Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
aS CoNStItuIÇÕES Do BRaSIl aNÁlISE HIStÓRICa DaS CoNStItuIÇÕES E DE tEMaS RElEVaNtES ao CoNStItuCIoNalISMo pÁtRIo JÚlIo DE SouZa GoMES líVIa pItEllI ZaMaRIaN oRGaNIZaDoRES 1a EDIÇÃo BIRIGuI - Sp 2012 aS CoNStItuIÇÕES Do BRaSIl aNÁlISE HIStÓRICa DaS CoNStItuIÇÕES E DE tEMaS RElEVaNtES ao CoNStItuCIoNalISMo pÁtRIo © 2012 Júlio de Souza Gomes e Lívia Pitelli Zamarian ©Direitos de Publicação Editora Boreal R. Aurora, 897 - Birigüi - SP - 16200-263 (18) 3644-6578 www.editoraboreal.com.br boreal@editoraboreal.com.br Direção e Edição Carlos Roberto Garcia Cottas Capa Carlos Roberto Garcia Cottas Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Índices para Catálogo Sistemático: TODOS OS DIREITOS RESERVADOS: Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (artigo 184 e parágrafos do Código Penal) com pena de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações diversas (artigos 101 a 110 da Lei 9.610/98, Lei dos Direitos Autorais). As opiniões contidas nos capítulos desta obra são de responsabilidade exclusiva dos seus autores, não representando, necessáriamente, a opinião dos organizadores e da editora desta obra. Orgulhosamente elaborado e impresso no Brasil 2012 CoNSElHo EDItoRIal Da EDItoRa BoREal Andréia de Abreu Doutoranda e Mestre em Engenharia de produção - uFSCaR Antonio Celso Baeta Minhoto Doutor em Direito pela ItE-Bauru Daniel Marques de Camargo Mestre em Direito pela uENp Dayene Pereira Siqueira Mestre em Educação pelo Centro universitário Moura lacerda Dirceu Pereira Siqueira Doutorando e Mestre em Direito pela ItE-Bauru Jaime Domingues Brito Doutorando em Direito pela ItE-Bauru Leonides da Silva Justiniano Doutor em Educação pela uNESp Doutorando em Ciências Sociais pela uNESp Luciano Lobo Gatti Doutor em Ciências pela uNIFESp Marisa Rossinholi Doutora em Educação pela uNIMEp Murilo Angeli Dias dos Santos Mestre em Filosofia pela uSJt Sérgio Tibiriçá Amaral Doutor em Direito pela ItE-Bauru SuMÁRIo SoBRE oS autoRES XI apRESENtaÇÃo XV pREFÁCIo XVII paRtE I aNÁlISE DaS CoNStItuIÇÕES BRaSIlEIRaS Capítulo I BREVES EStuDoS SoBRE a CoNStItuIÇÃo IMpERIal (1824) 3 Bruno Miola da Silva João Fábio Gonçalves Capítulo II a CoNStItuIÇÃo DoS EStaDoS uNIDoS Do BRaSIl (1891) 18 João Gustavo Bachega Masiero Henrique Carani Coube Capítulo III a CoNStItuIÇÃo Da REpÚBlICa DoS EStaDoS uNIDoS Do BRaSIl (1934) 34 Elaine Cristina de Oliveira Lívia Pitelli Zamarian Capítulo IV a CoNStItuIÇÃo Do EStaDo NoVo (1937) 59 Leandro Douglas Lopes Ronaldo Adriano dos Santos Capítulo V a CoNStItuIÇÃo Da REpÚBlICa DoS EStaDoS uNIDoS Do BRaSIl (1946) 77 Júlio de Souza Gomes Luiz Augusto Almeida Maia Capítulo VI a CoNStItuIÇÃo Da REpÚBlICa FEDERatIVa Do BRaSIl (1967) E a EMENDa Nº1/1969 97 Cristiane de Toledo Barros Burjato Simões Capítulo VII a CoNStItuIÇÃo DE WEIMaR E Sua INFluÊNCIa NaS CoNStItuIÇÕES BRaSIlEIRaS 115 Daniela Dias Graciotto Martins Thiago de Barros Rocha Capítulo VIII a CoNStItuIÇÃo CIDaDà Da REpÚBlICa FEDERatIVa Do BRaSIl (1988) 135 Juliana Cristina Borcat Lívia Pelli Palumbo paRtE II tEMaS RElEVaNtES E SEu tRataMENto Na HIStÓRIa CoNStItuCIoNal BRaSIlEIRa Capítulo IX o MEIo aMBIENtE NaS CoNStItuIÇÕES BRaSIlEIRaS DE 1824 a 1988 163 Manoel Browne de Paula Capítulo X pRotEÇÃo pENal E GaRaNtIaS CoNStItuCIoNaIS 185 Haroldo Cesar Bianchi Capítulo XI a INFluÊNCIa Do pENSaMENto CRIStÃo NaS CoNStItuIÇÕES BRaSIlEIRaS 209 José Raimundo de Carvalho Márcio Calçada Fernandes Machado Capítulo XII o DIREIto Do tRaBalHo NaS CoNStItuIÇÕES BRaSIlEIRaS 229 Winnicius Pereira de Góes Capítulo XIII a FaMílIa NaS CoNStItuIÇÕES BRaSIlEIRaS 248 Maria Amélia Belomo Castanho Capítulo XIV CoNtRolE DE CoNStItuCIoNalIDaDE NaS CoNStItuIÇÕES BRaSIlEIRaS 272 Marcelo Specian Zabotini Peter Panutto Capítulo XV CoNtRolE CoNCENtRaDo DE CoNStItuCIoNalIDaDE EStaDual 294 Antônio da Silva Ortega Felipe Gomes Salgueiro Capítulo XVI o DIREIto CoNStItuCIoNal À RaZoÁVEl DuRaÇÃo Do pRoCESSo 313 Willian Cleber Zolandeck Capítulo XVII aCESSo ao JuDICIÁRIo E a EFEtIVaÇÃo DE DIREIto 339 Gelson Amaro de Souza Gelson Amaro de Souza Filho Capítulo XVIII atIVISMo JuDICIal E o StF 359 Nathália Mariáh Mazzeo Sánchez Capítulo XIX a GaRaNtIa Do aCESSo À JuStIÇa ao EStRaNGEIRo No BRaSIl E Na VISÃo Do DIREIto INtERNaCIoNal 375 Luís Renato Vedovato SoBRE oS autoRES Antônio da Silva Ortega Mestrando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Amazonas. Analista Judiciário da Justiça Federal de São Paulo. Bruno Miola da Silva Mestrando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). MBA em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Advogado. Cristiane de Toledo Barros Burjato Simões Mestranda em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Servidora Pública Estadual. Daniela Dias Graciotto Martins Mestranda em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Juíza Substituta do Estado de São Paulo (TJSP). Elaine Cristina de Oliveira Mestranda em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Especialista em Direito do Estado pela Faculdade Anhanguera. Advogada. Felipe Gomes Salgueiro Mestrando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Analista Judiciário da Justiça Federal de São Paulo. Gelson Amaro de Souza Doutor em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/ SP), Professor concursado para os cursos de graduação e mestrado em direito da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP/Campus de Jacarezinho), ex-diretor e professor da Faculdade de Direito da Associação Educacional Toledo de Presidente Prudente/SP. Procurador do Estado (aposentado) e advogado em Presidente Prudente /SP. Gelson Amaro de Souza Filho Jornalista Graduado pela Universidade do Oeste Paulista e Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente/SP Haroldo Cesar Bianchi Mestre em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Doutor em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP). Promotor de Justiça Criminal da Capital do Estado de São Paulo. Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito/Centro Universitário de Bauru. Conselheiro do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público – Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Henrique Carani Coube Tabelião de Notas e Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais. Especialista pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus. Tabelião de Notas e Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais. João Fábio Gonçalves Mestrando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Especialista em Direito Educacional pelas Faculdades Claretianas e em Gestão Educacional pela Universidade Estadual de Campinas. Diretor de Escola da Rede Estadual do Estado de São Paulo e advogado. João Gustavo Bachega Masiero Mestrando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito. Advogado. José Raimundo de Carvalho Mestrando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Sacerdote Católico. Juliana Cristina Borcat Mestranda em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Advogada. Júlio de Souza Gomes Mestrando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Especialista emDireito Tributário pela Fundação Eurípedes Soares da Rocha. Advogado Leandro Douglas Lopes Mestrando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Advogado. Lívia Pelli Palumbo Mestranda em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Advogada. Lívia Pitelli Zamarian Mestranda em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná (EMAP). Docente na Universidade Norte do Paraná (UNOPAR). Advogada. Luís Renato Vedovato Mestre e Doutor em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC/Campinas) e da FACAMP. Luiz Augusto Almeida Maia Mestrando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Advogado. Manoel Browne de Paula Mestrando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Especialista em Meio Ambiente (COPPE/UFRJ). Legal and Law Master em Direito Empresarial (IBMEC). Responsável pela Gerência de Relações Institucionais e Meio Ambiente da Lwart Lubrificantes Ltda. Palestrante. Marcelo Specian Zabotini Mestrando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas no Estado de São Paulo. Márcio Calçada Fernandes Machado Mestrando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Professor da Faculdade de Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva (FAIT). Advogado. Maria Amélia Belomo Castanho Mestre em Ciência Jurídica da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP/ Campus Jacarezinho). Advogada. Nathália Mariáh Mazzeo Sánchez Aluna regular (bolsista CAPES) do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná (EMAP). Advogada. Peter Panutto Mestrando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Diretor e professor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC/Campinas). Advogado. Membro da Comissão de Educação Jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/ Seção de São Paulo). Ronaldo Adriano dos Santos Mestrando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Advogado. Thiago de Barros Rocha Mestrando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE/Bauru). Advogado. Willian Cleber Zolandeck Mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Especialista em Direito Civil e Empresarial pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Professor da Faculdade Metropolitana de Curitiba. Advogado. Winnicius Pereira de Góes Mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Arthur Thomas (FAAT). Especialista em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Especialista em Direitos Humanos e Democracia pelo Ius Gentium Conimbrigae da Faculdade de Direito de Coimbra. Bolsista da Fundação