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∗ O conteúdo dos artigos é de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), que cederam a Comissão de Pós-Graduação em Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, os respectivos direitos de reprodução e/ou publicação. Não é permitida a utilização desse conteúdo para fins comerciais.1 ∗ Resultado dos trabalhos do Grupo de Pesquisa, 2, para o SEMINÁRIO LATINOAMERICANO DE PÓS-GRADUAÇÃO: “TENDÊNCIAS E DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO LATINOAMERICANO”. 15-19 ago, 2011. São Paulo, Comissão de Pós-Graduação – FDUSP, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP e COGEAE.. ∗∗Grupo de Pesquisa, 2, formado pelos alunos André Norberto Carbone de Carvalho, Artur Rega Lauandos, Daniela Kalil, Fabiano Stefanoni Redondo, Fernando Fabiani Capano, Fernando Pinto Xavier Filho, Karin Pfannemüller Gomes, Marco Antonio Prado Nogueira Perroni, Natalie Dyermendjan, Renato Jaqueta Benine, Victor Henrique Grampa, do Programa de Pós-Graduação Scrito Sensu em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, sob a supervisão de Monica Herman S. Caggiano, Professora Associada do Departamento de Direito do Estado, da Universidade de São Paulo. Livre-Docente em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito/USP. Presidente da Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professora Titular de Direito Constitucional e Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Parte 2 TENDÊNCIAS E DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO∗ Grupo de Pesquisa 2 - CNPq∗∗ Líder: Monica Herman S. Caggiano Organizadora: Karin Pfannemüller Gomes Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie n. 3, 2011 Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 ©2011 Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida desde que citada a fonte UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Reitor: João Grandino Rodas Vice-Reitor: Hélio Nogueira da Cruz Pró-Reitor de Pós-Graduação: Vahan Agopyan Faculdade de Direito Diretor: Antonio Magalhães Gomes Filho Vice-Diretor: Paulo Borba Casella Comissão de Pós-Graduação Presidente: Monica Herman Salem Caggiano Vice-Presidente: Estêvão Mallet Ari Possidonio Beltran Edmir Netto de Araújo Elza Antônia Pereira Cunha Boiteux Francisco Satiro de Souza Júnior Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Luis Eduardo Schoueri Renato de Mello Jorge Silveira Serviço Especializado de Pós-Graduação Chefe Administrativo: Maria de Fátima Silva Cortinal Serviço Técnico de Imprensa Jornalista: Antonio Augusto Machado de Campos Neto Normalização Técnica CPG – Setor CAPES: Marli de Moraes Correspondência / Correspondence A correspondência deve ser enviada ao Serviço Especializado de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP / All correspondence should be sent to Serviço Especializado de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP: Largo de São Francisco, 95 CEP 01005-010 Centro – São Paulo – Brasil Fone/fax: 3107-6234 e-mail: posfd@usp.br FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação Faculdade de Direito da USP Cadernos de Pós-Graduação em Direito : estudos e documentos de trabalho / Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 1, 2011-. Mensal ISSN: 2236-4544 Publicação da Comissão de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo 1. Direito 2. Interdisciplinaridade. I. Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP CDU 34 Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 Os Cadernos de Pós-Graduação em Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, constitui uma publicação destinada a divulgar os trabalhos apresentados em eventos promovidos por este Programa de Pós-Graduação. Tem o objetivo de suscitar debates, promover e facilitar a cooperação e disseminação da informação jurídica entre docentes, discentes, profissionais do Direito e áreas afins. Monica Herman Salem Caggiano Presidente da Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 TENDÊNCIAS E DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO Grupo de Pesquisa 2 - CNPq Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 APRESENTAÇÃO O objetivo geral dos Grupos de Pesquisas do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie é a análise e o fomento de debates acerca da evolução do constitucionalismo latino-americano. O exame busca investigar o movimento e as críticas que o atingem, principalmente no que diz respeito ao exacerbado fortalecimento do Poder Executivo, tanto pela possibilidade de sucessivas reeleições quanto pela liberdade de intervenção em assuntos econômicos, o que representaria uma ameaça às instituições em um sensível regime democrático. Os trabalhos aqui descritos fazem parte do diálogo entre estes Grupos de Pesquisa. Monica Herman Caggiano Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 SOBRE OS AUTORES André Norberto Carbone de Carvalho. Advogado com pós-graduação "lato sensu" em Direito Público e Direito Processual Civil. Especialista em Governo e Poder Legislativo pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP e mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Artur Rega Lauandos. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado em São Paulo, Professor do Curso de Direito da Faculdade Carlos Drummond de Andrade, e Professor Colaborador do Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Anhanguera. Daniela Kalil. Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, atua na Gerência de Contratação do Serviço Social do Comércio do Estado de São Paulo – SESC/SP, advogada em São Paulo. Fabiano Stefanoni Redondo. Advogado em São Paulo. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Mestrando do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Fernando Fabiani Capano. Advogado em São Paulo, Coordenador Jurídico da Associação dos Policiais Militares Portadores de Deficiência Física do Estado de São Paulo - APMDFESP. Especialista em Administração de Empresas pela FGV/EAESP. Mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Assessor da Presidência do V TED da OAB/SP. Membro Efetivo da Comissão de Direito Militar da OAB/SP. Fernando Pinto Xavier Filho. Estudantedo curso de Graduação em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Conciliador do Juizado Especial Cível – Anexo Mackenzie. Karin Pfannemüller Gomes. Mestre em Direito Político e Econômico (2010) e Bacharel em Direito (2000), pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogada em São Paulo e Professora de Filosofia na FEBAT – Faculdade Evangélica Batista do Brooklin e de Direito Constitucional. Marco Antonio Prado Nogueira Perroni. Estudante do curso de Graduação em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Conciliador do Juizado Especial Cível – Anexo Mackenzie e estagiário jurídico do Escritório de Advocacia Justin, Pereira, Oliveira & Talamini – Sociedade de Advogados. Monica Herman S. Caggiano. Professora Associada do Departamento de Direito do Estado, da Universidade de São Paulo. Livre- Docente em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito/USP. Presidente da Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professora Titular de Direito Constitucional e Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Assessora Especial do Vice-Governador e do Governador do Estado de São Paulo (2003-2006). Procuradora Geral do Município de São Paulo (1994-1996). Secretária dos Negócios Jurídicos do Município de São Paulo (1966). Procuradora do Município de São Paulo (1972-1996). Natalie Dyermendjan. Estudante do curso de Graduação em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Renato Jaqueta Benine. Mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bacharel pela Faculdade de Direito de Bauru, mantida pela Instituição Toledo de Ensino. Professor do curso de pós-graduação em Educação Inclusiva do Instituto Superior de Educação – ISE Vera Cruz. Advogado atuante nas áreas de Relações Governamentais, Institucionais e Políticas Públicas. Victor Henrique Grampa. Estudante do Curso de Graduação em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie, monitor das disciplinas de: Filosofia do Direito e Antropologia Social e Jurídica do Prof. Dr. Orlando Villas Bôas Filho; Sociologia do Direito com o Prof. Ms. Jarbas Geraldo de Barros Pastana; Direito das Obrigações com o Prof. Dr. Washington Carlos de Almeida e; Direito Constitucional I com a Profa. Dra. Monica Herman S. Caggiano, todos na mesma Universidade. Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 SUMÁRIO I. O PARLAMENTO DA BOLÍVIA SOB A ÉGIDE DE SUA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL .......................................................... 7 André Norberto Carbone de Carvalho II. O PARLAMENTO MEXICANO NA CRISE LATINO AMERICANA .................................................................................................... 17 Artur Rega Lauandos III. O PARLAMENTO BRASILEIRO SOB A CONSTITUIÇÃO DE 05 DE OUTUBRO DE 1988 ............................................................ 