebranta o espírito. 5 O in- sensato despreza a correção e seu pai; mas o que atende à admoestação prudentemente se haverá. 6 Na casa do justo há um grande tesouro; mas nos lucros do ímpio há perturbação. 7 Os lábios dos sábios difundem conhecimento; mas não o faz o coração dos tolos. 8 O sacrifício dos ímpios é abominável ao Senhor; mas a oração dos retos lhe é agradável. 9 O caminho do ímpio é abominável ao Senhor; mas ele ama ao que segue a justiça. 10 Há disciplina severa para o que abandona a vereda; e o que aborrece a repreensão morrerá. 11 O Seol e o Abadom estão abertos perante o Senhor; quanto mais o coração dos filhos dos homens! 12 O escarne- cedor não gosta daquele que o repreende; não irá ter com os sábios. 13 O coração alegre afor- moseia o rosto; mas pela dor do coração o espírito se abate. 14 O coração do inteligente busca o conhecimento; mas a boca dos tolos se apascenta de estultícia. 15 Todos os dias do aflito são maus; mas o coração contente tem um banquete contínuo. 16 Melhor é o pouco com o temor do Senhor, do que um grande tesouro, e com ele a inquietação. 17 Melhor é um prato de hortaliça, onde há amor, do que o boi gordo, e com ele o ódio. 18 O homem iracundo sus- cita contendas; mas o longânimo apazigua a luta. 19 O caminho do preguiçoso é como a sebe de espinhos; porém a vereda dos justos é uma estrada real. 20 O filho sábio alegra a seu pai; mas o homem insensato despreza a sua mãe. 21 A estultícia é alegria para o insensato; mas o homem de entendimento anda retamente. 22 Onde não há conselho, frustram-se os proje- tos; mas com a multidão de conselheiros se estabelecem. 23 O homem alegra-se em dar uma resposta adequada; e a palavra a seu tempo quão boa é! 24 Para o sábio o caminho da vida é para cima, a fim de que ele se desvie do Seol que é em baixo. 25 O Senhor desarraiga a casa dos soberbos, mas estabelece a herança da viúva. 26 Os desígnios dos maus são abominação para o Senhor; mas as palavras dos limpos lhe são aprazíveis. 27 O que se dá à cobiça perturba a sua própria casa; mas o que aborrece a peita viverá. 28 O coração do justo medita no que há de responder; mas a boca dos ímpios derrama coisas más. 29 Longe está o Senhor dos ímpios, mas ouve a oração dos justos. 30 A luz dos olhos alegra o coração, e boas-novas engordam os ossos. 31 O ouvido que escuta a advertência da vida terá a sua morada entre os sábios. 32 Quem rejeita a correção menospreza a sua alma; mas aquele que escuta a advertência adquire entendimento. 33 O temor do Senhor é a instrução da sabedoria; e adiante da honra vai a hu- mildade. Fonte: BÍBLIA DE JERUSALÉM, Pro 15:1-33, p. 1042-1043. A religião proporcionou um grande progresso moral para a humanidade, mas não podemos esquecer, ou ser ingênuos, pois algumas pessoas utilizam da religião como instrumento para rea- lizar os desejos destrutivos, ou seja, “os fanatismos religiosos ajudaram a obscurecer muitas vezes a mensagem ética profunda da liberdade, do amor, da fraternidade universal” (VALLS, 2003, p. 37). Na sequência de pensamento acerca da exploração do conceito de moral, pode-se realizar uma distinção entre moral e direito, sendo que o direito está relacionado ao Estado, ao poder do Estado que controla a sociedade mediante, por exemplo, com leis e decretos. diCA Assistir ao vídeo O problema da esquerda é moral – Luiz Felipe Pon- dé – disponível no site https://www.youtube. com/watch?v=B7ZleI- puF_E. Postar os pontos principais no fórum de discussão. AtiVidAdE Poste no fórum de discussão a semelhança e a diferença entre o código penal e um livro sagrado. 18 UAB/Unimontes - 4º Período QUADRO 1 - Moral e direito Elementos comuns ente moral e direito diferença ente moral e direito Direito e Moral regulamentam as rela- ções de uns homens com outros por meio de normas. Postulam, portanto, uma conduta obrigatória e devida. O desrespeito de algumas dessas regras pode originar uma tácita ou manifes- ta atitude de desaprovação. As normas morais se cumprem através da convic- ção íntima dos indivíduos e, portanto, exigem uma adesão intima a tais normas. Neste sentido, pode se falar de interioridade da vida moral (o agente moral deve fazer as suas ou interiorizar as normas que deve cumprir). Já As normas jurídicas não exigem esta convicção íntima ou adesão interna, o indivíduo deve cumprir a determinação legal mesmo que na sua intimidade não concorde com ela (daí falar se da ex- terioridade do direito). O importante, no caso é que a norma se cumpra, seja qual for a atitude do sujeito (forçada ou voluntária) com respeito a seu cumpri- mento. Se a norma moral se cumpre por motivos formais ou externos, sem que o sujeito esteja intima- mente convencido de que deve atuar de acordo com ela, o ato moral não será moralmente bom (senso co- mum), de forma