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Ensino da Língua Portuguesa na perspectiva da heterogeneidade: Percurso Formativo do 3º ao 5º ano FASCÍCULO 6 da equipe gestora Gestão e coordenação pedagógica da escola FICHA TÉCNICA MEC Ministro: Camilo Sobreira de Santana Secretário Executivo: Leonardo Osvaldo Barchini Rosa Secretária de Educação Básica: Kátia Helena Serafina Cruz Schweickardt Diretora de Formação Docente e Valorização dos Profissionais da Educação: Rita Esther Ferreira de Luna Diretor de Políticas e Diretrizes da Educação Integral Básica: Alexsandro do Nascimento Santos Diretora de Apoio à Gestão Educacional: Anita Gea Martinez Stefani Diretor de Monitoramento, Avaliação e Manutenção da Educação Básica: Valdoir Pedro Wathier Diretora de Incentivos a Estudantes da Educação Básica: Marisa de Santana da Costa Coordenadora-Geral de Formação de Professores da Educação Básica: Lucianna Magri de Melo Munhoz Coordenador Geral de Formação de Gestores Técnicos da Educação Básica: José Roberto Ribeiro Junior Coordenador-Geral de Alfabetização: João Paulo Mendes de Lima Coordenadora-Geral de Ensino Fundamental: Tereza Santos Farias Coordenadoras de Formação de Professores: Leda Regina Bitencourt da Silva e Ionara Souza Lopes de Macedo Coordenadora de Alfabetização: Pollyana Cardoso Neves Lopes Instituição responsável pela coordenação geral: Universidade Federal de Pernambuco / Centro de Estudos em Educação e Linguagem Coordenação pedagógica: Adelma das Neves Nunes Barros-Mendes (UNIFAP) Ana Claudia Rodrigues Gonçalves Pessoa (UFPE) Cancionila Janzkovski Cardoso (Kátia) (UFR) Isabel Cristina Alves da Silva Frade (UFMG) Marta Nörnberg (UFPEL) Telma Ferraz Leal (UFPE) Organizadoras: Marta Nörnberg (UFPEL) Arita Mendes Duarte (Prefeitura Municipal de Pelotas/RS) Luiza Kerstner Souto (Prefeitura Municipal de São Gabriel da Palha/ES) Revisão linguístico-textual Ana Maria Costa de Araujo Lima Ana Regina Ferraz Vieira José Herbertt Neves Florencio Normanda da Silva Beserra Normalização Mariana de Souza Alves Diagramação: Cammylla Maria Mendonça de Melo da Costa Maria Gabriela Alves Lima Maristela Ferreira de Lima Ponciano Costa Autores(as): Ana Cristina Gomes da Penha (Rede pública de ensino Pernambuco e Recife) Arita Mendes Duarte (Prefeitura Municipal de Pelotas/RS) Bárbara Santos (UFRJ) Celina Henriqueta M. H. Nascimento (Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal) Elaine Constant (UFRJ) Helenise Sangoi Antunes (UFSM) Joselmo Santana (Rede pública de ensino de Jaboatão dos Guararapes e Olinda) Katlen Böhm Grando (ISEI e UFPEL) Luciana Cordeiro Limeira (Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal) Marta Nörnberg (UFPEL) Mirna França da Silva Araújo (Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal) Suzane da Rocha Vieira Gonçalves (FURG) Vera Lucia Martiniak (UEPG) Ywanoska Gama (UFRPE) Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Educação, Brasil. Ministério da 1. Alfabetização (Ensino fundamental) 2. Gestão escolar 3. Prática de ensino 4. Professores - Formação I. Título. CDD-370.71 Índices para catálogo sistemático: Ensino da língua portuguesa na perspectiva da heterogeneidade : percurso formativo do 3º ao 5º ano [livro eletrônico] : fascículo 6 : equipe gestora : gestão e coordenação pedagógica da escola / Ministério da Educação. -- Teresina, PI : Editora CEAD, 2025. PDF 25-260400 1. Ensino fundamental : Professores : Formação : Educação 370.71 Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8 /9380 Vários autores. Bibliografia. ISBN 978-65-983751-4-0 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO UNIDADE 1 Direito à educação e o CNCA • TEXTO 1 Direito à Educação: o que as políticas públicas para a alfabetização têm a ver com isso? • TEXTO 2 O direito à educação como compromisso do Estado e da gestão escolar • TEXTO 3 Políticas de formação de alfabetizadores: do direito à educação ao direito à formação permanente UNIDADE 2 Gestão e coordenação da escola • TEXTO 1 O coordenador pedagógico, a formação continuada e a consolidação da alfabetização no processo de ensino e aprendizagem • TEXTO 2 Organização e gestão da escola pública dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental • TEXTO 3 Protagonismo do gestor e do coordenador pedagógico na escola • TEXTO 4 Projeto Político-Pedagógico da Escola e a garantia do direito à educação UNIDADE 3 Coordenação de processos educativos e formativos na escola • TEXTO 1 Formação docente como prática colaborativa • TEXTO 2 A Coordenação Pedagógica e a articulação dos processos avaliativos no cotidiano escolar • TEXTO 3 Gestão e coordenação pedagógica articulando espaços e tempos para a formação de leitores na escola: tecendo caminhos, construindo redes CONSIDERAÇÕES FINAIS 3 APRESENTAÇÃO Marta Nörnberg Arita Mendes Duarte Luiza Kerstner Souto O Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, proposto pelo Ministério da Educação (MEC), é uma iniciativa que envolve a colaboração entre os órgãos governamentais responsáveis pela gestão da educação no Brasil. Seu principal objetivo é garantir que todas as crianças sejam alfabetizadas até o final do 2º ano do Ensino Fundamental. Além disso, o compromisso também visa recompor as aprendizagens dos alunos do 1º ao 5º ano, afetadas pela pandemia de COVID-19, que assolou o país entre os anos de 2020 e 2022. O Compromisso é uma iniciativa que demonstra o esforço conjunto da União, do Distrito Federal, dos estados e dos municípios no enfrentamento dos desafios da atualidade, buscando garantir às crianças o acesso à educação de qualidade e sua progressão escolar, especialmente nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Neste Fascículo, os textos se dirigem, mais especificamente, aos gestores e aos coordenadores pedagógicos do Ensino Fundamental, tendo como objetivos principais: - analisar como o direito à educação se institucionaliza por meio do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, assumindo a importância do conhecimento da legislação como instrumento de orientação e trabalho na garantia e na efetivação do direito à leitura e à escrita na escola, e das políticas de educação e formação de alfabetizadores implementadas pelo MEC; - refletir acerca da importância da gestão e coordenação pedagógica da escola, identificando o protagonismo de diretores/as e coordenadores/as nas práticas de organização e gestão da escola e dos processos de formação continuada na escola, reconhecendo como centralidade da prática de gestão a construção do Projeto Político-Pedagógico como instrumento de reflexão e trabalho coletivo voltado para resguardar o direito à educação; - perceber a formação docente como ação colaborativa que pode ser experimentada como iniciativa entre professores/as e fortalecida como prática da/na escola, o que, por sua vez, fortalece processos autônomos e autorais de planejamento do ensino, bem como de desenvolvimento da avaliação formativa na escola, visando à promoção da aprendizagem e da articulação de espaço e tempos para a formação de leitores, envolvendo a escola e a comunidade. Esse conjunto de intenções se materializa em 10 textos que compõem este Fascículo, organizados em três unidades temáticas. Com a finalidade de instigar a leitura e o estudo de cada unidade, trazemos alguns elementos das temáticas exploradas em cada um dos textos. O tema articulador da Unidade 1 é o Direito à educação e o CNCA, explorado em três textos: no primeiro, Direito à educação: o que as políticas públicas para a alfabetização têm a ver com isso?, são abordados aspectos das legislações que amparam o direito à educação, a obrigatoriedade da educação escolar e a relação destas com os processos de aprendizagem no âmbito da alfabetização. O segundo texto, O direito à educação como compromisso do 4 Estado e da gestão escolar, traz questões relativas aos processos administrativos atinentes à gestão escolar, além de refletir sobre pontos da Constituiçãoum diálogo com a avaliação nacional da alfabetização e o Programa Mais Alfabetização. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, v. 30, n.115, p.334-353, 2022. RIVERO, José. As diferentes faces do analfabetismo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE QUALIDADE NA EDUCAÇÃO: formação de professores, 1., 2001, Brasília. Simpósios [...]. MARFAN, Marilda Almeida (org.). Brasília: MEC, SEF, 2002. 384 p. Simpósio 15: Alfabetização no contexto das políticas públicas. p. 238-245. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/vol1d. pdf. Acesso em: 1 jan. 2025. SAVELI, Esméria de Lourdes. Ensino fundamental de nove anos: bases legais de sua implantação. Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 3, n. 1, p. 61-72, 2008. Acesso em: 27 abr. 2024. Suzane da Rocha Vieira Gonçalves é licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG (2005), Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pelotas (2004), mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (2007) e doutora em Educação Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG (2012). Professora Associada do Instituto de Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação da FURG. E-mail: suzanevieira@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/1075634958692140 TEXTO 3 Políticas de formação de alfabetizadores: do direito à educação ao direito à formação permanente Vera Lucia Martiniak Contextualizando o tema A coordenação pedagógica é um dos pilares centrais na escola porque está diretamente ligada à atividade fim da educação, ou seja, é responsável, juntamente com os demais profissionais da educação, pela qualidade do processo de ensino. A articulação com os objetivos e metas educacionais, definidos na proposta pedagógica, expressam-se por meio da gestão e da organização do trabalho educativo. Dentre suas funções e finalidades, cabe à coordenação pedagógica articular a formação continuada dos/as professores/as, em serviço, de modo que atenda às necessidades da escola e de sua comunidade. O trabalho da coordenação pedagógica pode contribuir para que as metas estabelecidas na proposta pedagógica sejam efetivadas a partir do diálogo com cada realidade de uma rede de ensino ou de uma escola. A partir da articulação com as necessidades da comunidade fortalece-se uma cultura de formação permanente que pode ser reforçada, sobretudo, quando coordenadores e gestores têm iniciativas próprias para organizar formações em seu município ou na sua escola. A formação continuada, em serviço, possibilita mudanças no coletivo da escola, ressignificando estratégias e criando um espaço permanente de discussão e um olhar autorreflexivo para a prática pedagógica. Assim, a escola torna-se um espaço importante e autônomo de reflexão e discussão que ultrapassa modelos e receitas prontas para suprir as suas necessidades. Nessa direção, este texto pretende contribuir com a formação dos gestores e coordenadores em termos de reflexões e apoios teóricos e práticos que os auxiliem no trabalho da gestão escolar, visando à garantia do direito à educação e, sobretudo, à formação, objeto do programa Compromisso Nacional Criança Alfabetizada. Primeiramente, o texto apresenta os programas de formação de professores/as alfabetizadores/as implementados nos últimos anos no Brasil. Na sequência, retoma-se a discussão a respeito da formação continuada como uma atividade fundamental para a formação do/a professor/a e a importância da escola como lócus do desenvolvimento profissional e melhoria do processo educativo. 25 26 Os programas de formação continuada de alfabetizadores/ as no Brasil A partir da década de 1990, pode-se observar que a formação de professores/as tem recebido destaque na formulação de políticas e programas educacionais, os quais buscaram seguir orientações dos organismos internacionais que apontavam a centralidade da alfabetização e direcionaram concepções e metodologias para a prática docente. Esse período foi marcado por um clima de perplexidade e descrença, e a orientação neoliberal assumida pelo governo caracterizou-se por políticas educacionais duvidosas, em que se utilizava um discurso que reconhece a importância da educação com a redução dos investimentos na área e apelos à iniciativa privada e organizações não governamentais, transferindo-se a responsabilidade do Estado para a população (Saviani, 2008). No contexto de formulação das políticas para formação de professores/as destaca- se a influência do neoliberalismo e da reforma do Estado, que têm provocado ajustes que refletem alterações no campo econômico, político e social e, especificamente, na educação, na alfabetização, nos programas educacionais e na formação de professores/as, tanto inicial quanto continuada. O governo federal implementou programas para formação continuada de professores/ as, principalmente para os/as alfabetizadores/as, que tinham como intuito contribuir para a melhoria da qualidade da educação e com os índices de alfabetização. Os resultados das avaliações padronizadas e em larga escala demonstraram, por exemplo, que 60% ou mais dos alunos matriculados na 4ª série, em 1999, se encontravam abaixo do mínimo esperado em Língua Portuguesa, revelando sérios problemas na competência de leitura e de escrita (Brasil, 2007). Esses programas foram formulados e implementados nos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011- 2015), como medidas impostas pela reforma educacional no país. Nesse contexto, a formação de alfabetizadores/as se materializou por meio do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA), do Pró-Letramento e do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). As reformas implementadas no início do governo de Fernando Henrique Cardoso estavam alinhadas com os acordos e documentos internacionais que priorizavam o desenvolvimento de necessidades básicas de aprendizagem, nas áreas de Linguagem e Matemática. Em consonância com as reformas educacionais, foi lançado, em 2001, o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA), que teve como objetivo propiciar aos/às professores/as dos Anos Iniciais acesso a conhecimentos em alfabetização, capazes de subsidiá-los teórica e metodologicamente em sua prática pedagógica. O programa delineou-se em um modelo de formação continuada que visou contribuir para a superação dos problemas de evasão e repetência, pois os alunos não estavam alfabetizados ao término do 1º ano de escolaridade do Ensino Fundamental (Brasil, 2001). Os pressupostos teóricos e metodológicos que embasaram a formação dos/as professores/as alfabetizadores/as estavam alicerçados nas contribuições da abordagem construtivista, por meio das pesquisas e estudos linguísticos realizados por Emília Ferreiro e Ana Teberosky. 