26 Daniela Kalil IV. O PODER LEGISLATIVO URUGUAIO ............................................................................................................................................. 36 Fabiano Stefanoni Redondo V. CUBA: ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO PARLAMENTAR ......................................................................................................... 46 Fernando Pinto Xavier Filho Marco Antonio Prado Nogueira Perroni Monica Herman Salem Caggiano VI. O PARLAMENTO E AS CRISES NA REPÚBLICA ARGENTINA: Apontamos acerca do ferramental jurídico-constitucional do Poder Legislativo Argentino e seu comportamento nas crises das últimas décadas ..................................................................... 58 Fernando Fabiani Capano VII. A COMPOSIÇÃO DO PARLAMENTO VENEZUELANO AO LONGO DO GOVERNO CHÁVEZ ................................................... 72 Karin Pfannemüller Gomes VIII. O PARLAMENTO DE COSTA RICA NO CENÁRIO LATINO-AMERICANO .................................................................................. 84 Karin Pfannemüller Gomes Natalie Deyrmendjian da Silveira Victor Henrique Grampa IX. MERCOSUL E SEU PARLAMENTO: DESAFIOS DA INTEGRAÇÃO REGIONAL .......................................................................... 92 Renato Jaqueta Benine CADERNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: ESTUDOS E DOCUMENTOS DE TRABALHO ............................................... 104 Normas para Apresentação 7 Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 I. O PARLAMENTO DA BOLÍVIA SOB A ÉGIDE DE SUA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL André Norberto Carbone de Carvalho∗ Introdução Desde sua independência, advinda, em especial, pela vitória da resistência na famosa batalha de Junin, em 18241, liderada pelo comandante Simón Bolívar contra as forças espanholas, a Bolívia sempre enfrentou graves turbulências políticas. No entanto, a Presidência de Evo Morales trouxe uma nova ordem constitucional, alterando substancialmente as instituições políticas da Nação, principalmente o Poder Legislativo. Abaixo, veremos como foi a chegada de Morales ao poder, quais as principais mudanças implantadas pela Constituição de 2009 e como tais alterações influenciaram o Parlamento, descrevendo o que aconteceu desde a eleição dos atuais parlamentares até os dias de hoje. 1. A ascensão de Evo Morales Não há como falar da nova ordem constitucional boliviana sem tratar do líder popular Evo Morales. Camponês de origem indígena, Morales passou a infância em Orinoca, uma das regiões mais pobres e esquecidas do País2. Foi agricultor, padeiro, músico e jogador de futebol, quando se tornou líder sindical e referência para os camponeses da região de Cochabamba3. A defesa da plantação de coca como forma de sobrevivência dos camponeses levou Evo Morales ao plano político. Foi eleito deputado “uninominal” pelo Departamento de Cochabamba nas eleições gerais de 1997, e, em 2002, tentou a Presidência da República, terminando o pleito em segundo lugar, com 20,94% dos votos válidos4. Após nova tentativa, em dezembro de 2005, aproveitou-se do quadro de grave instabilidade política para eleger-se Presidente com 53,74% dos votos válidos5, pelo partido que ajudou a criar, o MAS6. Por seu caráter simbólico, a eleição de Evo, em 2005, pode ser considerada histórica: não obstante ser a Bolívia um país em que 50% da população reconhece-se como indígena e cerca de 40%, ∗Advogado com pós-graduação "lato sensu" em Direito Público e Direito Processual Civil. Especialista em Governo e Poder Legislativo pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP e mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. 1VARGAS RIVAS, Gonzalo. História de las Constituciones em Bolivia. Cochabamba, 2005. p. 2. 2CASTRO, Luiz Fernando Damaceno Moura e. Nova Constituição boliviana. Conjuntura Internacional, Belo Horizonte, nov. p. 1, 2007. 3PRESIDENCIA. Bolívia. Perfil biográfico. Disponível em: <http://www.presidencia.gob.bo/perfil.htm>. Acesso em: 28 maio 2011. 4TRIBUNAL SUPREMO ELECTORAL. Disponível em: <www.cne.org.bo>. Acesso em: 28 maio 2011. 5Id. Ibid. 6Movimiento al Socialismo. 8 Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 mestiça7, somente em 2005 um descendente dessa etnia conseguiu ascender ao poder, já que, em 1934, o indígena Francisco Tamayo, apesar de eleito presidente com 59,2% dos votos, não chegou a tomar posse devido a um golpe militar que iniciaria a fase conhecida como Socialismo Militar8.2. A Assembleia Constituinte e a nova ordem constitucional O projeto político de Morales que o levou à vitória foi baseado, principalmente, na busca da redistribuição de renda, da reforma agrária e da nacionalização de hidrocarbonetos, compostos químicos responsáveis pela produção de uma grande variedade de produtos, tais como o plástico, a borracha e combustíveis, dentre outros. No entanto uma das promessas de campanha que mais repercutiu foi a de trabalhar, junto ao Congresso, para a aprovação da lei convocatória da Assembleia Constituinte, destinada à confecção de uma nova constituição nacional. Tal promessa de campanha refletia o desejo do povo boliviano de mudança da Constituição. A demanda por uma Assembleia Constituinte não era nova, e havia aparecido com força no final dos anos 80, como reação ao ambiente criado pela polêmica eleição presidencial de 1989, que consagrou Jaime Paz Zamora, o terceiro colocado na disputa, com apenas 19% dos votos9. Conforme o sistema eleitoral vigente, competia ao Congresso a escolha do Presidente, entre os mais votados. Uma vez eleito, Morales foi hábil e conseguiu negociar com a oposição a aprovação da lei convocatória. Durante os meses de maio e junho de 2006, ocorreria a campanha para a eleição dos constituintes; em agosto de 2006, com os eleitos, a Assembleia seria instalada. A força do Presidente refletiu o resultado final do escrutínio: das 255 cadeiras, o MAS conseguiu 137, ou 53,72% das vagas. Embora o resultado não tivesse assegurado ao partido do Presidente a maioria qualificada de dois terços dos representantes, o que garantiria a aprovação de uma nova Constituição sem obstáculos, o pleito serviu para reafirmar o crescimento de Morales. Apesar de o período que se sucedeu ter sido marcado por conflitos frequentes e de intensidades variadas, a nova Constituição Política do Estado boliviano foi aprovada pela Assembleia Constituinte em dezembro de 2007. Em meio à tensa situação política, Morales propôs uma tática arriscada: a aprovação de uma lei que o submetesse a um referendo revogatório, uma espécie de recall, onde o mandato de um político poderia ser revogado por consulta popular. A Lei nº 3.850 foi aprovada pelo Congresso e sancionada em 12 de maio de 2008. Segundo a lei, os bolivianos iriam às urnas para responder a uma simples pergunta: “Você está de acordo com a continuidade do processo de mudança liderado pelo Presidente Evo Morales e pelo Vice-presidente Álvaro Garcia Linera?”. 7CUNHA FILHO, C. M. Reforma, reação e mobilização social na Bolívia de Evo Morales. In: PARENTE, F. J. C.; FROTA, F. H.; LIMA, H. Ferreira (Orgs.). Dos Andes aos Pampas: inclusão e cenários na América Latina. Fortaleza: Eduece, 2010. p. 95. 8Id. Evo Morales e os horizontes da hegemonia: nacional-popular e Indigenismo na Bolívia em perspectiva comparada. Rio de Janeiro, 2009. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2009. p. 18. Disponível em: <http://uerj.academia.edu/CunhaFilho/Papers/165755/Evo_Morales_e_os_Horizontes_da_Hegemonia_Nacional- popular_e_Indigenismo_na_Bolivia_em_perspectiva_comparada>. 9FRANCHINI, Matías. Asamblea constituyente en Bolivia: génesis, evolución y conflicto en el cambio. Documentos, Centro para la apertura y el desarrollo de América Latina – CADAL, año 5, n. 74, p. 3, jun. 2007. 9 Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 No dia 10 de agosto de 2008, mais de 2 milhões de bolivianos (67,41% dos votos) disseram “Sim” e autorizaram o governo Morales a terminar seu mandato. Assim, com a popularidade em alta, o Presidente conseguiu dar andamento ao projeto da nova Constituição: com algumas alterações feitas pelo Congresso, a Lei Maior foi levada à votação popular, sendo ratificada, em janeiro de 2009, e promulgada por Morales em fevereiro daquele mesmo ano. 3. Características gerais da Lei Maior de 2009 A nova Constituição redefiniu os conceitos de Estado e de cidadania, a partir de uma lógica plurinacional, multicultural e comunitária (artigo 1º da Constituição Política do Estado – CPE/2009). Uma de suas grandes virtudes foi combinar o desenvolvimento dos direitos, deveres e garantias com as demandas indígenas, formando um novo marco legal e institucional10. O termo “plurinacional”, aliás, está relacionado com a pré-existência colonial das nações indígenas originárias, reconhecidas como a matriz populacional do povo boliviano (artigo 2º, CPE/2009). A caracterização do Estado como unitário social de direito plurinacional foi uma inovação, sugerindo aplicação bem mais ampla do que previa a antiga Constituição. O documento, aliás, é classificado como a “Constituição de Transição”, em virtude da retomada do federalismo, modelo renunciado depois da chamada “Guerra Federal”, realizada no final do século XIX e início do século XX, quando prevaleceu o unitarismo. Sendo assim, a descentralização politico-administrativa e a criação do sistema de autonomias tornaram-se medidas inovadoras da nova ordem constitucional. Entre as garantias jurisdicionais, há a previsão das “ações de defesa”, nas quais se encontram a “ação de liberdade11”, a “ação de amparo constitucional12”, a “ação de proteção de privacidade13”, a “ação de inconstitucionalidade14”, a “ação de cumprimento15” e a “ação popular16”. Em comparação com o período anterior, atualmente há um constitucionalismo bem mais evoluído. 