inversa, a norma jurídica é cumprida formal ou externamente, isto é, ainda que o sujeito esteja convencido de que é injusta e intimamente não queira cumpri la, implica um ato irrepreensível do ponto de vista jurídico. Assim, a interiorizarão da norma, essencial ao ato moral, não o é, no âmbito do direito. As normas morais e jurídicas têm a forma de imperativos e, por conse- guinte, acarretam a exigência de que se cumpram, isto é, de que os indiví- duos se comportem necessariamente de uma certa maneira. O fenômeno da coação é exercido de maneira diversa na moral e no direito: a coação é fundamentalmente interna na moral e externa no direito. Respondem a uma necessidade da vida social: regulamentar as relações dos homens objetivando garantir a coesão social. As normas morais não se encontram codificadas formal e oficialmente ao passo que as normas jurídi- cas gozam desta expressão formal (escrita, material, positiva) e oficial em forma de códigos, leis e diversos atos do Estado; Dinamismo Social: a moral e o direito mudam quando muda historicamen- te o conteúdo de sua função social. Em razões disto estas formas de com- portamento têm caráter histórico. A moral varia de tempos em tempos, assim como, o Direito. O Código Civil Brasileiro de 1916, continha certas re- gras que não tinham mais uso na sua concepção original para os dias de hoje. As necessidades do grupamen- to social mudaram e o Direito exigiu nova codificação. Pode se resumir o que foi explanado dizendo que na concepção de Direito é exigível, enquanto que atuar moralmente reside no campo da espontaneidade. A esfera Moral é mais ampla do que a do direito e atinge todos os tipos de relação entre os homens e as suas várias formas de comportamento qualquer com- portamento pode ser objeto de qualificação moral (retomo aqui os pensamentos de Kelsen se qualquer coisa pode ser direito em face da norma fundamental pressuposta, então é certo que o Direito se funda- menta concepção moral). O Direito, pelo contrário regulamenta as relações humanas mais vitais para o Estado para as classes do- minantes ou para a sociedade em conjunto. Iremos observar que algumas formas de comportamento humano (criminalidade, por exemplo) se encontra na esfera do direito. O mesmo se deve dizer de certas formas de organização social como o matrimônio e afamília e as respectivas relações. Outras relações entre os indivíduos, como o amor a amizade, a reli- giosidade, a sociabilidade, não são objeto de regula- mentos jurídicos, apenas moral. Fonte: Disponível em<http://www.ebah.com.br/content/ABAAAfJK4AF/direito-moral>. Acesso em 16 out. 2014. 19 Ciências da Religião - Religião e Ética 1.4 Explorando o Conceito de Ética Enquanto a moral prescreve e impõe uma norma que pode ser aceita conscientemente e livre, a ética implica em uma reflexão acerca da moral. Não nascemos éticos, pode-se tornar um sujeito ético. Para isso que aconteça, é necessário que o indivíduo tenha uma estrutura sensível, isto é, que ele tenha a capacidade de percepção do conflito, tome decisão e seja responsável por ela e por suas consequências. Ao longo do tempo e em cada espaço, o ser humano pensou e atribuiu sentido a sua exis- tência, isso devido ao ser humano ser um animal racional e sensível inacabado. Assim, os huma- nos têm grandes dificuldades em socializar e em viver em comunidade. Como o mundo não tem sentido nele mesmo, os indivíduos pensam e organizam formas, maneiras de viver e conviver pensando acerca do certo e do errado, do justo e do injusto. Dessa maneira, surge a pergunta: como viver em sociedade? Para responder a essa pergunta, traçaremos uma possível resposta, tendo como ponto de partida o filósofo Sócrates. Ele nasceu em Atenas, aproximadamente no ano de 470 a.C., e não deixou nada escrito. Tudo que se sabe sobre ele é mediante seus discípulos ou adversário. Sua ética pauta no controle da razão sobre a emoção e sentimentos: A ética socrática é racionalista. Nela encontramos: a) uma concepção do bem (como felicidade da alma) e do bom (como o útil para a felicidade); b) a tese da virtude (areté) – capacidade radical e última do homem – como conhecimento, e do vício como ignorância (quem age mal é porque ignora o bem; por conseguin- te, ninguém faz mal voluntariamente), e c) a tese, de origem sofista, segundo a qual a virtude pode ser transmitida ou ensinada(SANCHEZ VÁSQUEZ, 1998, p. 230-231). Conforme o pensamento de Sócrates, bondade, conhecimento e felicidade estão na mesma dimensão. O seu discípulo Platão, que nasceu em Atenas, no ano de 427 a.C., e faleceu em 347 a.C., recebeu grande influência socrática, sendo também uma ética racionalista. Para Platão: A razão, como faculdade superior e característica do homem, a alma se eleva – mediante a contemplação – ao mundo das ideias. Seu