27 O PROFA teve como objetivo formar no/a professor/a alfabetizador/a a construção de competências profissionais a partir de um conjunto de materiais que contemplava: documento de apresentação; guia de orientações metodológicas gerais; guia do formador; coletâneas de textos; caderno de registros; catálogo de resenhas; manual de orientação para uso do Programa Nacional da Biblioteca da Escola; vídeos com situações didáticas reais vivenciadas com crianças, jovens e adultos. Nessa direção, a de formar professores/as a partir de competências, o PROFA foi operacionalizado por meio de conteúdos que se dividiram em dois grandes temas: 1) Leitura, escrita e processos de aprendizagem na alfabetização; 2) Conhecimento didático. O conteúdo foi dividido em unidades e distribuídas ao longo das 160 horas totais do curso, sendo que 75% eram destinadas à formação em grupo e 25% à entrega de trabalhos individuais para serem avaliados pelo formador. Os encontros foram realizados em reuniões semanais de 03 horas de duração e 01 hora de trabalho individual, comduração de 40 horas. A metodologia utilizada pretendeu contribuir na ampliação do universo de conhecimento sobre alfabetização e na reflexão sobre a prática profissional, por meio de estratégias de resolução de situações-problema, análise de produções de alunos, simulações, planejamento de situações didáticas e discussões dos textos teóricos estudados. A partir dos estudos realizados, os/as professores/as eram instigados a refletir sobre a sua prática, avaliar sua postura e redimensionar o processo de ensino, de modo que oportunizassem a aprendizagem dos alunos. A estrutura da formação evidencia que o curso procurou aliar teoria e prática e mobilizar o/a professor/a para refletir sobre sua prática, a partir de situações vivenciadas no cotidiano escolar. O Programa configurou-se como uma das primeiras iniciativas que direcionou seu olhar para a formação continuada de professores/as alfabetizadores/as. Outro aspecto positivo foi o registro das atividades, observações e estudos realizados no decorrer dos módulos pelos/as alfabetizadores/as. O registro escrito possibilita o estudo da realidade escolar com o objetivo de refletir sobre ela e de conhecê-la para além da aparência primeira. O registro configura-se como um instrumento que possibilita ao/à professor/a a análise do diagnóstico do contexto da sala de aula e da escola, os desafios e avanços e, principalmente, a definição de estratégias para enfrentamento das dificuldades enfrentadas no exercício da docência (Martiniak, 2015). Com as mudanças políticas ocorridas na esfera nacional, o PROFA foi descontinuado e, em 2003, foi lançado o Programa “Uma Escola do Tamanho do Brasil”, que tinha como prioridade a elevação dos níveis de qualidade da educação pública, demonstrados pelos baixos resultados expressos nas avaliações realizadas pelo SAEB. Decorrente das reformas realizadas em 2004, foi criada a Rede Nacional de Formação Continuada de Professores, que teve como objetivo contribuir para a melhoria da formação dos/as professores/as da Educação Básica e do desempenho dos alunos. No ano seguinte, a Rede passou a se chamar Rede Nacional dos Centros de Formação Continuada de Professores, que congregava universidades públicas, selecionadas por meio de edital próprio, para oferta de cursos para formação docente, em áreas específicas, como Alfabetização e Linguagem. Por meio dos Centros de Formação Continuada, o Pró-Letramento foi implementado em 2005 (Brasil, 2005), como um Programa de Formação Continuada de Professores dos/das Anos/Séries Iniciais do Ensino Fundamental, na modalidade semipresencial, com a utilização de materiais impressos, vídeos, atividades presenciais e a distância e o acompanhamento de professores/as orientadores/as-tutores/as. Constituiu-se como um programa de formação continuada de professores/as para a melhoria da qualidade de 28 aprendizagem de leitura, escrita e matemática, nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Foi proposto pelo Ministério da Educação (MEC), por meio de convênio com Universidades e com adesão de estados e municípios. O Ministério da Educação, no papel de indutor da formação, coordenou as diretrizes, os critérios de implementação do Programa e disponibilizou os recursos financeiros para elaboração e reprodução dos materiais para as formações. O Programa Pró-Letramento teve os seguintes objetivos: a) oferecer suporte à ação pedagógica dos professores dos anos/séries do ensino fundamental, contribuindo para elevar a qualidade do ensino e da aprendizagem de língua portuguesa e matemática; b) propor situações que incentivem a reflexão e a construção do conhecimento como processo contínuo de formação docente; c) desenvolver conhecimentos que possibilitem a compreensão da matemática e da linguagem e de seus processos de ensino e aprendizagem; d) contribuir para que se desenvolva nas escolas uma cultura de formação continuada; e) desencadear ações de formação continuada em rede, envolvendo Universidades, Secretarias de Educação e Escolas Públicas dos Sistemas de Ensino. (Brasil, 2005, p. 2). O Programa foi proposto com o intuito de elevar o nível de escolaridade dos brasileiros, pois as avaliações de larga escala demonstravam que os índices no desempenho dos alunos da educação básica continuavam muito baixos. Conforme dados do SAEB de 2003, apenas 4,8% dos alunos da 4ª série estavam no nível adequado; a grande maioria, 39,7% dos alunos estavam no nível intermediário, ou seja, estavam começando a desenvolver as habilidades de leitura mais próximas do nível exigido para a série; e, 18,7% estavam no nível crítico, pois não conseguiram desenvolver habilidades de leitura mínimas condizentes com os quatro anos de escolarização. O relatório apontou, ainda, que a escolaridade do/a professor/a é outro fator que estava relacionado com o desempenho dos estudantes, portanto, justificavam-se os investimentos na formação inicial e continuada. Os materiais do Programa foram organizados por pesquisadores de diversas universidades públicas, integrantes de grupos de estudos e pesquisas em alfabetização e linguagem que integravam a Rede Nacional de Formação Continuada. O material foi composto por sete fascículos e mais um complementar que abordaram: capacidades linguísticas; questões sobre avaliação; organização do tempo pedagógico e o planejamento de ensino; organização e uso da biblioteca escolar e das salas de aula; a ludicidade por meio de projetos e jogos; livro didático em sala de aula e modos de falar, modos de escrever. No início de sua implementação, o Programa foi idealizado para as regiões Norte e Nordeste, devido aos altos índices de alunos incluídos nas faixas “muito crítico” e “crítico”. Porém, devido à grande demanda por formação continuada, os demais estados também aderiram à proposta. Para o MEC, o Pró-Letramento foi considerado um Programa exitoso e, a partir de seu formato, em 2012, foi apresentado o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). 29 O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) foi implementado por meio da Portaria nº 867/2012, com objetivo de contribuir para o processo de ensino e aprendizagem dos alunos dos anos iniciais na área de alfabetização e matemática, assegurando que todas as crianças fossem alfabetizadas até os oito anos de idade. Concomitante à criação do Programa, também foi criada a Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), que aferia o processo de aprendizagem dos alunos e a efetivação do Programa por meio da realização de avaliações externas. O PNAIC foi proposto a partir da experiência exitosa do Pró-Letramento, contando com o envolvimento das universidades públicas no processo formativo dos/as professores/ as, na articulação com as secretarias estaduais e municipais e escolas públicas do país. O PNAIC contou com a parceria de 39 universidades públicas, que foram responsáveis pela elaboração do material, pela formação dos/as professores/as e pelo acompanhamento das ações nos municípios. As formações dos orientadores de estudos, no primeiro ano da sua implantação, tiveram uma carga horária de 200 horas, sendo realizadas por formadores vinculados às universidades participantes do Programa. Após a formação inicial, os orientadores retornaram a seus municípios para organizar e formar os/as professores/as alfabetizadores/as. A pesquisa de Brisola (2021) salienta que a parceria do governo com as universidades públicas fortaleceu a formação de professores/as, pois a universidade é o espaço privilegiado de produção de conhecimento, favorecendo o aprofundamento e a atualização dos conhecimentos que são necessários para uma prática pedagógica efetiva. Os resultados da pesquisa mostram que as universidades públicas não participaram como meras executoras das ações do governo, mas foram além, pois “[...] sempre buscaram dialogar, discutir e lutar por ações que consideravam apropriadas no sentido de uma formação de professores coerente com uma formaçãosólida, crítica e emancipadora” (Brisola, 2021, p. 62). Inicialmente, as ações formativas foram propostas para os/as professores/ as alfabetizadores/as, porém o Programa ampliou a formação para coordenadores pedagógicos, para acompanharem o progresso da aprendizagem dos alunos, bem como auxiliar os/as professores/as na definição de estratégias pedagógicas e seleção de materiais e tecnologias para atender às necessidades de cada turma. A ampliação da formação para gestores, coordenadores pedagógicos e equipes técnicas das Secretarias de Educação centrou-se na reflexão sobre a legislação, a organização e o funcionamento das políticas educacionais; nas mudanças advindas a partir da adesão do município ao Programa e nas avaliações em larga escala na alfabetização. Em 2017, o Programa ampliou a perspectiva de alfabetização com a inclusão dos/as professores/as da Educação Infantil, dos articuladores e mediadores de aprendizagem das escolas que faziam parte do Programa Novo Mais Educação e dos coordenadores pedagógicos que atuavam na pré-escola e nos Anos Iniciais. A participação dos coordenadores pedagógicos nas ações formativas do PNAIC enfatizou o compromisso compartilhado de garantir o direito à educação da criança e o seu direito de apropriação das habilidades de leitura e escrita. O Programa teve um novo direcionamento, com o objetivo voltado à promoção da cooperação federativa, ao acompanhamento das ações do Programa, bem como à avaliação da aprendizagem das crianças. 30 A conjuntura política e econômica vivenciada pelo país refletiu na estrutura do Programa e afetou a continuidade das ações formativas. Aliada à descontinuidade das ações formativas, a aprovação da Emenda Constitucional 95/2016 impôs limites aos gastos públicos e afetou a redistribuição de recursos públicos para os programas e políticas sociais. Apesar dos esforços para a continuidade das ações formativas, o PNAIC persistiu até o ano de 2018, sendo implementado com inúmeras mudanças no seu formato original, decorrentes da instabilidade política e econômica no país, o que repercutiu na diminuição de recursos públicos nos programas e políticas educacionais e, finalmente, acarretou a sua paralisação. Pouco tempo depois, o mundo se deparou com uma grande pandemia, que impactou a Educação e demais áreas da vida pública e privada. Uma pesquisa realizada pelo grupo Alfabetização em Rede (2020), organizado por um coletivo de pesquisadoras de 28 universidades, teve como um dos objetos de estudo o ensino remoto durante a pandemia. Ao questionar os participantes sobre o desafio do trabalho remoto com a alfabetização, 57% dos/das professores/as responderam que o desafio era fazer com que os estudantes realizassem as atividades propostas. Em outra pesquisa realizada por Bof, Basso e Santos (2022), constatou-se que houve um aumento nos índices de alunos cuja proficiência em Língua Portuguesa está abaixo da escala do SAEB, alunos que não demonstravam possuir habilidades básicas, como escrever palavras com correspondências regulares entre letras e fonemas a partir de ditados. Os pesquisadores alertam ainda que houve um aumento nas desigualdades quando se direciona o olhar para as regiões geográficas, os entes federativos, o local de residência e a raça/cor das crianças. Após o cenário pandêmico, em 2023, foi lançado o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada (CNCA), que tem como objetivos: promover ações para que as crianças brasileiras estejam alfabetizadas ao final do 2º ano do Ensino Fundamental; e, ainda, promover medidas para a recomposição das aprendizagens, com foco na alfabetização e na ampliação e no aprofundamento das competências em leitura e escrita nos alunos matriculadas nos 3º, 4º e 5º anos do Ensino Fundamental. O aspecto positivo do CNCA é recomendar que parte da carga horária dos encontros presenciais seja desenvolvida no espaço escolar e outra parte é destinada para favorecer a interação entre profissionais de diferentes escolas, ampliando o processo formativo. Nesse processo de aprender continuamente, o/a professor/a reflete criticamente e estabelece relações com a prática pedagógica e social. Deixa de ser executor e transmissor de conteúdos e passa a ser mediador do conhecimento. Diante de tanta complexidade e de tantas dificuldades no cotidiano escolar, como o coordenador pedagógico pode contribuir para a garantia da aprendizagem dos alunos e ser articulador do processo de formação continuada dos/as professores/as? A formação continuada proposta pelo CNCA reafirma o papel do/a professor/a e o compromisso assumido pelas redes de ensino no sentido de contribuir para a melhoria do processo de ensino e aprendizagem de todos os alunos. É necessário ter conhecimento sobre o contexto em que a escola está inserida, a sala de aula, os alunos, como aprendem e o que aprendem. Para Libâneo (2004, p. 40), o “trabalho de professor implica compreender criticamente o funcionamento da realidade e associar essa compreensão com seu papel de educador, de modo a aplicar sua visão crítica ao trabalho concreto nos contextos específicos em que ele acontece”. 31 As aprendizagens vivenciadas nos programas de formação continuada, enquanto participante, orientador, mediador, ou seja, na função de professor/a ou coordenador pedagógico, em outros projetos, possibilitaram reflexões acerca da prática pedagógica, bem como propiciaram oportunidades de esses profissionais compreenderem e transformarem a realidade complexa, desafiadora e multifacetada que se apresenta no contexto escolar. Conhecendo os programas já implementados para formação de alfabetizadores/as, como garantir o direito à formação continuada a partir da atuação dos coordenadores pedagógicos e gestores? A formação continuada é atividade essencial ao trabalho docente, pois fornece subsídios à prática pedagógica, a partir de situações problematizadoras que permitem a reflexão e a teorização, e que promovem a construção do conhecimento como processo contínuo de formação profissional. Nesse movimento contínuo, a formação continuada torna-se um instrumento de profissionalização, pois ela é dinâmica. Conforme a necessidade da realidade escolar, o/a professor/a vai mobilizando seu conhecimento, pois o ato de ensinar exige um perfil que solucione e resolva os impasses do cotidiano escolar, tomando como modelo de identidade um/a professor/a comprometido/a com a transformação da realidade social. É necessário atentar-se para os programas de formação de professores instituídos no país, colocando-os em perspectiva e aprendendo com suas especificidades e heranças, pois cada uma das iniciativas interferiu e continua a agir diretamente na prática pedagógica. Neles estão implícitas concepções de homem, sociedade, educação, escola, infância, currículo e avaliação. Afinal, que alunos queremos formar? A formação continuada é importante para o desenvolvimento profissional de todos/ as os/as professores/as, mediante práticas de envolvimento na organização da escola, na articulação do currículo, nas atividades de assistência pedagógico-didática junto com a coordenação pedagógica, nas reuniões pedagógicas e nos conselhos de classe. O coordenador pedagógico tem um papel fundamental na liderança desse processo. O conhecimento sobre as políticas anteriores, de seus alcances e modos de funcionamento pode ajudar a pensar seu papel, que é possibilitar uma formação voltada para a autonomia dos/as professores/as e das instituições, num diálogo entre as oportunidades de formação oferecidas pelas políticas públicas de formação e as propostas lideradas pela própria instituição escolar. Em síntese Na tentativa de alterar os baixos índices de analfabetismo, foram implementadas nas últimas décadas várias políticas educacionais. Os programas de formação de professores/ as que antecederam o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada foram criados e justificados para solucionar os problemas relacionados à alfabetização e escolarizaçãoda população. No que se refere a esses problemas, muitos culpados têm sido apontados: ora a responsabilidade recai sobre os/as professores/as, a família, o aluno; ora sobre as desigualdades sociais, a formação inicial aligeirada e a formação continuada, esta vista como receituário para o sucesso escolar dos alunos. 32 Os programas de formação de professores/as alfabetizadores/as instituídos no Brasil têm sido criados devido ao baixo nível de aprendizagem comprovado nos exames nacionais, nas avaliações externas e nos altos índices de analfabetos. Dessa forma, os programas são implementados com o objetivo de solucionar um velho problema educacional: o analfabetismo no Brasil. Ao discutir sobre as políticas de formação de professores/as alfabetizadores/as implementadas a partir da década de 1990, pode-se inferir que é essencial que tenhamos políticas sérias e contínuas de Estado, e não de governo. A implementação de programas, ações e políticas educacionais não pode ser vista como uma solução imediata para os graves problemas educacionais que se perpetuam há décadas no país, e uma função primordial da formação é garantir reflexões permanentes sobre projetos políticos de educação e de alfabetização, paradigmas e ações pedagógicas de cada tempo. Por isso, as formações devem ter um caráter contínuo. A avaliação coordenada por Souza, Leal e Martiniak (2022) sobre o PNAIC salienta a importância de programas de formação continuada, especialmente os que dão voz aos/às professores/as alfabetizadores/as, suscitando o desejo de transformar a prática pedagógica e contribuir para a melhoria da educação pública. O PNAIC buscou garantir o direito à formação em serviço aos/às professores/as alfabetizadores/as, e programas como o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada reforçam esse direito. 