10PRADA ALCOREZA, Raúl. Análisis de la nueva Constitución política del Estado. Centro de Estudios Políticos para las Relaciones Internacionales y el Desarrollo (CEPRID), mar. 2009. Territórios/Latinoamérica, p. 1. 11Artículo 125. Toda persona que considere que su vida está en peligro, que es ilegalmente perseguida, o que es indebidamente procesada o privada de libertad personal, podrá interponer Acción de Libertad y acudir, de manera oral o escrita, por sí o por cualquiera a su nombre y sin ninguna formalidad procesal, ante cualquier juez o tribunal competente en materia penal, y solicitará que se guarde tutela a su vida, cese La persecución indebida, se restablezcan las formalidades legales o se restituya su derecho a la libertad. Constituição Política do Estado. 12Artículo 128. La Acción de Amparo Constitucional tendrá lugar contra actos u omisiones ilegales o indebidos de los servidores públicos, o de persona individual o colectiva, que restrinjan, supriman o amenacen restringir o suprimir los derechos reconocidos por La Constitución y la ley. Constituição Política do Estado. 13Artículo 130. I. Toda persona individual o colectiva que crea estar indebida o ilegalmente impedida de conocer, objetar u obtener la eliminación o rectificación de los datos registrados por cualquier medio físico, electrónico, magnético o informático, en archivos o bancos de datos públicos o privados, o que afecten a su derecho fundamental a la intimidad y privacidad personal o familiar, o a su propia imagen, honra y reputación, podrá interponer la Acción de Protección de Privacidad. Constituição Política do Estado. 14Artículo 132. Toda persona individual o colectiva afectada por una norma jurídica contraria a la Constitución tendrá derecho a presentar la Acción de Inconstitucionalidad, de acuerdo con los procedimientos establecidos por la ley. Constituição Política do Estado. 15Artículo 134. I. La Acción de Cumplimiento procederá en caso de incumplimiento de disposiciones constitucionales o de la ley por parte de servidores públicos, con el objeto de garantizar la ejecución de la norma omitida. Constituição Política do Estado. 16Artículo 135. La Acción Popular procederá contra todo acto u omisión de las autoridades o de personas individuales o colectivasque violen o amenacen con violar derechos e intereses colectivos, relacionados con el patrimonio, el espacio, la seguridad y salubridad pública, el medio ambiente y otros de similar naturaleza reconocidos por esta Constitución. Constituição Política do Estado. 10 Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 A Lei Maior, de 2009, também apresenta como característica a criação de um Estado interventor e protetor dos recursos naturais, inclusive com a incorporação de formas e práticas de povos nativos. Nessa linha, a norma altera substancialmente o poder entre as elites tradicionais e a maioria da população17. Os recursos naturais passaram a ser estatizados18, fator que diminuiu o poder político das regiões do leste, onde se concentrava a oposição. Um ponto que gerou grande discussão entre os opositores, e até mesmo com os líderes internacionais, foi a questão da cláusula que permitia a reeleição ilimitada do presidente. No entanto a redação final da nova Constituição não conteve tal ressalva, estipulando, apenas, que o mandato do presidente passaria a ser de 5 (cinco) anos, podendo ele ser reeleito apenas uma vez de maneira contínua19. 4. O sistema eleitoral parlamentar na Constituição de 2009 A Constituição Política do Estado nasceu tendo como principal finalidade superar uma série de falhas estruturais da Nação, herdadas desde a fundação da República: um País marcado por enormes desigualdades sociais, que tem excluído do contexto social, político, econômico e cultural os camponeses indígenas, mulheres e jovens, dotado de uma gestão centralizadora, burocrática e, muitas vezes, corrupta, que tem marginalizado o desenvolvimento de 80% da Nação e cuja economia é dependente e monoexportadora de matérias-primas20. Conforme dito anteriormente, a Lei Maior entrou em vigor em fevereiro de 2009, a partir de sua promulgação pelo Presidente Evo Morales. Já em dezembro do mesmo ano, o País estabeleceu um novo marco em sua história democrática: a eleição do primeiro Congresso Nacional da nova ordem constitucional, que passaria a denominar-se Assembleia Legislativa Plurinacional – ALP, composta por duas Câmaras: a dos Deputados e a dos Senadores. A Constituição prevê que a Câmara dos Deputados terá 130 (cento e trinta) membros (artigo 146, I, da CPE/2009) e a Câmara de Senadores, 36 (trinta e seis), sendo quatro Senadores eleitos para cada um dos nove Departamentos (unidades de descentralização de poder equivalente ao nosso Estado- membro), todos através de votação universal, direta e secreta (146, III, da CPE/2009). A eleição para a Câmara dos Deputados é complexa e, segundo a Lei Maior da República, respeitará a utilização de um sistema misto: a metade será eleita por simples maioria de votos, chamados de deputados “uninominais” e a outra metade pelo processo de votação proporcional, sendo conhecidos 17CASTRO, Luiz Fernando Damaceno Moura e. op. cit., p. 2, Citação de Javier Alberto Vadell. 18Artículo 349. I. Los recursos naturales son de propiedad y dominio directo, indivisible e imprescriptible del pueblo boliviano, y corresponderá al Estado su administración en función del interés colectivo. Artículo 360. El Estado definirá la política de hidrocarburos, promoverá su desarrollo integral, sustentable y equitativo, y garantizará la soberanía energética. Constituição Política do Estado. 19Artículo 168. El periodo de mandato de la Presidenta o del Presidente y de La Vicepresidenta o del Vicepresidente del Estado es de cinco años, y pueden ser reelectas o reelectos por una sola vez de manera continua. Constituição Política do Estado. 20YAKSIC, Fabián II. Asamblea Legislativa Plurinacional: desafíos, organización, atribuciones y agenda legislativa. La Paz, Bolívia: Muela del Diablo Editores, 2010. p. 18. 11 Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 como deputados “plurinominais” (artigo 146, II, da CPE/2009). Cada Departamento terá, na Casa, um número de assentos com base no número de seus habitantes. É importante ressaltar que uma leitura desatenta do texto constitucional21 poderia levar o leitor a crer que, de fato, existem 65 deputados “uninominais” e 65 “plurinominais”, perfazendo o total de 130. No entanto, ao analisar os demais dispositivos, vemos que não é essa a interpretação correta da norma. Isso porque a Constituição estipula ainda que algumas regiões do País não terão deputados “uninominais”, mas sim deputados chamados “especiais”, que, por motivos históricos, são destinados a representar uma parcela da população específica, qual seja, os índios. Em outras palavras, a Constituição de 2009 garante representação parlamentar especial à população indígena. No Brasil, esse tipo de representação boliviana já foi chamado de quota étnica22. Ademais, na impossibilidade de divisão exata dos assentos “uninominais” e “plurinominais” dentro de cada Departamento (o número de assentos reservados para essas classes pode ser ímpar), dar-se-á preferência à vaga para deputados “uninominais”. Assim, conforme dispõem os artigos 33 e 35 da Lei n° 4.021, de 14 de abril de 2009 (Lei Eleitoral Transitória – LET), editada especialmente para regular o processo eleitoral do pleito de dezembro, para a eleição dos deputados “uninominais” e dos deputados “especiais”, todo o território boliviano foi dividido em 77 (setenta e sete) circunscrições ou distritos. Respaldada, posteriormente, pela Corte Nacional Eleitoral do País, a Lei Eleitoral Transitória (artigo 32) destinou 70 (setenta) distritos que elegeriam - cada um - por simples maioria de votos, um deputado “uninominal”, podendo o eleitor votar diretamente na pessoa do candidato. Os distritos, aqui, foram criados segundo critérios geográficos, com base na extensão territorial e no número de habitantes, conforme o último censo nacional, sem transcender os limites de cada Departamento. O País, então, contaria com 70 deputados “uninominais”. Os outros 7 (sete) distritos foram considerados como circunscrições especiais, por se tratarem de área rural, onde a população indígena constitui uma minoria populacional. Aqui, diversamente do que foi utilizado com os distritos “uninominais”, a densidade populacional não foi utilizada como critério, por expressa disposição constitucional (artigos 146, VII e 147, III, da CPE/2009). Cada Departamento da Bolívia possui um distrito especial, com exceção de Potosí e Chuquisaca. Portanto esses distritos, em vez de elegerem deputados “uninominais”, votariam em deputados “especiais”, que também seriam eleitos por maioria simples de votos (artigo 35, V, LET). Com 77 (setenta e sete) assentos já preenchidos para a Assembleia Legislativa Plurinacional, restaram 53 (cinquenta e três) vagas, que foram reservadas para os deputados “plurinominais”. 