fim último é a purificação ou liberta-se da matéria para contemplar o que realmente é e, sobretudo, a Ideia do Bem (SANCHEZ VÁSQUEZ, 1998, p. 231). O pensamento platônico entende que o ser humano possui três almas, sendo duas delas irracionais, isto é, a primeira alma irracional está localizada no baixo ventre, conhecida como con- cupiscível, e está ligada aos desejos matérias e aos apetites sexuais. A segunda alma irracional, conhecida como irascível, localiza-se no tórax, no peito e está associada à impulsividade, à força e à raiva. E, por último, a alma racional, que é intelectiva, responsável pela racionalidade. Cada uma dessas almas possui uma virtude: a concupiscível possui a virtude da temperan- ça, a alma irascível tem a virtude da fortaleza e a virtude da alma racional é a prudência. Assim sendo: “A harmonia entre as diversas partes constitui a quarta virtude, ou justiça” (SANCHEZ VÁS- QUEZ, 1998, p. 232). Já Aristóteles (384-322 a.c) entende a ética a partir da pergunta, qual o fim último da ativi- dade humana? Essa pergunta não é uma indagação específica, ou seja, acerca de um indivíduo, mas um questionamento sobre o fim do ser humano como tal. Para essa pergunta, Aristóteles responde prontamente que o fim último é a felicidade, como pode ser lido no BOX 4. AtiVidAdE Apresente a diferença entre moral e ética. Poste no fórum de discussão. 20 UAB/Unimontes - 4º Período BOX 4 A felicidade Se a felicidade é atividade conforme a virtude, será razoável que ela esteja também em concordância com a mais alta virtude; e essa será a do que existe de melhor em nós. Quer seja a razão, quer alguma outra coisa esse elemento que julgamos ser o nosso dirigente e guia na- tural, tomando a seu cargo as coisas nobres e divinas, e quer seja ele mesmo divino, quer ape- nas o elemento mais divino que existe em nós, sua atividade, conforme a virtude que lhe é pró- pria, será perfeita felicidade. Que essa atividade é contemplativa, já o dissemos anteriormente. Ora, isto parece estar de acordo não só com o que muitas vezes asseveramos, mas tam- bém com a própria verdade. Porque, em primeiro lugar, essa atividade é a melhor (pois não só é a razão a melhor coisa que existe em nós, como os objetivos da razão são os melhores den- tre os objetos cognoscíveis); e, em segundo lugar, é a mais contínua, já que a contemplação da verdade pode ser mais contínua do que qualquer outra atividade. E pensamos que a felici- dade tem uma mistura de prazer, mas a atividade da sabedoria filosófica é reconhecidamente a mais aprazível das atividades virtuosas; pelo menos, julga-se que o seu cultivo oferece pra- zeres maravilhosos pela pureza e pela durabilidade, e é de supor que os que sabem passem o seu tempo de maneira mais aprazível do que os que indagam. [...] E dir-se-ia, também, que esse elemento (a razão) é próprio do homem, já que é a sua parte dominante e a melhor dentre as que o compõem. Seria estranho, pois, que não escolhes- se a vida do seu próprio ser, mas a de outra coisa. E o que dissemos atrás tem aplicação aqui: o que é próprio de cada coisa é, por natureza, o que há de melhor e de aprazível para ela; e, as- sim, para o homem a vida conforme a razão é a melhor e a mais aprazível, já que a razão, mais que qualquer outra coisa, é o homem. Donde se conclui que essa vida é também a mais feliz. Fonte: ARISTÓTELES. Ética a nicômaco. São Paulo, Abril Cultural, 1973. p. 428-430 (Col. Os pensadores). Os estoicos e os epicuristas representam uma corrente filosófica a qual o ser humano é pen- sando não mais a partir da pólis, mas como um ser que habita o universo. Para os estoicos, con- forme Sanchez Vasquez: [...] o mundo ou cosmos é um único grande ser que Deus tem como princípio, alma ou razão, sendo aqueles o seu animador ou coordenador. No mundo acon- tece somente o que Deus quer e, assim, domina nele uma fatalidade absoluta: não existe nem liberdade nem acaso. O homem, como parte deste mundo, pos- sui nele o seu destino. E, como tudo é regido por uma necessidade radical, a úni- ca coisa que lhe resta é aceitar o seu destino e agir consciente dele. Esta é atitude do sábio. [...] O estoico vive moralmente como cidadão do cosmos, não da pólis (SANCHEZ VÁSQUEZ, 1998, p. 235). Essa corrente de pensamento tem como representantes Zenão de Citio, na Grécia e Sêneca; Epíteto e Marco Aurélio, em Roma. Para ilustrar o pensamento estoico, leia o BOX 5: BOX 5 Como se portar na infelicidade Estamos todos ligados à fortuna: para uns a cadeia é de ouro e frouxa, para outros é apertada e grosseira; mas que importa? Todos os homens participam do mesmo cativeiro, e aqueles que encadeiam os outros não são menos algemados; pois tu não afirmarás, suponho eu, que os ferros são menos pesados quando levados no braço esquerdo. As honras prendem