Araucária. apRESENtaÇÃo Fruto de discussões e estudos realizados nas aulas do mestrado na Instituição Toledo de Ensino, em Bauru/SP, esta obra, que além da participação de todos os mestrandos da turma 2010-2012, logo recebeu a ilustre contribuição de professores e de autores vinculados a outros programas, revisita a história constitucional brasileira. Na primeira parte da obra, os capítulos apresentam cada uma das sete constituições brasileiras, com a ressalva de que a Emenda Constitucional n. 1/69 não é entendida como uma nova constituição e, portanto, foi tratada junto com a Constituição de 1937. A obra tem o mérito de contextualizar historicamente as constituições brasileiras, sem descuidar dos aspectos jurídicos mais relevantes e as características peculiares de cada documento que, quiçá, tenham infl uenciado o atual constitucionalismo. Há ainda, nesta primeira parte, um capítulo dedicado à constituição de Weimar, por representar um marco na própria conformação do Estado, com a implantação dos direitos sociais, bem como, pelo forte refl exo que imprimiu nas constituições brasileiras, a partir de 1934. A segunda parte da obra é dedicada ao estudo do tratamento constitucional de diversos temas considerados relevantes pelos autores. O meio ambiente, a proteção penal, o pensamento cristão, o direito do trabalho, a família, o controle de constitucionalidade estadual e federal, a razoável duração do processo, o acesso ao judiciário e a efetivação de direito, o ativismo judicial e o acesso à justiça ao estrangeiro no Brasil foram os temas escolhidos ante sua importância social. A obra não busca exaurir todos os temas constitucionais essenciais, mas é, certamente, uma consulta obrigatória para aqueles que pesquisam tais matérias. Destaca-se ainda, pela realização de uma digressão histórica, de importância singular para todos os estudiosos do direito, ante ao atual estágio do constitucionalismo pátrio que deve permear qualquer refl exão jurídica. Os organizadores Júlio de Souza Gomes Lívia Pitelli Zamarian pREFÁCIo O programa de pós-graduação stricto sensu da Instituição Toledo de Ensino de Bauru, fazendo jus a seu pioneirismo, porquanto o primeiro programa de mestrado e doutoramento em Direito de uma instituição privada do interior de São Paulo, tem se destacado por sua produção científi ca apurada e simultaneamente voltada a temas atuais e de relevante importância social. Na verdade, essa compostura acadêmica deriva de um arco de características, que, em uma ponta, apresenta como nota uma rigorosa formação científi ca de seus pós-graduandos e, em outra, um convite constante a estes para que aprofundem a pesquisa e a especulação sobre os diversos temas de Direito Constitucional, inclusive por meio da edição de obras literárias como esta que ora se apresenta. Assim, foi com bastante orgulho que recebi o convite para prefaciar este livro. Conheço, de perto, todos os autores, podendo atestar o engajamento verdadeiro e dedicado de cada um deles ao estudo do Direito. Tal afi rmação pode ser verifi cada, ainda uma vez, pela leitura dos textos que compõem esta importante obra científi ca. É de se destacar: estão alicerçados em sólida pesquisa, apresentam um invejável desenvolvimento lógico e destrinçam matérias relevantíssimas da história do Direito Constitucional brasileiro. Cumprimento, assim, os autores. Em primeiro lugar, pelo exaustivo trabalho e, em segundo, por brindarem a nós, leitores, com textos tão ricos e relevantes. Bauru, 15 de outubro de 2012 Professor VIDAL SERRANO NUNES JUNIOR Livre-docente em Direito Constitucional aNÁlISE DaS CoNStItuIÇÕES BRaSIlEIRaS PARTE I BREVES EStuDoS SoBRE a CoNStItuIÇÃo IMpERIal (1824) Bruno Miola da Silva Mestrando em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino. MBA em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Advogado. João Fábio Gonçalves Mestrando em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino. Especialista em Direito Educacional pelas Faculdades Claretianas e em Gestão Educacional pela Universidade Estadual de Campinas. Diretor de Escola da Rede Estadual do Estado de São Paulo e advogado. INTRODUÇÃO: CONTExTO hISTóRICO Com a volta de D. João VI para Portugal em 26/04/1821, fi ca no comando do Brasil, agora na categoria de Reino Unido a Portugal, o seu fi lho D. Pedro. Este, atendendo ao requerimento do Conselho dos Procuradores das Províncias, convoca uma “Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Brasil”, em 03/06/1832. A partir de então, gerou-se uma sucessão de acontecimentos culminando na Independência do Brasil. A Constituição do Império teve vigência de 25/03/1824 a 15/11/1889, sendo a Carta Magna de maior longevidade de nossopaís. Entretanto, não só a longevidade marcou esta Carta. Em franca usurpação da vontade constituinte dos governados, o Imperador chamou para si todo o poder constituinte, sendo esta a primeira última usurpação da Monarquia1. 1. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 2004, p. 166 CAPÍTULO I aS CoNStItuIÇÕES Do BRaSIl aNÁlISE HIStÓRICa DaS CoNStItuIÇÕES E DE tEMaS RElEVaNtES ao CoNStItuCIoNalISMo pÁtRIo4 Dentre as características, se destaca nesta Constituição: estabelecia um governo monárquico unitário e hereditário; a existência de quatro poderes, o Legislativo, o Executivo, o Judiciário e o Moderador, este acima de todos os demais e exercido pelo Imperador; a religião oficial era o Catolicismo Apostólico Romano, com a igreja submissa ao Estado, podendo o Imperador conceder cargos eclesiásticos; o texto constitucional definia quem era considerado cidadão; as eleições eram censitárias, abertas e indiretas; o Imperador não respondia pelos seus atos judicialmente, ou seja, era irresponsável; foi uma das primeiras constituições no mundo a incluir em seu texto um rol de direitos e garantias individuais. A primeira constituinte iniciou os seus trabalhos em 3 de maio de 1923. Embora os constituintes tenham sido eleitos livremente, seus trabalhos dependeriam da aprovação do Imperador. Conforme Paulo Bonavides: O Imperador tinha o poder de pôr e dispor; os constituintes podiam escrever livremente a Constituição, desde que ela fosse “digna da real aprovação”. Em tal estado de coisas, um dos lados tem de ser subjugado, já que uma composição parecia hipótese remota. 2 Após dissolver a Assembleia Constituinte sob a acusação de não atender ao juramento de defender a integridade do Império, D. Pedro I forma um Conselho de Estado composto por dez membros sob a sua presidência, com a incumbência de elaborar um projeto de Constituição, que deveria ser posteriormente discutido pela Assembleia dissolvida. Sob a justificativa de se produzir uma Constituição “duplicadamente mais liberal do que a extinta Assembleia acabou de fazer”, o Príncipe Regente confiou a um Conselho de Estado composto de dez membros a incumbência de preparar o Projeto de Constituição. Este Projeto foi outorgado pelo Imperador como a Constituição Política do Império, dispensando-se uma nova convocação de Assembleia Constituinte3. Bonavides4 explica que a dissolução da assembleia constituinte provocou um trauma na alma liberal da nação, pois ali estava sediado “o sentimento de progressão de nossas liberdades e franquias”. O golpe de Estado de novembro de 1823, continua o autor, representou um grande revés na luta contra um Estado autocrático e usurpador. A Constituição do Império instituiu o Governo monárquico hereditário, constitucional e representativo (art. 3º). 2. BONAVIDES, Paulo. História Constitucional do Brasil. 2005, p. 100. 3. HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. 1995, p. 55. 4. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 2004., p. 215. BREVES EStuDoS SoBRE a CoNStItuIÇÃo IMpERIal (1824) 5 De acordo com José Afonso da Silva5, as bases da Constituição do Império se preocupavam com Manutenção do equilíbrio da sociedade, uma vez que o texto constitucional foi outorgado em um momento em que havia interesses heterogêneos e contraditórios na sociedade brasileira. A sociedade brasileira na época do império era marcada por forças reacionárias que visavam o retorno do País ao seu estado colonial. Classes sociais superiores da colônia – no caso os proprietários rurais – esperavam satisfazer seus interesses com a consolidação da liberdade e da independência do país. Por outro lado, forças populares encaravam a Constituição como forma de libertação econômica e social6. A Constituição do Império conseguiu acomodar a situação e conciliar os diversos interesses conflitantes na medida em que considerou os portugueses como nacionais, pela combinação da residência tomada como adesão ao Império. Ao mesmo tempo em que se ofereceu perspectivas às classes populares através de um elenco de direitos e garantias individuais, assegurou-se a hegemonia das classes superiores através do voto censitário. De acordo com Horta, a Constituição do Império se distinguia dos demais documentos constitucionais do século XIX em sua concepção da dupla dimensão da matéria constitucional em três características básicas: A primeira consistiu na incorporação constitucional do Poder Moderador, “chave de toda a organização política”, “delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação e seu primeiro representante” (art. 98). A segunda característica residiu na flexibilidade constitucional da Constituição semi-rígida, pois nela se perfilhou a regra de que “é só constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivas dos poderes políticos e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos”. Tudo o que não fosse relativo à matéria constitucional poderia ser alterado, sem as formalidades da reforma constitucional, pelas legislaturas ordinárias (art. 178). A terceira característica é a liberal Declaração de Direitos e Garantis Individuais, amplamente desenvolvida nos 35 incisos do art. 179. 