21Artículo 146 I. La Cámara de Diputados estará conformada por 130 miembros. II. En cada Departamento, se eligen la mitad de los Diputados en circunscripciones uninominales. La otra mitad se elige en circunscripciones plurinominales departamentales, de las listas encabezadas por los candidatos a Presidente, Vicepresidente y Senadores de la República. Constituição Política do Estado. 22CUNHA FILHO, C. M. O novo mapa político boliviano: uma interpretação a partir dos últimos resultados eleitorais. Observatório Político Sul-Americano. Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro IUPERJ/UCAM. Observador On-Line, v. 5, n. 6, p. 5, jun. 2010. Disponível em: <http://uerj.academia.edu/CunhaFilho/Papers/189656/O_novo_mapa_politico_boliviano_uma_interpretacao_a_partir_dos_ ultimos_resultados_eleitorais>.12 Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 Aliás, é importante frisar que tanto os deputados “plurinominais” quanto os 36 (trinta e seis) senadores foram eleitos rigorosamente da mesma forma: o partido político formava, previamente, uma lista fechada e com ordem pré-estipulada de deputados “plurinominais” e senadores; cada voto recebido pelo candidato à Presidência da República é um voto na lista feita pelo partido; o nome dos candidatos eleitos sairia após análise da votação geral sob o critério proporcional de alocação das cadeiras feita pela regra dos divisores naturais23 (artigos 34, 38, 39 e 40, todos da LET). Assim, em linhas gerais, o sistema funcionou da seguinte forma: ao chegar ao local de votação, o cidadão boliviano recebeu uma única cédula eleitoral, dividida horizontalmente em duas partes: superior e inferior24. Na parte superior, o eleitor encontrou os nomes dos candidatos à Presidência e Vice- presidência e, na parte inferior, encontrou os candidatos a deputados “uninominais” ou deputados “especiais”, dependendo de sua região. Na parte superior, ao votar no Presidente de sua preferência, o eleitor, na verdade, exercia o voto cumulativo, ou seja, votava em uma chapa única, escolhendo automaticamente o Vice-presidente, os Senadores e os Deputados “plurinominais”, definidos previamente pelo partido do presidenciável, por meio de lista fechada. Por outro lado, ao votar no deputado “uninominal” ou no deputado “especial”, conforme o caso, o eleitor exercia o voto seletivo, e escolhia diretamente o próprio representante. 5. O panorama atual do parlamento boliviano As eleições gerais de dezembro 2009 foram acompanhadas por 504 observadores do Mercosul, da União Européia e da Organização dos Estados Americanos - OEA, entre outras organizações internacionais. Além da eleição para os membros da ALP, os bolivianos ainda elegeriam o novo Presidente. A vitória eleitoral foi obtida pela chapa que concorria à reeleição (Evo Morales – Presidente e Álvaro García – Vice-presidente, pertencentes ao partido MAS), que conseguiu 64,22% do total dos votos válidos. Tal resultado expressivo (evolução de mais de dez pontos percentuais na votação final, uma vez que, em 2005, a chapa havia obtido 53,74% dos votos válidos), principalmente por conta do sistema eleitoral já exposto, ainda contribuiu para que o MAS atingisse 114 parlamentares, entre deputados e senadores, que representam 68,67% (leia-se: pouco mais de dois terços) do total de membros da Assembléia Legislativa Plurinacional25. A título de comparação, cumpre ressaltar que foram quatro os partidos que lograram êxito ao obter representação política no parlamento. Além do MAS, o partido PPB conseguiu 47 parlamentares, o que representa 28,31% dos membros da ALP; o partido UNIDAD NACIONAL (UM-CP) conseguiu 3 23CUNHA FILHO, C. M. O novo mapa político boliviano: uma interpretação a partir dos últimos resultados eleitorais, cit., p. 5. 24ARTÍCULO 37 (Papeleta de Sufragio). La papeleta de sufragio para la elección de Presidenta o Presidente y Vicepresidenta o Vicepresidente, Senadoras o Senadores y Diputadas o Diputados estará dividida en dos franjas horizontales. En la franja superior se votará por las o los candidatas y candidatos a la Presidencia, Vicepresidencia, Senadores y Diputados Plurinominales, y en la franja inferior se votará por los candidatos a diputados de la circunscripción uninominal o de la circunscripción especial indígena originaria campesina, según corresponda. Lei Eleitoral Transitória. 25YAKSIC, Fabián II. op. cit., p. 22. 13 Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 parlamentares, representando 1,8% do total; e o ALIANZA SOCIAL (AS) atingiu 2 parlamentares, que representam os restantes 1,2% do total de membros da Assembléia Legislativa Plurinacional. A vitória do MAS na eleição para a ALP desenhou uma nova estrutura política de governo. Isso porque, como se sabe, a nova Constituição exige da Assembleia Legislativa Plurinacional quórum especial de dois terços, ou 111 parlamentares, para votação de matérias importantes. São os casos, por exemplo, da eleição de seis membros do Órgão Eleitoral Plurinacional (artigo 158, item 4, da Constituição Política do Estado – CPE/2009) e a pré-seleção dos postulantes ao cargo de magistrado do Supremo Tribunal de Justiça boliviano, que são eleitos por sufrágio universal (artigo 182, inciso II, da Constituição Política do Estado – CPE/2009). Como se viu, o MAS superou, em três, esse número de parlamentares. Ademais, cada uma das Câmaras contém previsões específicas acerca do quórum qualificado. Na Câmara dos Deputados, exige-se decisão de dois terços dos membros presentes (mínimo de 87 parlamentares) para aplicarem, conforme estipulado em regimento, sanções aos próprios deputados (artigo 159, item 4, da CPE/2009). Só o MAS tem 88; já na Câmara de Senadores, exige-se decisão de dois terços dos membros presentes (mínimo de 24 senadores) para aplicarem sanções aos parlamentares (artigo 160, item 4, da CPE/2009). Somente o MAS conta com 26. Em toda a história das eleições, pelo menos desde a restauração da democracia, em 1982, época marcada pela continuidade ininterrupta de governos democráticos e constitucionais, o quórum de dois terços do parlamento só era alcançado por meio do que os bolivianos chamam de “democracia pactuada”, dada pela formação de megacoligações entre partidos políticos que administravam o Estado26. Hoje, o MAS não necessita de pactos no Congresso para obter o referido quórum. 6. O reflexo da Constituição de 2009 na composição da Assembleia Legislativa Plurinacional Como vimos, o sistema constitucional vigente para escolha dos membros do Parlamento boliviano é misto. A eleição de parte da Câmara dos Deputados (“plurinominais”) e de todos os Senadores é feita por meio de lista fechada, confeccionada e pré-ordenada por dirigentes partidários, atrelada ao voto presidencial. Percebe-se, então, que a maioria esmagadora que detém o partido do Presidente Evo Morales na ALP também é fruto da adoção desse determinado sistema eleitoral; ao votar somente na figura do Presidente, vota-se, automaticamente, em quatro senadores e em um número de deputados “plurinominais” que varia de um a treze, dependendo do Departamento a que o eleitor pertença, todos de um mesmo partido. Não foi à toa que, em seu primeiro ano de trabalho, a Câmara dos Deputados se reuniu em 216 sessões; a dos Senadores, 213; e houve 20 sessões legislativas da Assembleia Legislativa Plurinacional, um verdadeiro marco histórico para os padrões do País27. Um grande número de leis foi aprovado nesse período. 26YAKSIC, Fabián II. op. cit., p. 23. 27PRENSA SENADO. Senador Adolfo Mendonza Leigue. Disponível em: <http://adolfomendozasenador.blogspot.com/2010/12/asamblea-legislativa-cierra-la-gestion.html>. Acesso em: 28 maio 2011. 