este, a riqueza aquele outro; este leva o peso de sua nobreza, aquele o de sua obscuridade; um curva a cabeça sob a tirania de outrem, outro sob a própria tirania; a este sua permanência num lugar é imposta pelo exílio, àquele outro pelo sacerdócio. Toda a vida é uma escravidão. É preciso, pois, acostumar se à sua condição, queixando-se o menos possível e não deixando escapar nenhuma das vantagens que ela possa oferecer: nenhum destino é tão insuportável que uma alma razoável não encontre qualquer coisa para consolo. Vê se frequentemente um terreno diminutoprestar-se, graças ao talento do arquiteto, às mais diversas e incríveis apli- cações, e um arranjo hábil torna habitável o menor canto. Para vencer os obstáculos, apela à razão: verás abrandar-se o que resistia, alargar-se o que era apertado e os fardos tornarem-se mais leves sobre os ombros que saberão suportá-los. Fonte: SÉNECA. da tranquilidade da alma, Col. Os pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1973, p. 216. 21 Ciências da Religião - Religião e Ética Os epicuristas têm como perspectiva o prazer. Esse prazer está ligado à dimensão espiritual que tranquiliza e fornece paz para a alma, como pode ser encontrado no BOX 6. BOX 6 Prazer Chamamos ao prazer princípio e fim da vida feliz. Com efeito, sabemos que é o primeiro bem, o bem inato, e que dele derivamos toda a escolha ou recusa e chegamos a ele valorizan- do todo bem com critério do efeito que nos produz. Nem a posse das riquezas nem a abun- dância das coisas nem a obtenção de cargos ou o poder produzem a felicidade e a bem-aven- turança; produzem-na a ausência de dores, a moderação nos afetos e a disposição de espírito que se mantenha nos limites impostos pela natureza. A ausência de perturbação e de dor são prazeres estáveis; por seu turno, o gozo e a alegria são prazeres de movimento, pela sua vi- vacidade. Quando dizemos, então, que o prazer é fim, não queremos referir-nos aos prazeres dos intemperantes ou aos produzidos pela sensualidade, como crêem certos ignorantes, que se encontram em desacordo conosco ou não nos compreendem, mas ao prazer de nos achar- mos livres de sofrimentos do corpo e de perturbações da alma. A imediata desaparição de uma grande dor é o que produz insuperável alegria: esta é a essência do bem, se o entende- mos direito, e depois nos mantemos firmes e não giramos em vão falando do bem. E como o prazer é o primeiro e Inato bem, é igualmente por este motivo que não escolhemos qualquer prazer; antes, pomos de lado muitos prazeres quando, como resultado deles, sofremos maio- res pesares; e igualmente preferimos muitas dores aos prazeres quando, depois de longamen- te havermos suportado as dores, gozamos de prazeres maiores. Por conseguinte, cada um dos prazeres possui por natureza um bem próprio, mas não se deve escolher cada um deles; do mesmo modo, cada dor é um mal, mas nem sempre se deve evitá-las. Convém, então, valo- rizar todas as coisas de acordo com a medida e o critério dos benefícios e dos prejuízos, pois que, segundo as ocasiões, o bem nos produz o mal e, em troca, o mal, o bem. Fonte: EPÍCÜRO. Ética, Col. Os pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1973. p. 25. Já na Idade Média, a concepção ética sofre uma alteração radical, deixando a esfera racio- nal e voltando-se para a dimensão da fé cristã-católica. Isto é, a ética cristã implica na revelação divina a qual o ser humano deve seguir para conseguir a salvação para um mundo sobrenatural. Dessa maneira, a ética cristã adequou a postura humana com perspectivas para outro mundo, tendo, assim, o seu fim último um valor transcendente, metafísico, sobrenatural. Essa concepção ética tem como foco a purificação da alma. Para tanto, recorre-se às práticas ascéticas. No período da Idade Moderna, a ética está associada à autonomia da razão, isto é, ser moral não implica ser religioso, pois o Estado é laico e a vida cotidiana secular. Além disso, tem a ten- dência antropocêntrica. Para ilustrar esse período, recorre-se ao pensamento de Immanuel Kant. O filósofo Kant (1724-1804) entendia que um comportamento moral seria aquele elabora- do pela razão humana, em que todos e qualquer lugar pudesse ter o mesmo tipo de comporta- mento sem causar nenhum dano a sociedade. Assim escreve Kant: “O imperativo categórico é, portanto, só um único, que é este: Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (KANT, 1995, p. 59). Assim sendo, pode se perceber que a ética kantiana está pautada na autonomia da razão. Sobre essa relação, escreve Walker: Quando a vontade é autônoma, ela pode ser vista como outorgando a si mesma a lei, pois, querendo o imperativo categórico, ela é puramente racional e não dependente de qualquer desejo ou inclinação exterior à razão. [...] Na medida em que sou autônomo, legislo para mim mesmo exatamente a mesma lei que todo outro ser racional autônomo legisla para si (WALKER, 1999, p. 41). Para Karl Marx (1818-1883), a sociedade é pensada a partir de dois níveis, sendo o primeiro nível a infraestrutura: a base econômica; o segundo nível, a superestrutura (político-ideológico), a qual é constituída por duas: a estrutura jurídico-política e a estrutura ideológica. Para ele, pelas relações materiais, o ser social determina a consciência. Enfim, a base econômica determina a su- perestrutura. Karl Marx pensa o ser humano como um sujeito concreto, relacionado às atividades do cotidiano, tendo como elemento constitutivo o modo de produção. 