7 Durante a vigência da Constituição de 1824 viveu-se uma grande instabilidade política marcada por acontecimentos como a grande reforma do texto constitucional através do Ato Adicional em 1834, pela a abdicação de D. Pedro I seguida por um período de várias regências e incontáveis revoltas, por campanhas abolicionistas e republicanas. Sobre este período, Paulo Bonavides8 comenta: 5. SILVA, José Afonso. Poder Executivo na Constituição Imperial do Brasil de 1824. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. 2003. p. 23 ss. 6. Ibidem, p. 23 ss. 7. HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. 1995, p. 56. 8. BONAVIDES, Paulo. História Constitucional do Brasil. 2005, p. 101. aS CoNStItuIÇÕES Do BRaSIl aNÁlISE HIStÓRICa DaS CoNStItuIÇÕES E DE tEMaS RElEVaNtES ao CoNStItuCIoNalISMo pÁtRIo6 Vemos, então, que a Constituição de 1824 não conseguiu fazer com que um consenso duradouro em torno de certos princípios - que seriam expressos pelo próprio texto constitucional - fosse alcançado. Tentou-se impor ao País um modelo que não refletia a realidade das instituições e estruturas políticas brasileiras, nem tampouco garantia que as que foram implantadas trouxessem estabilidade. Esbravejava-se contra o Poder Moderador e se invocava ele ao mesmo tempo para realizar as reformas. Era preciso por freios a esse poder absoluto deixado nas mãos de um só homem. Tornava-se necessário ultrapassar essa situação ambígua, quando não contraditória. 1 DIVISÃO DOS PODERES A Constituição do Império não adotou a forma clássica de separação dos poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário. Entretanto, sob inspiração de Benjamin Constant, foi instituído o 4º poder: o Poder Moderador (art. 10). Na dicção do art. 98, o Poder Moderador foi definido como chave da organização política, destinado privativamente ao Imperador com o objetivo de dar poderes para que este velasse “sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos””9. Esquematicamente, os poderes estavam organizados da seguinte forma na Constituição de 1824: 9. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios Fundamentais do Direito Constitucional. 2009, p. 266. BREVES EStuDoS SoBRE a CoNStItuIÇÃo IMpERIal (1824) 7 1.1 poDER MoDERaDoR O Poder Moderador, também chamado de Poder Real, poder Imperial, Poder Neutro ou Poder Conservador teve suas atribuições enumeradas no art. 101 do texto constitucional. Outorgou-se ao Imperador grande poder de ingerência política, podendo inclusive decidir da ocupação do poder, fazer a alternância entre os homens e partidos quando bem desejasse10. Tratado pelo texto constitucional como quase divino, inviolável e sagrado, não sujeito a responsabilidade alguma, cabia ao Imperador interferir diretamentedos outros poderes. No Poder Executivo, o Imperador dispunha de amplos poderes para nomear e demitir os Ministros de Estado. Já no Poder Legislativo, poderia livremente nomear Senadores, convocar ou prorrogar a Assembleia Geral, dissolver a Câmara, sancionar as proposições do Legislativo, aprovar ou suspender interinamente as resoluções das Assembleias provinciais. A ingerência no Poder Judiciário também era marcante. O Imperador poderia suspender os Magistrados, perdoar e moderar as penas impostas aos réus por sentença, como também conceder anistia. Como há de se esperar, o Poder Moderador foi o órgão político mais ativo e influente, moldando o regime político do Brasil Imperial. Acerca da posição que o Poder Moderador ocupava dentro da estrutura política do Império, Paulo Bonavides11, acrescenta: O Poder Moderador da Carta do Império é literalmente a constitucionalização do absolutismo, se isto fora possível... Com efeito, o art. 101 estabelecia a competência do Imperador, como titular desse poder, cabendo-lhe um feixe constitucional de nove atribuições (...) Atribuições de importância tão fundamental para o direito e a liberdade, para a vida e o funcionamento das instituições eram conferidas a um Imperador cuja pessoa a Constituição fazia inviolável e sagrada declarando ao mesmo tempo em que não estava ele sujeito à responsabilidade alguma (art. 99). 1.2 poDER EXECutIVo Descrito em um único artigo (art. 102), o Poder Executivo tinha por “Chefe” o Imperador, que o exercia através de Ministros de Estado por ele designados. Embora o texto constitucional firmasse que o Poder Executivo era exercido pelos Ministros de Estado, na prática era exercido pelo próprio Imperador, cumulativamente com o Poder Moderador. Tal ingerência é perfeitamente 10. Ibid., p. 267. 11. BONAVIDES, Paulo. História Constitucional do Brasil. 2005, p. 106. aS CoNStItuIÇÕES Do BRaSIl aNÁlISE HIStÓRICa DaS CoNStItuIÇÕES E DE tEMaS RElEVaNtES ao CoNStItuCIoNalISMo pÁtRIo8 justificável, pois segundo o art. 101, inciso VI, o Imperador poderia livremente nomear e demitir os Ministros de Estado. As atribuições do Poder Executivo foram listadas no art. 102 da Magna Carta de 1824, destacando-se dentre suas funções: (I) convocar a Assembleia Geral ordinária; (II a VI, XI) nomear de cargos, provimento de empregos civis e políticos, e títulos e distinções; (VII a IX) exercer relações políticas e comerciais internacionais; (XII) regulamentar a aplicação das leis. 1.3 poDER lEGISlatIVo O Poder Legislativo, exercido pela Assembleia Geral, era composto por duas câmaras: deputados, eletiva e temporária; senadores, formada por membros vitalícios que eram nomeados pelo Imperador, dentre os componentes de uma lista tríplice eleita por províncias. O modelo estruturado em duas câmaras se aproximava mais do modelo britânico do que do modelo americano. Entretanto, os senadores eram eleitos em eleições provinciais. As eleições de deputados e senados era através de sufrágio censitário, ocorrendo em dois graus. Primeiramente, os eleitores de cada paróquia escolhia os de província, os quais elegeriam os deputados e senadores. No caso dos senadores, segundo o artigo 43 da Constituição do Império, sua eleição se dava a partir de “listas tríplices, sobre as quais o Imperador escolherá o terço na totalidade da lista”. Vale notar que na Carta de 1824, o número de representantes não era estabelecido como matéria constitucional, mas sim de através de lei ordinária. Este detalhe permitia que, conforme fossem criadas novas Províncias, o número de deputados pudesse ser alterado. Como crítica à representatividade durante a época do Império, pesa o fato de que o país contava com 12 milhões de habitantes em 1881, entretanto havia somente 150 mil eleitores, algo que demonstrava um pequeno lastro eleitoral no país. Se não bastasse o número reduzido de eleitores, o sistema eleitoral era constantemente falsificado por meio da intervenção do Poder Executivo, praticada pelos dois partidos que se revezavam no poder12. As atribuições do Poder Legislativo, conforme o art. 15 da Constituição Imperial, compreendiam: atribuições relacionadas com o Imperador e sua dinastia (I a VII); fazer as leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las (VIII); atividades relativas a controle de orçamento e gastos do governo (X, XIII, XIV, XV). 12. NOGUEIRA, Octaciano. Constituições Brasileiras: 1824. 2001, p. 27, 28. BREVES EStuDoS SoBRE a CoNStItuIÇÃo IMpERIal (1824) 9 1.4 poDER JuDICIÁRIo O Poder Judicial tratado no Título VI da Constituição do Império não dispunha das mesmas garantias que o atual Poder Judiciário possui. Embora o texto constitucional em seu art. 10 apresente o Poder Judiciário como um dos quatro poderes, independente dos demais, na prática tratava-se de um poder enfraquecido frente à dependência dos demais podemos, mais destacadamente do Poder Executivo. Esta dependência pode ser ilustrada pelo fato de que os juízes poderiam ser transferidos para outros lugares, como também ter sua vitaliciedade, garantida no art. 151, suspensa por ato do Imperador, conforme dicção do art. 154. Ilustrando a ingerência que o Poder Executivo exercia sobre o Poder Judiciário, Octávio Nogueira comenta: O mais notório dos casos de violação do preceito da vitaliciedade ocorreu durante o Ministério da Conciliação, presidido pelo Marquês de Paraná, entre 1853 e 1856, quando era Ministro da Justiça Nabuco de Araújo. O fato ficou conhecido na biografia de Joaquim Nabuco sobre seu pai, o Conselheiro Nabuco de Araújo, como o “desembarque de Serinhaem”, e consistiu na aposentadoria de dois e na transferência de um terceiro juiz da Relação de Pernambuco, por terem, em julgamento da violação da lei que puniu e suspendeu o tráfico, em 1850. 13 Um exemplo notório da ingerência do Poder Executivo sobre o Poder Judiciário foi quando em 1863 José Lins Vieira Cansanção de Sinimbu, Ministro da Justiça, aposentou vários membros do Supremo Tribunal de Justiça sob a alegação de que estes não acataram ato do Poder Executivo. Fatos como estes ocorriam porque não havia regulamentação das disposições constitucionais que permitiam tanto a remoção quanto a aposentadoria compulsória dos membros da Magistratura, tornando possível ao Poder Executivo entrar no mérito das sentenças, chegando ao ponto de punir àqueles que discordassem de sua convicção. 2 PLASTICIDADE E ADAPTABILIDADE Embora a Constituição do Império tenha sido outorgada, é importante destacar que foi através dela que se instituiu a monarquia constitucional, os Poderes do Estado, a garantia dos direitos para a contenção de abusos. Sua prática foi moldada no decorrer do tempo, sendo que seu início de fato se deu a partir de 1826, quando o Legislativo se instalou. 