14 Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 Nunca é demais lembrar, todavia, que, conforme dito anteriormente, a Constituição Política do Estado boliviano dispõe que deputados e senadores são eleitos por meio de votação universal, direta e secreta. Nesse ponto, vale notar que a qualificação de “direta” prende-se mais ao sufrágio do que ao voto em si. O direito de escolha (sufrágio) é que pode ser direto ou indireto, caracterizando as eleições como diretas ou indiretas. Dessa forma o sufrágio (ou voto) é direto quando os eleitores escolhem, por si, sem intermediários, os seus representantes e governantes,sendo indireto, portanto, quando estes são escolhidos por delegados dos eleitores28. O artigo 5º da Lei Eleitoral Transitória, entretanto, explica que o voto no País é direto por duas razões: primeiro, porque o cidadão intervém pessoalmente na eleição, votando nos candidatos de sua preferência29; segundo, porque tem a prerrogativa de tomar decisões diretas quando da abertura de consulta mediante referendo. Ora, vemos aqui uma ligeira incongruência. O sistema do voto em lista fechada é conhecido notoriamente como um modelo que retira do eleitor o direito de escolher diretamente um candidato, substituindo-o pelo voto em um projeto político de uma organização impessoal e intangível30. No caso da eleição dos senadores bolivianos, por exemplo, não há opção de se votar no candidato de sua preferência. Vota-se em uma candidatura atrelada à figura do candidato à Presidência, não em um candidato próprio. Assim, percebe-se que, pelo sistema eleitoral adotado, o eleitor tem, na eleição, o direito de intervenção mitigado. Ele não é livre para escolher o candidato de sua preferência para cada uma das vagas abertas. Para que se possa votar plenamente nos candidatos de sua preferência, entende-se que o eleitor, ao escolher aquele que irá representá-lo perante as instituições de poder, deve poder votar diretamente em tantos candidatos quantas forem as vagas em disputa, sendo eleitos, então, os mais votados. Por conta da possibilidade, no Brasil, de reforma política sempre iminente, há discussões efusivas sobre a questão da adoção do voto proporcional em lista fechada, pelo fato de possível violação do artigo 14 da Constituição Federal, que estabelece que a soberania nacional é exercida pelo sufrágio universal por meio do voto direto e secreto, com igual valor para todos. Tudo isso para afirmar que, na Bolívia, no entanto, mesmo com disposição constitucional tal qual a brasileira, o referido sistema de lista tem prevalecido. Assim, conclui-se que a relevância do sistema eleitoral é enorme. Isso porque, hoje, a obtenção da maioria parlamentar tornou-se uma condição fundamental para a governabilidade do presidencialismo. Na democracia, de fato governa a maioria, porém, ao exercer esse mister, ela não pode oprimir a minoria. Esta exerce função política importante e decisiva, qual seja: a oposição institucional. 28SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2000. p. 363. 29Artículo 5 (Del Sufragio y Escrutinio). El sufragio constituye la base Del régimen democrático, participativo, representativo y comunitario, se lo ejerce a partir de los 18 años cumplidos. Sus principios son: a. El voto igual, universal, directo, individual, secreto, libre y obligatorio. (...) Directo, porque el ciudadano interviene personalmente en la elección y vota por los candidatos de su preferencia; y toma decisiones en las consultas mediante referéndum; Lei Eleitoral Transitória – LET. 30SEPULCRI, Nayara Tataren. A reforma política e a votação por lista fechada. Revista Eletrônica Paraná Eleitoral, 10 maio 2008, p. 1. Disponível em: <http://www.paranaeleitoral.gov.br/artigo_eletronico.php?cod_texto=37>. 15 Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 Talvez esse seja o primeiro grande desafio do novo Congresso boliviano: a administração responsável desse patrimônio legislativo. O novo arranjo eleitoral, pós-2009, vem permitindo a um bloco majoritário, composto pelo Poder Executivo e pela maioria parlamentar, o governo do País praticamente sem oposição. A esmagadora maioria partidária gera aos líderes do MAS a responsabilidade de incentivar a deliberação democrática dentro da bancada, trazendo os cidadãos para a discussão e elaboração dos projetos de lei necessários ao desenvolvimento do Estado. Nessa linha, a consulta a outros partidos, ouvindo propostas e sugerindo soluções advindas da minoria, é essencial para a plena integração do parlamento com a sociedade31. Só há verdadeira democracia onde se assegure a atuação das minorias, com garantia de direito de dissensão, crítica e veiculação de sua pregação. O principal papel da oposição é o de formular propostas alternativas às idéias e ações do governo da maioria que o sustenta. Deve ter a liberdade de criticar, fiscalizar, apontar falhas, censurar a maioria e propor um modelo diverso para a opinião pública32. Em um sistema eleitoral que tende a favorecer a maioria, tais disposições são ainda mais importantes. Conclusão Não há dúvida de que a Bolívia passa por um momento delicado de sua história. Avanços foram feitos, e o País, pela primeira vez na história, está sob a égide de uma Constituição Política aprovada por voto democrático dos cidadãos. Tudo isso graças à aquiescência realizada por meio do famoso referendo de 25 de janeiro de 2009. Após uma série de crises políticas, a Nação vem experimentando, desde o resultado do referendo revogatório, em 2008, certa estabilidade política, principalmente pela força do Presidente Evo Morales, que, através de sua popularidade e de um sistema eleitoral controverso, pôde criar maioria absoluta e qualificada no Parlamento Nacional boliviano. No entanto, para que haja desenvolvimento democrático, isso só não basta. A maioria tem a responsabilidade de incentivar a discussão e a consulta a outros partidos, ouvindo propostas e sugerindo soluções conjuntas, de modo a criar um Parlamento verdadeiramente isento e responsável. Referências ATALIBA, Geraldo. Judiciário e minorias. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 96, p. 189-194, 1977. CASTRO, Luiz Fernando Damaceno Moura e. Nova Constituição boliviana. Conjuntura Internacional, Belo Horizonte, nov. 2007. CUNHA FILHO, C. M. Evo Morales e os horizontes da hegemonia: nacional-popular e Indigenismo na Bolívia em perspectiva comparada. Rio de Janeiro, 2009. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 31YAKSIC, Fabián II. op. cit., p. 23. 32ATALIBA, Geraldo. Judiciário e minorias. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 96, p. 189-194, 1977. 16 Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: <http://uerj.academia.edu/CunhaFilho/Papers/165755/Evo_Morales_e_os_Horizontes_da_Hegemonia_Nacional- popular_e_Indigenismo_na_Bolivia_em_perspectiva_comparada>. ______. O novo mapa político boliviano: uma interpretação a partir dos últimos resultados eleitorais. Observatório Político Sul-Americano. Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro IUPERJ/UCAM. Observador On-Line, v. 5, n. 6, jun. 2010. 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O PARLAMENTO MEXICANO NA CRISE LATINO AMERICANA Artur Rega Lauandos∗ Introdução Um dos notáveis sintomas de fragilidade dos regimes democráticos nas sociedades modernas é a atual crise enfrentada pelo Poder Legislativo mundo afora. Após um período de grande prestígio no século XVIII, na Europa, sob inspiração dos ideais iluministas, o Parlamento, ambiente máximo da representatividade política do povo, passou a enfrentar uma fase de sensível declínio político. Muitas de suas funções clássicas sofreram certo esvaziamento diante da força normativa do Poder Executivo, que, por ser mais ágil e dinâmico no acompanhamento das transformações sociais, passou a ser grande o pólo de poder político, a partir do século XX. De fato, tradicionais obstáculos à representação política, como a multiplicidade de mandatários (que leva à pluralidade, por vezes inconciliável, de tendências ideológicas, aspirações e interesses), fizeram com que fundamentais reformas políticas estruturantes ficassem em segundo plano. Nesse contexto tormentoso de afirmação, os Parlamentos latino-americanos, instituições muitas vezes não maduras nas incipientes democracias da região têm, ainda, de lidar com uma mazela endêmica que realça os empecilhos à realização plena da representação política e leva à desconfiança (quando não à descrença) das instituições políticas: a corrupção. Esse fenômeno, que causa sensíveis ruídos no canal de comunicação de via dupla entre mandatários e mandantes do poder político – aliado a um constante processo de fragilização da oposição e à utilização de instituições públicas como afirmação da hegemonia de um grupo político – tornou-se um dos principais motivos que levaram o Parlamento Mexicano a figurar como uma instituição de descrédito de seu povo. É nesse panorama, eminentemente político, que se analisam não só as funções institucionais do Parlamento no México, após o período atribulado da transição do presidencialismo hegemônico para a democracia pluralista, mas também os principais desafios por que deve passar tal instituição, para que retome o prestígio experimentado pelo Poder Legislativo à época do liberalismo, funcionando como veículo efetivo de ressonância das aspirações populares e de reflexões e debates sobre o ideal democrático. ∗Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado em São Paulo, Professor do Curso de Direito da Faculdade Carlos Drummond de Andrade, e Professor Colaborador do Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Anhanguera. 