22 UAB/Unimontes - 4º Período O filósofo Nietzsche (1844-1900) apresenta uma perspectiva que radicaliza o modelo da éti- ca racionalista. Ele propõe que o ser humano recupere sua força instintiva, nega os valores trans- cendentes e metafísicos, afirmando que o bem e o mal são construções humanas. Uma luz se acendeu para mim: é de companheiros de viagem que eu preciso, e vivos — não de companheiros mortos e cadáveres, que carrego comigo para onde eu quero ir. Mas é de companheiros vivos que eu preciso que me sigam porque querem seguir a si próprios — e para onde eu quero ir. Uma luz se acen- deu para mim: não é ao povo que deve falar Zaratustra, mas a companheiros! Não deve Zaratustra tornar-se pastor e cão de um rebanho. Desgarrar muitos do rebanho — foi para isso que eu vim. Devem vociferar contra mim povo e re- banho: rapinante quer chamar-se Zaratustra para os pastores. Pastores digo eu, mas eles se denominam os bons e justos. Pastores digo eu: mas eles se denomi- nam os crentes da verdadeira crença. Vede os bons e justos! Quem eles odeiam mais? Aquele que quebra suas tábuas de valores, o quebrador, o infrator: — mas este é o criador. Vede os crentes de toda crença! Quem eles odeiam mais? Aquele que quebra suas tábuas de valores, o quebrador, o infrator: — mas este é o cria- dor (NIETZSCHE, 1983, p. 228). Nesse trecho, Nietzsche apresenta a maneira como se deve viver. Ele apresenta dois tipos de moral, uma sendo de escravo e a outra moral de senhor. A moral de escravo é ressentida, cheia de culpa e de má consciência. Já a moral de senhor é aristocrática, voltada para os instintos da vida. O psicanalista Sigmund Freud promove uma crítica em relação ao poder da razão. Para ele, o ser humano é o seu inconsciente. No inconsciente encontra o mundo oculto dos pulsos, dos desejos. A filosofia da existência mostra um ser humano como ser de projeto, recheado de angústia. Referências ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. temas de Filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1998. ARISTÓTELES. Ética a nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 428-430 (Col. Os pensadores). BIBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2011. EPÍCÜRO. Ética. São Paulo, Abril Cultural, 1973. (Col. Os pensadores). Disponível em <http://www. ebah.com.br/content/ABAAAfJK4AF/direito-moral> Acesso 16 out. 2014. NADER, Paulo. introdução ao direito. São Paulo: Forense, 2011. KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. de Paulo Quintela. Lis- boa: Edições 70, 1995. MORENTE, M. G., (1996). Fundamento de Filosofia – Lições Preliminares. 2. ed. São Paulo: Mes- tre Jou. NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Col. Os pensado- res). PEREIRA, Otaviano. O que moral. São Paulo: Brasiliense, 2004. SANCHEZ VÁSQUEZ, Adolfo. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. SÉNECA. da tranquilidade da alma. São Paulo:Abril Cultural, 1973. (Col. Os pensadores). VALLS, Alvaro, L.M. O que é ética? São Paulo: Brasiliense, 2003. VOLTAIRE. dicionário Filosófico. São Paulo: Martin Claret, 2002. WALKER, Ralph. Kant: Kant e a lei moral. Trad. de Oswaldo Giacóia Júnior. São Paulo: Unesp, 1999. 23 Ciências da Religião - Religião e Ética UnidAdE 2 Aproximações e Distanciamentos entre as Tradições Religiosas Letícia Aparecida Ferreira Lopes Rocha 2.1 Introdução Prezado (a) acadêmico (a), você acabou de conhecer e estudar a etimologia e o significado da palavra ética e, por conseguinte, as peculiaridades que envolvem o estudo desse termo. Nesta unidade veremos as aproximações e distanciamentos das tradições religiosas dentro dessa temá- tica instigante e desafiadora. Instigante porque a ética é um tema de nosso tempo, fala-se muito em ética, ética no trabalho, ética no esporte, ética nas relações, ética na sociedade e, também, ética nas religiões, sendo esse último, assunto de nosso estudo. Enfim, multiplicam-se os ambien- tes, debates e espaços sobre problemas éticos. Encontramos diversos estudos nas universidades, publicações de várias natureza concernentes ao tema. É sabido que todas as áreas do conheci- mento