33 Referências ALFABETIZAÇÃO em rede: uma investigação sobre o ensino remoto da alfabetização na pandemia Covid-19 - Relatório Técnico (Parcial). Revista Brasileira de Alfabetização, n. 13, p.185-201, dez. 2020. DOI: https://doi.org/10.47249/rba2020465. BOF, Alvana; BASSO, Flavia Viana; SANTOS, Robson dos. Impactos da pandemia na alfabetização das crianças brasileiras. Cadernos de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais, v. 7, 2022. DOI: https://doi.org/10.24109/9786558010630.ceppe.v7.5573. 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Nascimento Contextualizando o tema Se pedíssemos que selecionasse uma imagem que represente o dia a dia do trabalho do coordenador, que figura você escolheria? Solicitamos a um grupo de coordenadores pedagógicos do Ensino Fundamental e Educação Infantil participantes de uma ação formativa em uma rede de ensino público estadual brasileira que respondessem a essa pergunta. A grande maioria das imagens foi a de diarista ou bombeiro, junto a expressões como “faz tudo” e “corre para apagar incêndio”. Essas imagens representam o que os coordenadores pedagógicos presentes sentiam e viviam em sua rotina escolar, que refletem as diferentes situações envolvidas na realização de suas funções. Some-se a isso as demandas de caráter burocrático que as escolas são chamadas a entregar, que perpassam por avaliações periódicas dos estudantes, para aferir os avanços no aprendizado, pelo preenchimento de relatórios e por reuniões constantes para esse fim. Tudo isso mostra a grande complexidade da atuação desse profissional na atualidade. Este texto apresenta uma reflexão acerca da atuação do coordenador pedagógico, considerando suas atribuições e sua importância para a realização do trabalho pedagógico, a partir de sua função primordial, que é a formação continuada de professores. Considera- se que essa formação repercute diretamente nos processos de ensino e aprendizagem, materializados no desenvolvimento e consolidação do processo de alfabetização nos primeiros anos de escolarização e no envolvimento da comunidade escolar nas ações desenvolvidas pela escola, instituição educativa que cumpre um importante papel social a partir da garantia das aprendizagens escolares. 36 Atuação do coordenador pedagógico e a formação continuada Numa sala de professores/as de uma escola do Ensino Fundamental Anos Iniciais, na primeira semana de trabalho, são discutidos a distribuição de turmas, o delineamento de projetos e o estabelecimento de parcerias internas e externas. Surge uma questão: Quem será o coordenador pedagógico da escola? Sabe-se que nem todas as redes de ensino passam por processos de escolha de coordenadores. Mas considerando o traçado de um perfil sobre quem ocuparia esse lugar, diante das diversas demandas apresentadas para o trabalho, temos um desafio muito grande: encontrar profissionais que desejam exercer essa função. Então, quais são os critérios estabelecidos para que esse profissional venha a atuar considerando os objetivos propostos pelo coletivo escolar? Existe a possibilidade de adequar essa atuação ao perfil e às necessidades do grupo docente, juntamente aos anseios da equipe gestora? E diante das demandas externas, apresentadas pelos setores que acompanham a escola? Como atender a todas elas? Funções, atribuições e responsabilidades no contexto escolar As funções e atribuições dos coordenadores têm sido modificadasao longo da história da educação. Considera-se que o primórdio da função de coordenador pedagógico encontra-se na atribuição de inspeção escolar, estabelecida a alguns atores escolares, mas com caráter mais administrativo e fiscalizador (Lima, 2013; Saviani, 2000). Com o passar dos anos, as atribuições definidas para esse profissional se alargaram, sobretudo as relacionadas ao funcionamento pedagógico da escola, no apoio ao trabalho docente e na liderança a ser exercida para a construção coletiva de um projeto pedagógico para a escola (Vilela; Silva, 2022). Esse desafio compreende a orientação, o planejamento e a supervisão da organização das ações pedagógicas que envolvam os processos de ensino e aprendizagem: o planejamento de aulas, das avaliações, de reuniões e de atendimento aos pais/responsáveis; o acompanhamento à frequência dos estudantes e professores/as, aos processos avaliativos da escola e ao desempenho apresentado pelos estudantes; e, ainda, a formação continuada de professores, atribuição precípua da coordenação pedagógica. A formação de professores (formação continuada) é a principal atividade relacionada às atribuições formativas. Consiste nos estudos e reflexões relativos à realização de ações didático-pedagógicas que objetivam garantir as aprendizagens previstas para cada etapa de desenvolvimento dos estudantes. A ação formativa se desdobra em diferentes atividades, demandando tempo, dedicação e conhecimento do profissional atuante nessa função. De forma geral, as legislações educacionais vigentes no país estabelecem atribuições que se caracterizam como “explicitamente formativas, potencialmente formativas (que constituem a maioria) e administrativas” (Placco, Souza, Almeida; 2012, p.761). Essa caracterização de ações, sobretudo as relacionadas à formação, contribui para uma delimitação de fazeres da ação pedagógica do coordenador pedagógico e para a constituição de uma identidade profissional, necessárias ao seu reconhecimento, acolhimento e respeito pela comunidade escolar ao exercício dessa função. As atividades relacionadas às ‘ações explicitamente formativas’ exigem um maior engajamento de outras equipes, tais como: equipe gestora, equipe de apoio, especialistas nas áreas de conhecimento. As atividades relacionadas às ‘ações potencialmente formativas’, conforme amplo levantamento com um recorte de diferentes realidades desenvolvido por Almeida, Souza e Placco (2016), constituem o maior número de ações para a coordenação pedagógica. Entre elas podemos citar as mais comuns no cotidiano escolar: • orientar e acompanhar a elaboração e execução dos planos de ensino e planos de aula dos/as professores/as, em conformidade com os currículos vigentes; • promover ações que garantam a integração docente e o trabalho coletivo em diferentes atividades que envolvam o desenvolvimento dos estudantes e atendam à diversidade de necessidades apresentadas, garantindo sua inclusão no contexto escolar; • acompanhar os processos avaliativos internos e externos da escola, analisando os dados observados e, coletivamente, propondo, registrando e acompanhando ações que promovam a superação das fragilidades encontradas; • estabelecer comunicação com a comunidade escolar, a fim de aproximá- la das ações pertinentes às aprendizagens dos estudantes, bem como dos processos decisórios de que devem estar cientes e participar. Todas essas ações são fundamentais para o trabalho pedagógico, sobretudo para a consolidação da alfabetização. O coordenador pedagógico analisa e registra com o/a professor/a os processos de aprendizagem das crianças, sugere estratégias, promove momentos de estudos coletivos, fomenta ações que possam ressignificar e atualizar as práticas pedagógicas com equidade no atendimento aos estudantes, e estabelece um diálogo com os responsáveis para que compreendam o fazer pedagógico do/a professor/a e o desenvolvimento de seus filhos. Embora a consolidação da alfabetização no tempo certo ainda seja um desafio, defendemos que todas as crianças podem ser alfabetizadas. A função do coordenador pedagógico se amplia e ganha destaque ao considerarmos a complexidade desse processo multifacetado. O desafio encontra-se em promover a melhoria da qualidade do ensino e garantir as aprendizagens escolares a todos os estudantes, sendo necessário agregar novos conhecimentos ao repertório didático-pedagógico dos/as professores/as, garantindo ao profissional atuante na coordenação pedagógica uma formação continuada apropriada à sua função. A formação deve pautar-se por uma abordagem que reconheça e valorize o contexto organizacional e escolar, oriente e proponha mudanças nas formas de reconhecer o estudante – enquanto centro do processo educativo, e o/a professor/a como o protagonista da ação docente –, de forma a identificar, estimular e propor soluções coletivas aos desafios apresentados e, assim, que venham a repercutir na melhoria do ensino e da aprendizagem (García, 1999). Assim, a formação do profissional docente, seja do/a professor/a ou do coordenador 37 38 pedagógico, se constrói num percurso formativo que envolve, para além dos cursos realizados e do acesso aos conhecimentos e técnicas de ensino diferenciados, momentos coletivos de reflexão crítica sobre as práticas realizadas, de reconhecimento e reconstrução da identidade profissional, que venham a contribuir para a melhoria da qualidade da educação ofertada (Nóvoa, 1997). A alfabetização e a formação continuada do/a professor/a alfabetizador/a Ao assumirmos o coordenador pedagógico como responsável, por um lado, pela formação continuada dos/as professores/as e, por outro, pelo acompanhamento das aprendizagens dos estudantes, seu papel na consolidação da alfabetização é fundamental. Entendemos como direito da criança a garantia da alfabetização na idade recomendada, considerando-se a infância e suas necessidades. Assegurá-lo por meio da qualidade de ensino e aprendizagem garante a continuidade na trajetória escolar, diminui as desigualdades educacionais, amplia as possibilidades de acesso à cultura e garante o alcance aos demais direitos (Soares, 2020). A consolidação da alfabetização ao final do 2º ano – como preconiza a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – ainda é um desafio para quase 50% das crianças, como demonstram os resultados das avaliações do SAEB 2021. Além disso, temos ainda algumas crianças que chegam aos 4º e 5º anos sem terem se apropriado da leitura e da escrita, o que pode dificultar a sua trajetória escolar de forma autônoma. Essas lacunas podem resultar de processos de ensino decorrentes da ausência de intervenções didático-pedagógicas apropriadas, de descontinuidades nesse processo, ou mesmo de inadequações nos casos dos processos de aprendizagens dos estudantes público-alvo da Educação Especial, que exigem dos profissionais da educação um trabalho integrado, intencional e acessível às singularidades desses estudantes, para a apropriação da leitura e da escrita. Assim, as ações voltadas para garantir as aprendizagens previstas devem acontecer de forma reflexiva, dialógica e inclusiva, a partir de um conjunto de estratégias que possam promover a ampliação dos espaços de aprendizagem e o fortalecimento do vínculo da criança com a leitura e a escrita. Sabemos que o processo de alfabetização é complexo e multifacetado, e envolve processos cognitivos e linguísticos distintos. Segundo Soares (2017), três facetas, com objetos de conhecimentos diferentes, compõem o período inicial de aprendizagem da leitura e da escrita: a faceta linguística é constituída pelo sistema alfabético e ortográfico de escrita, com suas propriedades e convenções; a faceta interativa refere-se à compreensão e produção de textos; e a faceta sociocultural é caracterizada pelos eventos sociais e culturais que envolvem a escrita. A primeira faceta, a autora denomina de alfabetização, ou seja, a aprendizagem da tecnologia da escrita. As demaisreferem-se ao que ela denomina letramento, o uso da leitura e da escrita nas diversas situações pessoais e sociais. Ensinar a leitura e a escrita é um exercício simultâneo, em que ambos os processos, alfabetização e letramento, embora com objetos de conhecimento distintos, acontecem de forma complementar e interdependente. 39 A perspectiva discursiva da alfabetização contextualiza o sentido da escrita considerando a realidade das crianças com uso de textos que possam promover a compreensão da função da escrita na organização da vida. Segundo Goulart (2019, p. 63), “a exposição cotidiana ao mundo da escrita na escola, por meio de materiais escritos e do diálogo com pessoas letradas, além do convívio com demais questões correlacionadas, contribui para o aprofundamento do conhecimento e do papel da escrita na sociedade, expressando-se discursivamente”. A Matemática, assim como os componentes Ciências, História, Geografia e Arte complementam e enriquecem esse processo de aprendizagem, com conhecimentos que fortalecem as relações e as práticas sociais em uma sociedade grafocêntrica. O foco em ensinar a ler e a escrever não pode desconsiderar esses outros conhecimentos fundamentais para a formação integral do estudante. Para isso, precisam ser contemplados no planejamento do/a professor/a alfabetizador/a, considerando também que seus conteúdos se apresentam na escola em diferentes tipos de textos e contextos. No ambiente escolar, diversas ações podem ser implementadas para apoiar, estimular e promover essas aprendizagens como, por exemplo, o uso da leitura e da escrita em diferentes situações comunicativas e a promoção de diversas possibilidades em que essas práticas sociais possam ser vivenciadas. Ao coordenador pedagógico, juntamente à equipe docente, cabe a importante missão de tornar esse ambiente um espaço alfabetizador, com livros, revistas, suportes diversos, onde as práticas sociais e culturais da escrita e da leitura estejam presentes e possam mediar os processos de apropriação e consolidação da alfabetização (Glossário Ceale, 2014). No cotidiano escolar, a atuação eficiente das diferentes equipes envolvidas no trabalho pedagógico repercute positivamente na aprendizagem dos estudantes. Essa atuação se constitui de ações conjuntas e colaborativas que se inscrevem no planejamento, estudo e trabalho coletivo, nas rotinas estabelecidas e ajustadas às necessidades dos estudantes, na implementação de ações diversificadas e inovadoras – pertinentes às metodologias aplicadas, aos materiais didáticos utilizados, aos tipos e formas de avaliação propostos – associadas ao processo de ensino e aprendizagem. O trabalho desenvolvido pelo coordenador pedagógico, dialogando com esses desafios, promovendo estratégias para discuti-los com seus pares e construindo coletivamente possibilidades para enfrentá-los, é fundamental. Na escola, esse conjunto de ações deve acontecer de forma intencional, didática e pedagogicamente organizada, com objetivos claros e definidos. Ao considerarmos o coordenador pedagógico como um profissional fundamental ao processo formativo, entendemos que alguns conhecimentos são importantes no que se refere ao processo de ensino e aprendizagem nas turmas dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, principalmente nos 1º e 2º anos e para sua consolidação nos anos seguintes. É fundamental que tenha clareza do processo de alfabetização, dos processos cognitivos das crianças na apropriação do Sistema de Escrita Alfabética, do desenvolvimento da leitura e escrita de textos, além do conhecimento sobre os objetos de conhecimento presentes no currículo, para que possa orientar as ações educativas, planejar as ações formativas e acompanhar os processos de ensino e aprendizagem. Ao considerar as diferentes facetas desse conhecimento, é fundamental ao/à alfabetizador/a e aos profissionais que darão continuidade a esse processo, o entendimento de que serão necessários múltiplos procedimentos, fundamentados em teorias e princípios, para garantir a especificidade de cada objeto de conhecimento, ao mesmo tempo em que 40 são desenvolvidos de forma complementar e simultânea. “A questão não se resolve com um método, mas com múltiplos métodos diferenciados segundo a faceta que cada um busca desenvolver” (Soares, 2017, p. 35). Esses conhecimentos demandam tempo de estudo e reflexão para apoiar o coordenador pedagógico em sua ação diária e ampliação do seu repertório didático-pedagógico. Como citamos anteriormente, a formação continuada é uma atribuição precípua da coordenação pedagógica. A escola torna-se espaço privilegiado para a realização dessa formação, considerando a potencialidade das trocas e uma fonte contínua de desafios que surgem no cotidiano escolar. Ações como relatos de experiências nas salas de aula, convite a especialistas, momentos de estudos coletivos de obras e autores, discussão sobre metodologias e procedimentos são possibilidades que o coordenador pedagógico, junto à equipe gestora, pode fomentar dentro da escola. Há ainda a articulação com programas de formação da própria rede de ensino ou em âmbito federal, que pode ser estimulada e trazida para reflexão e adequação à prática escolar. Em se tratando da alfabetização e sua