18 Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 1. Da crise dos parlamentos latino-americanos 1.1. Da desconfiança nas instituições democráticas na América Latina É certo que o paulatino declínio político do Poder Legislativo, a partir do século XX, não é uma característica exclusiva do cenário político das democracias latino-americanas. Desde o implemento do Estado de Bem-Estar Social, há uma demanda por prestações materiais, cujo planejamento tem sido concebido pelo Poder Executivo, restando ao Poder Legislativo um papel de figurante, diante de seus instrumentos de funcionamento arcaicos.1 E, paradoxalmente, pelo fato de tal modelo Estatal não ter conseguido atingir seus objetivos de equiparação material entre os indivíduos, criou-se um obstáculo à afirmação de cidadãos convictos e conscientes para a escolha de seus representantes, sem sucumbir às influências de dominações patrimonialistas ou do poder econômico.2 Tal situação resultou em um sensível desinteresse da população sobre questões políticas, bem como em desconfiança da população nos atores políticos, vistos como defensores de privilégios ou interesses pessoais, ou muitas vezes flagrados em práticas de corrupção. Tal situação de descrédito é sensivelmente mais preocupante nos países da América Latina, região que, muito embora tenha apresentado importantes resultados na consagração de seus ideais democráticos, foi palco de vários golpes de estado e rupturas institucionais a partir da segunda metade do século XXI.3 Timothy J. Power e Giselle D. Damison4, pesquisadores da Florida International University, examinando as causas e conseqüências da desconfiança nos políticos nas democracias latino- americanas, a partir de dados de 1996 a 2003 do Latinobarometro,5 verificaram, por exemplo, que taxa agregada de confiança no Parlamento, nos países pesquisados, atingiu o nível preocupante de 17%.6 1Segundo a lição de Jorge Carpizo e Jorge Madrazo (op. cit., p. 64): “Las características de la vida moderna han propiciado el desarrollo de una tendencia prácticamente universal que se manifiesta en el predominio del poder ejecutivo sobre los otros poderes u órganos del gobierno”. 2Sobre tal reflexão, Ingo Wolfgang Sarlet (Os direitos fundamentais sociais na Constituição de 1988. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org). O direito público em tempos de crise: estudos em homenagem a Ruy Ruben Ruschel. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 1999. p. 135) aponta que a crise das instituições representativas dos Estados modernos está intrinsecamente ligada a uma crise também dos direitos fundamentais. 3A despeito de haver uma tendência mundial de desconfiança nos políticos e nas instituições, detectada a partir da década de 1960, incluindo democracias consolidadas, as democracias em consolidação estão sensivelmente mais vulneráveis ao fenômeno, que pode culminar em um colapso de confiança pública. Sobre o tema refletem Timothy J. Power e Giselle D. Damison (Desconfiança política na América Latina. Tradução: Pedro Maia Soares. Opinião Pública, Campinas, v. 1, n. 1, p. 65, mar. 2005) e, levando em conta o fator da corrupção, Paul Heywood (Political corruption: problems and perspectives. In: HEYWOOD, Paul (Org.). Political corruption. Oxford (UK): Blackweel Publishers, 1997. p. 5). 4POWER, Timothy J; DAMISON, Giselle D. op. cit., p. 70-73. 5LATINOBARÓMETRO. Disponível em: <http://www.latinobarometro.org/latino/latinobarometro.jsp>, apresenta relatórios anuais de entrevistas realizadas em 16 repúblicas latino-americanas, apresentando resultados de opinião pública dos cidadãos sobre diversos assuntos, incluindo confiança política. 6Os dados atualizados do Latinobarometro sobre a confiança no Parlamento, tomando-se os relatórios de todos os países pesquisados, desde 1995 até 2009, são os seguintes: muita confiança (6,8%); alguma confiança (23,8%); pouca confiança (35,7%); nenhuma confiança (33,8%). LATINOBARÓMETRO. Disponível em: <http://www.latinobarometro.org/latino/LATAnalizeQuestion.jsp>. 19 Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação daFaculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 Os referidos autores apresentam algumas possíveis causas desse índice, destacando-se entre elas: o fraco desempenho econômico (verificado desde as transições de regimes autoritários para os regimes democráticos a partir da década de 80) que teria levado à descrença nas instituições políticas em tais países. Dessa feita, supor-se-ia que os cidadãos, associariam, de forma imediata, más condições sociais e econômicas ao funcionamento das instituições democráticas. De fato, muitos eleitores puniram os governantes de modo tão forte que sistemas partidários inteiros entraram em colapso (como, por exemplo, ocorreu na Venezuela e Peru). Dessa feita, as percepções subjetivas do desempenho econômico estariam claramente ligadas à confiança nos partidos políticos e no Congresso.7 Outra possível causa a ser apontada seria a utilização de instituições políticas como meio de benefício político individual, sendo a modificação de regras eleitorais o instrumento mais comum para veicular tais práticas de interesse pessoal em detrimento do interesse coletivo. Segundo Power e Damison (2005, p. 82), a percepção da população de que o governo é, via de regra, exercido em interesse de alguns poucos, levaria ao olvido das demais causas do ceticismo dos cidadãos frente às questões e instituições políticas.8 Como conseqüência quase intuitiva do descrédito dos políticos, haveria a descrença no próprio funcionamento do sistema democrático (atingindo-se, essencialmente o Parlamento, casa máxima da expressão da representatividade), em razão dos altos índices de avaliação da dispensabilidade dos políticos.9 E tal situação, não se deve esquecer, é propícia ao advento de regimes tirânicos e de rupturas institucionais.10 1.2. Dos desdobramentos da corrupção sobre a representatividade política Sem descuidar das causas já apontadas da desconfiança nos políticos e nas instituições nas democracias latino-americanas, é mister que se pondere com muito cuidado sobre um fator de grande relevo no tocante às questões políticas. Referimo-nos ao fenômeno da corrupção, que, como já advertido por diversos pesquisadores de grande quilate,11 pode ter efeitos corrosivos sobre o funcionamento das democracias. 7POWER, Timothy J; DAMISON, Giselle D. op. cit., p. 76. 8Refletem Power e Damison (op. cit., p. 82): “Na medida em que percebem oligarquias, os latino-americanos tendem a culpar os atores políticos, em vez de econômicos, por esse estado de coisas... Quando a oligarquia é percebida em termos de instituições políticas, em vez de econômicas, as autoridades eleitas têm uma obrigação especial de não tomar medidas que reforcem ou exacerbem essa visão cética”. 9Nesse ponto, por óbvio, adota-se a premissa da inafastabilidade dos partidos políticos para a veiculação da vontade popular por meio da representação, consagrada na doutrina da democracia procedimentalista defendida por inúmeros autores mundo afora, destacando-se, entre eles, Samuel P. Huntington (1975) e Norberto Bobbio (1984). 10Com bem ponderam Power e Damison (op. cit., p. 85): “Se não há confiança nos políticos, considerados dispensáveis, então para quem – se é que para alguém – os cidadãos transferem suas lealdades? Há alguns indícios de que um clima de desencanto disseminado com a democracia abre espaço para o retorno ao poder de ex-ditadores, como ocorreu na Bolívia, ou para a ascensão ao poder de golpistas fracassados (Venezuela, Equador)”. 11Citam-se, entre eles, Paul Heywood (op. cit.), John Girling (Corruption, capitalism and democracy. New York: Routtdege, 1997), Donatella Della Porta e Alberto Vannucci (The perverse effects of political corruption. In: HEYWOOD, Paul (Org.). Political corruption. Oxford (UK): Blackweel Publishers, 1997). 