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Introdução à Filosofia da Religião - William Rowe

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Introdução à Filosofia da Religião
William L. Rowe
Tradução de Vítor Guerreiro
Revisão Científica de Desidério Murcho
Para a Peggy
Índice
Prefácio à quarta edição 11
Agradecimentos 13
Introdução 15
 1. A ideia de Deus 19
 2. O argumento cosmológico 39
 3. O argumento ontológico 63
 4. O argumento do desígnio (o antigo e o novo) 87
 5. Experiência mística e religiosa 109
 6. Fé e razão 139
 7. O problema do mal 169
 8. Milagres e a mundividência moderna 199
 9. Vida depois da morte 219
 10. Predestinação, presciência divina e liberdade humana 241
 11. Muitas religiões 263
Glossário de conceitos e ideias importantes 281
Leitura complementar 290
Índice remissivo 293
11
Prefácio à quarta edição
Durante a segunda metade do século XX e nos primeiros anos do século XXI, 
deu ‑se um crescimento sem precedentes da filosofia da religião, tanto em 
termos da quantidade de filósofos que a ela se dedicam como em termos de 
desenvolvimentos importantes no seu seio. E é provável que a área continue a 
florescer, atraindo alguns dos melhores jovens filósofos para trabalhar nos seus 
vinhais. Reflectindo os mais importantes avanços na filosofia da religião neste 
período de crescimento contínuo, o que se segue merece especial atenção:
1. Durante séculos, os pensadores religiosos procuraram mostrar que a 
crença religiosa não só é consistente com o pensamento racional mas 
também que se pode sustentá ‑la com argumentos racionais. O desen‑
volvimento da teoria cosmológica do Big Bang resultou num argumento 
do desígnio a favor da existência de um ser inteligente que terá ajustado 
as condições iniciais da origem do universo de modo a tornar possível a 
vida que conhecemos. E há também um argumento contra a capacidade 
de a selecção natural darwinista explicar sistemas biológicos «irredu‑
tivelmente complexos» ao nível molecular. Um curso introdutório em 
filosofia da religião tem de informar os estudantes acerca destes argu‑
mentos, além dos argumentos tradicionais a favor da existência de Deus.
2. Tem ‑se valorizado crescentemente e procurado compreender outras 
tradições religiosas além das ocidentais, com a sua dupla ênfase na 
ignorância, e não no pecado, como fonte das atribulações humanas, 
Introdução à Filosofia da Religião
12
e no esclarecimento, e não na salvação pessoal, como solução para as 
atribulações humanas. Com esta nova consciência das diferenças pro‑
fundas entre as religiões do mundo, surge naturalmente a questão de 
saber se se pode continuar a defender sensatamente que apenas uma 
destas religiões (a nossa) é a verdadeira e o único caminho para a vida 
além ‑túmulo. O filósofo e teólogo John Hick tem desenvolvido uma 
perspectiva denominada «pluralismo religioso». É importante que os 
estudantes de filosofia da religião contactem com esta perspectiva, bem 
como com as críticas que lhes foram dirigidas.
3. O problema do mal continua a ser um importante tópico de discussão. 
Trata ‑se da questão de a enorme quantidade de mal aparentemente des‑
necessário que há no nosso mundo, um mal que não cumpre qualquer 
finalidade boa que possamos imaginar, contar ou não como indício con‑
tra a existência de um deus sumamente perfeito. Alguns filósofos argu‑
mentam que a disparidade entre o conhecimento humano e o divino é 
tal que a nossa incapacidade para discernir qualquer bem que exigisse a 
permissão de tais males por Deus não nos dá qualquer razão para pensar 
que a sua existência é improvável. Esta perspectiva, conhecida como 
«teísmo céptico», levanta questões de importância central para o pro‑
blema de se saber se o mal no nosso mundo nos dá ou não razões para 
pensar que a existência de Deus é improvável, questões que se devem 
incluir num curso de filosofia da religião.
Nesta edição, procurei tratar destas questões.
13
Agradecimentos
Gostaria de agradecer aos revisores da primeira edição: George L. Abernathy, 
Monroe C. Beardsley, Donald Burrill, John Fisher, Robert O. Long, Geddes 
MacGregor e Walter Stromseth. Estou grato aos revisores da segunda edi‑
ção: Pieranna Garavaso, Universidade do Minnesota ‑Morris; S. S. Rama Rao 
Pappu, Universidade de Miami; Louis Pojman, Academia Militar dos EUA; 
William L. Power, Universidade da Geórgia; Paul Tidman, Universidade 
Estatal do Illinois; e Donald J. Zeyl, Universidade de Rhode Island. Gostaria 
também de agradecer aos revisores da terceira edição: Kelly James Clark, 
Calvin College; Jude P. Dougherty, Universidade Católica da América; Frank 
Murphy, Universidade da Carolina do Leste; e George I. Mavrodes, Univer‑
sidade do Michigan. E gostaria de agradecer aos revisores da presente edi‑
ção: James Baillie, Universidade de Portland; Minh Nguyen, Universidade 
do Kentucky Oriental; Henrietta Wiley, Universidade de Denison; Frederik 
Kaufman, Ithaca College; Ted Guleserian, Universidade Estatal do Arizona; 
Richard Miller, Universidade da Carolina do Leste; Peter Vernezze, Weber 
State; John Beaudoin, Universidade do Illinois do Norte; Hugh Wilder, Col‑
lege of Charleston; Paul Hughes, Universidade do Michigan ‑Dearborn; Keith 
Korcz, Universidade do Louisiana ‑Lafayette; e Russell Lascola, Universidade 
Politécnica Estatal da Califórnia ‑San Luis Obispo.
W.L.R.
15
Introdução
Temos de contar a religião, sem dúvida, juntamente com a arte e a ciência, entre 
os aspectos mais fundamentais e ubíquos da civilização humana. Como tal, é 
digna do escrutínio e do estudo mais cuidadosos. Mas a religião é um aspecto 
tão complexo da vida humana e de tão vastas consequências que jamais uma 
só disciplina poderá estudá ‑la exaustivamente. Por isto se estuda a religião em 
diferentes disciplinas: filosofia, história, antropologia, sociologia, psicologia.
A filosofia da religião é um dos ramos da filosofia, como a filosofia da 
ciência, a filosofia do direito e a filosofia da arte. Podemos compreender 
melhor o que é a filosofia da religião começando pelo que não é. Em pri‑
meiro lugar, não se pode confundir a filosofia da religião com o estudo da 
história das principais religiões de acordo com as quais os seres humanos 
têm vivido. Ao estudar a história de uma religião particular — o cristianismo, 
por exemplo — leríamos algo sobre a sua origem a partir do judaísmo, a vida 
de Jesus, a emergência da igreja cristã no seio do império romano, o desen‑
volvimento das doutrinas características da fé cristã. Pode ‑se levar a cabo 
estudos semelhantes a respeito de outras religiões importantes: judaísmo, 
islamismo, budismo, hinduísmo. Embora tais estudos sejam importantes 
para a filosofia da religião e por vezes possa haver sobreposição de ambas as 
áreas, não as podemos confundir.
Em segundo lugar, não se pode confundir a filosofia da religião com a 
teologia. A teologia é uma disciplina em grande medida interior à religião. 
Introdução à Filosofia da Religião
16
Como tal, desenvolve as doutrinas de uma fé religiosa particular e procura 
fundamentá ‑las quer na razão comum à humanidade (teologia natural) quer 
internamente, na palavra revelada de Deus (teologia revelada). Embora a 
filosofia da religião se interesse fundamentalmente por estudar a maneira 
como as pessoas que têm crenças religiosas as justificam, o seu interesse 
primário não é justificar ou refutar um conjunto particular de crenças reli‑
giosas mas avaliar os géneros de razões que as pessoas dadas à reflexão têm 
apresentado a favor e contra as crenças religiosas. A filosofia da religião, 
ao contrário da teologia, não é fundamentalmente uma disciplina interior 
à religião, mas uma disciplina que estuda a religião de um ponto de vista 
abrangente. Do mesmo modo que a filosofia da ciência e a filosofia da arte, 
a filosofia da religião não faz parte do objecto de estudo a que se dedica. É 
importante reconhecer, contudo, que a teologia, em particular a teologia 
natural, e a filosofia dareligião se sobrepõem consideravelmente. Quando 
Tomás de Aquino discute os diversos argumentos a favor da existência de 
Deus, ou quando procura analisar o que se quer dizer com a ideia de que Deus 
é omnipotente, quando Anselmo examina determinadas noções importantes, 
como a eternidade e a auto ‑existência, é difícil classificar o seu trabalho como 
algo que pertence exclusivamente à teologia. Também se pode, obviamente, 
entender que este é um trabalho filosófico acerca de determinados aspectos 
da religião. Apesar destas sobreposições, contudo, não se deve identificar a 
filosofia da religião, enquanto disciplina, com a teologia.
Podemos caracterizar melhor a filosofia da religião como o exame crítico 
das crenças e dos conceitos religiosos fundamentais. A filosofia da religião 
examina criticamente conceitos religiosos fundamentais como o conceito 
de Deus, o conceito de fé, a noção de milagre e a ideia de omnipotência. 
Examinar criticamente um conceito complexo como o de Deus é fazer duas 
coisas: distinguir as concepções fundamentais de Deus que têm surgido na 
religião e decompor cada concepção nos seus componentes fundamentais. 
Como veremos, há diversas concepções distintas do divino. Há, por exemplo, 
a ideia panteísta de Deus, bem como a ideia teísta de Deus. A filosofia da 
17
Introdução
religião procura distinguir entre estas diferentes ideias de Deus e trabalhá‑
‑las detalhadamente. Uma filosofia da religião abrangente teria de analisar 
cada uma destas diferentes ideias de Deus. Neste livro introdutório, contudo, 
teremos de limitar a nossa análise detalhada ao principal conceito de Deus 
que emergiu na civilização ocidental, a ideia teísta de Deus.