consolidação, o acompanhamento do processo de aprendizagem da leitura e da escrita para todos os estudantes precisa ser realizado com frequência e observando-se cada etapa na construção desse conhecimento, o que garantirá qualidade na continuidade da trajetória escolar dos estudantes. Esse acompanhamento, entendido como estar junto, significa dar atenção às dificuldades e dúvidas evidenciadas pelos/as professores/as e promover estratégias e orientações que possam saná-las no cotidiano da sala de aula (Soares, 2020). Nesse sentido, para a realização desse trabalho e melhoria da aprendizagem, é necessário que o coordenador pedagógico e os demais profissionais atuantes envolvidos nesse processo tenham clareza quanto ao que é esperado para cada ano escolar e que se estabeleçam os objetos de conhecimento que serão observados, analisados e definidos como pontos de atenção e de necessidade de revisão das práticas pedagógicas e avaliativas. Assim, a formação continuada promoverá o compartilhamento de experiências – a partilha de saberes e materiais utilizados, de modos de organização da sala e da rotina de aula – bem como o acesso a diferentes metodologias de ensino, a partir de estudos e reflexões apropriadas sobre a prática docente (Tardif, 2002). A experiência aqui entendida, como aponta Larrosa (2002), consiste numa experiência vivida e sentida pelos sujeitos de forma singular e concreta, na abertura e disponibilidade para o novo, para o incerto, e de sua disposição para se expor diante de outros sujeitos. Os saberes, produzidos pela experiência, ocorrem na relação entre o conhecimento – formal e informal – e a vida em sociedade. A partir do que foi apresentado, o coordenador pedagógico torna-se um profissional importantíssimo na busca por resolução dos desafios encontrados, na consolidação da alfabetização e no desenvolvimento da leitura, da escrita, como fontes de acesso aos conhecimentos ensinados na escola e necessários às interações sociais e culturais da vida do estudante. Para isso, o acompanhamento das aprendizagens, a formação continuada e o assessoramento nas ações didático-pedagógicas do/a professor/a são fundamentais. Premissas para uma formação de qualidade – ação, reflexão e estudo Considera-se que o tempo efetivo destinado à coordenação pedagógica e ao exercício de sua atribuição primordial, que é a formação continuada dos docentes, seja orientado 41 por estudos e reflexões. Embora muitos dos temas tratados no ambiente escolar discutam as dificuldades e os problemas de aprendizagem, o desempenho dos estudantes, os conhecimentos didáticos, as teorias e os fundamentos para o ensino, as questões de disciplina e indisciplina escolar, o bem-estardas pessoas, entre outros, é necessário ampliar o escopo de possibilidades dessas discussões, trazendo para a análise docente reflexões pertinentes à sua prática pedagógica e as repercussões que dela se observam. Analisando a educação em sua dimensão mais geral, Larrosa (1994) aborda o aspecto antropológico da educação, para reconsiderar como as teorias e as práticas pedagógicas funcionam enquanto produtoras de pessoas. Para que as relações estabelecidas do sujeito com o meio e consigo mesmo venham a ser produtoras de conhecimento, os dispositivos pedagógicos aplicados para a construção e mediação desse conhecimento seguem uma lógica geral, constituindo, assim, um arcabouço passível de múltiplas realizações. Dessa forma, as práticas pedagógicas devem promover e mediar as relações dos sujeitos no ambiente escolar, e, sobretudo, consigo mesmos, que constitui a experiência em si. No estabelecimento dessas relações, as experiências escolares se regulam e se modificam. Portanto, torna-se necessário pensar, problematizar e elaborar práticas pedagógicas voltadas para o desenvolvimento e a transformação desses sujeitos, sejam eles estudantes ou profissionais atuantes, promovendo ações colaborativas, dialógicas, inclusivas e reflexivas que garantam a construção e a transformação de uma autoconsciência e autorreflexão profissional. Para que o trabalho escolar ocorra de forma a propiciar essas reflexões, torna-se fundamental reconhecer quais são as premissas norteadoras para a realização do trabalho escolar de qualidade, observando-se a importante atuação do coordenador pedagógico: 1) respeito à realidade e às especificidades da unidade escolar componente de uma rede pública de ensino; 2) protagonismo da ação docente no trabalho pedagógico; 3) consideração do estudante como centro do processo de ensino e aprendizagem; 4) integração e articulação do trabalho docente por meio de equipes pedagógicas para orientação e apoio; 5) atualidade e diversidade de temas abordados nos projetos e trabalhos coletivos da escola; 6) construção coletiva e democrática do PPP da escola; 7) abertura ao diálogo e interação com a comunidade escolar. Nesse movimento, o profissional atuante na coordenação pedagógica lida continuamente com a vivência da construção democrática do currículo escolar, expresso no Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola, que deverá apontar caminhos para uma formação emancipadora, que oriente a equipe docente a formar os estudantes para sua autonomia e promova ações que estimulem o protagonismo estudantil (Fusari, 2011). Em uma escola de Anos Iniciais do Distrito Federal, acontece semanalmente um espaço em que o Coordenador Pedagógico e a Diretora viabilizam momentos de estudos com todos os/as professores/as. Para a construção do Plano de Ação da formação, a equipe realiza um diagnóstico para identificar fragilidades, limitações e potencialidades do trabalho desenvolvido na instituição escolar. No ano de 2024, a equipe constatou que 90% dos/as professores/as recém-formados/as e sem experiência em sala de aula apresentaram muita dificuldade em planejar suas aulas, escolher as melhores estratégias didático-pedagógicas e identificar as fragilidades nos estudantes da sua turma, o que se refletia tanto na aprendizagem quanto no comportamento das crianças frente às atividades propostas. Esse quadro preocupou a equipe gestora da escola em relação a como aconteceria o processo de ensino, na sala de aula. 42 Como potencialidade identificada, duas professoras mais experientes em alfabetização, que trabalhavam na escola há alguns anos, faziam uso de estratégias didático-pedagógicas de reagrupamento dos estudantes para o acompanhamento do processo de aprendizagem e intervenções adequadas a cada caso, e valorizavam a participação nos momentos de estudo como forma de compartilhar conhecimentos. A partir daí, algumas questões subsidiaram a definição de temas e ações prioritárias em resposta a essa situação: 1. Quais temáticas precisam ser trazidas para a discussão com o grupo de professores/as? 2. Quais conhecimentos pedagógicos precisam ser mobilizados e discutidos? 3. Como ampliar e aprofundar saberes sobre estratégias que podem orientar o/a professor/a e apoiar as aprendizagens dos estudantes? Com base nas respostas obtidas, o coordenador pedagógico definiu os objetivos, as estratégias de formação e a avaliação que seriam realizadas de forma participativa e colaborativa com os gestores e com o grupo de docentes, a fim de alcançar os objetivos esperados e aperfeiçoar o processo de ensino e aprendizagem. A equipe optou por fazer um trabalho de direcionamento, de organização do trabalho pedagógico, com o objetivo de colaborar com o/a professor/a para pensar conjuntamente seu planejamento e suas escolhas. Para isso, definiram como temas: o planejamento, as estratégias metodológicas mais indicadas para os objetos de conhecimentos prioritários em cada ano e que privilegiam o protagonismo da criança. Foram selecionados para apoiar os encontros de formação os materiais disponíveis na escola, livros da biblioteca do/a professor/a e projetos desenvolvidos em anos anteriores. As professoras mais experientes foram chamadas para compartilhar seus conhecimentos. Nos momentos de estudo, os/as professores/as foram estimulados a apresentarem suas dificuldades, para que, com os seus pares, pudessem sugerir encaminhamentos e novas possibilidades. Quando a dificuldade se referia a um conhecimento específico, especialistas foram convidados para promover reflexões e agregar conhecimentos. Assim, foram realizadas intervenções pedagógicas específicas para cada necessidade. Como vimos no exemplo citado, é interessante que os assuntos discutidos sejam relacionados às situações de sala de aula. O/A professor/a constrói conhecimentos com a reflexão sobre a sua prática, que apresenta situações problemáticas a serem solucionadas, situações que oferecem oportunidade para a produção de conhecimentos, em interação com os pares e com suas ações educativas cotidianas (Imbernón, 2011). Um ponto importante nos momentos de formação é privilegiar a escuta, a troca de experiências e o compartilhamento de saberes e práticas, a fim de promover o enriquecimento do diálogo. As atividades desenvolvidas, assim como uma autoavaliação (o que sabia, o que aprendeu, o que precisa aprender), preferencialmente, devem ser registradas, favorecendo o acompanhamento e o retorno às reflexões e aos conhecimentos sempre que necessário. Ao finalizar os encontros, o coordenador poderá realizar uma autorreflexão sobre o trabalho realizado, identificando potencialidades e fragilidades, e temas que precisam ser retomados e aprofundados, sendo fundamental que faça um registro de suas impressões e dos resultados alcançados. Para isso, pode conversar com os/as professores/as que participaram da formação sobre as dificuldades encontradas e levantar as expectativas para o próximo momento; pode indicar tanto a confirmação de que a formação tem agregado conhecimentos e possibilidades para a atuação do/a professor/a quanto a necessidade de busca de novos caminhos e soluções. 43 Proposições para a construção de um Plano de Ação de formação A realização do trabalho da coordenação pedagógica demanda uma previsão de ações a serem desempenhadas no ambiente escolar, a partir das atribuições já definidas para esse profissional. Considerando que a formação continuada de professores/as nesse ambiente é a principal atribuição da coordenação pedagógica, faz-se necessário o delineamento de ações voltadas para esse fim. Apresentamos uma sugestão de construção de um Plano de Ação específico para a formação. Esse documento, construído com a equipe gestora, se caracteriza por ser uma ação explicitamente formativa, pois é constituída da intencionalidade necessária à realização dos processos formativos junto à equipe docente. Com a finalidade de potencializar esse espaço de formação e oacompanhamento das aprendizagens, o Plano de Ação constitui um documento norteador das ações formativas da escola, apresentando quais são os objetivos definidos para o trabalho formativo junto à equipe docente, as estratégias propostas para o alcance dos objetivos, as ações desempenhadas, incluindo como será desenvolvido o acompanhamento e a avaliação dessas ações. É necessário, ainda, que seja incluído um cronograma de reuniões e encontros com essa equipe, para garantir uma eficiente gestão pedagógica da escola. A seguir, apresentamos um quadro como sugestão para registro e sistematização do Plano de Ação do coordenador pedagógico: Quadro: Modelo de Plano de Ação Diagnóstico da escola Potencialidades: Fragilidades: Cronograma de formações: Data Objetivos (para quê?) Estratégias (O que será feito?) Ações (Como será feito?) Acompanhemento (quem e quando?) Avaliação (instrumentos e devolutivas) Encaminhamentos para o próximo mês: Observações importantes: Fonte: As Autoras 44 Em síntese Diante do exposto, enfatizamos aqui a importância do coordenador pedagógico no espaço escolar e de sua atuação competente, enquanto interlocutor qualificado do trabalho pedagógico, para garantir os processos formativos necessários para a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem, bem como de sua própria formação continuada. Assim, o coordenador pedagógico ocupa um papel central de formador do seu grupo de professores/as, orientando e apoiando a ação docente, atuando na gestão pedagógica junto à equipe gestora, articulando a comunicação entre a escola e a comunidade. Observa- se ainda que a qualidade da atuação do coordenador pedagógico está relacionada à sua formação inicial e às experiências formativas vividas no exercício de sua função. Os desafios para a realização de sua função são variados e se inscrevem na diversidade de atribuições que lhe foram destinadas, que perpassam pela orientação, pelo planejamento e supervisão da organização das ações pedagógicas que envolvam os processos de ensino e aprendizagem; também compreendem o acompanhamento dos processos avaliativos da escola e o desempenho apresentado pelos estudantes, assim como a formação continuada de professores/as, principal atribuição do coordenador pedagógico. Considerando as especificidades de cada etapa e modalidade de ensino, a importância da consolidação das aprendizagens, bem como dos processos que envolvem a alfabetização e sua consolidação, a fim de garantir que todos os estudantes aprendam a ler, escrever e se posicionar num mundo diverso, é imprescindível que o coordenador pedagógico seja reconhecido e se reconheça enquanto formador, e que tenha seu espaço respeitado e valorizado no ambiente escolar. 45 Referências ALMEIDA, Laurinda Ramalho de; SOUZA, Vera Lucia Trevisan de; PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza. Legislado versus executado: análise das atribuições formativas do coordenador pedagógico. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, v. 27, n. 64, p. 70-94, jan./abr. 2016. FUSARI, José Cerchi. Clareza gera eficiência. Revista Nova Escola, Edição Especial: Os caminhos da coordenação pedagógica e da formação de professores, n. 6, p. 30, jun. 2011. GARCÍA, Carlos Marcelo. Formação de professores para uma mudança educativa. 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Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 9, mar. 2022. 46 Mirna França da Silva Araújo é Mestre em Educação e Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Universidade de Brasília. Tem graduação em Pedagogia: Orientação Educacional, pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília UNICEUB. Atua como especialista em Educação: Orientadora Educacional, na Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (em licença - LIP). É Coordenadora do Projeto de Formação do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais /DGPE da Fundação Getulio Vargas. Trabalhou no Ministério da Educação, como Coordenadora Geral de Formação de Professores da Secretaria de Educação Básica (MEC). É membro do Grupo de Pesquisa Formação, Currículo, Tecnologia e Inovação - GEPFOCIT da Universidade de Brasília. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6539616188198232 Luciana Cordeiro Limeira é Doutora em Educação (2018) e Mestre em Educação (2012), na área de Políticas e Administração Educacional, pela Universidade Católica de Brasília (UCB). É Professora de Anos Iniciais do Ensino Fundamental da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF), desde 1996. Participa do Grupo de Estudos Escolas e Territórios da Cátedra da Educação Básica Alfredo Bosi, vinculado ao IEA, da USP e do Grupo de Pesquisa Políticas Federais de Educação, vinculado à Pós-Graduação da UCB. Atua como Coordenadora Intermediária de Apoio da Educação Integral, na Unidade de Educação Básica (UNIEB), da Coordenação Regional de Ensino do Plano Piloto/Brasília (CREPP). Lattes: http://lattes.cnpq.br/8730441404038297 Celina Henriqueta M. H. Nascimento é mestranda em Educação na Universidade de Brasília. Especialista em Psicopedagogia pela Universidade de Brasília, com graduação em Pedagogia pela Associação de Ensino Unificado de Brasília. Professora aposentada do ensino fundamental, anos iniciais, na Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Atua como assessora pedagógica em projeto de formação de professores no Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais /DGPE da Fundação Getulio Vargas. Membro do Grupo de Pesquisa Formação, Currículo, Tecnologia e Inovação - GEPFOCIT da Universidade de Brasília. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3435415331793188 http://lattes.cnpq.br/6539616188198232 http://lattes.cnpq.br/8730441404038297 http://lattes.cnpq.br/3435415331793188 47 TEXTO 2 Organização e gestão da escola pública dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental Ana Cristina Gomes da Penha Contextualizando o tema Quais as implicações da organização e gestão escolar no Ensino Fundamental da escola pública? Este texto busca refletir sobre a organização e agestão escolar e sua relação com as práticas educativas. Para tanto, vamos tratar esse objetivo mais amplo em três tópicos: no primeiro, discutiremos as concepções e conceitos de organização e gestão escolar e de participação, cultura e estrutura organizacional da escola. Em seguida, trataremos do sistema de organização e gestão da escola e dos elementos constitutivos do processo organizacional escolar. Por fim, buscaremos apresentar algumas situações de organização escolar enquanto práticas educativas, estabelecendo relações entre as orientações oficiais, a organização do trabalho pedagógico e as práticas cotidianas dos profissionais que atuam nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental em escola pública. Quando pensamos na organização e na gestão da escola pública dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, voltamo-nos às práticas educativas vivenciadas pelos docentes e ao papel da equipe gestora na garantia do direito à aprendizagem dos estudantes. Compreendemos a prática educativa como o conjunto de ações planejadas, organizadas e operacionalizadas em dois níveis. Em um nível mais geral, quando são conjecturadas pela equipe gestora e pelos docentes e destinadas aos estudantes; e, num nível mais específico, da sala de aula, quando a prática educativa é operacionalizada a partir da interação entre docentes e estudantes, por meio de ações que compõem a atividade de ensino e aprendizagem. As práticas de organização e gestão da escola têm um papel fundamental na formação e na aprendizagem dos docentes e estudantes, pois é nesse espaço de aprendizagem compartilhada que ocorre a intersecção entre os diferentes saberes e onde a forma de organização e de gestão possibilita que a escola cumpra a sua função de ensinar e educar as novas gerações. Esses aspectos estão presentes no seguinte relato da gestora da Escola Municipal Severina Lira, da Rede Municipal de Ensino do Recife, que atende crianças da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: 48 Acredito que uma das características do trabalho desenvolvido na Severina Lira é a importância que damos às pessoas que fazem a escola, em seus diversos segmentos e variadas situações. A gestão da qual faço parte quer que a escola desempenhe com sucesso o seu papel social, o seu papel de escola, alcançando excelentes índices de aprendizagem e ajudando a comunidade que atendemos a se desenvolver. Porém, isso só será possível se as pessoas que fazem a escola estiverem satisfeitas. O trabalho na Educação se faz com afeto. Sem afeto o trabalho pode até ser feito e até ter certo sucesso, mas não se sustenta, porque fica sem alma. (Relato de Rita de Cassia Rodrigues da Silva, gestora da Escola Municipal Severina Lira). Como é amplamente reconhecido, a escola tem responsabilidades sociais no que se refere à promoção dos processos de ensino e aprendizagem, para os quais desenvolve funções específicas, constituindo-se, assim, em uma instituição complexa, distinta, sem correspondente paralelo, diferenciando-se das demais instituições em razão de sua excepcionalidade, características e finalidades próprias. Em razão dessa particularidade, a escola necessita de uma estrutura organizacional e pedagógica específica a ser planejada, o que veremos no tópico a seguir. Organização e gestão de escolas públicas A organização e a gestão de escolas públicas dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental estão relacionadas ao ambiente de ensino e à estrutura de funcionamento, mas também dizem respeito a princípios e procedimentos ligados ao planejamento, aos modos de coordenação e gestão do trabalho; ao provimento e à utilização dos recursos humanos, físicos, materiais e financeiros; aos procedimentos administrativos e às formas de relacionamento entre as pessoas. É fundamental que a equipe gestora, de forma estruturada, crie as condições institucionais que viabilizem as ações pedagógicas e garanta o seu objetivo de educar e ensinar. Assegurar que o contexto institucional e sociocultural educa significa dizer que as escolas devem ser vistas como lugares de aprender a cultura, aprender a pensar, aprender a ser, aprender a compartilhar, isto é, a escola deve ser instituída como lugar de aprendizagem para todos. Como ambiente educativo, as práticas educativas da escola também são práticas de organização e gestão, em que a bagagem cultural dos seus profissionais demarca a cultura dessa organização. Assim, considerando a escola como um espaço de aprendizagem e de formação profissional, entendemos que os profissionais que nela trabalham participam de tarefas educativas, pois, embora as tarefas desenvolvidas na escola sejam de naturezas diversas, todos que compõem a escola podem tomar decisões sobre seu trabalho e aprender mais sobre sua profissão, fazendo mais do que cumprir normas e regulamentos. Sabemos que existem incontáveis características que aproximam as escolas, assim como há uma infinidade de outras que as diferenciam, o que torna a escola uma instituição com cultura própria. Os elementos essenciais que desenham essa cultura são: os atores, as formas de comunicação, a organização escolar e o sistema educativo, e as práticas. A escola 49 é uma instituição singular que se estrutura sobre processos, normas, valores, significados, rituais, formas de pensamento, os quais integram a própria cultura, que não é rígida, nem fixa, nem repetível. São essas características do cotidiano escolar que Forquin (1993) define como “cultura da escola”. Para o autor, “Cultura Escolar” é um conjunto de saberes que, uma vez organizados e didatizados, formam a base de conhecimentos sobre a qual trabalham docentes e estudantes. E nessa ideia está pressuposta uma seleção prévia de elementos da cultura humana, científica ou popular, erudita ou de massas. Esses seriam os elementos estruturantes dos processos pedagógicos, organizativos, de gestão e de tomada de decisões na escola, denominados por Forquin (1993) de “mundo social” da escola. Segundo o autor, são “características de vida próprias, seus ritmos e ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos próprios de regulação e de transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão de símbolos” (Forquin, 1993, p. 167). A cultura interfere no cotidiano escolar, nos ritos, na linguagem, nos modos de organização e de gestão, no currículo e no fazer pedagógico da escola. Assim, além das diretrizes educacionais, das normas e procedimentos operacionais e das rotinas administrativas, as escolas são entremeadas pelo currículo oculto. Isto é, além dos aspectos citados, as escolas são atravessadas pelas vivências daqueles que nela estudam ou trabalham, que trazem “conteúdos” que não fazem parte do currículo oficial, explícito, mas que, ao mesmo tempo, contribuem de forma implícita para as aprendizagens sociais, tornando as escolas diferentes umas das outras. Essas diferenças surgem nos modos de interação entre as pessoas da comunidade educacional. As pessoas que formam a comunidade escolar têm crenças e valores distintos, atribuem significados e têm formas de agir singulares, e tudo isso configura as práticas retratadas no recreio escolar, na recepção das famílias, no movimento dos corredores, na relação da equipe gestora, na relação dos docentes e dos estudantes etc. Podemos observar no seguinte relato da gestora de uma Escola Municipal do Recife a interferência da cultura no cotidiano escolar: Estar sempre presente na escola, receber cada um que chega pra trabalhar, pra estudar, pra procurar uma vaga; mesmo que, às vezes, não tenhamos [vaga], acolhemos essas pessoas também, ouvimos muitas angústias e muitas vezes, com uma palavra de conforto e orientação, elas já se sentem satisfeitas e saem na esperança de conseguir superar as dificuldades que nos relataram. E não são poucas as pessoas com quem isso acontece. Conhecer cada pessoa em sua individualidade, atendendo cada um, de acordo com sua especificidade. Ouvir o outro. (Relato de Rita de CassiaRodrigues da Silva, gestora da Escola Municipal Severina Lira). Há que se considerar, portanto, que a cultura organizacional agrega os significados que os profissionais dão às situações. O modo de funcionamento da escola revela a sua identidade e dos profissionais que nela trabalham. A partir da interação da comunidade educacional é que a escola, cotidianamente, vai ganhando traços culturais particulares, instituindo suas crenças, seus valores e suas práticas. Sobre isso, Oliveira (2012, p. 67-68) faz a seguinte observação: A cultura organizacional vai sendo construída através da contribuição de cada um dos membros da comunidade educacional. Contudo, deve ser destacada a grande contribuição dos professores que, através da sua prática docente, da relação com os alunos, com seus pares e outros membros da instituição acabam engendrando valores, posturas, visões de mundo que influenciam de forma significativa a cultura da escola. A relação entre a estrutura e a atuação da comunidade educacional na cultura organizacional aparece de duas formas: como cultura instituída e como cultura instituinte. A cultura instituída reporta-se às legislações, às rotinas, às matrizes curriculares etc. Já a cultura instituinte é aquela criada e recriada pelas pessoas da escola em suas relações e vivências do dia a dia. Cada escola tem uma cultura peculiar que possibilita a compreensão do seu cotidiano. A fala da professora Andrea Ferreira, abaixo, retrata muito bem as culturas instituídas e instituintes da escola: Aqui na escola, seguimos as orientações normativas e as políticas da Rede, mas buscamos avaliar coletivamente os programas e materiais enviados pela Secretaria de Educação, observando de que forma eles podem contribuir para o projeto da escola, sem perder de vista nossos objetivos educacionais. Nada é utilizado apenas para cumprir determinações da Secretaria, mas como instrumentos que podem melhorar a qualidade do ensino. Nesse sentido, a gestão escolar recebe as orientações da Secretaria e analisa, conjuntamente com a equipe de professores, como tais demandas podem ser direcionadas e aproveitadas pela escola, compondo ações do seu Projeto Político- Pedagógico. (Relato de Andréa Ferreira, professora e ex-gestora da Escola Municipal Severina Lira – Recife). Quando discutimos a escola como lugar de compartilhamento e espaço de aprendizagem, nos referimos à gestão democrática na escola pública, em que todos participam do processo de organização e funcionamento da escola, tendo como princípio a melhoria da qualidade da educação e do exercício da cidadania. A gestão democrática valoriza a participação da comunidade escolar no processo de tomada de decisão, compreende a docência como trabalho interativo, aposta na construção coletiva dos objetivos e dos processos de funcionamento da escola, por meio de dinâmicas intersubjetivas que favorecem o diálogo e a busca por consensos. A forma de gestão democrática é capaz de criar um sistema de práticas interativas e colaborativas, visando à garantia da convivência e da tomada de decisão. Bordignon (2005, p. 12) traz uma noção importante sobre democracia: A democracia, assim como a cidadania, se fundamenta na autonomia. Uma educação emancipadora é condição essencial para a gestão democrática. Escolas e cidadãos privados da autonomia não terão condições de exercer uma gestão democrática, de educar para a cidadania. A abordagem da gestão democrática do ensino público passa pela sala de aula, pelo projeto político- pedagógico e pela autonomia da escola. Como se vê, a gestão democrática da escola tem como base a emancipação da comunidade e seu envolvimento na tomada de decisões e no funcionamento da organização escolar. A participação deve ser compreendida como a possibilidade e a capacidade de interagir e, assim, influenciar no debate sobre os problemas e possíveis soluções, 50 considerados na coletividade, bem como nos modos de deliberar a respeito das decisões a serem tomadas. De acordo com Fernandes (2011, p. 6): No momento em que a escola pública conta com a construção da gestão democrática, que começa a se impor, cabe ao diretor buscar o apoio necessário para desenvolver um trabalho cooperativo, promovendo a participação de todos, onde as decisões tenham respaldo no seio da comunidade a qual ela serve. É preciso que o diretor esteja aberto às mudanças, ao diálogo, para que a escola cumpra sua função de educar, tendo como objetivos, buscar uma educação de qualidade para a sua clientela, desenvolver uma gestão democrática com seus pares e chamar a comunidade do entorno para participar das decisões importantes dentro da escola. A gestão democrática-participativa da escola pública legitima a sua identidade e se traduz na construção de uma sociedade mais justa, igualitária e democrática. Na próxima seção discutimos alguns aspectos sobre o sistema de organização e gestão da escola. Sistema de organização e gestão da escola: articulação, coordenação e intencionalidade O processo de organização e gestão dispõe de elementos constitutivos que se referem aos meios de realização do trabalho escolar, isto é, à racionalização do trabalho e à coordenação do esforço coletivo do pessoal que atua na escola, envolvendo os aspectos físicos e materiais, os conhecimentos e as qualificações práticas do educador e as relações humano-interacionais. Portanto, podemos considerar o planejamento, a organização, a direção/coordenação, a formação continuada e a avaliação como elementos constitutivos que viabilizam o processo de organização e gestão da escola. Para alcançar os objetivos da escola, a equipe gestora precisa ter clareza da estrutura organizacional, com definição explícita dos papéis e responsabilidades. Basicamente, é preciso cuidar da inter-relação entre os vários segmentos que compõem a escola, de forma a viabilizar, flexibilizar e direcionar o trabalho de todos para uma melhor gestão administrativa e pedagógica, e alcance dos objetivos pretendidos. Mas como se dá a articulação entre os sistemas de ensino e a escola em seu fazer pedagógico? Para Lück (2007), o processo de gestão deve coordenar a dinâmica do sistema de ensino como um todo, em seus diversos níveis de organização, alinhando as políticas públicas, que são da esfera do macrossistema, com o microssistema, isto é, sua implementação e coordenação no interior das escolas, especificamente. A autora também discute a importância de se articular as diretrizes e políticas educacionais públicas com suas ações de implementação por meio dos projetos pedagógicos das escolas. O projeto escolar deve estar compromissado com os princípios da democracia e com um ambiente 51 educacional autônomo, de participação e compartilhamento, em que há espaço para a tomada conjunta de decisões e a efetivação de resultados, acompanhamento, avaliação e retorno de informações. Assim, a equipe gestora precisa demonstrar transparência por meio da apresentação pública de seus processos e resultados. De modo geral, podemos considerar que a articulação entre os sistemas de ensino e a escola ocorre em três âmbitos: macro, meso e micro. Vejamos o que constitui cada um deles: a) no nível macro ocorre a articulação político-administrativa – Ministério de Educação e Secretarias de Educação, onde são definidas as orientações gerais das políticas educacionais; b) no nível meso situa-se a articulação da gestão escolar – a equipe gestora, onde as políticas educacionais são pensadas e viabilizadas; c) no nível micro acontecem os processos de articulação e realização – a gestão da sala de aula, onde a política educacional é materializada pelos docentes e estudantes. Para Nóvoa (1995), entre uma percepção micro (sala de aula) e um olhar macro (as instâncias de decisões), está se privilegiando o nível meso, a própria escola como espaço de intervenção. Para o autor, “a identificação das margens da mudança possível implica a contextualização social eFederal, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e do Plano Nacional de Educação. O terceiro texto, Políticas de formação de alfabetizadores: do direito à educação ao direito à formação permanente, trata da formação continuada de professores/as e sua articulação com os interesses e necessidades da comunidade escolar, historicizando programas e políticas de formação do/a professor/a alfabetizador/a propostos pelo Ministério da Educação nos últimos trinta anos, de forma a possibilitar as mudanças necessárias em processos reflexivos da prática pedagógica. A Unidade 2 tem como tema principal a Gestão e coordenação da escola. O primeiro texto, O coordenador pedagógico, a formação continuada e a consolidação da alfabetização no processo de ensino e aprendizagem, tematiza