13. Ibid., p. 36. aS CoNStItuIÇÕES Do BRaSIl aNÁlISE HIStÓRICa DaS CoNStItuIÇÕES E DE tEMaS RElEVaNtES ao CoNStItuCIoNalISMo pÁtRIo10 Conforme mostra a tabela14 abaixo, quando comparada com as demais Constituições que tivemos no Brasil, a Constituição do Império se mostrou a que teve maior período de vigência: Constituição Vigência Nº de Emendas Duração 1824 1824 – 1889 1 65 anos 1891 1891 – 1930 1 40 anos 1934 1934 – 1937 1 3 anos 1937 1937 – 1945 21 8 anos 1946 1946 – 1967 27 21 anos 1967 1967 – 1969 - 2 anos AI-5 (1969) 1969 – 1987 26 18 anos 1988 1988 – ... 7015 > 24 anos Essa característica, além dos fatos históricos envolvidos, se deve também à plasticidade e adaptabilidade do texto da Constituição do Império, algo que a distingue de todas as demais cartas constitucionais que tivemos. Essa adaptabilidade se deve, na lição de Nogueira, a duas razões: A primeira é que, ao contrário do que passou a ser tradição nas Cartas republicanas, que impediam, e ainda impedem, modificar a forma republicana e o sistema federativo por meio de emenda, a Constituição do Império não estabelecia restrições ao poder constituinte derivado. Todos os dispositivos, portanto, eram reformáveis,inclusive o que consagrava a monarquia como forma de governo. A segunda razão é que, embora as emendas constitucionais tivessem o mesmo rito de lei ordinária (como ocorreu com o Ato Adicional de 1834) e, portanto, dependessem da sanção do Imperador, no caso de mudança da forma de governo, como em qualquer outra matéria constitucional reformada por lei ordinária, não podia o Monarca negar a sanção, se aprovada por duas Legislaturas seguintes, em face do que dispunha o art. 65. 16 Embora na prática o resultado fosse diferente, nem mesmo o Imperador poderia impedir a mudança do texto constitucional com seu veto, conforme se lê no art. 65, in verbis: Esta denegação (isto é, a negativa da sanção) tem efeito suspensivo somente, pelo que, todas as vezes que as duas Legislaturas que se seguirem àquela que tiver aprovado o projeto tornarem sucessivamente a apresentá-la nos termos, entender-se-á que o Imperador tem dado a sua sanção. 14. Ibid., p. 15. 15. Até 29 de março de 2012 16. Ibid., p. 17. BREVES EStuDoS SoBRE a CoNStItuIÇÃo IMpERIal (1824) 11 Diante de tal plasticidade seria perfeitamente possível até mesmo a implantação da República por simples emenda constitucional, ou seja, proclamada a República, a Constituição Imperial tornar-se-ia Republicana. Conforme explica Paulo Bonavides: A Carta imperial, se fez rígido o que era materialmente constitucional - não tão rígido quanto o Projeto - tornou o restante das regras e preceitos da Constituição demasiado flexíveis, de tal sorte que poderiam ser alterados pelas legislaturas ordinárias, sem as formalidade requeridas para a matéria basicamente constitucional, como a competência dos poderes e os direitos dos cidadãos. 17 3 CARÁTER CENTRALIZADOR Em face do que ocorreu com a América espanhola, que após libertar-se do domínio colonial, foi fracionada em um grande número de países, havia na época do Império a preocupação que o mesmo viesse ocorrer no Brasil. Tal temor procedia, posto que mesmo no início do século XVIII não se tinha ainda conquistado a unidade linguística, pois a língua corrente em alguns lugares de São Paulo e da Amazônia era o tupi-guarani. A Constituição Imperial ao criar o Estado Unitário, não permitiu a existência de poder local, uma vez que toda autoridade se centrava na capital do Império. A centralização político-administrativa se faz presente por todo texto constitucional.. No Título VII, por exemplo, que tratava da administração e da economia das províncias, trazia apenas oito artigos, sendo dois artigos para a administração provincial, três artigos sobre as Câmaras Municipais e três artigos sobre a fazenda nacional e a economia do Império. O artigo 165 dava amplos poderes ao Imperador, podendo nomear e remover o presidente de cada província quando bem o quisesse. No Título IV, Capítulo V, ao tratar “Dos Conselhos Gerais de província e suas atribuições”, praticamente se retirava a autonomia desses conselhos. Suas resoluções dependiam do Poder Executivo em primeira instância, e do Poder Legislativo em segunda instância. As decisões tomadas pela maioria dos membros dos Conselhos Gerais de Província deveriam ser remetidas ao Poder Executivo da Província, representado pelo seu Presidente. Até mesmo os regimentos internos desses Conselhos dependiam da aprovação do Legislativo Imperial. Com as alterações estabelecidas pelo Ato Adicional de 1834, houve uma sutil descentralização na medida em que se criaram as Assembleias Legislativas 17. Ibid., p.110. aS CoNStItuIÇÕES Do BRaSIl aNÁlISE HIStÓRICa DaS CoNStItuIÇÕES E DE tEMaS RElEVaNtES ao CoNStItuCIoNalISMo pÁtRIo12 Provinciais, substituindo os Conselhos Gerais de Província e ampliando suas atribuições, como amplos poderes fiscais, legais e administrativos, instituiu-se a Regência Única eletiva, e suprimiu o Conselho de Estado. 4 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS Diversamente do que hoje conhecemos como controle de constitucionalidade, seja pela via difusa ou concentrada, isto não ocorreu na Constituição do Império. Seguindo o que foi dito anteriormente sobre o enfraquecido Poder Judiciário, não cabia a este o controle de constitucionalidade das leis, como hoje se conhece. O controle de constitucionalidade e a guarda da Constituição eram atribuídos ao Poder Legislativo, pela Assembleia Geral, conforme disposto no art. 15, incisos VIII e IX da Constituição do Império18. Segundo o entendimento daquela época, somente o Poder que fazia a lei seria competente para interpretá-la e confrontá-la com a Constituição, assim como manifestar-se sobre sua constitucionalidade. Entendia-se que seria impossível outro Poder, quer executivo quer judiciário perquirir a intenção do legislador. Segundo este posicionamento, somente o poder do qual emanava a lei era competente para declarar o seu sentido, ou seja, apenas o poder legislativo tinha o direito de interpretar seu próprio ato e seus fins, não tendo qualquer outro poder este direito, até porque a lei não lhe dava esta faculdade. Nenhum outro poder poderia ser o real depositário da vontade do legislador.19 No entanto, este tipo de controle de constitucionalidade das leis fere a teoria dos freios e contrapesos entre os poderes, pois se somente aquele que cria as leis tem o poder de interpretá-las, suspendê-las ou revogá-las, este mesmo será capaz de abusar de seu poder sem qualquer controle de outro, ferindo o próprio princípio da separação dos poderes. Isto decorreu da força absoluta do Poder Moderador, na pessoa do Imperador, que tudo podia sem responsabilidade alguma. Vale lembrar que, conforme já comentado, garantia-se ao Imperador total irresponsabilidade de seus atos, ou seja, não poderia ser responsabilizado judicialmente por nada que fizesse. 18. Art. 15. É da atribuição da Assembleia Geral:[...] VIII – Fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las. IX – Velar na guarda da constituição e promover o bem geral da Nação. 19. BUENO, José Antônio Pimenta. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império. 1978, p. 69 e 70. BREVES EStuDoS SoBRE a CoNStItuIÇÃo IMpERIal (1824) 13 Seu poder era tamanho que podemos dizer que o controle de constitucionalidade era feito pelo próprio Imperador, tendo em vista que ele poderia livremente nomear senadores, dissolver a Câmara dos Deputados e convocar outra para substituí-la.20 Na vigência da Constituição Imperial, tanto na teoria como na prática, o Poder Moderador não era neutro. “Era Atuante. Constituía um poder pessoal do Imperador, não simplesmente preservador e conservador dos outros, mas controlador. Estava acima deles. Interferia com tudo e com todos” 21. Considerando o poder do Imperador sobre legislativo, judiciário e executivo, sendo ele a última voz em todos os assuntos do império, caso não fosse de sua vontade a elaboração, interpretação, suspensão e revogação de determinada lei, poderia ele fazê-lo, direta ou indiretamente. 5 SISTEMA DE GOVERNO A Constituição do império não precisou o sistema de governo que adotava22. O Imperador governava plenamente a nação e suas províncias. Esta afirmativa decorre do poder que o Imperador, o monarca, detinha sobre seus ministros, os quais poderiam ser nomeados e demitidos livremente pelo Imperador, conforme dispõe o inciso VI do art. 101 da Constituição do Império.23 Houve um início de sistema parlamentarista, mas o Poder Moderador não permitiu que este se desenvolvesse. Havia previsão de que os deputados e senadores poderiam ser nomeados para o cargo de ministro de Estado, com a diferença de que os senadores continuariam a ter assento no Senado, e os deputados deixariam vagos os seus lugares na Câmara24. 20. Art. 101. O Imperador exerce o Poder Moderador I. Nomeando os Senadores, na forma do Art. 43. II. Convocando a Assembla Geral extraordinariamente nos intervallos das Sessões, quando assim o pede o bem do Imperio. III. Sanccionando os Decretos, e Resoluções da Assembléa Geral, para que tenham forçade Lei: Art. 62. IV. Approvando, e suspendendo interinamente as Resoluções dos Conselhos Provinciaes: Arts. 86, e 87. V. Prorrogando, ou adiando a Assembléa Geral, e dissolvendo a Camara dos Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação do Estado; convocando immediatamente outra, que a substitua. VI. Nomeando, e demittindo livremente os Ministros de Estado. VII. Suspendendo os Magistrados nos casos do Art. 154. VIII. Perdoando, e moderando as penas impostas e os Réos condemnados por Sentença. IX. Concedendo Amnistia em caso urgente, e que assim aconselhem a humanidade, e bem do Estado 21. SILVA. Op. cit.. p. 27. 22. SILVA. Op. cit. p. 32. 