A filosofia da religião examina criticamente as crenças religiosas fun‑
damentais: a crença de que Deus existe, de que há vida depois da morte, de 
que Deus sabe, mesmo antes de nascermos, o que iremos fazer, de que a 
existência do mal é de algum modo consistente com o amor de Deus pelas 
suas criaturas. Examinar criticamente uma crença religiosa envolve explicar 
a crença e examinar as razões que têm sido apresentadas a favor e contra a 
crença, tendo em vista determinar se há ou não qualquer justificação racio‑
nal para afirmar que essa crença é verdadeira ou falsa. O nosso objectivo ao 
levar a cabo este exame não é persuadir ou convencer mas fornecer ao leitor 
um contacto com o tipo de razões que têm sido apresentadas a favor e con‑
tra determinadas crenças religiosas fundamentais. Ao examinar as crenças 
religiosas seria desonesto afirmar que as minhas próprias perspectivas acerca 
destas crenças, e das razões oferecidas a favor ou contra elas, não são visíveis 
no texto. Certamente que são. Mas tentei apresentar de um modo convin‑
cente e cogente as perspectivas de que discordo, como eventualmente fariam 
os seus mais robustos defensores. E a minha esperança é a de que o leitor 
trate os meus próprios juízos do mesmo modo que procurei tratar os juízos 
de outros: não como ideias para aceitar como verdadeiras, mas como ideias 
dignas de reflexão séria e exame cuidadoso. Ler com este espírito o livro é 
entregar ‑se à própria disciplina para a qual foi concebido como introdução; 
é filosofar acerca das questões fundamentais na religião.
Procurei abranger boa parte dos tópicos que os filósofos da religião têm 
geralmente em conta. Nenhum livro introdutório, contudo, pode esperar 
ser exaustivo. Tópicos como a natureza da religião, o conceito de oração, a 
ética religiosa, são importantes, mas as limitações impostas a um livro intro‑
dutório impediram a sua inclusão. Não obstante, abrangeu ‑se uma grande 
Introdução à Filosofia da Religião
18
quantidade de tópicos centrais da disciplina, tão meticulosamente quanto é 
razoável conseguir ‑se num primeiro curso de filosofia da religião.
O livro divide ‑se em quatro partes. Na primeira (Capítulo 1), explica ‑se 
a concepção particular de divindade que tem predominado na civilização 
ocidental — a ideia teísta de deus — e distingue ‑se entre esta e outras noções 
do divino. A segunda parte pondera as principais razões que se têm apre‑
sentado para defender a crença de que o deus teísta existe. Entre o Capítulo 
2 e o 4, discutem ‑se os três principais argumentos a favor da existência de 
Deus, argumentos que apelam a factos supostamente acessíveis a qualquer 
pessoa racional, religiosa ou não. O Capítulo 5 considera a experiência reli‑
giosa e mística enquanto fonte de justificação da crença teísta. E no Capítulo 
6 examina ‑se o papel que a fé pode desempenhar na formação e na justifi‑
cação da crença religiosa. Consideramos também a importante questão de 
a crença em Deus poder ou não ser inteiramente racional independente‑
mente de haver quaisquer indícios a seu favor. Na terceira parte examina ‑se 
o problema do mal, que alguns filósofos supõem dar uma base racional para 
o ateísmo, a crença de que o deus teísta não existe. Na quarta parte, entre 
o Capítulo 8 e o 11, considera ‑se uma série de tópicos centrais na religião 
teísta. Nestes tópicos incluem ‑se os milagres, a questão da vida depois da 
morte, as dificuldades de harmonizar a ideia de presciência divina com a 
crença na liberdade humana e os problemas colocados pela existência de 
diversas religiões.
19
Capítulo 1 
A ideia de Deus
Em 1963 foi publicado um pequeno livro da autoria de um bispo anglicano, 
livro que causou um tumulto religioso no Reino Unido e nos Estados Unidos.1 
Em Honest to God, o bispo John Robinson atreveu ‑se a sugerir que a ideia de 
deus que predominou durante séculos na civilização ocidental é irrelevante 
para as necessidades dos homens e mulheres de hoje em dia. A sobrevivência 
da religião no Ocidente, argumenta Robinson, exige que se rejeite esta ima‑
gem tradicional de deus, a favor de uma concepção profundamente diferente, 
concepção cuja emergência Robinson afirmou ter visto na obra de pensadores 
religiosos do século XX, como Paul Tillich e Rudolf Bultmann.
Robinson previu correctamente a reacção que a sua tese ia provocar, 
sublinhando que encontraria inevitavelmente resistência, como traição 
daquilo que se afirma na Bíblia. Não só as pessoas ligadas à igreja, na sua 
vasta maioria, se oporiam à perspectiva de Robinson, como a afirmação de 
que a ideia de deus já morrera ou que pelo menos estava moribunda pro‑
vocaria ressentimento nos que tinham rejeitado a sua crença em deus. Na 
correspondência com o director do londrino Times, em artigos de revistas 
académicas e nos púlpitos de dois continentes, Robinson foi atacado como 
ateu disfarçado de bispo e só raramente defendido como profeta de uma nova 
revolução que ocorria no seio da tradição religiosa judaico ‑cristã. Um olhar 
1. John A. T. Robinson, Honest to God (Londres: SCM Press Lda., 1963).
Introdução à Filosofia da Religião
20
sobre algumas das ideias de Robinson ajudar ‑nos ‑á a distinguir diferentes 
ideias de deus e a concentrarmo ‑nos naquela que será o centro das nossas 
atenções ao longo da maior parte deste livro.
Antes de surgir a crença de que o mundo no seu todo está sob o controlo 
soberano de um único ser, as pessoas acreditavam amiúde numa plurali‑
dade de seres divinos ou deuses, posição religiosa a que se chama politeísmo. 
Na antiguidade grega e romana, por exemplo, os diversos deuses controla‑
vam diferentes aspectos da vida, de modo que se veneravam, naturalmente, 
vários deuses — um deus da guerra, uma deusa do amor, e por aí em diante. 
Às vezes, porém, podia ‑se acreditar que há diversos deuses mas venerar ape‑
nas um, o deus da própria tribo, posição religiosa a que se chama henoteísmo. 
No Antigo Testamento, por exemplo, há referências frequentes a deuses de 
outras tribos, embora os hebreus se mantenham fiéis ao seu próprio deus, 
Jeová. Lentamente, porém, surgiu a crença de que o nosso próprio deus é o 
criador do Céu e da Terra, o deusque não é apenas o da nossa própria tribo 
mas de todos, perspectiva religiosa a que se chama monoteísmo.
Segundo Robinson, o monoteísmo, a crença num só ser divino, sofreu 
uma mudança profunda, mudança que Robinson descreve com a ajuda das 
expressões «lá em cima» e «lá fora». O Deus «lá em cima» é um ser loca‑
lizado no espaço acima de nós, presumivelmente a uma determinada dis‑
tância da Terra, numa região conhecida como «os Céus». Esta ideia de Deus 
está associada a uma certa imagem primitiva em que o universo consta de 
três regiões, os Céus em cima, a Terra em baixo e a região das trevas sob a 
Terra. Segundo esta imagem, a Terra é frequentemente invadida por seres 
dos outros dois domínios — Deus e os seus anjos do Céu, Satanás e os seus 
demónios da região subterrânea — que combatem entre si pelo controlo das 
almas e do destino dos que habitam o domínio terreno. Esta ideia de Deus 
como ser poderoso que está «lá em cima», numa determinada região do 
espaço, foi lentamente abandonada, afirma Robinson. Agora explicamos às 
crianças que os Céus não estão de facto sobre as suas cabeças, que Deus não 
está literalmente algures lá em cima, no Céu. Em lugar de Deus como «o 
21
A ideia de Deus
velhote no Céu», surgiu uma ideia de Deus muito mais sofisticada, a que 
Robinson se refere como a ideia de Deus «lá fora».
Mudar do Deus «lá em cima» para o Deus «lá fora» é mudar de uma 
concepção de Deus como um ser localizado no espaço a uma certa distância 
da Terra para uma concepção de Deus como algo distinto e independente do 
mundo. Segundo esta ideia, Deus não está em qualquer local ou região do 
espaço físico. É um ser puramente espiritual, um ser pessoal, perfeitamente 
bom, omnipotente, omnisciente, que criou o mundo, mas não faz parte dele. 
É distinto do mundo, não está sujeito às suas leis, julga ‑o, orienta ‑o para 
o seu desígnio final. Esta ideia bastante majestosa de Deus foi lentamente 
desenvolvida ao longo dos séculos por grandes teólogos ocidentais como 
Agostinho, Boécio, Boaventura, Avicena, Anselmo, Maimónides e Tomás. Tem 
sido a ideia dominante de Deus na civilização ocidental. Se rotulamos o Deus 
«lá em cima» como «o velhote no Céu», podemos rotular o Deus «lá fora» 
como «o Deus dos teólogos tradicionais». E é o Deus dos teólogos tradicio‑
nais que Robinson considera ter ‑se tornado irrelevante para as necessidades 
das pessoas de hoje em dia. Quer Robinson tenha ou não razão — e é muito 
duvidoso que tenha — é inegavelmente verdade que quando nós, que herdá‑
mos maioritariamente a cultura da civilização ocidental, pensamos em Deus, 
o ser em que pensamos é em muitos aspectos importantes parecido com o 
Deus dos teólogos tradicionais. Será útil, portanto, ao clarificar as nossas 
próprias ideias acerca de Deus, explorar com maior detalhe a concepção de 
Deus que surgiu no pensamento dos grandes teólogos.
Os atributOs de deus
Vimos que, segundo muitos teólogos importantes, se concebe Deus como 
um ser perfeitamente bom, distinto e independente do mundo, omnipo‑
tente, omnisciente e criador do universo. Duas outras características que 
os grandes teólogos atribuíram a Deus são a auto ‑existência e a eternidade.
A ideia de Deus que predomina na civilização ocidental é portanto a ideia de 
39
Capítulo 2
O argumento cosmológico
O argumentO cOsmOlógicO tradiciOnal
Desde a antiguidade que as pessoas dadas à reflexão procuram justificar as 
suas crenças religiosas. Talvez a crença mais fundamental que se procurou 
justificar seja a crença de que Deus existe. Em geral, a tentativa de justificar a 
crença na existência de Deus começou quer por factos acessíveis tanto a cren‑
tes quanto a descrentes quer por factos que normalmente só são acessíveis 
aos crentes, como a experiência directa de Deus. Neste capítulo e nos dois 
seguintes, consideraremos algumas das principais tentativas de justificar a 
crença em Deus apelando a factos supostamente acessíveis a qualquer pessoa 
racional, religiosa ou não. Começando por tais factos, teólogos e filósofos 
desenvolveram argumentos a favor da existência de Deus, argumentos que, 
segundo eles, provam que Deus existe, sem margem para dúvida razoável.