a complexa atuação dos coordenadores e os desafios de sua função para o funcionamento pedagógico da escola e sua relação direta com a necessidade de formação permanente do grupo de professores/as em um processo coletivo. O texto Organização e gestão da escola pública dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental aborda tópicos relativos ao ambiente escolar em termos de estrutura de funcionamento da instituição e princípios que sustentam o planejamento do ensino direcionado para as ações pedagógicas necessárias à promoção de um cotidiano escolar que viabiliza o direito à leitura e à escrita. O terceiro texto dessa Unidade, Protagonismo do gestor e do coordenador pedagógico na escola, enfoca a perspectiva democrática da gestão e o protagonismo dos/das professores/as que assumem essa função, refletindo sobre os modelos de gestão, suas implicações e a necessidade do estabelecimento da rotina e do diálogo como características da gestão democrática. O último texto, Projeto Político- Pedagógico da escola e a garantia do direito à educação, estabelece relações entre a gestão escolar e a construção do Projeto Político-Pedagógico para que esse documento orientador articule as premissas escolares com os compromissos coletivos que preconizam a garantia do direito à educação e, em especial, à leitura e à escrita. A Unidade 3 socializa em três textos diferentes atividades de Coordenação de processos educativos e formativos na escola. O texto Formação docente como prática colaborativa traz o relato de um processo formativo ocorrido no âmbito de uma escola municipal e em parceria com a Universidade, o qual foi proposto e coordenado por professoras alfabetizadoras da instituição. O segundo texto, A coordenação pedagógica e a articulação dos processos avaliativos no cotidiano escolar, traz reflexões sobre a avaliação formativa como meio de qualificar as práticas de ensino com vistas a superar fragilidades identificadas, contribuindo para o avanço das aprendizagens. O terceiro texto, Gestão e coordenação pedagógica articulando espaços e tempos para a formação de leitores na escola: tecendo caminhos, construindo redes, evidencia a necessidade de incentivo à leitura e à literatura na escola, por meio de movimentos literários mobilizados pela gestão e com a participação da comunidade escolar em torno da organização de espaços de leitura e formação de leitores. Esperamos que este conjunto de textos ofereça elementos teóricos e práticos para refletirmos sobre concepções e práticas de gestão, especialmente subsidiando o trabalho de quem está na condição de Diretor/a ou Coordenador/a Pedagógico/a da escola. Boa leitura! 5 Direito à educação e o CNCA1 6 TEXTO 1 Direito à educação: o que as políticas públicas para a alfabetização têm a ver com isso? Elaine Contant Bárbara Santos Mirna França da Silva Araújo Contextualizando o tema A Constituição Federal do Brasil prevê, no Artigo 206, inciso IX, a “garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida” (Brasil, 1988), a ser efetivada mediante leis complementares e a implementação de políticas públicas sociais pelos municípios, que devem operacionalizar esse direito. Uma das normativas complementares que versa atualmente sobre o direito à educação é o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada (Decreto nº 11.556, de 12 de junho de 2023), que associa a prerrogativa jurídica à garantia do direito focada exclusivamente na alfabetização escolar, definindo “a garantia do direito à alfabetização como elemento estruturante para a construção de trajetórias escolares bem- sucedidas.” (Brasil, 2023). Neste sentido, supõe-se que houve uma delimitação do direito à educação para que este possa assegurar outro, como um princípio fundante: a “alfabetização escolar” porque é ela que acontece em lugar apropriado e preparado (Mortatti, 2010), ou seja, o espaço escolar –, caracterizando-se, desse modo, a alfabetização escolar como dever do Estado e direito constitucional assegurado às crianças. Assim, a alfabetização é o caminho para a garantia das conquistas de todos os níveis de escolarização, em especial, da Educação Básica. O objetivo deste texto é analisar como o direito à educação se institucionaliza no Compromisso Nacional Criança Alfabetizada enquanto política pública para gestores e coordenadores pedagógicos, por meio do direito da criança e do adolescente, observando também um enfoque para o “direito à alfabetização”. Para melhor compreensão dessa prerrogativa constitucional, serão considerados os dados produzidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) sobre reprovação, distorção idade-série e abandono de estudantes brasileiros do Ensino Fundamental, em 2023, das cinco regiões brasileiras. Embora o direito à educação esteja regulamentado, sua compreensão pode se mostrar difícil, porque apresenta conceitos polissêmicos e, de acordo com alguns consensos, é interpretado apenas como o acesso de crianças e adolescentes à escola. Todavia, somente o acesso à escola não é suficiente para se efetivar o direito à educação, especialmente no que tange à alfabetização. Do mesmo modo, a própria Constituição brasileira não determina os sentidos para esse direito, deixando-o “aberto” para múltiplas interpretações. Assim sendo, esse tema se torna fundamental para a formação de gestores e coordenadores que atuam na educação pública e que podem trabalhar em prol de sua ampla efetivação, pois, mesmo sendo um direito previsto na lei, ele pode não se efetivar na prática, ou seja, não ser implementado nas esferas política, social, cultural e pedagógica. 7 Vejamos as compreensões sobre a obrigatoriedade escolar, pois a educação municipal tem responsabilidades crescentes na extensão das matrículas para todas as crianças dos 4 até os 17 anos. Contudo, será que a matrícula e a entrada de uma criança na escola, de fato, irão efetivar seu direito à educação e à alfabetização? Por exemplo, consideremos a inserção das crianças com deficiências quando, em muitos casos, a escola não tem suportes profissional e estrutural suficientes para promover a acessibilidade e o acompanhamento pedagógico de crianças e adolescentes com deficiências diversas. Será que é possível afirmar que esses estudantes, ainda que matriculados, acessam o direito à educação? Ademais, o direito à educação caminha conjuntamente com o direito das crianças e adolescentes, que teve seu marco legislativo atual na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, um dos instrumentos legislativos também de garantia ao direito à educação. Ao mesmo tempo em que há uma mudança na compreensão sobre a infância e sobre a forma como tratá-la a partir da Constituição de 1988, o direito à educação também passa por mudanças fundamentais, tornando-se um direito universal das crianças e adolescentes, e é uma obrigação do Estado efetivá-lo mediante políticas públicas. Vejamos o que apresenta o Capítulo IV, intitulado “Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer”, do ECA: Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando aopolítica das instituições escolares, bem como a apropriação ad intra dos seus mecanismos de tomada de decisão e das suas relações de poder” (Nóvoa, 1995, p. 16). A mesoabordagem da escola é constituída pela integração/articulação entre a equipe gestora e as macroestruturas (sistema de ensino, políticas educacionais, legislação etc.); e entre a equipe gestora e a microestrutura (sala de aula, planejamento de ensino, relação docente-estudante etc.). A mesoabordagem “nos permite escapar do vaivém tradicional entre uma percepção micro e um olhar macro, privilegiando um nível meso de compreensão e de intervenção” (Nóvoa, 1995, p. 30). Isso significa que, entre o âmbito da administração geral e o cotidiano escolar, há ações e contextos organizacionais concretos, que lidam com o caráter complexo da escola e com as questões que envolvem o planejamento escolar e os processos de ensino e aprendizagem. Compreendemos que o gestor deve possibilitar a tomada de decisões de forma coletiva, por meio da qual a comunidade escolar discuta e delibere conjuntamente. Assim, o gestor escolar, no âmbito da dimensão política, exerce o princípio da autonomia, o que requer estabelecer e fortalecer vínculos estreitos com a comunidade educativa, os pais, as entidades e as organizações paralelas à escola. Compreendemos a autonomia como um princípio legal e teórico, amplo e aplicado à educação, decorrente da compreensão da gestão democrática na educação. Entendê- la dessa forma é de fundamental importância, pois a construção da autonomia da escola pública relaciona-se à prática democrática social, que é viabilizada pela equipe gestora, mediante a construção do Projeto Político-Pedagógico. Para isso, compete ao gestor a implantação e implementação do Conselho Escolar e de práticas participativas em geral. Nesse sentido, consideremos o relato da gestora da Escola Municipal Severina Lira: 52 Temos a consciência da importância de ter documentado, através do PPP, as ações a serem realizadas, definindo e organizando atividades e projetos pedagógicos, bem como oportunizando momentos para a sua construção ou revisão e principalmente priorizando a participação de todos nessa construção, compartilhando o resultado com a comunidade através da apresentação desse documento ao Conselho Escolar. (Relato de Rita de Cassia Rodrigues da Silva, gestora da Escola Municipal Severina Lira). A gestão democrática, portanto, é uma prática político-pedagógica que procura estabelecer mecanismos institucionais capazes de promover a participação qualificada da comunidade escolar. Por isso, é necessário que o gestor promova o engajamento do coletivo escolar no trabalho de formulação das diretrizes escolares, de planejamento das ações, assim como na sua execução e avaliação. Como exemplo dessa prática, o relato da professora de uma escola da cidade do Recife é esclarecedor: A gestão democrática compreende aspecto fundamental da escola de qualidade. E a gestão escolar atuante, seja nos aspectos pedagógicos, financeiros, de organização e de boa comunicação, visa construir relações e ações que busquem a excelência dos estudantes. A construção do Projeto Político-Pedagógico se dá de forma coletiva, com a participação de toda a comunidade educacional, garantindo, assim, um documento que retrate as necessidades da escola. (Andrea Ferreira, professora e ex-gestora da Escola Municipal Severina Lira). As práticas de organização e gestão são práticas educativas, uma vez que há relação estreita entre os contextos sociais, culturais, institucionais, o desenvolvimento humano e a aprendizagem das pessoas. É fundamental que a escola leve em consideração as políticas educacionais, o seu Projeto Político-Pedagógico e as condições sociais nas quais está inserida, para que os encaminhamentos político-pedagógicos sejam realizados por meio de ações conjuntas e em articulação. A forma de organização da escola depende da tomada de posição da equipe gestora no sentido de ampliar a margem de autonomia. A autonomia não se faz por si só; ela é resultante do equilíbrio de influências internas e externas, entre governo e seus representantes e a comunidade educacional, no processo de discussão e tomada de decisão. A Constituição Brasileira de 1988 (Brasil, 1988), no seu Art. 206, trata do princípio da gestão democrática do ensino público. A LDBEN 9.394/96 (Brasil, 1996) reafirma esse princípio, em seu Art. 14, e define como princípios da gestão democrática: a participação dos profissionais da educação na elaboração dos projetos pedagógicos da escola; a participação das comunidades escolares, Conselhos Escolares ou equivalentes; os progressivos graus de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira às unidades escolares públicas de educação. A gestão democrática está diretamente relacionada com a autonomia e a prática de participação, que são aspectos importantes nos espaços educacionais. 53 54 A organização e a gestão escolares como práticas educativas Pesquisas sobre os elementos da organização escolar que interferem no sucesso escolar dos estudantes (Nóvoa, 1995; Barroso, 1993; Lück et al., 1998; Lima, 2001; Canário, 2005; Casassus, 2007; Paro, 2017, entre outros) revelam que a forma de funcionamento da escola é determinante para a qualidade dos resultados das aprendizagens dos estudantes. Apesar de as escolas serem diferentes, essas pesquisas apontam características organizacionais importantes para entendermos o seu funcionamento, considerando os contextos e as situações escolares específicas. Aspectos como estrutura física e condições de funcionamento; estrutura organizacional; cultura organizacional; relações entre estudantes, professores e funcionários; e práticas colaborativas e participativas são trazidas com destaques por essas pesquisas. O trabalho dos gestores e dos coordenadores pedagógicos está intimamente ligado à gestão e à organização do espaço escolar, mas tais aspectos não são responsabilidade apenas da equipe gestora. Afirmar que o contexto institucional e sociocultural educa, que o ambiente social na escola educa, significa dizer que as formas de funcionamento da escola são práticas educativas, pois elas educam e ensinam, e mudam a maneira de pensar e de agir da comunidade educacional. As escolas também têm responsabilidades sociais no que se refere aos processos de ensino-aprendizagem e, ainda, são responsáveis por atividades específicas que nenhuma outra instituição realiza. É nos espaços escolares que existe a necessidade de que a estrutura organizacional e pedagógica seja planejada, a fim de que os processos educativos de qualidade, de fato, aconteçam. Nessa perspectiva, a equipe gestora precisa viabilizar um espaço capaz de favorecer as discussões, as trocas e as aprendizagens. O relato a seguir, da coordenadora pedagógica da Escola Municipal do Coque, ilustra esse trabalho sob responsabilidade da gestão: Em 2018, aceitamos o convite do Centro de Estudos em Educação e Linguagem da UFPE (CEEL) para participar do projeto “De carta em carta: intercâmbio entre Recife e Caruaru”. A proposta era estabelecer uma comunicação, por meio de carta pessoal, entre os estudantes de duas escolas do Recife e uma em Caruaru. Como coordenação pedagógica, articulamos o trabalho na biblioteca e nas salas de aula, acompanhamos as ações das professoras e propusemos estratégias e atividades para o projeto. (Relato de Anna Paula Alcantara Marques, coordenadora pedagógica – Escola Municipal do Coque – Recife). No relato fica evidente que a liderança da equipe gestora foi fundamental na implantação e implementação do Projeto, organizando e coordenando as ações. É tarefa do gestor escolar organizar e coordenar atividades de planejamento e avaliação do projeto pedagógico- curricular juntamente com a coordenação pedagógica. A validação dessas práticas decorre, inevitavelmente, da estrutura administrativa e dos modelos organizacionais da escola, que se materializamnos procedimentos de gestão desencadeados pela equipe gestora. A professora da biblioteca da Escola Municipal do Coque, em seu relato, destaca a importância da articulação entre os diferentes segmentos da escola e a equipe gestora para a organização didática dos projetos vivenciados na biblioteca escolar. Ela nos conta: 55 No cotidiano da biblioteca, temos ações que envolvem a comunidade escolar interna e externa, como mediações de leitura, leituras literárias, oficinas de arte e cultura, bate-papo com escritores, lançamento de livros e oficinas de arte, atividades que são acolhidas e protagonizadas pela equipe gestora, numa articulação imprescindível. (Relato de Érica Montenegro, professora da Biblioteca da Escola Municipal do Coque – Recife/PE). No relato da professora da biblioteca fica claro que o papel da gestão é responder por todas as atividades administrativas e pedagógicas da escola, bem como por atividades com os pais e com outras instâncias da sociedade civil. Cabe à equipe gestora promover ações que assegurem o estreitamento das relações entre escola e família, programando atividades de integração da escola na comunidade por meio de atividades de natureza pedagógica, científica e cultural. A gestão democrática trabalha na escola de forma intencional, articulada, estruturada, coordenada. Está sempre atenta aos interesses e necessidades da coletividade e considera a participação o eixo central desse processo. A gestão democrática deve ser entendida como uma ação objetiva e concreta, em que a escola passa a vivenciar objetivos comuns e compartilhados por meio de ações integradas. Entender a organização escolar como unidade social e como espaço de aprendizagem compartilhada nos faz refletir sobre o entendimento que se tem sobre o ensino em um ambiente democrático. Afinal, o acesso democrático ao conhecimento sistematizado que a escola oferece é um direito social, tanto individual quanto coletivo, assegurado por nossa Carta Constitucional. Em síntese O processo de organização e gestão se constitui como espaço de interação entre pessoas, e requer a participação efetiva na formulação dos objetivos e das finalidades educativas escolares, bem como o envolvimento de todos com a dinâmica do funcionamento da instituição, resultando na compreensão da escola como lugar de aprendizagem permanente dos sujeitos que aí se encontram. A escola como espaço instituído do trabalho educativo tem um papel importante na construção das aprendizagens de todos os que dela fazem parte: equipe gestora, docentes, administrativos e, principalmente, estudantes. Portanto, a organização e a gestão da escola devem ser orientadas pela ação educacional e pedagógica, com o objetivo de garantir permanentemente as condições para que o ensino se realize: esse é o papel daqueles que atuam como equipe gestora. Nesse sentido, os modos de organização e de gestão viabilizam as atividades pedagógicas, curriculares e docentes, tornando a escola um espaço de partilha, de práticas educativas e de aprendizagem, ultrapassando o mero cumprimento das questões administrativas. Como a aprendizagem ocorre nos contextos socioculturais, nas interações sociais, nas formas de organização e de gestão, a escola deve ser um espaço democrático de aprendizagem. Na perspectiva social e democrática, a escola é uma instituição destinada a servir à sociedade 56 como espaço de aprendizagem e de formação humana dos sujeitos que aí se encontram. Como espaço de aprendizagem, a escola necessita de condições concretas de estrutura, organização e gestão para atender pessoas com diversidade de conhecimentos, ideias, valores, comportamentos, identidades que constituem uma comunidade. A organização escolar não é totalmente objetiva e funcional ou um elemento neutro a ser observado, mas é, sim, o resultado de uma construção social conduzida pela comunidade interna e externa. Nessa perspectiva, a equipe gestora precisa assegurar as relações humanas e pedagógicas, ao mesmo tempo em que convive e ensina a diversidade e a multiculturalidade presentes na escola. 