prestaram valioso serviço a teorizar a ética. Isso aponta para a importância e a relevância desse tema. É oportuno lembrar que não é uma discussão apenas da atualidade, é uma questão demasiadamente discutida em todos os períodos da história humana. Acreditamos que, no mo- mento presente, tenha-se falado mais devido as inúmeras situações, o que se torna urgente uma reflexão que contribua para outras posturas diante da vida do planeta e da vida humana como um todo. E as religiões, como portadoras de ética, regulam, bem como orientam a vida dos seus adeptos, e têm algo a falar sobre esse tema. Nesta unidade a ênfase será a ética que permeia as tradições religiosas. Priorizamos a apre- sentar algumas religiões, como Judaísmo, Cristianismo, Islamismo, Hinduísmo, Budismo, Reli- giões afro-brasileiras – Candomblé e Umbanda. Nossa intenção não é esgotar a discussão tra- zendo à baila a ética que envolve o cerne das tradições religiosas existentes no mundo, isso demandaria um Caderno inteiro, e ainda faltaria espaço. A ideia aqui é apenas mostrar um esbo- ço das principais crenças religiosas que compõe o panorama religioso do mundo e o Brasil. Ao final da unidade, colocamos uma bibliografia em que você, acadêmico, pode buscar mais infor- mações sobre a temática. Por ora, o que queremos é apresentar alguns aspectos éticos que fun- damentam as religiões, conforme elencadas acima. Para tal, dividimos a unidade da seguinte forma: num primeiro momento, traremos alguns dados atinentes a ética e também a ética nas religiões, de modo geral. Segundo momento, abor- daremos a ética nas religiões já citadas. Terceiro momento, para finalizar a nossa discussão, apre- sentaremos uma ética que aproxima as tradições religiosas. Prezado (a) acadêmico (a), convido você a fazermos juntos esse passeio pela ética que per- meia os espaços das tradições religiosas. Advirto que será um passeio envolvente, sedutor, mas com desafios a serem enfrentados no sentido de aquisição de conhecimento das peculiaridades que esconde as crenças religiosas, no que diz respeito a esse tema. Bom passeio, divirta-se, estu- de e aprenda muito! 2.2 Descobrindo o Universo Ético O ser humano é um indivíduo chamado a viver em sociedade junto com outros seres huma- nos distintos. Essa vivência é pautada por normas e leis estabelecidas e são meios de manter a harmonia entre as pessoas, contribuindo para a busca de realização pessoal. Todas as sociedades 24 UAB/Unimontes - 4º Período buscaram alguma forma de controle dos comportamentos dos seres humanos inseridos em tal ambiente. Assim, surge a ética como um meio de garantir o comportamento dos indivíduos nas relações consigo mesmo e com os outros. Tomaremos um breve conceito de ética como fio condutor de nossa discussão, uma vez que, na unidade 1, o conceito foi amplamente discutido. Para o autor Vásquez (2004, p. 23), “A éti- ca é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade”. No entendimen- to de Vásquez, a ética é uma teoria, também considerada ciência, que regula, orienta, norteia as ações das pessoas humanas em sociedade. Inferimos que a discussão sobre a ética e a sua vivên- cia é fundamental para as pessoas se estabelecerem em sociedade. Podemos perceber, a partir desse pensamento, a relevância e a importância desse tema para a compreensão dos diversos atos que ocorrem em nosso meio. Por isso, surgiram, em todas as épocas correntes, éticas que verificavam as ações e proporcionavam uma nova forma de ver e viver a ética. Contamos historicamente com inúmeras elaborações éticas, formuladas a partir de expe- riências de indivíduos em sociedade. Citamos algumas como exemplo: ética do discurso (é algo relativamente novo, sua atenção volta-se para a discussão acerca do que é direito correto ou jus- to, e situa-se na tradição das teorias do dever moral. Também visa à ideia de comunicação, cor- responsabilidade), ética política (parte de discursos normativos no âmbito da atividade pública, ou seja, política, explicação daquilo que deve ser a política, algo do bem coletivo), ética da res- ponsabilidade e a ética da libertação. Para essas duas últimas, dispensaremos comentários nesse momento, visto que será alvo de discussão nas unidades III e IV deste Caderno. Enfim, todas estas elaborações em torno da ética possuem uma fundamentação e aplicação que parte de determi- nada situação/realidade. A ética, como teoria tal como a conhecemos no ocidente, foi originada na Grécia com os filósofos Sócrates, sofistas, Platão, Aristóteles, Epicureus. Conforme sinaliza o Dicionário de Pen- samento Contemporâneo (2000, p. 270), esses filósofos “se preocupam em averiguar qual é o fim ou bem que os seres humanos buscam, para determinar a partir dele como alcançá-lo, o que de- vemos fazer”. Detectamos que a