É comum dividir ‑se os argumentos a favor da existência de Deus em 
argumentos a posteriori e argumentos a priori. Um argumento a poste‑
riori depende de um princípio ou premissa que só se pode conhecer através 
da nossa experiência do mundo. Um argumento a priori, por outro lado, 
assenta supostamente em princípios que se podem conhecer independen‑
temente da nossa experiência do mundo, reflectindo ‑se apenas neles e 
compreendendo ‑os. Dos três principais argumentos a favor da existência de 
Deus — o argumento cosmológico, o argumento do desígnio e o argumento 
Introdução à Filosofia da Religião
40
ontológico — apenas o último é completamente a priori. No argumento cos‑
mológico começa ‑se com factos simples acerca do mundo, como o facto de 
nele haver coisas cuja existência é causada por outras coisas. No argumento 
do desígnio o ponto de partida é um facto um pouco mais complicado acerca 
do mundo, o facto de exibir ordem e teleologia. No argumento ontológico, 
contudo, começa ‑se simplesmente com um conceito de Deus. Neste capítulo 
consideraremos o argumento cosmológico; nos dois capítulos seguintes exa‑
minaremos o argumento ontológico e o argumento do desígnio.
Antes de formularmos o argumento cosmológico em si, vamos ponderar 
algumas questões bastante gerais acerca do mesmo. Historicamente, remonta 
aos escritos dos filósofos gregos, Platão e Aristóteles, mas o fundamental no 
progresso do argumento deu ‑se nos séculos XIII e XVIII. No século XIII, S. Tomás 
de Aquino apresentou cinco argumentos distintos a favor da existência de Deus, 
dos quais os primeiros três são versões do argumento cosmológico.6 No pri‑
meiro, Tomás começa pelo facto de haver coisas no mundo que sofrem mudan‑
ças e conclui que tem de haver uma causa última da mudança, que seja ela 
própria imutável. No segundo, começa pelo facto de haver coisas no mundo 
cuja existência é claramente causada por outras coisas e conclui que tem de 
haver uma causa última de existência, cuja existência seja incausada. No ter‑
ceiro argumento, Tomás começa pelo facto de haver coisas no mundo que não 
têm sequer de existir, coisas que existem mas que facilmente imaginamos que 
poderiam não existir, concluindo que há um ser que tem de existir, que existe 
e que não poderia não existir. Poder ‑se ‑ia agora objectar que mesmo que os 
argumentos de Tomás provassem para lá de qualquer dúvida a existência de um 
motor imóvel, de uma causa incausada e de um ser que não poderia não existir, 
esses argumentos não conseguem provar a existência do Deus teísta. Pois o Deus 
teísta, como vimos, é perfeitamente bom, omnipotente, omnisciente e criador 
do mundo, mas distinto e independente deste. Como sabemos, por exemplo, 
6. S. Tomás de Aquino, Summa Theologica, 1a, 2, 3, em The Basic Writings of Saint 
Thomas Aquinas, org. Anton C. Pegis (Nova Iorque: Random House, 1945).
41
O argumento cosmológico
que o motor imóvel não é malévolo ou ligeiramente ignorante? A resposta a esta 
objecção é que o argumento cosmológico tem duas partes. Na primeira parte 
trata ‑se de provar a existência de um género especial de ser — por exemplo, 
um ser que não poderia não existir ou um ser que causa mudanças nas outras 
coisas mas é em si imutável. Na segunda parte do argumento trata ‑se de provar 
que o ser especial, cuja existência se estabeleceu na primeira parte, tem, e não 
pode deixar de ter, as características que formam conjuntamente a ideia teísta 
de Deus — perfeita bondade, omnipotência, omnisciência e por aí em diante. 
Isto significa, portanto, que os três argumentos de Tomás são versões diferentes 
da primeira parte apenas do argumento cosmológico. Com efeito, em secções 
posterioresda sua Summa Theologica, Tomás procura mostrar que o motor 
imóvel, a causa incausada da existência e o ser que tem de existir são um e o 
mesmo e que este único ser tem todos os atributos do Deus teísta.
Vimos há pouco que o segundo desenvolvimento fundamental no argu‑
mento cosmológico ocorreu no século XVIII, um desenvolvimento que se 
reflecte nos textos do filósofo alemão Gottfried Leibniz (1646–1716) e espe‑
cialmente nos textos do teólogo e filósofo inglês Samuel Clarke (1675–1729). 
Em 1704, Clarke deu uma série de palestras, publicadas mais tarde com o 
título A Demonstration of the Being and Attributes of God [Demonstração 
da Existência e dos Atributos de Deus]. Estas palestras constituem talvez a 
apresentação mais completa, persuasiva e cogente que temos do argumento 
cosmológico. As palestras foram lidas pelo principal filósofo céptico sete‑
centista, David Hume (1711–1776). No seu ataque brilhante à tentativa de 
justificar a religião no tribunal da razão, os seus Diálogos Sobre a Religião 
Natural, Hume apresentou várias críticas penetrantes aos argumentos de 
Clarke, críticas que persuadiram muitos filósofos no período moderno a rejei‑
tar o argumento cosmológico. Ao estudar o argumento, centrar ‑nos ‑emos 
em grande medida na sua forma setecentista e procuraremos avaliar os seus 
pontos fortes e fracos à luz das críticas que Hume e outros lhe fizeram.
A primeira parte do argumento cosmológico na sua formulação sete‑
centista procura provar que há um ser auto ‑existente. A segunda parte do 
63
Capítulo 3
O argumento ontológico
Talvez seja melhor pensar no argumento ontológico não como um único 
argumento mas como uma família de argumentos, em que cada membro 
começa com um conceito de Deus e, apelando apenas a princípios a priori, 
procura estabelecer que Deus existe efectivamente. Nesta família de argu‑
mentos, o mais importante historicamente é o apresentado por Anselmo 
no segundo capítulo do seu Proslogium (um discurso).11 Na verdade, é justo 
afirmar que o argumento ontológico começa com o Capítulo 2 do Proslogium 
de S. Anselmo. Numa obra anterior, Monologium (um solilóquio), Anselmo 
procurara estabelecer a existência e natureza de Deus entretecendo diver‑
sas versões do argumento cosmológico. No prefácio ao Proslogium Anselmo 
comenta que após a publicação do Monologium começou a procurar um 
único argumento que por si só estabelecesse a existência e natureza de Deus. 
Depois de muito esforço árduo e infrutífero, Anselmo diz ‑nos que procurou 
afastar o projecto da sua mente, para se dedicar a tarefas mais compensado‑
11. Alguns filósofos pensam que Anselmo apresenta um argumento diferente e mais 
cogente no Capítulo 3 do seu Proslogium. Para este ponto de vista, ver Charles Hart‑
shorne, Anselm’s Discovery (La Salle, IL: Open Court Publishing Co., 1965) e Norman 
Malcom, «Anselm’s Ontological Arguments», The Philosophical Review LXIX, n.º 1 
(1960), pp. 41 ‑62. Para uma explicação esclarecedora das intenções de Anselmo no 
Proslogium, II e III, e em recentes interpretações de Anselmo, ver o ensaio de Arthur C. 
McGill, «Recent Discussions of Anselm’s Argument» em The Many ‑Faced Argument, 
org. John Hick e Arthur C. McGill (Nova Iorque: The MacMillan Co., 1967), pp. 33 ‑110. 
[Santo Anselmo, Proslogion, trad. Costa Macedo, Porto: Porto Editora, 1996.]
Introdução à Filosofia da Religião
64
ras. A ideia, contudo, continuou a assombrá ‑lo até que um dia se lhe tornou 
clara a prova que procurara tão arduamente. É esta prova que Anselmo apre‑
senta no segundo capítulo do Proslogium.
cOnceitOs fundamentais
Antes de apresentar passo a passo o argumento de Anselmo, será útil intro‑
duzir alguns conceitos que nos ajudarão a compreender algumas das ideias 
centrais que figuram no argumento. Suponha ‑se que desenhamos, na nossa 
imaginação, uma linha vertical e imaginamos que no lado esquerdo da nossa 
linha estão todas as coisas que existem e no lado direito da linha estão todas 
as coisas que não existem. Podíamos então começar a fazer uma lista de algu‑
mas coisas que estão em ambos os lados da nossa linha imaginária. A lista 
poderia começar da seguinte maneira:
Coisas que existem Coisas que não existem
O Empire	State	Building
Cães
O planeta Marte
A Fonte da Juventude
Unicórnios
O Abominável Homem das Neves
Cada uma das coisas (ou géneros de coisas) apresentadas até agora tem a 
seguinte característica: logicamente, podia estar no outro lado da linha. 
A Fonte da Juventude, por exemplo, está no lado direito da linha mas logica‑
mente nada há de absurdo na ideia de que a Fonte da Juventude podia estar 
no lado esquerdo. De igual modo, embora os cães existam, podemos segura‑
mente imaginar, sem cair em qualquer absurdo lógico, que os cães podiam 
não ter existido: podiam estar no lado direito da linha. Registemos então 
esta característica das coisas até agora apresentadas, introduzindo a ideia de 
coisa contingente: algo que podia logicamente estar no lado da linha oposto 
ao lado onde efectivamente está. O planeta Marte e o Abominável Homem 
das Neves são coisas contingentes apesar de o primeiro existir e o último não.
65
O argumento ontológico
Suponha ‑se que acrescentamos algo à nossa lista, escrevendo no lado 
direito a expressão «o objecto que é ao mesmo tempo completamente 
redondo e completamente quadrado». O quadrado redondo, contudo, ao 
contrário das outras coisas apresentadas no lado direito da linha, é algo que 
logicamente não podia estar no lado esquerdo. Vendo isto, introduzamos a 
ideia de coisa impossível como algo que está no lado direito da linha e logi‑
camente não podia estar no lado esquerdo.
Olhando mais uma vez para a nossa lista, surge a questão de haver ou 
não alguma coisa no lado esquerdo da nossa linha imaginária que, ao con‑
trário das coisas apresentadas até agora no lado esquerdo, logicamente não 
poderia estar no lado direito. Por enquanto, não temos de responder a esta 
questão. Mas é útil ter um conceito para aplicar a quaisquer coisas desse 
género, se as houver. Consequentemente, introduzamos a noção de coisa 
necessária: algo que está no lado esquerdo da nossa linha imaginária e logi‑
camente não podia estar no direito.