57 Referências BARROSO, João. O estudo da autonomia da escola: da autonomia decretada à autonomia construída. In: BARROSO, João. O estudo da escola. Porto: Porto Editora, 1993. p. 167-189. BORDIGNON, Genuíno. Gestão Democrática na Educação, Boletim n.19, p. 3-13, 2005. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2024]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm Acesso em: 1 jan. 2025. BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB. Brasília: MEC, 1996. CANÁRIO, Rui. O que é a Escola? Um “olhar” sociológico. Porto: Porto Editora, 2005. 208 p. CASASSUS, Juan. A escola e a desigualdade. Brasília: Liber Livro, 2007. 201 p. FERNANDES, Rosi-Meyre Lopes de Freitas. Conselho escolar e a gestão democrática no trabalho coletivo. 2011. 55f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Gestão Escolar EAD). Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte, 2011. FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. 208 p. LIMA, Licínio.Carlos. A escola como organização educativa: uma abordagem sociológica. São Paulo: Cortez, 2001. 189 p. LÜCK, Heloísa. Gestão educacional: uma questão paradigmática. Petrópolis: Vozes, 2007. 107 p. LÜCK, Heloísa; FREITAS, Kátia; GIRLING, Robert; KEITH, Sherry. A escola participativa: o trabalho do gestor escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 1998. 166 p. NÓVOA, António. Para uma análise das instituições escolares. In: NÓVOA, António (coord.) As organizações escolares em análise. Lisboa: Dom Quixote, 1995. p.13-42. OLIVEIRA, Maria Auxiliadora Monteiro (org.) Gestão educacional: novos olhares, novas abordagens. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. 123 p. PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática na escola pública. São Paulo: Cortez, 2017. 133 p. Ana Cristina Gomes da Penha é Doutora em Educação pela Universidad SEK, Chile. Atuou como professora e técnica nas redes públicas de ensino estadual (Pernambuco) e municipal (Recife). É membro da Rede de Bibliotecas do Coque (RBC) e atua na coordenação do Centro de Estudos em Educação e Linguagem (CEEL/UFPE), onde desenvolve atividades de formação de professores e propostas pedagógicas, curriculares e de gestão pública. E-mail: anacristina.penha@gmail.com Lattes: https://lattes.cnpq.br/7032392828954718 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm https://wwws.cnpq.br/cvlattesweb/PKG_MENU.menu?f_cod=60211CB20DA77ADFB0FEA91AACCC9745 58 TEXTO 3 Protagonismo do gestor e do coordenador pedagógico na escola Joselmo Santana Contextualizando o tema Existe um aspecto que é fundamental, que, na experiência, é ouvir o que funcionou, o que deu certo, o que tem que ser preservado, tem que ser valorizado, tem que ser considerado esse olhar, [...] com sujeito professor, né? Essa relação é bem complexa, bem cheia de nuances, né? Se colocar no lugar do professor. Essa trincheira que, às vezes, em várias escolas, se estabelece de um lado o gestor e o professor do outro, né? Se estabelece, não é legitimada, né? Não é reconhecida, mas ela se estabelece. Ela se estabelece nas práticas, ela se estabelece nos olhares, nas falas, né? Essa trincheira é muito, muito nociva, né? [...] (Entrevista 27) (Rodrigues, 2023, p. 53) Em que momento se estabeleceu a divisão entre direção escolar e docentes? Antes de estar na direção, a profissão exercida é de professora ou professor. Então, em que momento se perde a empatia ao atuar como diretor e diretora, visto que essa é uma das funções possíveis na carreira docente? A forma como alguns profissionais se colocam seria reflexo da sociedade em que vivemos? Toda escolaestá inserida em um determinado modelo de sociedade, então ela é reflexo das suas estruturas políticas, sociais e econômicas. Conforme a sociedade se transforma, muda a forma de conceber o Estado, os governos e, também, as formas de conceber a gestão escolar. Nesse sentido, olhando para a história da educação no Brasil, vemos que existiu uma época de ações e decisões centralizadas, outra de perspectiva consultiva e, hoje, caminhamos para – e até já experienciamos – um modelo de gestão deliberativo, acolhedor e democrático, no sentido amplo, envolvendo todos os atores escolares. A perspectiva democrática de direção é o pano de fundo deste texto, tema sobre o qual refletiremos, focando no protagonismo de diretores/as e coordenadores/as pedagógicos. As perguntas que guiam a reflexão são: É possível as direções e as coordenações escolares atuarem como protagonistas na promoção de uma gestão democrática? Quais habilidades precisam ter e desenvolver? Temos por objetivo que cada equipe gestora escolar estude e reflita sobre o que é possível fazer, dentro das condições de cada realidade escolar, para construir uma educação pública democrática, inclusiva, antirracista e de qualidade socialmente referenciada. Para 59 isso, refletiremos sobre os modelos de gestão e suas implicações na escola. Na sequência, elencamos o diálogo e a rotina como elementos importantes da organização e prática de gestão. Concluímos mostrando como a direção e a coordenação escolar têm papel crucial na condução e no desenvolvimento da educação. Modelos de gestão O modelo tradicional de administração escolar tem como característica o centralismo e as práticas tecnicistas de gestão, pois a tomada de decisões está concentrada nas mãos de poucos líderes, geralmente diretores dos sistemas de ensino e/ou diretores escolares, sem uma participação significativa dos/as professores/as, estudantes ou pais. Esse modelo caracteriza-se por uma abordagem mais autoritária e hierárquica, em que o comando e o controle são as características que predominam tanto nos processos de gestão quanto nos de ensino. Nesse modelo, por um lado, acredita-se que um comando bem dado dentro de um sistema controlado traria o resultado esperado; por outro, despreza-se a existência de outras variantes que podem interferir no resultado pretendido. Um mau resultado é visto como reflexo de um mau feito. As políticas educacionais são formuladas de cima para baixo e, muitas vezes, desconectadas das realidades específicas das escolas e das necessidades individuais dos estudantes e da comunidade escolar. Refletindo sobre os modelos de gestão escolar, Lima (1996) assim expõe: De alcance universal e de conhecimento obrigatório, os «modelos decretados» representam uma realidade normativa com força legal, administrativa ou hierárquica que em contextos de administração centralizada não se limitam apenas a traçar a arquitectura organizacional geral, a formalizar órgãos e a distribuir competências e atribuições; pelo contrário, vão mais longe, detalhando e regulamentando ao pormenor, estabelecendo regras de diversos tipos, quase nada deixando de fora ou ao acaso, numa espécie de horror ao vazio que toma por referência a recusa em descentralizar e devolver poderes, por um lado, e a desconfiança endémica relativamente aos actores sociais (seus interesses e capacidades) (Lima, 1996, p. 09). Como é possível ver, o estabelecimento de regras de cima para baixo, na busca por não deixar escapar nenhum aspecto da gestão, rememora uma época de perspectiva tecnicista da educação, se pensarmos no Brasil. Nessa época, as escolas não tinham autonomia e, por conseguinte, os/as professores/as não tinham liberdade de aprender e ensinar, não se falava em participação do corpo docente nas questões da escola, pois todo o andamento de como o ensino deveria ocorrer já estava previsto nos dispositivos legais. Embora tenhamos tido avanços em relação a essa época, ainda é possível encontrar resquícios desse modelo, ou seja, há gestões escolares que tomam decisões sobre o andamento da escola sem ouvir o corpo docente, como se existissem legislações que lhes 60 permitissem fazer tudo sem consultar ou ouvir as diferentes instâncias da escola, como se suas decisões fossem decretos, agindo de forma centralizadora, aspectos característicos do modelo de gestão centralizado. Um primeiro efeito produzido por essa prática é a sensação de insegurança dos docentes; um segundo, é a constante troca de docentes bimestre a bimestre. Já entre os estudantes, surge um sentimento de que suas demandas nunca são ouvidas, e passam a vida escolar achando que suas vozes não servem para nada, são menos consideradas, consequentemente podem vir a se tornar cidadãos descrentes na democracia, achando que quem está na posição de poder não deve prestar contas a ninguém. Quando a gestão se organiza com base num modelo consultivo, há nela uma tentativa de incorporar uma abordagem mais democrática na tomada de decisões. Nas práticas de gestão ancoradas nesse modelo, as opiniões dos/as professores/as, alunos e pais começam a ser consideradas, embora a autoridade ainda permaneça centralizada. Na década de 1980, após a redemocratização do país, temos algumas experiências de eleição para direção escolar. Era uma das estratégias adotadas pelo capital para fortalecer a democracia nos países em desenvolvimento. Mas, ainda assim, as tomadas de decisões seguiam centralizadas. Nessa esteira, movimentos sociais buscavam promover a democracia participativa. As escolas buscavam incluir diferentes perspectivas, porém o poder de decisão continuava, em grande parte, nas mãos da administração. A própria LDB (1996), onze anos depois do fim da ditadura civil-militar no Brasil, aborda o tema de forma genérica, deixando a regulamentação ao encargo dos sistemas estaduais e municipais de ensino, que devem legislar de maneira específica. Paro (1998, p. 75) faz a seguinte reflexão sobre esse assunto: Ao renunciar uma regulamentação mais precisa do princípio constitucional da “gestão democrática” do ensino básico, a LDB, além de furtar-se de avançar, desde já, na adequação de importantes aspectos da gestão escolar, como a própria reestruturação do poder e da autoridade no interior da escola, deixa também à iniciativa de estados e municípios – cujos governos poderão ou não estar articulados com interesses democráticos – a decisão de importantes aspectos da gestão, como a própria escolha dos dirigentes escolares. Num cenário onde se tem a possibilidade de indicação de direções escolares ou onde há processos pseudodemocráticos para escolha da direção, podemos nos perguntar: A quem uma direção escolar imposta por esses processos irá servir? A serviço de quem irá trabalhar? Serão direções escolares que trabalham pelo bem do estudante ou “abafarão” as demandas dos estudantes, professores/as e comunidade escolar? Ou serão meros cabos eleitorais? A reflexão feita por Paro (1998) tem mais de vinte anos e continua atualíssima. Tomemos como exemplo um recente caso em Pernambuco, em que o governo estadual elaborou e publicou o Decreto nº 55.509, de 11 de outubro de 2023, que trata da seleção para a função de gestor escolar. Em seu parágrafo 2º, do Artigo 2º, lê-se: § 2º Ao final da 2ª (segunda) etapa a Comissão Central elaborará lista tríplice, composta pelos 3 (três) primeiros classificados para o cargo de gestor escolar em cada unidade escolar, que será encaminhada pela Secretária de Educação e Esportes à Governadora do Estado para designação de 1 (um) gestor escolar, dentre os classificados pela lista tríplice. (Pernambuco, 2023, § 2º). 61 Ainda de acordo com o Decreto, a primeira etapa consiste na avaliação do currículo de cada candidato, e a segunda na elaboração da lista. Esse processo mostra que não há uma prática de democracia, mas sim uma pseudodemocracia. Uma vez que a LDB se absteve de ser mais diligente e direta no que se refere à democracia, o governoestadual se autoconcedeu o direito de escolher a direção das escolas. Então, retomamos as perguntas: A serviço de quem uma direção escolar irá trabalhar? O que impede a administração estadual de destituir o primeiro indicado e selecionar outro da lista? Não sendo eleita pelos pares e pela comunidade escolar e existindo uma demanda por parte dos estudantes, dos/as professores/as ou dos pais e das mães, qual força terá a direção escolar perante o Estado, uma vez que foi escolhida pelo próprio governo da vez? Se nos prendermos ao conceito em sua essência, a prática realizada nesse estado nem mesmo consultiva foi, mas, sim, centralizada. Apesar de haver liberdade para os que desejassem se inscrever para o cargo de direção, o poder de escolha ficou com o governo. Entretanto, o modelo deliberativo representa um avanço em direção a uma participação mais ampla e efetiva de todos os envolvidos na comunidade escolar. A decisão final não é mais exclusivamente centralizada, mas resulta de um processo envolvendo debates, discussões e contribuições de professores/as, alunos, pais e demais membros da comunidade educacional. Esse formato busca promover a coletividade e a construção de consensos e compromissos, reconhecendo a diversidade de opiniões e as necessidades da participação de todos os segmentos da comunidade escolar. O modelo deliberativo implica, por sua natureza, uma gestão democrática, não no sentido apenas do como ocorre o processo eletivo para a gestão escolar, mas no de ser participativo, pois acolhe as contribuições de todos os atores envolvidos no processo educativo: pais, responsáveis, docentes, funcionários da escola, comunidade, profissionais da educação e, mais recentemente, como já implantado em algumas redes, a participação de psicólogos e assistentes sociais. Esse trabalho conjunto pode gerar bons resultados e fortalecer o exercício democrático. Em sua investigação sobre a forma como as ações da gestão influenciam no desempenho da escola em avaliações externas, Rodrigues (2023, p. 90) observou que na escola pesquisada “destacam-se [...] as ações relacionadas à transparência de contas e decisões, bem como a coletividade das deliberações”. O pesquisador constatou que, dos 30 profissionais da educação entrevistados, 29 deles concederam notas próximas a dez para o trabalho da equipe gestora da escola. Vê-se que, mesmo não tendo a gestão democrática como foco da investigação, a pesquisa mostrou que a direção da escola em questão promovia uma gestão que envolvia os atores escolares, pois os reflexos das mudanças feitas de forma participativa e democrática no ambiente escolar eram palpáveis. Em resumo, vimos que no centralismo pode haver uma falta de engajamento e motivação por parte dos/as professores/as e alunos, pois suas vozes são marginalizadas; no modelo consultivo, a participação aumenta, mas a eficácia pode ser limitada pela persistência de estruturas hierarquicamente rígidas; já no modelo deliberativo há uma tendência maior de se promover um ambiente mais colaborativo, no qual as pessoas se sentem parte e valorizadas, o que as leva a contribuírem mais em busca de melhores resultados para o processo educacional. 