20 Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 É certo que, diante do modo hodierno com que se trata o fenômeno da corrupção nas sociedades modernas, ou seja, pela divulgação espetaculosa do que se denominam escândalos de desvios éticos, muitas vezes não se tem debruçado sobre as reais causas do fenômeno ou os seus efetivos impactos na democracia, no desenvolvimento das instituições e mesmo no desempenho econômico. Como aponta John Girling12, pesquisador da Universidade Nacional da Austrália, a distância entre a percepção (e efetiva compreensão da corrupção) e o simbolismo de sua denúncia pontual pode ser grande. Contudo, o fato é que os efeitos da corrupção nos sistemas democráticos são visíveis e preocupantes, gerando sérios desgastes às suas instituições mais caras. Como bem lembra Paul Heywood,13 é legítima tal preocupação, pois, paulatinamente, adquire-se a consciência de que, em razão do fenômeno da corrupção, os princípios democráticos podem perder sua força regulatória sobre Governos e sobre as condutas individuais dos cidadãos, minando os alicerces básicos da democracia.14 A corrupção leva, em última análise, a uma deturpação do código democrático, que deveria ser seguido pelos componentes do sistema político, gerando, além de privilégios de interesses advindos de outros sistemas sobre o interesse público, também a própria desarticulação do sistema político, podendo colocar em risco a forma de organização e de governo.15 Especificamente sobre a representação política, a corrupção manifesta seus efeitos mais nefastos. Uma conseqüência, de certa forma intuitiva, é a perda da confiança do povo nos seus representantes e, conseqüentemente, a própria mitigação da credibilidade das instituições democráticas como um todo junto à opinião pública. Minando a confiança política nas instituições representativas, especialmente nos Parlamentos, a corrupção pode levar ao desequilíbrio entre os Poderes. Não raro, o Poder Executivo passa a exercer cada vez mais influência sobre parlamentares cooptados por suborno, levando a um esvaziamento das funções legislativa e, principalmente, fiscalizatória. Funções como a eletiva também passam a ser deturpadas, de modo que as eleições (ou as chamadas “sabatinas” de nomeações) para funções públicas relevantes realizadas pelo Parlamento acabam tornando-se desvirtuadas como meros procedimentos simbólicos ou mesmo moedas de troca política entre Legislativo e Executivo. Por fim, não se deve esquecer que a corrupção eleitoral desequilibra o jogo competitivo do pleito, contaminando a própria legitimidade política do mandato parlamentar, como se têm visto nas últimas eleições brasileiras, por exemplo. 12GIRLING, John. op. cit., p. 12. 13HEYWOOD Paul. op. cit., p. 5. 14Advertem Power e Damison (op. cit., p. 78) que a percepção da corrupção pela população, seja ou não amplificada pela mídia, resulta em um desgaste imediato da democracia, paradoxalmente gerado pela maior transparência desse sistema, vez que a mídia, em regra livre, está apta a noticiar os casos que envolvem o fenômeno: “Tendo em vista que uma imprensa em larga medida livre é uma das realizações mais notáveis da democracia na maioria dos países latino- americanos, é possível que a corrupção não tenha aumentado de fato na região, mas que as pessoas simplesmente estejam agora mais bem informadas sobre isto. Se essa ‘hipótese da mídia’ é verdade, então, em certa medida, a democracia está desgastando sua própria legitimidade.” 15Faz-se referência, nesse excerto, à concepção teórica de interação de sistemas independentes construída a partir do método sociológico formulado pelo filósofo e sociólogo alemão Niklas Luhmann. A marca de tal concepção é a existência estruturas sociais com uma lógica própria de existência e de reprodução, funcionando a partir de um código próprio que determinae legitima os procedimentos e condutas individuais. 21 Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 2. Do Parlamento mexicano 2.1. Da transição do presidencialismo hegemônico para a democracia pluralista A história política recente mexicana foi marcada por um período de dominação de um grupo político sobre os demais, afastando tal país do panorama de pluralidade política que, de certa forma, surgiu na América Latina no início do século XX. Tal dominação, que se consagrou chamar de presidencialismo hegemônico representou uma real ausência de alternativas políticas ao partido dominante, o Partido Revolucionário Institucional (PRI), que reinou absoluto na cena política mexicana desde sua criação em 1929 até 2000, ocasião em que perdeu sua primeira eleição presidencial.16 Segundo José Luis Prado Maillard,17 Professor da Universidade de Nueva León, de fato, a causa simples para a manutenção, de tantas décadas, do “presidencialismo hegemônico” foi o fato de não haver uma oposição apta a fazer frente ao poderio político do Governo e que pudesse representar uma alternativa eleitoral ao partido da situação.18 Giovanni Sartori,19 no mesmo sentido, aponta que o sistema partidário mexicano, desde a Revolução de 1910 e, em maior ou menor grau, até 2000, não se caracterizou pela competição eleitoral efetiva e pelo exercício real de oposição política, mecanismo essencial ao funcionamento da democracia. Tratou-se, segundo o autor, não de um sistema de partido predominante, mas sim de partido hegemônico. Monica Herman Salem Caggiano20 remete-nos às lições de Robert Dahl, para ressaltar a necessidade da existência da oposição política para que haja a efetividade do jogo democrático. Para tanto, segundo o autor, seriam indispensáveis os requisitos de oportunidade de expressão política, de participação no jogo político e igualdade de manifestações políticas.21 Tais requisitos começariam ser vislumbrados no panorama político mexicano, paulatinamente, somente a partir de meados da década de 60, do século XX. Com a reforma eleitoral de 1963, foi possível 16Na verdade, o nome “Partido Revolucionário Institucional” somente foi adotado em 1946, mas o partido é considerado o herdeiro político do antigo “Partido Revolucionário Nacional”, criado em 1929 e que teve como um dos seus expoentes Plutarco Elias Calles, presidente do México entre 1924 e 1928. 17PRADO MAILLARD, José Luis. Las relaciones de los órganos del poder político en el nuevo contexto político mexicano. Criterio Jurídico, Santiago de Cali, v. 6, p. 162, 2006. 18Segundo Maillard: “Vistos los elementos esenciales de la democracia observamos que México no pertenecía a la familia de las democracias pluralistas, pues, no contaba con una oposición que pudiera realmente ostentar el poder por la vía electoral. Es decir, que el ciudadano no tenía más que una sola opción: el PRI.” 19SARTORI, Giovanni. Partidos e sistemas partidários. Rio de Janeiro: Zahar; Brasília, Ed. da UnB, 1982. p. 263. 20CAGGIANO, Monica Herman Salem. Oposição na política: propostas para uma rearquitetura na democracia. São Paulo: Angelotti, 1995. p. 166-167. 21Monica Herman Salem Caggiano (Id. Ibid., p. 166-167) apresenta os referidos requisitos nos seguintes termos: “À vista das funções que o atual estágio de desenvolvimento lhe confere, a oposição comparece como fator indissociável das fórmulas democráticas de estruturação do poder político. Isto porque, nesse clima, marcam presença os elementos propícios a sua efetiva manifestação, fatores que, na percuciente lição de Robert Dahl, resumem-se a: 1) oportunidade para que os cidadãos expressem suas preferências políticas; 2) possibilidade de participação, por via de ação; 3) idêntico peso a todas as manifestações de vontade política.” 22 Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 a apresentação de candidaturas pelo sistema proporcional, o que coincidiu, não ocasionalmente, com o crescimento político do Partido da Ação Nacional (PAN), que justamente a partir dessa data passou a ter um desempenho eleitoral cada vez maior. É oportuno destacar, ainda, as reformas eleitorais de 1977 e 1996 que, respectivamente, permitiram as eleições proporcionais para Estados e Municípios e impuseram limite de assentos a um grupo político no Parlamento (máximo de 300). Essas reformas foram um importante fator para que, finalmente, rompesse-se a hegemonia do PRI e para que o partido de oposição, o PAN, conseguisse a Presidência da República em 2000 e em 2006. 2.2. Das funções institucionais: representativa; legislativa; fiscalizadora; e jurisdicional Segundo a lição de Jorge Carpizo e Jorge Madrazo,22 o Parlamento Mexicano exerce funções legislativas, executivas e jurisdicionais.23 Dentre as funções executivas, destacaremos, nesse estudo, a fiscalização, encargo fundamental para o funcionamento de qualquer democracia. Além dessas funções apontadas, está, é claro, a função representativa, cerne de qualquer casa democrática. Muito embora haja divergência quanto ao assunto, é comum tratar da representação política como a primeira das funções clássicas de um Parlamento, cronologicamente falando. De fato, a representação política simboliza a própria essência da instituição, dando-lhe legitimidade popular e é provável que tenha sido a primeira das funções a aflorar no Conselho do Rei, órgão consultivo que deu gênese aos parlamentos modernos.24 No cenário Mexicano, adota-se o sistema bicameral, tal qual o modelo inglês e norte-americano. Atualmente, o Senado do México é composto de 128 senadores, sendo que 32 deles são eleitos pelo sistema proporcional, de listas plurinominais, tendo como base eleitoral uma só circunscrição nacional. Os outros 96 senadores são eleitos mediante um mecanismo que combina o sistema majoritário relativo25 com um sistema de representação de minoria (cada umas 32 unidades federativas elege dois senadores pela maioria relativa e um é eleito como o candidato mais votado do segundo partido com maior votação nacional). A Casa se renova, inteiramente, a cada seis anos. 22CARPIZO Jorge; MADRAZO, Jorge. Derecho constitucional. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1991. p. 85. 