Por fim, podemos introduzir a ideia de coisa possível: qualquer coisa 
que ou está no lado esquerdo da nossa linha imaginária ou podia logicamente 
estar no lado esquerdo. As coisas possíveis, portanto, serão todas aquelas 
que não são impossíveis — isto é, todas aquelas que são ou contingentes ou 
necessárias. Se não há coisas necessárias, então todas as coisas possíveis serão 
contingentes e todas as coisas contingentes serão possíveis. Se há algo neces‑
sário, contudo, então haverá algo possível que não é contingente.
Munidos com os conceitos que se acabou de explicar podemos passar 
à clarificação de certas distinções e ideias importantes no pensamento de 
Anselmo. A primeira é a distinção entre a existência no entendimento e a 
existência na realidade. A noção que Anselmo tem de existência na rea‑
lidade é a mesma que a nossa noção de existência — isto é, estar no lado 
esquerdo da nossa linha imaginária. Como a Fonte da Juventude está no lado 
direito da linha, não existe na realidade. As coisas que existem são, para usar 
a expressão de Anselmo, as que existem na realidade. A noção que Anselmo 
tem de existência no entendimento, contudo, é diferente de qualquer ideia 
87
Capítulo 4
O argumento do desígnio 
(o antigo e o novo)
O ponto de partida do antigo argumento do desígnio é o nosso sentimento 
de assombro não por existirem coisas mas por muitas das coisas que existem 
no nosso universo manifestarem ordem e desígnio. Partindo deste sentido de 
assombro, o argumento procura convencer ‑nos de que seja o que for que pro‑
duziu o universo tem de ser um ser inteligente. Talvez a formulação mais famosa 
do argumento esteja nos Diálogos Sobrea Religião Natural, de David Hume:
Olhai o mundo em volta: contemplai o todo e cada parte: descobrireis que não 
é senão uma enorme máquina, subdividida num número infinito de máquinas 
menores, que por sua vez se subdividem para lá do que os sentidos e faculdades 
humanos conseguem seguir e explicar. Todas estas diversas máquinas, e mesmo as 
suas partes mais diminutas, ajustam ‑se entre si com uma precisão que deixa estu‑
pefactos todos os homens que já as contemplaram. A curiosa adaptação de meios 
a fins em toda a natureza assemelha ‑se exactamente, embora em muito os exceda, 
aos produtos do engenho humano; do desígnio, do pensamento, da sabedoria e 
da inteligência humanos. Visto que, portanto, os efeitos se assemelham entre si, 
somos levados a inferir, segundo todas as regras da analogia, que as causas tam‑
bém se assemelham; e que o Autor da Natureza é de algum modo similar à mente 
do homem, embora detentor de faculdades muito mais vastas, proporcionais à 
grandiosidade da obra que executou. Com este argumento a posteriori, e apenas 
Introdução à Filosofia da Religião
88
com este argumento, provamos de uma só vez a existência de uma Divindade, e 
a sua semelhança com a mente e inteligência humanas.24
argumentO pOr analOgia
Há uma analogia, diz ‑nos esta passagem, entre muitas coisas na natureza e 
coisas produzidas por seres humanos — como, por exemplo, máquinas. Visto 
que sabemos que as máquinas (relógios, câmaras fotográficas, telemóveis, 
automóveis, etc.) são produzidas por seres inteligentes, e visto que muitas 
coisas na natureza se assemelham tão intimamente a máquinas, estamos auto‑
rizados «segundo todas as regras da analogia» a concluir que seja o que for que 
tenha produzido esses objectos naturais é um ser inteligente. O argumento 
do desígnio, então, tal como esta passagem o apresenta, é um argumento por 
analogia, e para o que nos interessa pode ser apresentado do seguinte modo:
1. As máquinas são produzidas por desígnio inteligente.
2. O universo assemelha ‑se a uma máquina.
Logo,
3. Provavelmente o universo foi produzido por desígnio inteligente.
As questões críticas que temos de considerar ao avaliar o antigo argumento 
do desígnio resultam sobretudo do facto de o argumento usar o raciocínio 
analógico. Para melhor compreender tal raciocínio, consideremos o seguinte 
exemplo do seu uso. Suponha o leitor que trabalha num laboratório químico e 
que de algum modo conseguiu produzir um novo composto. Ocorre ‑lhe que 
um trago deste composto químico poderá ter resultados bastante benéficos. 
Por outro lado, visto que não se conhecem bem as suas propriedades, também 
lhe ocorre que o composto pode ser consideravelmente prejudicial. Sendo ao 
mesmo tempo cauteloso e curioso, o leitor procura um modo de descobrir se o 
24. David Hume, Dialogues Concerning Natural Religion, II, org. H.D. Aiken (Nova 
Iorque: Hafner Publishing Company, 1948), p. 17. [Diálogos sobre a Religião Natural, 
trad. Álvaro Nunes, Lisboa: Edições 70, 2005.]
89
O argumento do desígnio (o antigo e o novo)
químico o irá beneficiar ou prejudicar, sem chegar realmente a bebê ‑lo. Ocorre‑
‑lhe que podia colocar sub ‑repticiamente um pouco do químico na comida dos 
seus convidados para o jantar nessa noite e simplesmente esperar para ver o que 
acontece. Se todos morrerem no espaço de uma hora após a ingestão do químico, 
então terá indícios excepcionalmente fortes de que este lhe fará mal. Por razões 
óbvias, contudo, sente que é incorrecto experimentar noutros seres humanos 
um químico desconhecido, particularmente nos seus convidados para jantar. Ao 
invés, coloca alguns macacos ou ratos em contacto com o químico e conclui, a 
partir do efeito que tem sobre eles, o efeito provável que terá em si.
Reflectir neste exemplo ajudar ‑nos ‑á a compreender o que o raciocínio 
analógico é e porque às vezes temos de o usar ao tentar descobrir algo acerca 
de nós próprios e do mundo. Se tivesse dado o químico a um grupo de seres 
humanos — os seus convidados para jantar, digamos — então a partir do efeito 
do químico neles poderia inferir o efeito que teria em si. Tal raciocínio não seria 
analógico visto que os seus convidados são exactamente como o leitor; perten‑
cem à mesma categoria natural a que o leitor pertence: a categoria dos seres 
humanos. Acontece que não podia envolver ‑se num raciocínio tão directo por‑
que a categoria natural imediata — a categoria dos seres humanos — a que o 
leitor pertence não podia ser objecto de estudo no que diz respeito a esse com‑
posto. O leitor faz então o melhor que pode: escolhe uma categoria natural, a 
categoria dos macacos, à qual o leitor não pertence, mas a cujos membros se 
assemelha em alguns aspectos. O leitor é semelhante aos macacos pelo facto 
de ter um sistema nervoso, sangue quente, e noutros aspectos. Além disso, os 
modos pelos quais se assemelha aos macacos são relevantes para descobrir o 
efeito provável do químico no leitor. As criaturas que têm um sistema nervoso 
central, sangue quente, e são similares noutros aspectos, tendem a ter respostas 
similares a substâncias químicas. De modo que embora o raciocínio analógico 
que o leitor acaba por usar seja algo mais fraco do que o raciocínio directo que 
teria usado se pudesse experimentar o químico em seres humanos, é, não obs‑
tante, um bom raciocínio, e dá ‑lhe indícios relevantes sobre o efeito provável 
que o químico terá em si.
109
Capítulo 5
Experiência mística e religiosa
Antes de Robinson Crusoe ter efectivamente visto o homem Sexta ‑feira, a 
sua justificação para acreditar que havia alguém que não ele próprio na ilha 
consistia em vestígios deixados por Sexta ‑feira, tais como pegadas. O crente 
que baseia a sua crença em Deus apenas em argumentos a favor da existência 
de Deus, como os argumentos cosmológico e do desígnio, encontra ‑se numa 
situação algo semelhante à de Crusoe antes de ter realmente visto Sexta‑
‑feira. A crença em Deus assenta numa convicção de que o mundo e o modo 
como as coisas nele se inter ‑relacionam são vestígios da actividade de Deus, 
testemunhando a existência de um género de ser supremo. Depois de ter 
realmente visto Sexta ‑feira, porém, as razões que Crusoe tinha para acreditar 
que não estava sozinho na ilha não se limitavam aos vestígios deixados por 
Sexta ‑feira; nestas se incluía o contacto directo, em pessoa, com o próprio 
Sexta ‑feira. Analogamente, as pessoas que têm experiências místicas e reli‑
giosas encaram amiúde a experiência mística e religiosa como uma cons‑
ciência pessoal directa do próprio Deus e, consequentemente, como uma 
justificação excepcionalmente forte para a crença em Deus. Neste capítulo 
consideraremos a experiência mística e religiosa com o objectivo de avaliar 
até que ponto podem justificar racionalmente a crença.
Introdução à Filosofia da Religião
110
para uma definiçãO de experiência religiOsa
A nossa primeira tarefa é tentar compreender o que é a experiência religiosa. 
Como caracterizaremos a experiência religiosa? Esta questão é excepcio‑
nalmente difícil e qualquer caracterização a que cheguemos será provavel‑
mente inadequada, talvez mesmo um pouco arbitrária. Mas precisamos de ter 
alguma ideia, por muito vaga e inadequada que seja, daquilo que esperamos 
examinar. Comecemos por considerar um exemplo claro de experiência reli‑
giosa — a experiência de Saulo na estrada para Damasco. Depois, podemos 
ver o modo como alguns dos mais capazes estudiosos da experiência religiosa 
tentaram caracterizá ‑la.