ética para esses filósofos denotava uma busca das vontades e dos desejos humanos e que, uma vez alcançados, o que caberia fazer? Os problemas éticos fo- ram alvo de intensa reflexão e estudo entre os filósofos gregos, a fim de entender as pessoas e os processos que estavam ocorrendo na antiga Grécia. A vida das pessoas em sociedade, a rea- lização pessoal de cada ser humano, foram temas constante na filosofia gerada pelos primeiros filósofos. Ou seja, o pensamento ético permeava o agir filosófico dos pensadores. Vejamos brevemente o que estes filósofos disseram acerca desta temática: Sócrates (470? – 399 a.C.) é considerado o pai da filosofia, pois o seu pensamento foi consi- derado um divisor de águas na sociedade grega da época. O principal aspecto da sua filosofia é a busca pela verdade, a fim de conseguir uma convivência honesta e digna entre os homens. Tam- bém o preocupava a busca pelo bem na vida em sociedade. E m suma, para Sócrates, o objetivo da vida é a felicidade. Platão (428? – 348? a.C.) herdou muito das ideias morais propostas por Sócrates. Entre ou- tros temas que encontramos em suas obras, parte concentra-se em torno do tema da boa con- vivência dos homens em sociedade. Para tal, delineou um projeto político em que o governo da pólis (cidade) garantisse a felicidade de todos os habitantes, onde todos pudessem viver em har- monia e felicidade. Para Aristóteles (384 – 322 a.C.), o indivíduo não poderia viver sozinho, por isso, para ele, a pólis era melhor organização social, desde que fosse governada por critérios que favorecessem ao bem comum. Após esses filósofos citados, surgiram outros filósofos, outras correntes filosóficas que en- vidaram esforços no sentido de estabelecer critérios para a vida do ser humano e seu convívio social. Algumas dessas influenciaram o pensamento dos primeiros pensadorescristãos (como Santo Tomás de Aquino) nos séculos seguintes, no que diz respeito às normas éticas. Munidos dessas considerações concernentes a ética, entramos no tema que muito nos in- teressa nessa unidade, Ética nas religiões. Ao iniciarmos essa discussão, parece-nos interessan- te voltarmos a fazer algumas considerações acerca do termo religião, apenas para nos ajudar a adentrar nas questões éticas que envolvem o cerne das tradições religiosas. Falar em definição da palavra religião é entrar num caminho sem volta, conforme apontou o grande cientista da religião alemão, Hans Jurgen Greschat, no início da sua obra “O que é Ciên- cia da Religião” (2005, p. 17): “A palavra religião é como um labirinto. Perder-se-á nele quem não trouxer um fio na mão para se orientar”. Supõe um grande desafio dizer o que é religião diante da gama de variedades de experiências que temos testemunhado atualmente e também do que já foi elaborado sobre o termo. O cientista da religião deve ter um amplo conhecimento sobre GLOSSáRiO Sofistas: palavra que advêm do grego e sig- nifica Sofia – sabedoria. Os sofistas eram uma corrente de filósofos que dominavam a arte da oratória, ou seja, possuíam habilidade para falar/discursar. A preocupação principal dessa corrente de pen- samento era o homem e a vida em sociedade. Epicureus: Essa cor- rente de pensamento possui esse nome devido ao seu fundador Epicuro (341-270 a.C). Para estes, a filosofia deve servir para libertar o homem do medo do destino, da morte e das divindades. Acredita- vam que a finalidade da vida é o prazer. Não é o prazer dos instintos carnal, das paixões, mas sim o prazer da razão. diCA Oriento a você, acadê- mico (a), que retorne ao Caderno Didáti- co INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DA RELIGIÃO e METODOLOGIA DA EDUCAÇÃO RELIGIOSA II, em que encontrará algumas definições que foram empreendidas por estudiosos sobre o termo religião. 25 Ciências da Religião - Religião e Ética essa questão. É necessário saber que não existe um único conceito formado e estabelecido sobre religião, então é melhor dizer que temos definições. Outra questão não menos importante para o cientista da religião é que não há uma, duas ou três definições acerca da religião, há uma infini- dade. Sabemos e temos conhecimento que foram muitas as tentativas empreendidas em diver- sos tempos e sociedades para definir religião. Contamos com as conhecidas formulações advin- das do arcabouço teológico cristão, que em muito influenciou o ocidente. Também contamos com as contribuições da filosofia, da psicologia, da sociologia, da antropologia e outras áreas do conhecimento. É uma tarefa complexa e heterogênica. E, atualmente, ainda torna-se mais com- plexo tal empreendimento, visto que temos uma infinidade de crenças religiosas espalhadas por todas as partes do mundo. No Brasil torna-se muito difícil tal empreitada, vivemos um país plural e diverso, conforme nos