23. Art. 101. O Imperador exerce o Poder Moderador: [...] VI. Nomeando e demitindo livremente os ministros de Estado. 24. Art. 29. Os Senadores, e Deputados poderão ser nomeados para o Cargo de Ministro de Estado, ou Conselheiro do Estado, com a differença de que os Senadores continuam a ter assento no Senado, e o Deputado deixa vago o seu logar da Camara, e se procede a nova eleição, na qual póde ser reeleito e accumular as duas funcções. aS CoNStItuIÇÕES Do BRaSIl aNÁlISE HIStÓRICa DaS CoNStItuIÇÕES E DE tEMaS RElEVaNtES ao CoNStItuCIoNalISMo pÁtRIo14 No entanto, o mesmo dispositivo possuía uma disposição curiosa, pois, após determinar que o deputado nomeado como ministro deixasse o cargo na Câmara, determinava também que nova eleição se procederia para o cargo vacante. O deputado nomeado ao cargo de ministro de Estado poderia ser reeleito a deputado e acumular as funções. Previa-se que ministros assistissem e discutissem as propostas do Executivo ao Legislativo, após relatório da comissão formada para examiná-las, mas não poderia votar ou sequer estar presentes à votação, salvo os que fossem deputados ou senadores, o que para José Afonso da Silva25 “era o gérmen do sistema parlamentarista de governo que a estrutura de poder e especialmente a atuação do Poder Moderador não permitiam que se desenvolvessem”. Diz-se gérmen, pois este sistema parlamentarista só existia enquanto conveniente para o monarca. Só existia quanto à forma, pois na essência todo o poder era do monarca, que o exercia segundo sua conveniência. Para Bonavides, de rigor, não houve o sistema parlamentarista na época do império, mas um regime pré-parlamentarista em busca deste modelo de sistema por uma “virtude evolutiva inerente a todos os sistemas inclinados a fazer valer a supremacia do órgão parlamentar” 26. Em razão desses fatos acima expostos, pode-se afirmar que a Constituição era presidencialista. Como não havia clara distinção entre a titularidade das funções de chefe de Estado e de governo, o monarca, quer como Poder Moderador, quer como chefe do Poder Executivo, englobava as duas ordens de função27. Afonso Arinos, citado por José Afonso da Silva, diz que: “Governo parlamentar pressupõe formação de Ministérios pelo apoio das maiorias e queda deles pelo seu desfavor. No Brasil, os Gabinetes podiam ser nomeados e demitidos livremente (o termo era da Constituição) pelo imperante. Governo parlamentar exige responsabilidade política coletiva do Gabinete diante da Câmara popular. No Brasil nunca chegou a haver Gabinete no sentido parlamentar, pois os ministérios não eram coletiva nem politicamente responsáveis senão na medida em que o Chefe do Poder Executivo aceitasse tal situação. Sem o que demitia o Ministério, nomeava outro contrário, dissolvia a Câmara e elegia outra que o apoiasse o Ministério recém-nomeado. A responsabilidade ministerial estabelecida era unicamente a penal, o que também correspondia à sugestão de Benjamin Constant. Tudo dentro da Constituição. Nem se diga que, seguindo o modelo inglês, o Brasil - império foi estabelecendo, na prática, o funcionamento das instituições parlamentares não previstas na lei escrita. A ascendência da maioria 25. Op. cit. p. 34 26. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 2004, p. 215. 27. SILVA. José Afonso da. Op cit. p 35 BREVES EStuDoS SoBRE a CoNStItuIÇÃo IMpERIal (1824) 15 parlamentar na escolha dos Ministérios e a teoria de que os governos eram comissões da Assembleia Legislativa encontraram, sem dúvida, guarida nos hábitos e nas ideias. É o que Nabuco chama obediência “às formas do Governo Parlamentar”. Mas eram somente formas, pois eram aplicáveis apenas enquanto tal situação era do agrado do soberano, conforme se demonstra com a rememoração dos fatos acima indicados e que se desenvolveram do princípio ao meio e ao fim do Império. Aliás, num sistema de constituição rígida como era o nosso, o costume não podia retirar ao Monarca as suas atribuições escritas. Não podia, pois, ocorrer o que se deu na Inglaterra. 28 Ainda que não tenha havido uma explicitação do sistema parlamentarista da Constituição do Império, podemos dizer que foi o início deste sistema, sendo esta uma das grandes virtudes, senão a maior, no sentido de permitir que o sistema político nela não previsto fosse paulatinamente adotado29. 6 DA GARANTIA DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS Podemos dizer que ao ler o art. 179 e incisos da Constituição do Império nos deparamos com muita semelhança aos da nossa Constituição de 1988. Havia como primado a proteção da liberdade, segurança individual e a propriedade. Preocupou-se a Constituição não só com a liberdade de ir e vir, mas também com a liberdade de pensamento30 e de religião31. Embora previsto como um direito constitucional de liberdade, a liberdade de religião não era uma liberdade plena, pois a Carta outorgada fazia uma ressalva, no mesmo dispositivo, de que ninguém seria perseguido por motivo de religião, “uma vez que respeite a do Estado, e não ofenda a Moral Pública”. O artigo 5º da Constituição de 182432 estabelecia que a religião Católica Apostólica Romana era a religião do Império, permitindo o culto de outras religiões apenas domesticamente ou de forma que não caracterizasse a formação de templos. Como se percebe, não era um Estado laico, pois previa expressamente na Constituição a adoção de uma religião. 28. Ibid., p. 36. 29. NOGUEIRA, Octaciano. Op. cit. p. 24. 30. IV. Todos podem communicar os seus pensamentos, por palavras, escriptos, e publical-os pela Imprensa, sem dependencia de censura; com tanto que hajam de responder pelos abusos, que commetterem no exercicio deste Direito, nos casos, e pela fórma, que a Lei determinar. 31. V. Ninguem póde ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não offenda a Moral Publica. 32. Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo. aS CoNStItuIÇÕES Do BRaSIl aNÁlISE HIStÓRICa DaS CoNStItuIÇÕES E DE tEMaS RElEVaNtES ao CoNStItuCIoNalISMo pÁtRIo16 Ainda, como mais uma forma de impor a religião adotada pelo Estado ao povo, dizia que todos os que pudessem ser eleitores, poderia ser nomeados deputados, excetuando-se os que não professassem a religião do Estado.33 Constatamos assim uma vetusta liberdade de religião no regime da Constituição Imperial. Traz, desde aquela época, o princípio da igualdade inserto no inciso XIII do artigo 17934. No entanto, mais uma vez é um direito relativizado, pois ainda havia a escravidão e só podia exercer plenamente seus direitos políticos os que possuíssem alta renda “por bens de raiz, industria, commercio, ou emprego” (arts. 45, IV35; 92, V36; 94, I37; 95,I38). É plenamente plausível que para o exercício de determinados direitos a lei exija requisitos, mas a presença de requisitos de cunho pecuniário demonstrava a vontade de que o poder permanecesse nas mãos da nobreza, ou seja, dos mesmos. Em que pese tais críticas, a Constituição do Império foi de grande evolução na defesa dos direitos individuais, como pode-se notar pela previsão da abolição dos “açoites, a tortura, a marca de ferro quentee todas as mais penas cruéis” conforme consta do inciso XIX do artigo 179. Vale notar que o extenso rol de direitos é precedido pelas Revoluções Francesa e Americana, pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão decretada pela Assembleia Nacional Francesa em 1789, e pelos outros documentos históricos como a Magna Carta de 1215 e Bill of Rights. Estes culminaram naquela lista talvez abordando mais em um sentido idealista e programático do que verdadeiramente efetivo, vez que dificilmente o seriam naquela época, devido ao costume daquele povo, que com o passar do tempo vem evoluindo para uma maior pacificação entre os povos. 33. Art. 95. Todos os que podem ser Eleitores, abeis para serem nomeados Deputados. Exceptuam-se [...] III. Os que não professarem a Religião do Estado. 34. XIII. A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, o recompensará em proporção dos merecimentos de cada um. 35. Art. 45. Para ser Senador requer-se [...] IV. Que tenha de rendimento annual por bens, industria, commercio, ou Empregos, a somma de oitocentos mil réis. 36. Art. 92. São excluidos de votar nas Assembléas Parochiaes. [...] V. Os que não tiverem de renda liquida annual cem mil réis por bens de raiz, industria, commercio, ou Empregos. 37. Art. 94. Podem ser Eleitores, e votar na eleição dos Deputados, Senadores, e Membros dos Conselhos de Provincia todos, os que podem votar na Assembléa Parochial. Exceptuam-se I. Os que não tiverem de renda liquida annual duzentos mil réis por bens de raiz, industria, commercio, ou emprego. 38. Art. 95. Todos os que podem ser Eleitores, abeis para serem nomeados Deputados. Exceptuam-se I. Os que não tiverem quatrocentos mil réis de renda liquida, na fórma dos Arts. 92 e 94. BREVES EStuDoS SoBRE a CoNStItuIÇÃo IMpERIal (1824) 17 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Constituição de 1824, marcada pela sua longevidade caráter liberal na Declaração de Direitos e Garantias Individuais, representou um grande avanço para a época. Foi bem sucedida dentro de seu intento de manter o equilíbrio da sociedade, evitando a divisão do Brasil em um sem número de países, como ocorre com o território da América latina. Sua natureza centralizadora carregada de resquícios absolutistas foi marcada pelo golpe de Estado de novembro de 1823, no qual a Assembleia constituinte é dissolvida e substituída por um grupo de apenas dez homens que preparam um texto para ser outorgado pelo Imperador. Concentrou-se o poder nas mãos do Imperador, não só por meio de um 4º poder, o Moderador, mas também pela ingerência sobre os demais poderes. Seu parlamentarismo constituiu na verdade um pré-parlamentarismo, com características presidencialistas, produto de um governo absolutista com roupagem constitucional. REFERêNCIAS BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2004. BONAVIDES, Paulo. ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 4ª Ed. Brasília, Editora OAB, 2005. BUENO, José Antônio Pimenta. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império. Brasília: Senado Federal, 1978. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios Fundamentais do Direito Constitucional. O estado da questão no início do século XXI, em face do direito comparado e, particularmente, do direito positivo brasileiro. 1ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. 1ª Ed. Belo Horizonte: Del Rey. 1995. NOGUEIRA, Octaciano. Constituições Brasileiras: 1824. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos. 2001. SILVA, José Afonso. Poder Executivo na Constituição Imperial do Brasil de 1824. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. Belo Horizonte. 2003. a CoNStItuIÇÃo DoS EStaDoS uNIDoS Do BRaSIl (1891) João Gustavo Bachega Masiero Mestrando em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino. Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito. Advogado. Henrique Carani Coube Mestrando em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino – ITE/Bauru/ SP. Tabelião de Notas e Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais. Especialista pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus. Tabelião de Notas e Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais. INTRODUÇÃO A Monarquia nunca caiu plenamente nas graças do povo brasileiro. Ela começou a ser idealizada no Brasil pela família real portuguesa como alternativa à batalha contra Napoleão Bonaparte. A Corte enxergou aqui um porto seguro frente ao bloqueio continental na Europa imposto por Napoleão, em 1807. A Inglaterra era forte o sufi ciente para resistir. Já o Império português, imaginava-se na época, fatalmente sucumbiria perante a poderosa máquina de guerra comandada pelo Imperador francês. Assim, a situação favorável conduziu a Corte para o Brasil, mas não criou condições para solidifi cá-la. Essa entidade tipicamente européia defi nitivamente não encontrou bases confi áveis em solo americano, ao passo de o Brasil ser reconhecido como o único Império no continente. A República e a Federação consistiam, portanto, num caminho natural a ser seguido. CAPÍTULO II A CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (1891) 19 Para ilustrar, é possível citar alguns acontecimentos marcantes: D. João VI tornou-se rei do Brasil em 1816, após a morte de sua mãe, D. Maria I, conhecida como Rainha Louca. Um ano depois, em 1817, ele sufocou uma revolução republicana em Pernambuco. Em 1823, com o país independente da metrópole, o império absoluto de D. Pedro I foi garantido pela força de sua espada e a dissolução da Constituinte. O decênio de 1831 a 1840 foi marcado por manifestações contrárias ao poder central – a Regência terminou com o famigerado golpe da maioridade. A queda da Monarquia ocorreu apenas no final do século XIX, em 15 de novembro de 1889. O principal artífice da Constituição brasileira de 24 de fevereiro de 1891 foi Rui Barbosa, confessadamente admirador da organização política dos EUA. Mas Rui Barbosa contemplava, sobretudo, o modelo federativo norte americano. Ele era um pouco descrente quanto às formas de governo, ao passo de chegar a defender a federação em conjunto com a monarquia, sem ela ou até mesmo contra ela. Aderiu à República quando notou que a Monarquia não cederia voluntariamente parcela do poder. O texto constitucional de 1891 foi marcado por regras claras e objetivas, que representavam a ruptura com o modelo autocrático do absolutismo monárquico. Entre outras mudanças podemos citar as seguintes novidades: as antigas províncias transformaram-se em Estados membros ligados por vínculo indissolúvel com a União; houve a previsão de responsabilidade do agente público; e o funcionamento do Supremo Tribunal Federal, como instância máxima do Judiciário, defendendo a higidez do sistema constitucional. Mas se é verdade que os grandes fatos se repetem, então o destino quis que a primeira fase republicana brasileira terminasse exatamente como começou: por um decreto1 editado discricionariamente por um Governo Provisório, num verdadeiro golpe de estado. 1 CONTExTO hISTóRICO 1.1 Da MoNaRquIa À REpÚBlICa Antes de se adentrar na análise do texto da primeira Constituição republicana, é imperioso situar o leitor no momento histórico vivenciado pela população brasileira no século XIX. É preciso levar em consideração o contexto em que a Constituição foi criada, e o contexto em que está inserido o intérprete. 1. Dec. nº 19.398, de 11/11/1930, elaborado pelo Governo Provisório de Getúlio Vargas. As Constituições do BrAsil Análise históriCA dAs Constituições e de temAs relevAntes Ao ConstituCionAlismo pátrio20 A Monarquia conservadora alijava as camadas populares do centro de decisões políticas. O direito de votar e ser votado cabia apenas àqueles que tivessem determinado patrimônio. A Constituição do Império pregava igualdade e liberdade, mas manteve a escravidão – os escravos não eram sujeitos dedireitos. Uma pequena elite, em razão de apadrinhamentos, ocupava os melhores cargos no governo, cujo preenchimento nem sempre ocorria de acordo com as aptidões técnicas dos pretendentes. O país dessa época era eminentemente agrário, com latifúndios insuficientemente explorados, o trabalho era escravo ou semi-servil era a regra na lavoura e a população em geral era analfabeta. A Monarquia era um artificialismo em nosso continente, voltada para a Europa e de costas para a América, sem olhar o Brasil, em sua realidade. O regime, os políticos, os partidos, não acompanhavam a vida de nosso país, o crescimento de seu povo, suas idéias, potencialidades2. Dificilmente uma possível mudança de regime político, num país imenso, seria fruto exclusivo de uma causa. Assim, abordaremos rapidamente três fatores que tiveram papel importantíssimo na eclosão da história da República brasileira. 1.1.1 a quEStÃo Da aBolIÇÃo Da ESCRaVIDÃo A dependência do mercado externo era vital. O Brasil exportava açúcar, algodão, café, couros e peles, entre outros produtos primários, e importava todo o resto, de calçados a maquinários em geral. A Monarquia estava atrelada principalmente aos produtores rurais do Vale do Paraíba, que davam valiosa sustentação ao governo, além de participarem das decisões políticas pela proximidade com o centro do Império. Eram grandes cafeicultores e escravocratas que se enriqueceram rapidamente a partir de 1831. Mas a prosperidade dessa região foi fortemente abalada com a proibição do tráfico de escravos, em 1850, por meio da chamada Lei Eusébio de Queirós, que decorreu da vedação ao tráfico internacional de escravos. A Lei Eusébio de Queirós propiciou ainda outro efeito. Com a proibição do tráfico internacional de escravos, o capital antes empregado na compra e venda deles estaria agora disponível para novos investimentos. A sensação de progresso depois de 1850 era vivenciada por quem estava 2. Hélio Silva, História da república brasileira – 1888/1894, Três S. A, 1998, p. 13-14. A CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (1891) 21 nas cidades. Muitas atividades foram incentivadas, como aplicações em ações de companhias e o comércio. Enquanto os senhores de terra do Vale do Paraíba lamentavam todo o ocorrido, formava-se no oeste da província de São Paulo um grupo de vanguarda. Eram cafeicultores que contratavam mão-de-obra livre, estudavam e aperfeiçoavam os métodos de produção, e moravam nas cidades, onde a difusão de idéias estava em plena ebulição. Em decorrência disso, “a campanha a favor dos escravos começa a ganhar importância depois de 18603”. A Guerra do Paraguai (1864-1870) relegou a questão da emancipação do negro africano para o segundo plano. Entretanto, a partir dela, já em 1871, foi editada a Lei do Ventre Livre, segundo a qual os filhos das escravas nasciam livres. As pressões políticas continuaram até que em 13 de maio de 1888 a Lei Áurea liberta definitivamente os escravos do cativeiro. No dia seguinte a esse grande feito, um pilar de sustentação da monarquia cede. A partir daqui, grandes cafeicultores conservadores passam a apoiar os ideais republicanos. 1.1.2 a quEStÃo MIlItaR A instituição militar era muitas vezes deixada em segundo plano justamente pelo seu caráter eminentemente popular. Atrasos de salários e falta de condições materiais para o exercício da atividade eram uma constante. Havia ainda um agravante. O Exército rivalizava com outra entidade oficial de defesa da sociedade: a Guarda Nacional. Esses fatos explicam a simpatia crescente que o povo nutria pelos homens de farda. Mas foi a Guerra do Paraguai (1864-1870) que conferiu ao Exército um grande nível de unidade e identificação nacional. A organização das forças militares proporcionou que os oficiais pleiteassem por melhorias e mais atenção da Coroa. “É uma força que pretende estar presente no cenário das decisões políticas4”. E a Monarquia, conservadora e avessa a mudanças, não dava respaldo às pressões. A aristocracia da época não sinalizava com uma abertura do acesso à estrutura do poder político. 3. José Ênio Casalecchi, A proclamação da república, São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 55. 4. José Ênio Casalecchi,, Op. cit., p. 68. As Constituições do BrAsil Análise históriCA dAs Constituições e de temAs relevAntes Ao ConstituCionAlismo pátrio22 A crise começa realmente a ganhar corpo quando o Exército encontra no grupo republicano vozes de incentivo à classe. 