Em viagem aproximava ‑se de Damasco e subitamente um clarão vindo do céu 
fulgurou perto dele. E caiu ao chão e ouviu uma voz que lhe dizia: «Saulo, Saulo, 
porque me persegues?» E retorquiu: «Quem és, Senhor?», e a voz respondeu: 
«Sou Jesus, a quem persegues; mas levanta ‑te e entra na cidade, e dir ‑te ‑ão 
o que tens de fazer.»Os homens que viajavam com ele ficaram sem palavras, 
ouvindo a voz mas não vendo quem quer que fosse. Saulo levantou ‑se do chão 
e, quando os seus olhos se abriram, não conseguia ver; então levaram ‑no pela 
mão e trouxeram ‑no para Damasco. E durante três dias continuou sem ver e 
não comeu nem bebeu.38
Nesta experiência, que se revelou o ponto de viragem na vida de Saulo, 
transformando ‑o de Saulo, o perseguidor, em Paulo, o apóstolo, há da parte 
de Saulo a consciência de uma figura divina — «Quem és, Senhor?» — acom‑
panhada de uma boa dose de temor e tremor e uma consciência da sua pró‑
pria insignificância. Não é muito claro o que Saulo efectivamente viu com os 
próprios olhos, talvez apenas uma luz ofuscante que o cegou temporaria‑
mente. Ouviu de facto uma voz e compreendeu o que esta lhe dizia.
38. Actos dos Apóstolos 9:3 ‑9 (Edição Canónica Revista).
111
Experiência mística e religiosa
Embora a experiência de Saulo seja claramente religiosa, não nos diz o que 
é uma experiência religiosa, nem nos dá uma caracterização pela qual possa‑
mos distinguir a experiência religiosa da não religiosa. Não é preciso ver uma 
luz ofuscante nem ouvir uma voz para ter uma experiência religiosa. Além 
disso, ver uma luz ofuscante e ouvir uma voz apenas não basta para fazer uma 
experiência religiosa. Como caracterizaremos então a experiência religiosa?
dependência, alteridade e união
No seu importante livro A Ideia do Sagrado, o teólogo alemão Rudolf Otto 
(1896–1937) procurou chegar ao elemento essencial da experiência religiosa 
examinando criticamente a caracterização da experiência religiosa dada pelo 
teólogo oitocentista, Friedrich Schleiermacher. Segundo Schleiermacher, o 
que distingue a experiência religiosa é que nela é ‑se dominado pelo senti‑
mento de dependência absoluta. É óbvio que muitas vezes temos consciência 
de nós próprios como seres dependentes — dos nossos amigos, ou do capri‑
cho dos professores que avaliam ensaios. Tais sentimentos de dependência 
não são distintamente religiosos e Schleiermacher não pensou que fossem. 
São apenas exemplos do sentimento de dependência relativa. Na experiência 
religiosa, contudo, o elemento central é o sentimento de dependência abso‑
luta, a consciência do eu como absolutamente dependente.
Otto sugere o nome de «sentimento de criatura» para esse elemento 
da experiência religiosa que Schleiermacher procurou descrever como a 
consciência do eu como absolutamente dependente. A sua objecção funda‑
mental não é que Schleiermacher foi incapaz de discriminar um elemento 
importante da experiência religiosa, visto que Otto admite prontamente 
que o sentido do eu como criatura é um elemento da experiência religiosa. 
A sua objecção é que o sentimento de criatura não é o elemento mais funda‑
mental da experiência religiosa, e ao fazer dele o elemento fundamental Sch‑
leiermacher incorreu em dois erros. O primeiro destes erros é o subjectivismo, 
fazendo da consciência, não de outro mas do eu como absolutamente depen‑
139
Capítulo 6
Fé e razão
A questão central que tem ocupado a nossa atenção desde o primeiro capí‑
tulo é a de haver ou não fundamentos racionais que sustentem as afirmações 
fundamentais das religiões teístas. Até agora a nossa preocupação foi o estudo 
das razões que frequentemente se dá a favor da afirmação de que o deus teísta 
existe. Na sua formulação mais geral, a questão central que temos vindo a 
tratar é a seguinte: será que a razão estabelece a verdade do teísmo (ou a sua 
probabilidade)? Para tal, observámos com algum cuidado os indícios a favor 
do teísmo veiculados pela experiência religiosa e os argumentos tradicionais 
a favor da existência de Deus. Assim, para caracterizar a abordagem que 
adoptámos, podemos afirmar ter avançado com base em dois pressupostos: 
em primeiro lugar, pressupusemos que se devem ajuizar as crenças religio‑
sas, do mesmo modo que as crenças científicas e históricas, no tribunal da 
razão; em segundo lugar, pressupusemos que as crenças religiosas só serão 
aprovadas no tribunal da razão quando forem adequadamente sustentadas 
por indícios favoráveis. Chegou o momento de deitar um olhar crítico aos 
dois pressupostos.
Contra o nosso primeiro pressuposto, afirma ‑se frequentemente que só 
se podem aceitar crenças religiosas com base na fé e não na razão. No mínimo, 
portanto, temos de considerar o que é a fé e se é racional ou irracional aceitar 
crenças religiosas com base nela. Contra o segundo pressuposto, observa ‑se 
que nem toda a crença aprovada no tribunal da razão o pode ser em virtude 
Introdução à Filosofia da Religião
140
de se apoiar noutra crença, que seja um indício a seu favor. Afirma ‑se que 
algumas das nossas crenças são racionais (são aprovadas no tribunal da razão) 
ainda que não as adoptemos com base em quaisquer outras crenças que pos‑
sam ser indícios a seu favor. Se isto for verdade (e penso que é), temos de 
considerar a questão de as crenças religiosas poderem ou não integrar esta 
categoria e serem portanto aprovadas no tribunal da razão, mesmo na ausên‑
cia de indícios favoráveis, dados por outras crenças que adoptamos.
crenças religiOsas e fé
Alguns pensadores religiosos argumentaram que a própria natureza da religião 
exige que as suas crenças assentem na fé, e não na razão. Pois, segundo o argu‑
mento, a crença religiosa exige a aceitação incondicional por parte do crente, 
aceitação que além disso resulta de uma decisão livre de tornar ‑se crente. 
Mas se a crença religiosa tivesse base racional, a razão estabeleceria indis‑
cutivelmente a sua verdade ou apenas a tornaria provável. No primeiro caso, 
em que a razão prova a crença, o intelecto informado impõe ‑na, sem deixar 
espaço para uma decisão livre. E no segundo caso, em que a razão apenas 
mostra que a crença é provável, se a crença religiosa assentasse inteiramente 
na razão, a aceitação incondicional da crença religiosa seria injustificada e 
absurda. Talvez então a crença religiosa assente de facto na fé e não na razão.
Mas o que é a fé? E como se relaciona com a razão? Será que entra em 
conflito com a razão ou a complementa? Ao tentar responder a estas questões, 
centraremos a nossa atenção em duas perspectivas acerca da fé e da razão: 
a primeira é tradicional, desenvolvida por S. Tomás de Aquino; a segunda, 
mais radical, foi formulada por William James.
Tanto Tomás como James encaram os objectos da fé como afirmações, 
sobretudo acerca do divino. A fé é portanto a aceitação de determinadas 
afirmações a respeito de Deus e das suas actividades. Por vezes, contudo, não 
pensamos na fé como uma aceitação da verdade de certas afirmações, mas 
como confiança em certas pessoas e instituições. Assim, dizemos coisas como 
141
Fé e razão
«tem fé nos teus amigos» ou «vamos restabelecer a fé no governo». Mas 
como confiar numa pessoa ou numa instituição envolve em geral acreditar 
em determinadas afirmações acerca delas, ou aceitá ‑las, a fé em alguém ou 
em algo pressupõe a crença de que algumas afirmações acerca dos mesmos 
são verdadeiras. Quando tais crenças não assentam na razão, a fé em alguém 
ou algo pode pressupor a fé de que determinadas afirmações são verdadeiras.
tOmás: uma perspectiva tradiciOnal
Tomás diz ‑nos que a fé está entre o conhecimento e a opinião — que por 
um lado é como o conhecimento e difere da opinião, e por outro é como a 
opinião e difere do conhecimento. Quando tomamos conhecimento de que 
algo é de certo modo, a razão tem indícios conclusivos de que é desse modo; 
algo nos compele a dar a nossa adesão intelectual à proposição conhecida, 
que portanto não é um acto livre da nossa parte. Além disso, a nossa adesão 
à proposição que conhecemos é firme e segura. Segundo Tomás, esta adesão 
intelectual é um aspecto comum à fé e ao conhecimento. Mas para que o acto 
de fé seja livre, o intelecto nãopode ser compelido por indícios conclusivos 
que resultam em conhecimento. Ao contrário do conhecimento, portanto, 
a fé não dispõe de indícios conclusivos a favor da proposição que é objecto 
de crença. No acto de fé, a adesão produz ‑se no intelecto por livre vontade.
A opinião difere do conhecimento por não dispor de indícios conclusi‑
vos a favor da proposição que se aceita e pela sua incerteza, temendo ‑se que 
a opinião alternativa seja verdadeira. A fé, como a opinião, não dispõe de 
indícios conclusivos, mas, como o conhecimento, a sua adesão intelectual à 
proposição em causa é firme e sem hesitações.
Tomás divide as verdades acerca do divino em verdades que se podem 
demonstrar pela razão humana e verdades que não se podem conhecer pelo 
poder da razão humana. Nas verdades do primeiro género incluem ‑se afir‑
mações como «deus existe» e «deus criou o mundo». Mas há muitas ver‑
dades acerca do divino que, afirma Tomás, «excedem a capacidade da razão 
169
Capitulo 7
O problema do mal
Temos procurado familiarizar ‑nos até agora com a principal ideia de Deus 
que emergiu na civilização ocidental — a ideia teísta de um ser perfeitamente 
bom, criador do mundo mas separado e independente do mesmo, omnipo‑
tente, omnisciente, eterno e auto ‑existente (Capítulo 1) — e examinámos 
algumas das principais tentativas de justificar a crença na existência do 
Deus teísta (capítulos 2 a 5). Nos capítulos 2 a 4 ponderámos os três prin‑
cipais argumentos a favor da existência de Deus (cosmológico, ontológico 
e do desígnio), argumentos que apelam a factos supostamente acessíveis a 
qualquer pessoa racional, religiosa ou não. E no Capítulo 5 examinámos a 
experiência religiosa e mística como uma fonte da crença em Deus e como 
justificação para a mesma. No Capítulo 6 considerámos o papel da fé na for‑
mação e na sustentação das crenças religiosas, reflectindo no papel legítimo 
que as razões pragmáticas desempenham, por contraste com as razões con‑
ducentes à verdade, na justificação da crença religiosa. Também considerá‑
mos a importante questão de a crença em Deus poder ter ou não justificação 
racional como crença apropriadamente básica, sem que tenha justificação 
em termos de indícios derivados de outras crenças. Chegou agora a altura 
de nos voltarmos para algumas das dificuldades que a crença teísta enfrenta 
— algumas das fontes que se pensa justificarem o ateísmo, a crença de que o 
Deus teísta não existe. A mais formidável destas dificuldades é o problema 
do mal.