23Lecionam Carpizo e Madrazo (op. cit., p. 85): “La clasificación de las facultades de las Cámaras desde el punto de vista de la naturaleza de los actos que realizan, es una manifestación del sistema de coordinación de funciones que establece nuestra Constitución. Desde esta perspectiva, las Cámaras realizan facultades legislativas formal y materialmente, y ejecutivas y jurisdiccionales materialmente”. 24Acerca da matéria, tivemos oportunidade de escrever: “Talvez não seja desmedido dizer que a representação política está para o Parlamento assim como o princípio da dignidade da pessoa humana está para os direitos fundamentais; ela é o núcleo central e intangível da instituição: uma vez extirpado, retira-se a própria razão de ser do Parlamento. Portanto, é intuitivo dizer que só existe a figura do Parlamento, se estiver florescida a função representativa” (LAUANDOS, Artur Rega. O Congresso Nacional no século XXI: os efeitos da corrupção sobre a representação política. Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico)–Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010. p. 47). 25O sistema majoritário é uma técnica eleitoral de expressão da vontade popular, pela qual se indicam os representantes identificados a um grupo, o qual detém a maioria dos votos. Leciona Dalmo de Abreu Dallari, acerca desse sistema (DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementosda teoria geral do Estado. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 191): “Por este sistema, como o próprio nome sugere, só o grupo majoritário é que elege representantes. Não importa o número de partidos, não importando também a amplitude da superioridade eleitoral. Desde que determinado grupo obtenha maioria, ainda que de um voto, conquista o cargo de governo da disputa eleitoral”. 23 Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 Já a Câmara dos Deputados é composta por 300 deputados eleitos pelo sistema majoritário relativo, a partir da votação realizada em 300 distritos eleitorais (voto distrital uninominal) e 200 deputados eleitos pelo sistema proporcional,26 adotando-se o voto distrital regional plurinominal. Essa Casa se renova, na sua totalidade, a cada três anos. Quanto à função legislativa, o Parlamento Mexicano, tem um rol de atribuições bastante amplo. Sob a denominação de Faculdades do Congresso da União (“Facultades del Congreso de la Unión”), segundo Carpizo e Madrazo (1991, p. 85) as Casas do Parlamento exercem atribuições legislativas de forma separada e sucessiva, iniciando-se o processo legislativo na Câmara dos Deputados. Entre tais competências, previstas no artigo 73 da Constituição Mexicana de 1917, está a legislação sobre mineração, indústria cinematográfica, serviços financeiros, energia elétrica, criação e supressão de empregos públicos, nacionalidade, cidadania etc. Importante papel tem o Parlamento mexicano no tocante à fiscalização da condução do governo pelo Poder Executivo. Nessa seara, cumpre destacar a atribuição do Senado, em caráter eletivo, de ratificar as nomeações feitas pelo Presidente da República, quanto aos seguintes cargos: Procurador Geral da República, Ministros (incluindo-se os integrantes da Suprema Corte) agentes diplomáticos, cônsules gerais, cargos superiores na Fazenda Pública, coronéis e demais chefes superiores do Exército, Marinha e Aeronáutica, nos termos do artigo 76, II daquela Constituição. Já a Câmara dos Deputados, ainda quanto à essencial prerrogativa da fiscalização do Governo, tem o mister de conduzir investigações sobre o manejo e aplicação de recursos financeiros dos Poderes da União e dos entes públicos federais, bem como de verificar o cumprimento de políticas públicas federais. Tal tarefa, como dispõe o artigo 79 da Constituição Mexicana, é realizada por meio de um órgão técnico pertencente à estrutura d Câmara, mas dotado de autonomia gerencial, chamado de Entidade de fiscalização superior da Federação. Note-se, ainda, que o artigo 93 da Constituição Mexicana determinou a obrigação dos Secretários de Estado e chefes de departamentos administrativos de prestar contas, ao Congresso, da condução das políticas de seus respectivos ramos, bem como previu a faculdade de qualquer das Casas do Parlamento de convocar os mencionados funcionários, diretores de entes da Administração Pública Indireta, ou empresas de participação estatal majoritária, para que prestem esclarecimentos, quando entender-se oportuno à deliberação sobre um projeto de lei.27 Por fim, quanto à função jurisdicional, semelhante ao que acontece em muitos ordenamentos jurídicos, tal como no Brasil, a Câmara dos Deputados tem a prerrogativa de decidir, nos do artigo 74, V, 26O sistema proporcional é um método em que a representação política em cada circunscrição eleitoral deve ser distribuída em proporção às correntes ideológicas traduzidas pelos partidos políticos (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 21. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Ed., 2002. p. 370). 27Muito embora o instrumento de fiscalização de convocação de autoridades para prestarem esclarecimentos seja uma importante prerrogativa de fiscalização do Congresso, é imperativo reconhecer que, no caso mexicano, em razão da opção pelo sistema presidencialista, não se tem os mesmo efeitos gerados em um sistema parlamentarista. Jorge Carpizo e Jorge Madrazo (op. cit., p. 59) bem nos recordam de tal ponderação: “En un sistema parlamentario los ministros del gabinete tienen también la obligación de rendir informes al parlamento, pero la consecuencia de dichos informes puede ser la emisión de un voto de censura para los ministros, lo que los coloca ante la obligación de renunciar. En el sistema presidencial mexicano los secretarios de Estado sólo son responsables políticamente ante el presidente de la República y no ante el Congreso, por lo que un voto de censura de éste no los obliga a renunciar”.7 24 Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 3, 2011 da Constituição Mexicana, por maioria dos presentes, se autoriza o início da persecução penal, em juízo, de diversas autoridades elencados no artigo 111, entre elas: Deputados e Senadores, Ministros da Suprema Corte, o Procurador Geral da República, o Presidente da República, entre outros. Interessante notar que para a Câmara dos Deputados funcionará, nesses casos, como órgão de acusação de tais delitos, por uma comissão específica para tanto, ante o Senado que, nos termos do artigo 76, VII, será o órgão responsável para o julgamento das já referidas autoridades. 2.3. Dos Desafios do Parlamento Mexicano no século XXI Em face da preocupante crise de representatividade pela qual tem passado o Parlamento Mexicano, crise que tem se mostrado endêmica mundo afora (principalmente, nas jovens democracias latinoamericanas), novos rumos a serem percorridos pela instituição impõem-se para a sua sobrevivência política. Fenômenos com impactante poder corrosivo, tais como a corrupção disseminada de partidos políticos e parlamentares, têm agravado tal panorama de descrédito do Poder Legislativo, levando-os ora à beira de uma falência legislativa, ora à cooptação pela força política que têm mostrado aqueles que exercem a condução administrativa da nação. É certo que a predominância do Poder Executivo, no México, deva-se, em boa parte, ao modelo de interação entre Poderes, adotado pelo legislador constitucional, que como muito bem lembram Jorge Carpizo e Jorge Madrazo28 desenhou a predominância do Poder Executivo, ao dotá-lo de muitas e muito importantes atribuições constitucionais.29 Os referidos autores lembram, contudo, que foram outorgados aos outros poderes as faculdades necessárias para o controle do Poder Executivo, como se viu, de fato, no exame das prerrogativas de fiscalização do Parlamento Mexicano, nesse estudo. Torna-se imperativo, portanto, que os instrumentos que materializam tal importante função clássica parlamentar sejam, de fato, exercidos pelo Poder Legislativo, para que se busque dotar o Parlamento do real relevo político que merece. A função fiscalizadora, dessa forma, tem um papel fundamental para a retomada da força política do Parlamento.30 Os parlamentar devem reconhecer a deficiência legislativa de suas Casas, decorrente da dificuldade de acompanhar as transformações sociais a partir do Estado de Bem Estar Social, mas podem se aproveitar dessa mitigação funcional para melhor dedicarem-se às tarefas de fiscalização (não devem, contudo, deixar que se esvazie a função legislativa por completo). 28CARPIZO Jorge; MADRAZO, Jorge. op. cit., p. 64. 29Em contrapartida, José Luis Prado Maillard (op. cit., p. 159) adverte que a crença de que a Constituição Mexicana foi responsável por fortalecer o “presidencialismo hegemônico” é falsa, devendo-se ter em conta que as relações entre Executivo e Legislativo previstas pela Constituição guardavam muita similaridade com o desenho constitucional clássico. 30Fernanda Dias Menezes de Almeida (Imunidades
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