1.1.3 a quEStÃo RElIGIoSa A religião católica, com o advento da Constituição de 1824, era a oficial do Estado brasileiro. Desde o período colonial, a Coroa exercia muita interferência nos assuntos religiosos. O clero no país dependia materialmente da Coroa. Havia aqui uma relação de submissão em algumas situações. As comunidades de religiosos que vivem em mosteiros, as chamadas ordens monásticas, não foram proibidas, mas também não gozavam de verdadeira liberdade de ação. Um fato importante retratado por Hélio Silva é que “o clero brasileiro era francamente liberal e, em muitos casos, maçom5”. A maçonaria no Brasil não enfrentava a resistência da Igreja, como na Europa. Isso se devia à postura discreta da entidade no país. A maçonaria brasileira não se opunha à fé católica. O episódio da Questão Religiosa teve origem em 1872, numa loja maçônica do Rio de Janeiro, quando ainda se festejavam a edição da Lei do Ventre Livre do ano anterior. O padre católico Almeida Martins, que era maçom, proferiu discurso saudando ao Visconde do Rio Branco, também maçom, por sua atuação no caso da Lei do Ventre Livre. Esse discurso desagradou algumas autoridades eclesiásticas e o bispo da diocese do Rio de Janeiro repreendeu o padre Almeida Martins pelo discurso proferido e o intimou a renunciar à maçonaria. O padre se negou a renunciar, manteve-se fiel aos seus ideais, e foi punido pelo bispo com suspensão do exercício das atividades sacras. A partir daí a maçonaria passa a hostilizar abertamente as entidades e autoridades católicas. Levantou-se, em peso, a maçonaria contra a Igreja, em várias partes do Império. Surgiram, também, vários jornais novos, exclusivamente consagrados à maçonaria. Por meio deles, os maçons atacavam vigorosamente o papa e todo o clero6. A controvérsia tomou proporções inimagináveis e atingiu o Conselho de Estado. Este órgão simplesmente fez valer as leis imperiais, principalmente a 5. Op.cit., p. 49. 6. Helio Silva, Op. cit., p. 50. A CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (1891) 23 Constituição de 1824, que prescrevia amplos poderes da Coroa sobre a Igreja, e determinou que o bispado retirasse as punições impostas à irmandade autora do recurso. Em razão dos acontecimentos da Questão Religiosa, parlamentares conservadores e liberais acabaram por preencher a tribuna com discursos contra o autoritarismo do governo imperial. 1.2 o DIa 15 DE NoVEMBRo DE 1889 E a “CoMISSÃo DoS CINCo”. A República foi proclamada no dia 15 de novembro de 1889 e foi criado o Governo Provisório, liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca. Os vencedores procuraram imediatamente dar corpo à nova forma de governo. Sucessivos decretos7 institucionalizaram a República. Traçaram normas para reger os Estados membros, proveram a manutenção da família real, criaram a bandeira, selos e armas nacionais, alargaram o voto para todos os brasileiros alfabetizados, fixaram atribuições aos governadores de Estado etc. E, logo depois, foi montada pelo Governo Provisório a famigerada “Comissão dos Cinco”, em alusão aos cinco membros que a compunham, com o nobre intuito de elaborar o projeto da primeira Constituição republicana brasileira. São eles: Joaquim Saldanha Marinho, como presidente, Américo Brasiliense de Almeida Melo, como vice-presidente, Antônio Luís dos Santos Werneck, Francisco Rangel Pestana e José António Pedreira de Magalhães Castro. A Comissão logo se reuniu e começou a traçar o plano de trabalho. O resultado desse árduo trabalho foi entregueao Governo Provisório, que prontamente passou a estudá-lo. Para esse intento, contudo, o Governo convocou Rui Barbosa, que na época já se destacava como um jurista brilhante e contribuiu significativamente para o projeto de Constituição. Ele estruturou artigos e parágrafos e conferiu redação mais concisa a alguns dispositivos. A primeira Constituinte republicana, composta de 205 deputados e 63 senadores, instalou-se solenemente sob a presidência de Felício dos Santos, a 15 de novembro de 1890, na Quinta da Boa Vista, ao transcurso do primeiro aniversário da Proclamação da República. Por certo muitos dos congressistas dispunham de fortuna, mormente os que, embora titulados, exerciam atividades agrícola e industrial, principalmente em São Paulo, Minas e Rio8. 7. O mais importante deles foi o Dec. 1, de 15/11/1889, que aboliu a ordem constitucional anterior. 8. A constituição de 1891: o sistema constitucional brasileiro, objeções e vantagens, In: Do poder executivo na república brasileira, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1916, p. 6. As Constituições do BrAsil Análise históriCA dAs Constituições e de temAs relevAntes Ao ConstituCionAlismo pátrio24 E, finalmente, no dia 24 de fevereiro de 1891, a primeira Constituição republicana é solenemente promulgada por Prudente de Moraes. 2 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA CONSTITUIÇÃO DA REPúBLICA DE 1891. 2.1 EStétICa A primeira característica que salta aos olhos dessa importante Constituição brasileira é a concisão de seu texto. Num total de noventa e um artigos no corpo permanente, e oito nas disposições transitórias, a Constituição de 1891 é a mais enxuta daquelas já editadas pelo nosso constituinte. Ela é dividida em cinco Títulos, com frases curtas e diretas, sendo que o Título III, Do Município, contém um único artigo de número 689. 2.2 EStRutuRa Do EStaDo Quando o governo provisório criou a comissão encarregada de elaborar o projeto da Constituição, duas idéias já estavam traçadas e muito bem definidas: a forma de Governo seria a republicana e a forma de Estado seria a federativa. Desse projeto, então, já se sabiam duas certezas – a monarquia e o poder unicamente central sucumbiriam10. A Constituição de 1891 também aboliu o Estado unitário que vigorava desde 1824, sob o império de D. Pedro I e posteriormente D. Pedro II. Com isso, as antigas Províncias passam a se chamar Estados (art. 2º da CF/189111) e o antigo Município neutro (que era o Rio de Janeiro), sede da realeza imperial, constitui-se em Distrito Federal, agora alçado a capital da União. O vínculo entre os Estados era perpétuo e indissolúvel, ou seja, não era possível a secessão. Também foi garantida a autonomia financeira dos Estados membros, consoante o seu artigo 5º12. Interessante era o disposto no art. 3º do texto constitucional da República Velha13, onde Brasília começava a despontar no imaginário brasileiro. 9. CF/1891, art. 68: “Os Estados organizar-se-hão de fórma que fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”. 10. CF/1981, art.1º: “A Nação Brazileira adopta como fórma de governo, sob o regimen representativo, a República Federativa proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por união perpetua e indissolúvel das suas antigas províncias, em Estados Unidos do Brazil”. 11. CF/1981, art. 2º: “Cada uma das antigas províncias formará um Estado, e o antigo município neutro constituirá o Districto Federal, continuando a ser a capital da União, enquanto não se der execução ao disposto no artigo seguinte”. 12. CF/1981, art. 5º: “Incumbe a cada Estado prover, a expensas próprias, ás necessidades de seu governo e administração; a União, porém, prestará socorros ao Estado que, em caso de calamidade pública, os solicitar”. 13. CF/1981, art. 3º: “Fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona de 14.400 kilometros A CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (1891) 25 O art. 67, caput, da CF de 189114 permitia que o Distrito Federal se subdividisse em Municípios, o que na CF de 1988 há vedação expressa. Talvez daí, conjugando o referido art. 67 com o art. 68, ambos da vetusta Carta Política, que possa ter brotado o pensamento hodierno quanto à utilização do princípio da simetria entre o DF e os Estados- Membros. Na seara da Administração do Estado republicano brasileiro, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello descreve o seguinte: A preocupação científica do Direito Administrativo desde a queda da Monarquia aos tempos atuais divide-se em duas fases nítidas, como expressões de posições distintas do Estado. Pode-se mesmo falar em período da 1ª República, que vai de 1989 até a Revolução de 1930, e da 2ª República, dessa data em diante. Naquele o regime administrativo desenrolou-se sob a inspiração da Constituição de 1891, de caráter nitidamente liberal, individualista. Então, regulamentava a vida jurídica de um país organizado, sob o ponto de vista social, em moldes feudais e com economia predominantemente agrícola.15 No que concerne à educação, Motauri Ciocchetti de Souza nos ensina que: Com a república e a adoção do sistema federalista, veio regime bipartido de competências na área educacional. Assim, à União competia tratar dos ensinos secundário e superior, enquanto aos Estados estava delegada a tarefa de cuidarem da formação educacional básica em nível técnico, sem receberem, para tanto, qualquer repasse econômico.16 Para selar essa mudança e não deixar qualquer rastro de dúvidas sobre a intenção do Constituinte, o país adotou o nome oficial de República dos Estados Unidos do Brasil (evidentemente, uma forte influência dos Estados Unidos da América). 2.3 oRGaNIZaÇÃo DoS poDERES O Título I da Constituição, especificamente no seu art. 1517, tratou da organização dos poderes, em observância à clássica divisão de Montesquieu. O antigo Poder Moderador, antes chave de toda a organização política, foi abandonado pelos novos ares republicanos. quadrados, que será oportunamente demarcada, para nella estabelecer-se a futura Capital Federal”. 14. CF/1981, art.67:”Salvas as restricções especificadas na Constituição e nas leis federais, o Districto Federal é administrado pelas autoridades municipaes”. 