Introdução à Filosofia da Religião
170
Há séculos que se sente que a existência de mal no mundo é um problema 
para o teísmo. Parece difícil acreditar que um mundo que contenha uma 
abundância de mal tão vasta como o nosso possa ser a criação e o objecto de 
controlo soberano por parte de um ser perfeitamente bom, omnipotente e 
omnisciente. Há séculos que o intelecto humano se confronta com este pro‑
blema e todos os principais teólogos procuraram solucioná ‑lo.
Temos de ter o cuidado de distinguir entre duas versões importantes do 
problema do mal. Chamar ‑lhes ‑ei «versão lógica do problema do mal» e «ver‑
são indiciária do problema do mal». Embora a diferença importante entre estas 
duas versões do problema do mal só se torne completamente clara à medida 
que ambas forem discutidas em detalhe, será útil ter diante de nós uma breve 
formulação de ambas as versões do problema, no início da nossa investigação. 
A versão lógica do problema do mal é a perspectiva de que a existência de mal 
no nosso mundo é logicamente inconsistente com a existência do Deus teísta. 
A versão indiciária do problema do mal é a perspectiva de que a diversidade e 
a abundância de mal no nosso mundo, embora talvez não sejam logicamente 
inconsistentes com a existência do Deus teísta, dão, ainda assim, uma sus‑
tentação racional ao ateísmo, a crença de que o Deus teísta não existe. Temos 
agora de examinar cada uma destas versões do problema com algum detalhe.
O prOblema lógicO
A versão lógica do problema implica a inconsistência interna do teísmo, por‑
quanto o teísta aceita duas afirmações que são logicamente inconsistentes 
entre si. As duas afirmações em causa são:
1. Deus existe e é omnipotente, omnisciente e perfeitamente bom.
2. O mal existe.
Estas duas afirmações, insiste o defensor da versão lógica do problema, são 
logicamente inconsistentes entre si, do mesmo modo que
171
O problema do mal
3. Este objecto é vermelho.
é inconsistente com
4. Este objecto não é colorido.
Suponhamos, por enquanto, que o defensor da versão lógica do problema do 
mal conseguia provar ‑nos que as afirmações 1 e 2 são logicamente inconsis‑
tentes entre si. Seríamos então forçados a rejeitar ou 1 ou 2, visto que, se duas 
afirmações são logicamente inconsistentes entre si, é impossível que ambas 
sejam verdadeiras. Necessariamente, se uma delas é verdadeira, a outra é 
falsa. Além disso, como dificilmente poderíamos negar a realidade do mal no 
nosso mundo, parece que teríamos de rejeitar a crença no deus teísta; sería‑
mos levados à conclusão de que o ateísmo é verdadeiro. Na verdade, mesmo 
sendo tentados a rejeitar 2, restando ‑nos a opção de acreditar em 1, esta não 
é uma tentação a que os teístas na sua maioria possam ceder facilmente. Pois 
que na sua maioria os teístas aderem a tradições religiosas que dão ênfase à 
realidade do mal no nosso mundo. Na tradição judaico ‑cristã, por exemplo, 
o homicídio é considerado uma acção má e pecaminosa, e dificilmente se 
poderá negar a ocorrência de homicídios no nosso mundo. Então, como os 
teístas em geral aceitam a realidade do mal no nosso mundo e a destacam, 
seria algo desastroso para o teísmo se estabelecêssemos aquela que é a afir‑
mação central da versão lógica do problema do mal: que 1 é logicamente 
inconsistente com 2.
estabelecendo a inconsistência
Como podemos estabelecer que duas afirmações são inconsistentes entre si? 
Por vezes não é preciso estabelecer seja o que for, porque as duas afirmações 
contradizem ‑se explicitamente, como, por exemplo, as afirmações: «Eli‑
sabete tem mais de um metro e meio» e «Elisabete não tem mais do que 
um metro e meio». É frequente, contudo, duas afirmações inconsistentes 
entre si não serem explicitamente contraditórias. Nesses casos podemos 
199
Capítulo 8
Milagres e a mundividência moderna
Em geral, as religiões teístas sublinham a ocorrência de milagres. O cristia‑
nismo, por exemplo, funda ‑se na afirmação de que Jesus foi milagrosamente 
ressuscitado dos mortos. Os milagres no cristianismo estão também associa‑
dos aos corpos e relíquias dos santos e aos santuários. Anualmente, milhões 
de pessoas rumam a Lourdes, uma pequena cidade em França, onde se atri‑
buíram curas milagrosas às águas de um santuário erguido no lugar onde se 
acredita que a virgem Maria apareceu repetidamente a S. Bernardette, em 
1858. Neste capítulo procuramos saber se é ou não ainda possível acreditar 
em milagres, e, caso seja possível, se é ou não razoável acreditar que ocorreu 
um milagre.
milagres: incOmpatíveis cOm uma mundividência científica?
O expoente máximo da perspectiva de que já não é possível acreditar em 
milagres é o historiador bíblico e teólogo alemão, Rudolf Bultmann (1884–
1976). Bultmann argumenta que os milagres pertencem a uma imagem 
pré ‑científica do mundo, em que o mundo natural é invadido por seres 
sobrenaturais que causam acontecimentos extraordinários: pessoas res‑
suscitadas dos mortos ou a transformação da água em vinho. A ciência e a 
tecnologia, contudo, deram origem à mundividência moderna, uma pers‑
pectiva da natureza como domínio fechado, autónomo, em que se explica um 
Introdução à Filosofia da Religião
200
acontecimento natural através de outro acontecimento natural. Bultmann 
pensa que esta mundividência moldou de tal maneira as pessoas de hoje que 
já não podemacreditar em histórias de acontecimentos milagrosos, como 
os que estão registados na Bíblia. S. Agostinho acreditava que a doença, pelo 
menos num cristão, era causada por demónios. Mas as pessoas modernas 
dificilmente podem manter tal crença. Atribui ‑se agora as doenças e res‑
pectivas curas a causas naturais, como germes e medicamentos. Como Bult‑
mann observa: «É impossível usar a luz eléctrica e a rádio, tirar partido das 
modernas descobertas médicas e cirúrgicas e ao mesmo tempo acreditar no 
mundo de espíritos e milagres do Novo Testamento».93
A afirmação de Bultmann é sem dúvida demasiado forte. As pessoas hoje 
ainda acreditam em milagres, pelo que é evidentemente possível fazê ‑lo.
E à medida que algumas consequências infelizes da tecnologia produzida pela 
ciência moderna se fazem sentir, parece haver, quando muito, uma reac‑
ção contra a mundividência científica e uma vontade crescente de adoptar 
maneiras de pensar pré ‑científicas. Em resposta, Bultmann argumenta que, 
embora haja excepções a esta tese, são relativamente inimportantes.
Pode ‑se evidentemente argumentar que há pessoas hoje em dia cuja confiança na 
mundividência científica tradicional foi abalada, e outras primitivas ao ponto de 
se adequarem a um pensamento mítico. E há também uma grande diversidade de 
superstições. Mas quando a crença em espíritos e milagres degenera em supers‑
tição, torna ‑se algo inteiramente diferente daquilo que era enquanto fé genuína. 
As diversas impressões e especulações que influenciam as pessoas crédulas aqui 
e ali são pouco importantes e nem importa a que ponto as palavras de ordem 
baratas espalharam uma atmosfera hostil à ciência. O que importa é a mundivi‑
dência que os homens absorvem no seu ambiente, e é a ciência que determina 
93. Rudolf Bultmann, kerygma and Myth (Nova Iorque: Harper & Row Publishers, 1961), 
p. 5. Sublinhados meus.
201
Milagres e a mundividência moderna
essa mundividência através da escola, da imprensa, da rádio, do cinema e de 
todos os frutos do progresso técnico.94
Segundo Bultmann, o que importa não é ainda haver pessoas que 
acreditam em milagres — pessoas que ou vivem em áreas primitivas, rela‑
tivamente intocadas pela ciência e pela tecnologia, ou vivem no mundo 
civilizado mas conseguem de alguma maneira rejeitar a ciência moderna 
ou mantêm uma existência esquizofrénica, aceitando ao mesmo tempo a 
ciência moderna e uma crença supersticiosa no milagroso. O que importa é 
que a mundividência moderna deixa pouco ou nenhum espaço para espíritos 
e milagres. As pessoas de hoje, condicionadas pela ciência e pela tecnologia a 
adoptar a mundividência científica, sentem ‑se naturalmente inclinadas a só 
aceitar uma explicação para acontecimentos na natureza se esta for dada em 
termos de outros acontecimentos na natureza. Quando a televisão se avaria 
ou o automóvel empanca, as pessoas que vivem numa sociedade moderna 
não podem levar a sério a ideia de que a causa foi um demónio. Explicam‑
‑se tais coisas por uma falha mecânica ou eléctrica. Consequentemente, há 
menos espaço no mundo natural para Deus — menos espaço, portanto, para 
a ocorrência de milagres.
Penso que temos de conceder a Bultmann que é mais difícil acreditar 
em milagres hoje do que antigamente. Aceitar a ciência moderna é esperar 
que em geral os acontecimentos naturais tenham causas naturais. Conse‑
quentemente, atribuir ‑se ‑ão menos acontecimentos à intervenção de for‑
ças sobrenaturais no mundo natural. Até aqui parece inegável. Bultmann, 
contudo, afirma muito mais. Argumenta que aceitar a ciência moderna é 
de alguma maneira comprometer ‑se com a rejeição de qualquer explicação 
de acontecimentos no mundo natural pela actividade de seres ou poderes 
sobrenaturais (anjos, deuses, demónios ou outros). Mas esta afirmação mais 
forte parece ter pouca ou nenhuma justificação e os factos acerca daquilo 
94. Ibid., p. 5.
219
Capítulo 9
Vida depois da morte
variedades de imOrtalidade
Desde a antiguidade que as pessoas pensam e se intrigam com a possibilidade 
da vida depois da morte. Das diversas religiões e civilizações principais sur‑
giram várias concepções distintas da vida depois da morte. Antes de poder 
pensar claramente acerca da questão da vida depois da morte, portanto, 
temos de distinguir algumas das diferentes maneiras em que se imaginou 
essa vida depois da morte, pois é um erro pensar que todos os que acreditam 
na imortalidade humana acreditam precisamente na mesma coisa.