apontou os dados do último censo demográfico do IBGE em 2010. Sem negar as definições que foram elaboradas por teóricos de todos os tempos, vale lembrar uma vez mais que, para a pesquisa em Ciência da Religião e para o profissional de Educação Religiosa, a definição considerada como a mais pertinente foi a organizada pelo antropólogo norte-ameri- cano Clifford Geertz (1989), uma vez que sua definição parte da diversidade e não possui traços de qualquer teologia. Isso reafirma o caráter científico dos estudos da religião. Este se propôs a vislumbrar a dimensão cultural da análise religiosa. Rememoramos o que diz a teoria de Geertz sobre religião: Um sistema de símbolos que atua para estabelecer penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que as disposições e motivações parecem singularmente realistas (GEERTZ, 1989, p. 104). Nosso autor parte da concepção de cultura como padrão de significados transmitidos his- toricamente incorporados em símbolos, isto é, um sistema de concepções herdadas e expressas em formas simbólicas por meios das quais os homens se comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e atividades. Para Geertz, o homem está amarrado a uma “teia de significa- dos”, o que significa que o homem pensa, deseja e sente conforme seus significados, que são ex- pressos nos mais diversos símbolos, inclusive os sagrados. Partindo desse pressuposto sobre o objeto de estudo da Ciência da Religião, que é a reli- gião, vamos avançar na discussão, apontando elementos que compõe a ética no campo das tradições religiosas. A religião é um sistema de símbolos que atua e fornece disposições e mo- tivações aos seres humanos para conduzirem a vida de forma harmoniosa, oferecendo os meios necessários para que os adeptos se realizem e encontrem a razão e o sentido da vida. Todas as religiões, e cada uma a seu modo, proporcionam às pessoas formas de vivências, seja pessoal, familiar, comunitária e social, pautada em elementos constitutivos que imperam no interior de tal crença. Esses elementos são propostos aos adeptos, e ao controle sobre as ações humanas dá-se o nome de ética. Por isso, podemos inferir que, por excelência, as religiões são espaços de constru- ção e reconstrução das ações éticas. As crenças religiosas propõem para seus adeptos um modo de vida que visa à ética, baseada em livros sagrados, doutrinas, documentos, oráculos, mensa- gens de seres que habitam o panteão sagrado desses universos considerados espaços de encon- tro com um ser maior. A partir desses subsídios propostos, as tradições religiosas instituem sua ética, regula e con- trola o agir das pessoas, em vista de uma realidade última, ou seja, a morte, que cada crença tra- duz um nome para tal: no Budismo – nirvana; Cristianismo, Islamismo e Judaísmo – ressurreição; Espiritismo kardecista e Umbandista – reencarnação; Hinduísmo – renascimento; e outras. Os princípios éticos instituídos pelas crenças religiosas são introduzidos no seio da socieda- de, onde elas estão alocadas, e as questões que dizem respeito à ética são constantemente con- testadas diante de assuntos que a sociedade vigente incita, exemplos: aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo, uso de contraceptivos, entre outros temas. É preciso entender que as religiões elaboram sua ética com base em critérios próprios, até considerados divinos. Nesse sen- tido, podem variar em determinados aspectos, algo pode ser ético em uma religião e em outra não pode ser. Após essas considerações, apresentaremos a ética no bojo das tradições religiosas já citadas no início do texto. Queremos adverti-los que algumas religiões a serem apresentadas já foram abordadas em outros Cadernos como, por exemplo: judaísmo, cristianismo, hinduísmo, budismo, taoísmo. Por isso, não abordaremos muitos pontos, apenas o suficiente para a com- preensão do tema em questão. Sempre que sentir necessidade, volte aos Cadernos estudados, 26 UAB/Unimontes - 4º Período pois a nossa ideia aqui é apresentar elementos da ética que envolve o cerne dessas tradições reli- giosas. Em relação àquelas que não foram estudadas, daremos uma ênfase maior. 2.3 Ética nas Tradições Religiosas: Judaísmo, Cristianismo, Islamismo, Hinduísmo, Budismo, Religiões Afro-Brasileiras 2.3.1 Judaísmo Parece-nos interessante começar pelo judaísmo, considerada entre as religiões monoteístas a mais antiga. Seguiremos uma ordem cronológica em termos de fundação dessas três tradições religiosas a serem analisadas. Também é importante rememorar que o cristianismo e o islamismo recebem influência judaica em sua constituição. O judaísmo foi estudado em outro Caderno Di- dático, sua fundação, constituição e outros pormenores. Nossa intenção aqui é deflagrar os valo-
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