15. Princípios gerais de direito administrativo,Vol.I, 3ª ed., Malheiros, São Paulo: 2007, p. 142 16. Direito educacional. São Paulo:Verbatim, 2010, p. 29-30. 17. CF/1981, art. 15: “São órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário, harmônicos e independentes entre si”. As Constituições do BrAsil Análise históriCA dAs Constituições e de temAs relevAntes Ao ConstituCionAlismo pátrio26 2.3.1 poDER lEGISlatIVo O Poder Legislativo era exercido pelo Congresso Nacional, com a sanção do Presidente de República (art. 16 da CF189118). O parágrafo primeiro traçava a noção que permanece até hoje do bicameralismo federativo. A Câmara dos Deputados compunha-se de representantes do povo eleitos pelos Estados e pelo Distrito Federal, mediante o sufrágio direto, garantida a representação da minoria (art. 28, caput, CF189119). A legislatura era de três anos. O Senado Federal era formado por representantes eleitos dos Estados e do Distrito Federal, maiores de trinta e cinco anos de idade, e em número fixo para todos: três. O mandato, nesse caso, era de nove anos. A renovação ocorria pelo terço trienalmente (um Senador a cada três anos, para acompanhar a eleição para a Câmara dos Deputados). De qualquer forma, a vitaliciedade do senador, que era inerente ao período imperial, fora abolida na República. Ambos os deputados e senadores eram invioláveis por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato. Também não poderiam ser presos nem processados criminalmente sem prévia licença da Câmara, salvo em flagrante de crime inafiançável, desde a diplomação até a nova eleição. Diferentemente da CF de 1988, o art. 25 do referido antigo Texto Magno20, prescrevia a incompatibilidade de funções do legisladordurante a sua respectiva legislatura. O naturalizado poderia ser eleito para o Congresso Nacional. Para concorrer a uma vaga de Deputado, deveria ter mais de quatro anos de cidadania brasileira; para o Senado, mais de seis anos. Um fato bastante curioso é trazido por Pinto Ferreira ao tratar do Poder Legislativo no âmbito dos Estados membros. Diz ele que, “alguns Estados só possuíam uma Câmara; outros, entretanto, como Pernambuco e São Paulo, além da Câmara dos Deputados, permitiram a existência de um Senado Estadual”21. 18. CF/1891, art.16: ”O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, com a sancção do Presidente da Reupública. § 1º O Congresso Nacional compõem de dous ramos: a Camara dos Deputados e o Senado”. 19. CF/1981, art.28, caput: “A Camara dos Deputados compõe-se de representantes do povo eleitos pelos Estados e pelos Districto Federal, mediante o sufrágio direto, garantida a representação da minoria” 20. CF/1981, art.25: “O mandato legislativo é incompatível com o exercício de qualquer outra fucção durante as sessões”. 21. Curso de direito constitucional, São Paulo: Saraiva, 1998, p. 52 A CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (1891) 27 2.3.2 poDER EXECutIVo Exercia o Poder Executivo o Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, como chefe eletivo da nação (art. 41, CF/198122). O pretendente ao cargo deveria ser brasileiro nato e contar com mais de 35 anos de idade. O mandato era de quatro anos, proibida a reeleição para o período subseqüente. O Vice-Presidente dependia dessas mesmas condições de elegibilidade, e era eleito simultaneamente com o Presidente. A escolha deveria ocorrer por maioria absoluta dos eleitores em um turno apenas. Todavia, a Constituição traçou curiosa regra para o caso de a maioria absoluta não ser alcançada: o Congresso elegerá, por maioria dos votos presentes, um, dentre os que tiverem alcançado as duas votações mais elevadas na eleição direta (art. 47, §2º, CF/189123). Em caso de empate, considerava-se eleito o mais velho. A eleição direta foi uma grande conquista nessa época. No entanto, a primeira eleição presidencial da República foi indireta, realizada pelo Congresso Nacional que estava reunido para a elaboração da Constituição. E mais, Presidente e Vice-Presidente não foram eleitos simultaneamente (art. 1º e parágrafos, das Disposições Transitórias). De qualquer forma, tanto o Presidente quanto o Vice, este último se acabar exercendo a presidência no último ano de mandato, não poderiam ser reeleitos. Em havendo a ausência do Presidente e também do Vice, quem assumiria o mandato, neste ínterim, seria o Vice-Presidente do Senado, diante o art. 41, § 2º, da CF de 189124. Talvez o art. 80 da CF de 1988, nesta questão da substituição temporária dos mandatários do Poder Executivo, fora mais feliz do que o da Carta Política de 1891, haja vista que no texto constitucional ora vigente é o Presidente da Câmara Federal quem preenche a vaga a descoberto, e não o Vice-Presidente do Senado. Isto porque a Câmara Federal é a representante do povo, enquanto o Senado é o representante do Estado-Membro. Paulo Bonavides explica: 22. CF/1981, art. 41: “Exerce o Poder Executivo o Presidente da República dos Estados Unidos do Brazil, como chefe electivo da nação”. 23. CF 1891, art. 47, § 2º: “Se nenhum dos votados houver alcançado maioria absoluta, o Congresso elegerá, por maioria dos votos presentes, um, dentre os que tiverem alcançado as duas votações mais elevadas, na eleição directa”. 24. CF/1981, art.41, §2º: “No impedimento, ou falta do Vice-Presidente, serão sucessivamente chamados à Presidência o Vice-Presidente do Senado, o Presidente da Camara e o do Supremo Tribunal Federal”. aS CoNStItuIÇÕES Do BRaSIl aNÁlISE HIStÓRICa DaS CoNStItuIÇÕES E DE tEMaS RElEVaNtES ao CoNStItuCIoNalISMo pÁtRIo28 O sistema de duas Câmaras, da essência da ordem federativa, testemunha precisamente uma técnica vertical de separação de poderes. Um ramo do poder legislativo – o Senado – exprime a vontade dos Estados, mas o poder político soberano se manifesta também através da segunda casa legislativa: a Câmara dos Deputados ou Casa de Representantes por onde se filtra a vontade dos cidadãos, vontade democrática, vontade popular, que expressa, na produção da ordem jurídica, o sentimento nacional unificado25. 2.3.3 poDER JuDICIÁRIo A Constituição de 1891 consagrou a dualidade das justiças federal e estadual. No âmbito federal, ela manteve a estrutura criada pelo Dec. 848, de 11/10/1890, de autoria de Campos Salles, ainda sob o Governo Provisório. Havia um Supremo Tribunal Federal, com sede na capital da República, e composto por quinze membros. Um desses membros seria designado pelo Presidente da República como Procurador-Geral da República, cujas atribuições seriam definidas em lei (a constitucionalização do Ministério Público ocorreu como parte integrante do Judiciário – art. 58, §2º�). Havia ainda juízes federais (ditos seccionais) e tantos tribunais federais distribuídos pelo país “quantos o Congresso criar” (art. 5526). Já a análise estadual dependia da lei de cada ente (a Constituição de 1891 permitia que os Estados membros legislassem sobre processo inclusive), observados os limites e competências atribuídas à justiça federal pela Constituição da República. Diante o art. 34, § 23, da CF de 189127, que não previa processo civil como matéria privativa do Congresso Nacional, Arruda Alvim destaca que: O Dec. 763, de setembro de 1980, estabelecia que o Brasil continuaria sendo regido, quer em matéria civil, quer comercial, pelo Regulamento 737, enquanto cada um dos Estados não baixasse o seu Código de Processo Civil próprio28. Não havia proibição constitucional para a atividade político-partidária pelos juízes. Houve previsão da vitaliciedade e da irredutibilidade de vencimentos para os juízes federais (art. 57, §1º29). 25. Ciência política, 10ª ed, São Paulo: Malheiros, 1997, p. 186. 26. CF/1981, art. 55: ”O Poder Judiciário da União terá por órgãos um Supremo Tribunal Federal, com sede na Capital da República, e tantos juízes e tribunaes federaes, distribuídos pelo paiz, quantos o Congresso crear”. 27. CF/1981, art. 34, § 23º: ”Legislar sobre o direito civil, comercial e criminal da República e o processual da justiça federal”. 28. Manual de direito processual civil, Vol. I, 12ª ed., São Paulo:RT, 2008, p. 56. 29. CF/1981, art. 57, § 1º: “Os seus vencimentos (juízes) serão determinados por lei e não poderão ser diminuídos” (grifo nosso). A CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (1891) 29 Talvez a maior inovação dessa Constituição fora a introdução do controle de constitucionalidade pela via difusa. A parte interessada poderia contestar judicialmente a validade de lei ou atos dos governos em face da Constituição. 2.4 ESTADO LAICO Na esteira do Dec. 119-A, de 07/01/1890, o Legislador Constituinte não invocou a proteção de Deus no preâmbulo do texto constitucional e promoveu a separação oficial entre Estado e Igreja. Mas tanto Decreto e Constituição foram além. Nenhum culto ou igreja poderia gozar de subvenção oficial, nem teria relações de dependência ou aliança com o Governo da União ou dos Estados. Era reconhecida a personalidade jurídica das igrejas e confissões religiosas, para adquirirem bens e os administrarem. Os cemitérios foram secularizados e as administrações transmitidas para a autoridade municipal respectiva. Apenas o ensino leigo seria ministrado nos estabelecimentos públicos. E o casamento seria apenas civil, com celebração gratuita. Por fim, o instituto do padroado, em que o Imperador intervia nas nomeações e benefícios eclesiásticos, restou extinto. 2.5 DEClaRaÇÃo DE DIREItoS A seção II, do Título IV, consagrou a “Declaração de Direitos”. O art. 72 garantiu aos brasileiros e estrangeiros residentes no país os direitos clássicos à liberdade, à segurança jurídica, à propriedade e à igualdade. Pela primeira vez numa Constituição
Compartilhar