Na civilização da antiga Grécia, surgem duas ideias distintas acerca da 
vida depois da morte, a que por facilidade de referência chamarei as concep‑
ções homérica e platónica da imortalidade. Na antiga religião grega, com a 
sua crença nos muitos deuses do Olimpo — Zeus, Hera, Poseidon, Hades, e 
outros —, era convicção geral de que tanto os seres humanos como os deu‑
ses tinham começado a existir, mas que os deuses, ao contrário das pessoas, 
nunca morriam; só eles eram imortais. Nenhum ser humano, propriamente 
falando, podia ser imortal; pois para isso teria de ser um deus e não um ser 
humano. Mas, apesar da convicção de que só os deuses eram imortais, os 
antigos gregos acreditavam numa forma de vida humana depois da morte. 
Acreditavam que algo semelhante à pessoa viva sobrevive à morte corpórea 
— que, para citar Homero, «há ainda algo na casa de Hades, uma alma ou 
Desidério Murcho
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Introdução à Filosofia da Religião
220
um fantasma mas sem qualquer vida real».106 O que sobrevive é apenas uma 
sombra da pessoa que em tempos viveu na Terra. Na morte, o espírito de um 
ser humano assume uma forma de existência persistente no Hades, a terra 
dos mortos. Comparada com a vida antes da morte, contudo, a vida depois da 
morte é vista como uma forma mais pobre de existência. Assim diz Homero 
pela boca do poderoso Aquiles: «Não venhas com uma conversa doce sobre 
a morte, Ulisses, luz das assembleias. Digo que é melhor lavrar a terra como 
trabalhador assalariado para algum camponês pobre, vivendo de alimentos 
racionados, do que governar sobre todos os esgotados mortos».107 A crença 
homérica na imortalidade, portanto, é uma crença num género de sobrevi‑
vência à morte corpórea. Mas o que sobrevive aparentemente não é senão 
uma sombra da mente e da alma que habitam o corpo terreno.
A concepção platónica da imortalidade envolve o abandono da ideia 
homérica de que só os deuses são imortais. Também os seres humanos, do 
ponto de vista de Platão, são verdadeiramente imortais. Os seus corpos, 
como é óbvio, perecem com a morte. Mas não há propriamente uma iden‑
tificação entre a pessoa e o seu corpo; a pessoa é a alma humana, e a alma é 
aquele algo espiritual em nós que raciocina, imagina e recorda. Enquanto 
dura a sua vida terrena, a alma está ligada a um corpo particular, ou aprisio‑
nada nele. Mas com a morte física a alma escapa ao cárcere do corpo e alcança 
o seu verdadeiro estado de vida interminável. No seu diálogo, Fédon, Platão 
desenvolve dramaticamente estas ideias. Sócrates, que foi condenado a beber 
o veneno da cicuta, encontra ‑se pela última vez com os seus seguidores e 
argumenta a favor da perspectiva de que ele não é o seu corpo mas que na 
verdade é uma alma espiritual no seu corpo, que a alma é indestrutível e, 
portanto, imortal, e que a vida da alma depois da morte corpórea é superior 
106. Homero, Iliad, livro 23, trad. W.H.D. Rouse (Nova Iorque: The New American Library, 
1950), p. 267. [Ilíada, trad. Frederico Lourenço, Lisboa: Livros Cotovia, 2005.]
107. Homero, Odyssey, livro 11, trad. Robert Fitzgerald (Garden City, NY: Doubleday & 
Company, Inc., 1963), p. 201. [Odisseia, trad. Frederico Lourenço, Lisboa: Livros 
Cotovia, 2003.]
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221
Vida depois da morte
à sua vida no corpo. No final do argumento, o amigode Sócrates, Críton, 
pergunta: «Mas como te vamos enterrar?»
«Do modo que bem entenderem», replicou Sócrates, «isto é, se me conseguirem 
apanhar e não vos escapar por entre os dedos». Ria delicadamente ao falar, e 
voltando ‑se para nós prosseguiu: «Não consigo persuadir Críton de que sou este 
Sócrates aqui que fala convosco a organizar todos os argumentos; ele pensa que 
sou aquele a quem verá em breve jazer morto; e pergunta como me deverá enter‑
rar! Quanto à minha longa e elaborada explicação de que quando tiver bebido o 
veneno não estarei mais entre vós, mas terei partido para um estado de felici‑
dade divina, esta tentativa de vos consolar a vocês e a mim próprio parece não 
encontrar eco nele.»108
As concepções homérica e platónica da imortalidade diferem em pelo 
menos três aspectos. Em primeiro lugar, ao contrário da pessoa homérica, 
a pessoa platónica é verdadeiramente imortal. Em segundo lugar, Platão 
identifica a pessoa real com a alma que ocupa um corpo físico, humano. 
Na concepção homérica não há tal separação clara entre a pessoa e o corpo. 
E finalmente, em Platão, ao contrário de em Homero, a vida depois da morte 
não é encarada como uma forma inferior de existência, mas como efectiva‑
mente superior à vida na Terra.
O elemento comum nas duas concepções gregas da imortalidade que 
considerámos é a crença na imortalidade individual. Há, contudo, formas 
não individuais da crença na imortalidade. As religiões que surgem na Índia 
(hinduísmo, budismo, jainismo) consideram em geral que a imortalidade 
individual é indesejável. No hinduísmo, tal como se exprime nos seus textos 
sagrados, os Upanixades, desenvolveu ‑se uma doutrina da transmigração 
das almas — a passagem de uma alma para outro corpo, aquando da morte 
108. Platão, Phaedo, 115 C, D, em Plato: The last Days of Socrates, trad. Hugh Tredennick 
(Baltimore, MD: Penguin Books, 1954), p. 179. [Fédon, trad. Maria Teresa Schiappa de 
Azevedo, Coimbra: Minerva, 1998.]
241
Capítulo 10
Predestinação, presciência divina 
e liberdade humana
liberdade Humana e predestinaçãO divina
Enquanto jovem de dezassete anos convertido a um ramo bastante ortodoxo 
do protestantismo, o primeiro problema teológico que me preocupou foi a 
questão da predestinação e da liberdade humanas. Li algures a seguinte frase 
retirada do Credo de Westminster: «Deus, desde toda a eternidade […] orde‑
nou livre e imutavelmente tudo o que acontece». Esta ideia atraía ‑me em 
muitos sentidos. Parecia exprimir a majestade e o poder de Deus sobre tudo 
aquilo que criara. Também me levou a adoptar uma perspectiva optimista 
sobre os acontecimentos da minha vida que me pareciam maus ou infelizes, 
assim como das vidas alheias. Pois via ‑os como se Deus os tivesse planeado 
antes da criação do mundo — pelo que teriam de servir um objectivo benéfico 
que eu desconhecia. Pensava que também a ocorrência da minha própria 
conversão teria de estar predestinada, tal como a incapacidade de outros 
para se converterem teria de estar igualmente predestinada. Mas nesta fase 
das minhas reflexões, esbarrei numa dificuldade, que me fez pensar mais 
arduamente do que antes em toda a minha vida. Pois também acreditava ter 
escolhido Deus pelo meu livre ‑arbítrio, e que cada um de nós é responsável 
por escolher ou rejeitar o caminho de Deus. Mas como poderia eu ser respon‑
sável por uma escolha que Deus predestinara, desde a eternidade, que eu faria 
Introdução à Filosofia da Religião
242
naquele momento particular da minha vida? Como pode dar ‑se o caso de 
aqueles que rejeitam o caminho de Deus o fazerem por livre ‑arbítrio, se Deus, 
desde a eternidade, os destinou a rejeitar este caminho? O próprio credo de 
Westminster parece reconhecer esta dificuldade. Pois na linha seguinte lê ‑se: 
«No entanto […] por este meio nenhuma violência se exerce sobre a vontade 
das criaturas».
Durante algum tempo aceitei simultaneamente a predestinação divina 
e a liberdade e a responsabilidade humanas. Ainda que não conseguisse ver 
como ambas podiam ser verdadeiras, sentia que ambas podiam ser verdadei‑
ras, pelo que as aceitei com base na fé. Mas quanto mais pensava no assunto 
mais me parecia que isso não podia ser. Isto é, cheguei à perspectiva, correcta 
ou incorrectamente, de que não só era incapaz de ver como ambas podiam 
ser verdadeiras como conseguia ver que não podiam ambas ser verdadeiras. 
Abandonei lentamente a crença de que Deus decretara desde a eternidade 
tudo o que acontece. Ao invés, adoptei a perspectiva de que Deus sabe desde a 
eternidade tudo o que vem a acontecer, incluindo as nossas escolhas e acções 
livres, mas que essas escolhas e acções não estavam predestinadas.
O que eu não sabia então era que os tópicos da predestinação, da presciên‑ 
cia divina e da liberdade humana tinham sido o centro da reflexão filosófica 
e teológica durante séculos. Neste capítulo, iremos contactar com as diversas 
perspectivas que resultaram destes séculos de esforço intelectual, alargando 
assim a nossa compreensão do conceito teísta de Deus e de um dos problemas 
que lhe está associado.
escolha ou arbítrio livres
Talvez seja melhor começar pela ideia de liberdade humana. Porquanto, como 
veremos, esta ideia foi compreendida de duas maneiras muito diferentes, 
e a maneira que adoptarmos faz muita diferença para o tópico em causa. 
Segundo a primeira ideia, agir livremente consiste em fazer o que se quer ou 
escolhe fazer. Se o leitor quer sair do quarto mas o impedem, pela força, de 
243
Predestinação, presciência divina e liberdade humana
o fazer, certamente concordamos que ficar no quarto não é algo que o leitor 
faça livremente. Não fica no quarto de livre vontade porque isso não é o que 
escolheu ou quis fazer; trata ‑se de algo que acontece contra a sua vontade.
Suponha ‑se que aceitamos esta primeira ideia de liberdade humana, 
segundo a qual agir livremente consiste em fazer o que se quer ou escolhe fazer. 
O problema da predestinação divina e da liberdade humana acaba então por 
não ser um grande problema sequer. Porque não? Bem, para tomar o exemplo 
da minha conversão juvenil: esta foi livre se foi algo que quis fazer, que escolhi 
fazer e que não fiz contra a minha vontade. Suponhamos, como creio que seja 
verdade, que a minha conversão foi algo que escolhi e que quis fazer. Haverá 
alguma dificuldade em acreditar também que desde a eternidade Deus decretou 
que naquele momento particular da minha vida eu me converteria? Não parece. 
Porquanto Deus podia simplesmente ter predestinado também que naquele 
momento particular da minha vida eu quereria escolher Cristo, quereria seguir 
o caminho de Deus. Sendo assim, portanto, segundo a nossa primeira ideia de 
liberdade humana, o meu acto de conversão foi um acto livre da minha parte e 
foi simultaneamente predestinado por Deus desde a eternidade. Na nossa pri‑
meira ideia de liberdade humana, portanto, não parece haver qualquer conflito 
real entre a doutrina da predestinação divina e a liberdade humana.
Será correcta a primeira ideia de liberdade humana? Uma razão para 
pensar que não foi dada pelo filósofo inglês John Locke (1632–1704). Locke 
pede que suponhamos que se leva um homem enquanto dorme para um 
quarto. A porta, que é a única saída do quarto, é então firmemente trancada 
a partir do exterior. O homem não sabe que a porta está trancada, não sabe, 
portanto, que não pode abandonar o quarto. Acorda, dá consigo no quarto, 
olha em volta, e repara que há pessoas amigáveis, com quem gostaria de 
conversar. Assim, decide ficar no quarto em vez de sair.122
122. John Locke, An Essay Concerning Human Understanding, livro II, Cap. XXI, par. 10, 
org. Peter H. Nidditch (Londres: Oxford University Press, 1975), p. 238. [Ensaio Sobre 
o Entendimento Humano, trad. Eduardo Abranches de Soveral, Lisboa, Fundação 
Calouste Gulbenkian, 1999.]263
Capítulo 11
Muitas religiões
Nos capítulos anteriores mencionaram ‑se muitas das principais religiões do 
mundo: judaísmo, cristianismo, islamismo, hinduísmo, budismo. A esta lista 
deve ‑se adicionar o taoísmo, o confucionismo, o xintoísmo e talvez outras. Até 
agora, contudo, não salientámos qualquer religião particular, nem procurá‑
mos discuti ‑las todas. Ao invés, considerámos a característica básica comum 
às principais religiões do Ocidente: judaísmo, cristianismo e islamismo. Esta 
característica básica é a concepção teísta de deus como ser sumamente perfeito 
e pessoal, que criou o mundo segundo o seu desígnio divino. Ao estudar esta 
ideia de Deus e ao considerar as razões a favor e contra a crença de que tal ser 
existe, ignorámos as muitas diferenças que separam o judaísmo, o cristianismo 
e o islamismo. Na verdade, ignorámos mesmo algumas diferenças respeitantes 
ao deus teísta — por exemplo, segundo o cristianismo, mas não segundo o 
judaísmo ou o islamismo, deus é uma trindade e tornou ‑se humano de uma 
maneira absolutamente única, na pessoa de Jesus de Nazaré (a encarnação). 
Ignorámos também em grande medida aquelas tradições religiosas — hinduís‑ 
mo e budismo, por exemplo — que se afastam significativamente da concep‑
ção teísta da realidade última. Agora é tempo de considerar algumas diferen‑
ças importantes entre estas tradições religiosas e levantar a questão de todas 
estas religiões diferentes poderem ou não ser verdadeiras. E se, como parece 
provável à partida, não puderem ser todas verdadeiras, temos de considerar 
como pode ou deve a pessoa que adere a uma destas religiões encarar as outras.
Introdução à Filosofia da Religião
264
Embora tenhamos situado o conceito teísta de deus nas principais religiões 
do Ocidente (judaísmo, cristianismo e islamismo), seria um erro pensar que só 
nestas religiões se encontra o teísmo. Os que veneram o grande deus Vixnu, no 
hinduísmo, por exemplo, pertencem também à tradição teísta. No hinduísmo, 
a tradição teísta encontra ‑se mais plenamente desenvolvida no Bhagavad‑
‑Gita, os textos religiosos mais populares e com maior divulgação na Índia.
O Bhagavad ‑Gita (Canção do Senhor) é um poema extenso que regista o diálogo 
entre Crixna (a encarnação de Vixnu) e um homem, Arjuna, imediatamente 
antes de uma grande batalha. Nesta obra, o caminho da devoção é apresentado 
como o melhor meio de obter a salvação e a vida eterna. Assim, afirma Crixna:
Depressa acorro
A todos os que me oferecem
Cada acção,
Só a mim venerem,
A sua maior alegria
Com imperturbável devoção
Porque me amam
Estes são os meus escravos
E salvá ‑los ‑ei
Da dor mortal
E todas as ondas
Do oceano mortal da vida
Sede absortos em mim,
Em mim abrigai as vossas mentes:
Assim habitarão em mim,
Não o duvideis
Agora e doravante128
128. Swami Prabhavananda e Christopher Isherwood, trad., The Song of God: Bhagavad‑
‑Gita (Nova Iorque: Mentor Books, 1954), p. 98. [Poema do Senhor, Bhagavad ‑Guitá, 
trad. António Barahona, Lisboa, Relógio d’Água, 1996.]
265
Muitas religiões
Evidentemente, estes versos exprimem uma perspectiva teísta em que 
se afirma que o melhor caminho para a salvação pessoal é a devoção total a 
um ser divino com atributos pessoais.
Mas nos escritos sagrados mais antigos, os Upanixades, bem como no 
budismo teravada, ensina ‑se a doutrina de que a realidade última, Brama, é 
impessoal, e que nos libertamos do ciclo da morte e do renascimento quando 
as nossas almas individuais são completamente absorvidas no estado de 
nirvana. Assim, segundo a escola de pensamento hindu advaita vedanta, 
Brama é totalmente uno, uma unidade absoluta, saturado de realidade. 
O mundo das coisas e pessoas individuais é, em última instância, uma ilusão. 
A libertação consiste em conhecer a absoluta unidade entre si e Brama.
É evidente, portanto, que há diferenças profundas entre as grandes reli‑
giões do mundo. Em primeiro lugar, há uma profunda diferença relativamente 
à realidade última ser um deus pessoal ou um absoluto impessoal. Em segundo 
lugar, há diferenças importantes no que diz respeito à nossa vida terrena e 
ao nosso destino último. Haverá um ciclo de morte e renascimento em que 
as nossas almas sobrevivem à morte corpórea e reaparecem na Terra como 
animais ou seres humanos (reencarnações), como as religiões do Oriente ensi‑
nam e as do Ocidente negam? E será o nosso destino último perder a consciên‑ 
cia no grande oceano do ser? Ou continuaremos como indivíduos distintos a 
ter experiências e pensamentos na vida de união com o divino? Em terceiro 
lugar, há uma diferença no que respeita ao locus da revelação. No judaísmo, 
o locus da revelação divina é a Tora. Segundo o cristianismo, é a Bíblia que 
contém a revelação sagrada. Mas no islamismo é o Corão. No hinduísmo são 
os Vedas. Em quarto lugar, há diferenças no que diz respeito à encarnação 
do divino. Segundo o cristianismo, Jesus é Deus. O judaísmo e o islamismo 
negam ‑no. Mas segundo o hinduísmo, há muitas encarnações do divino na 
vida humana. E, finalmente, há diferenças a respeito de a) o que está mal na 
vida humana, b) o que nos é exigido para que nos libertemos daquilo que 
está mal na vida humana e c) em que consiste a nossa salvação ou libertação. 
Segundo a ortodoxia cristã, todo o ser humano está perdido no pecado devido 
281
Glossário de conceitos e ideias importantes
capítulO 1: a ideia de deus
Agnosticismo: Ausência de crença ou descrença em Deus — isto é, suspensão 
do juízo acerca da existência de Deus.
Deísmo: Crença de que Deus criou o universo e as leis da natureza, mas não 
intervém no mundo.
Deus imanente: Um ser divino que impregna ou existe em todas as coisas 
que existem.
Deus transcendente: Um ser divino que está acima do mundo, sendo distinto 
e independente do mesmo.
Henoteísmo: Crença em múltiplos deuses mas veneração de apenas um, o 
deus supremo ou o deus da própria tribo.
Monoteísmo: Crença numa divindade única, universal, global.
Panteísmo: Crença de que o universo e Deus são o mesmo.
Politeísmo: Crença de que há uma pluralidade de seres divinos ou deuses.
Ser auto ‑existente: Um ser cuja existência se explica pela sua própria natureza.
Ser concebível: Um ser que se pode conceber sem contradição.
Ser contingente: Um ser tal que a) se existe, poderia logicamente não ter 
existido e b) se não existe, poderia logicamente ter existido.
Ser dependente: Um ser cuja existência se explica pela acção causal de outro 
ser ou seres.
Ser em acto: Um ser que existe.
Introdução à Filosofia da Religião
282
Ser impossível: Um ser que não existe e não pode logicamente existir.
Ser necessário: Um ser que existe e não pode logicamente deixar de existir.
Ser possível: Um ser que ou existe ou podia logicamente existir.
Ser que existe no entendimento: Um ser no qual pensamos.
Ser que não está em acto: Um ser que não existe.
Teísmo: Crença na existência de um Deus perfeitamente bom, criador do 
mundo, distinto e independente do mundo, omnipotente, omnisciente, 
eterno e auto ‑existente.
capítulO 2: O argumentO cOsmOlógicO
Argumento a posteriori: Argumento tal que nem todas as suas premissas bási‑
cas são proposições a priori (de modo equivalente: pelo menos uma das 
suas premissas básicas é uma proposição a posteriori).
Argumento a priori: Argumento tal que todas as suas premissas básicas são 
proposições a priori (de modo equivalente, nenhuma das suas premissas 
básicas é uma proposição a posteriori).
Argumento cosmológico: tentativa de derivar a existência de Deus a partir 
da existência do universo.
Princípio de não contradição: Para qualquer afirmação e respectiva negação, 
P e não P, no máximo uma é verdadeira (de modo equivalente, nenhuma 
afirmação pode ser simultaneamente verdadeira e falsa — nada pode, 
ao mesmo tempo e no mesmo sentido, ter uma

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