62 O Quadro 1, abaixo, sistematiza algumas características sobre o tipo de envolvimento estimulado em cada modelo de gestão. Quadro 1: Envolvimento dos atores escolares conforme o modelo de gestão A comunidade escolar* é estimulada a sentir-se: Centralizado Consultivo Deliberativo Engajada X Motivada X Colaborativa X X Valorizada X X Acolhida e acolhedora X Capaz de negociação X Capaz de estabelecer uma comunicação não violenta X Com capacidade de liderança X X X Empática X X * Professores/as, profissionais da educação, pais e responsáveis, funcionários da escola, parceiros comunitários. Ainda que o Quadro 1 traga diferentes atitudes e sentimentos que expressam as formas de envolvimento da comunidade escolar, até algumas décadas atrás não havia essa prática de participação e comprometimento dos atores escolares. É crucial reconhecer que a transição para um modelo deliberativo tem seus desafios. Requer um investimento significativo dos sistemas de ensino, necessita articulação e pactuação dos entes federados, no sentido de capacitar o corpo escolar para sua participação democrática, promovendo uma comunicação aberta para garantir que todos os envolvidos tenham as informações necessárias para a tomada de decisão, criando uma cultura que valorize a participação baseada no diálogo. Além disso, requer o estreitamento dos laços, dos vínculos, conforme relata a professora da citação que abre este texto. Até aqui abordamos a necessidade de a gestão escolar avançar para um modelo de gestão deliberativo, fundamentalmente democrático. Na próxima seção pautamos alguns aspectos que podem contribuir para que uma gestão deliberativa aconteça, tendo as direções e as coordenações pedagógicas como protagonistas desse processo. Diálogo e rotina: aspectos intrínsecos ao protagonismo da gestão escolar É o diálogo, né? Indispensável esse diálogo, a comunicação, no sentido de não só diálogo, tranquilidade pra tá conversando sempre, né? Conversando, ponderando, mas assim, a comunicação extrema. Tomou uma decisão aqui hoje, desde a portaria até a direção, todo mundo afinado, né? Assim faz a coisa fluir (Entrevista 17. Rodrigues, 2023, p. 40). A citação que abre esta seção foi retirada da dissertação de mestrado de Rodrigues (2023), que, em seu estudo, fez a seguinte pergunta aos docentes entrevistados: “Em sua FO N T E : e la b or aç ão d o au to r opinião, qual é o papel da gestão escolar para que uma escola seja bem-sucedida?”. O conteúdo da citação acima foi, segundo o autor, a melhor ilustração do ponto de vista dos docentes entrevistados. A educação é um processo coletivo que envolve seres fundamentalmente coletivos. Nesse sentido, ter o diálogo como fundamento e método é condição para que se plantem e se cultivem práticas que permitam colher os melhores resultados. Não se trata de mera troca de palavras, mas sim de ideias que pretendem contribuir para a construção de um entendimento mútuo, com a pactuação e o compromisso de atingir os objetivos educacionais. No contexto escolar, uma gestão democrática não se encerra após a conclusão do processo de escolha para a direção da escola. Gerir democraticamente implica um esforço conjunto, que envolve estudantes, pais, professores/as e demais membros da comunidade escolar, em busca de soluções e tomada de decisão participativa sobre as questões da vida escolar. Por isso, o diálogo emerge como fundamento e método da gestão democrática. Entender o diálogo como fundamento e método traz duas implicações: a necessidade de abertura para ouvir as diferentes perspectivas e a necessidade de valorização das contribuições dos membros da comunidade escolar. A gestão escolar que promove o diálogo faz com que os docentes se sintam ouvidos e acolhidos, o que pode reverberar nos estudantes, que também assim se sentirão em relação aos/às professores/as; também se estende às famílias que, por sua vez, quando se sentem ouvidas, tornam-se ótimas parceiras do processo educativo. Ao adotar o diálogo como método, a direção escolar fortalece seu protagonismo, pois, ao ouvir, tem a oportunidade de refletir conjuntamente e assim antecipar soluções construídas de forma colaborativa, evitando muitas vezes que pequenos problemas cresçam. A gestão fundamentada no diálogo fortalece os laços entre os profissionais da educação e desses com a comunidade. Além disso, quando se incorporam diálogos e escutas prévias aos diferentes sujeitos da comunidade escolar, se coloca em evidência uma ampla gama de experiências e pontos de vista que vão fundamentar, de modo mais assertivo, a tomada de decisão. Contudo, não podemos ser ingênuos em achar que essa prática de gerir a educação se constrói e se consolida de um bimestre para outro. Trata-se de um trabalho contínuo epersistente de promoção de uma escuta ativa e de construção de um ambiente saudável e respeitoso, para que todos e todas se sintam à vontade para expressar opiniões, ainda que sejam contrárias à visão da maioria do grupo ou de colegas de trabalho mais próximos, seja no convívio público, seja no convívio privado. Fazer a gestão nessa perspectiva implica realizar reuniões regulares, muitas vezes, para além das programadas no calendário letivo. Não há uma fórmula ou receita. A realidade local é que vai indicar o ritmo e os momentos de escutas e feedbacks necessários. Para isso, é imprescindível a criação de uma prática de direção e de coordenação dos processos escolares fundamentalmente democrática, o que implica o estabelecimento de rotinas que visam ao crescimento do corpo docente, em seus diversos aspectos – acadêmico, social e, se possível, emocional –, o que criará o senso de unidade no grupo e fortalecerá o compromisso e empenho na realização das ações. Construir e seguir uma rotina é algo importante para os profissionais de diversas áreas. Entendemos a rotina como um conjunto de procedimentos e ações que são pensados, planejados e praticados cotidianamente. O estabelecimento de uma rotina permite a previsibilidade para quem pratica e para quem observa, o que também permite fomentar 63 64 o desenvolvimento de habilidades e competências o que, em última instância, ajuda a criar uma rede de pessoas com hábitos que, em conjunto, conduzem o grupo ao sucesso. Vale salientar que não se trata da gestão da rotina escolar, mas, sim, da rotina da gestão e coordenação escolar. É comum lermos materiais que tratam sobre a importância da rotina na Educação Infantil e no Ensino Fundamental como forma de potencializar o desenvolvimento dos estudantes. Para o melhor desenvolvimento da escola, além de se fazer presente no dia a dia da instituição, o planejamento é importante. A coordenação pode desenvolver um plano de trabalho e uma rotina com atividades permanentes, pois, assim como um docente que não planeja não leva sua turma ao melhor desenvolvimento, uma coordenação escolar que não planeja uma rotina de trabalho, que não prevê o que fará num determinado dia, semana ou quinzena de trabalho, certamente realizará o trabalho de “apagar incêndio”. Mas, ao contrário disso, se agir com um planejamento definido, a gestão certamente estimulará a evolução do trabalho da equipe de docentes e de estudantes, realizará encontros regulares com professores/as para debater avaliações internas e externas, fará atendimentos individuais a professores/as e estudantes, visando qualificar as relações interpessoais e os seus processos de desenvolvimento profissional e acadêmico. Em seu estudo, Rodrigues (2023), ao entrevistar os docentes de uma escola com desempenho acima da média no IDEB, observou que a regularidade de encontros promovidos pela gestão escolar era indicada como um dos pontos positivos da gestão. Segundo o autor, [...] os entrevistados destacaram positivamente o uso da quarta-feira para formação em grupo. Nesses momentos de formação, os professores costumam receber cursos e palestras de formação conforme as necessidades surgem e também relacionados aos temas que englobam o projeto político- pedagógico. Esse caráter formativo e de inovação, segundo os entrevistados, não é comum em todas as escolas. Novamente, nesse processo, os entrevistados destacam a importância do grupo de coordenadores, que são os principais responsáveis pelas formações realizadas nas quartas-feiras. (Rodrigues, 2023, p. 57) O pesquisador observa que, de acordo com a visão dos/as professores/as, a pessoa da Diretora é uma referência para o bom desempenho da escola, uma vez que é ela quem organiza os momentos de formação e é ela quem tem uma presença constante e participativa em todas as questões da escola, sejam administrativas ou pedagógicas. Assim, entendemos que tanto a direção como a coordenação pedagógica da escola precisam ter planejamentos e rotinas próprias para seus campos de atuação e função. Embora nossa proposta não tenha sido a de tratar especificamente da direção, neste texto, entendemos que também o exercício nessa função tem especificidades e, por isso, é importante que a direção também planeje sua rotina de trabalho. Ressaltamos, ainda, que numa visão democrática de direção escolar, os planejamentos e as rotinas precisam ser compartilhados com a comunidade escolar. No que se refere especificamente ao planejamento do trabalho da coordenação pedagógica, é desejável que se estabeleça uma rotina de atendimento individualizado aos/ às professores/as. Cada docente tem suas potencialidades e habilidades, o que o torna um profissional único; porém, sempre há pontos que podem ser melhorados. A rotina de atendimento individualizado ao/à professor/a oportuniza um espaço adequado para a coordenação ouvir suas demandas, dificuldades e descobertas pedagógicas, sejam as que atrapalham, sejam as que favorecem o crescimento profissional. Isso porque esses momentos são um espaço voltado para a troca e a reflexão sobre a prática docente realizada com cada turma, que sempre é única em suas características e potencialidades. Então, os momentos de atendimento individualizado são oportunidades de construir ações específicas para o trabalho com o grupo de estudantes. Por exemplo: consideremos a situação de uma turma que tem cinco crianças que ainda não se apropriaram do Sistema de Escrita Alfabética. Nos encontros individualizados, a coordenação pode propor atividades e materiais didáticos específicos que auxiliem o trabalho com esse grupo de estudantes; pode planejar estratégias junto com o docente de inclusão desse grupo em atividades que favoreçam a apropriação do Sistema, entre outras possibilidades. Nesses momentos, a coordenação pode ainda realizar análise de avaliações, internas ou externas, da escola, da turma, do estudante, ao longo dos semestres. Se os encontros em grupo podem produzir estratégias gerais ante as avaliações internas e externas, os encontros individuais podem cuidar do “miudinho” dos subgrupos dentro de cada ano escolar ou dos casos individuais de algum estudante. É nesses encontros que se pode identificar a necessidade de fazer uma “dobradinha” entre professor/a e coordenação, em sala de aula, para lecionar sobre um tema específico ou contribuir para a recomposição das aprendizagens de um estudante ou grupo de estudantes. Ao planejar sua rotina, analisar as avaliações macro e micro, construir estratégias com os docentes, fazer atendimentos individualizados e compartilhar materiais pedagógicos com os/as professores/as, a coordenação escolar estará atuando para a elevação do nível de aprendizagem dos estudantes, fomentando o engajamento da equipe. Além disso, estará motivando e valorizando os diferentes pontos de vista, gerando o sentimento de pertencimento, de empatia e de compromisso com o processo educativo. Em síntese Os avanços da sociedade, de modo geral, e da educação, em particular, fazem com que o gestor escolar e o coordenador pedagógico assumam uma posição de maior relevância na condução das escolas. Esses dois profissionais desempenham funções estratégicas, pois são eles que vão dando cara não apenas ao ambiente escolar, mas também ao tipo de processo de ensino-aprendizagem realizado. O protagonismo dos gestores vai além dos aspectos administrativos e burocráticos, pois adentra a esfera pedagógica, por meio da qual, como dito anteriormente, acontece a construção de uma educação pública, inclusiva, antirracista e de qualidade socialmente referenciada. O diretor escolar é a liderança que norteia o rumo da instituição de ensino, porém essa não é uma ação que se realiza sozinha. Sua atuação vai além do administrativo, abarcando o desenvolvimento de estratégias que promovam a formação integral dos estudantes e do corpo docente, da comunidade em geral. O diretor é um trabalhador que exerce a liderança na escola,atuando como responsável por construir pontes, traçando estratégias de forma coletiva e deliberando com empatia sobre questões sensíveis à comunidade escolar. É uma liderança que promove o diálogo e fomenta a participação. O diretor, ao estimular a participação dos pais ou responsáveis e praticar uma gestão democrática, cria um ambiente participativo e diverso, propício ao aprendizado, o que, certamente, estimula e gera inovações educativas. 65 66 O aspecto pedagógico também se destaca no protagonismo da diretoria escolar, pois entre suas atribuições está a de promover práticas que fomentem a melhoria contínua do processo de ensino. Isso implica estabelecer uma cultura de diálogo, de acompanhamento e apoio constantes aos docentes e estudantes; de identificação de eventuais potenciais e fragilidades, tanto entre professores/as como entre os demais trabalhadores em educação e, diante disso, de estabelecimento de medidas que auxiliem na superação das dificuldades observadas. Nesse sentido, as palavras-chave da gestão escolar são acolhimento e confiança, isto é, acolher para entender e propor caminhos, o que gera na equipe sentimentos de segurança e pertencimento à escola. O coordenador pedagógico, ao atuar como o mediador entre a gestão escolar e os/as professores/as, também exerce um papel fundamental na implementação das políticas educacionais. Afinal, são os profissionais responsáveis por traduzir as diretrizes propostas pela gestão dos sistemas de ensino e da escola em ações efetivas, sem, com isso, desconsiderar as características específicas de sua comunidade escolar. A empatia, a capacidade de negociação e de liderança são elementos importantes para o bom exercício de sua função, assim como para quem exerce a função de direção. Naturalmente, a direção e a coordenação pedagógica são as referências dentro da unidade educacional. É delas que se espera um posicionamento, uma decisão, uma ação em torno das situações e atividades que envolvem a vida escolar. Precisam agir como protagonistas naturais e atuar como líderes que praticam cotidianamente a empatia, a capacidade de escuta, a tomada de decisões de forma compartilhada, inspirando as pessoas a serem e fazerem melhor, reconhecendo as diferenças, pois é na diversidade que se tem um potencial maior para gerar boas trocas e ótimos ganhos para a comunidade escolar. Por isso, gestores e coordenadores pedagógicos precisam construir uma rotina que cultive o diálogo como fundamento e método de trabalho. 67 Referências BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB. Brasília: MEC, 1996. LIMA, Licínio C. Construindo modelos de gestão escolar. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 1996. 19 p. (Coleção Cadernos de Organização e Gestão Curricular). PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática da escola pública. São Paulo, Ática, 1998. 133 p. PERNAMBUCO. Decreto nº 55509 de 11 de outubro de 2023. Regulamenta os critérios e procedimentos para realização do processo de seleção para a função de gestor escolar das unidades escolares estaduais. Recife, 11 de outubro de 2023. Disponível em: https://leisestaduais.com.br/pe/decreto-n-55509-2023- pernambuco-regulamenta-os-criterios-e-procedimentos-para-realizacao-do-processo-de-selecao-para- a-funcao-de-gestor-escolar-das-unidades-escolares-estaduais. Acesso em: 2 jan. 2025. RODRIGUES, Jovino de Sousa. Ações da gestão escolar como fator relevante para o desempenho no IDEB: estudo de caso da gestão e da governança de uma escola pública do Distrito Federal. 2023. 120f. Dissertação (Mestrado em Governança e Desenvolvimento Profissional) - Escola Nacional de Administração Pública – Enap. Brasília, 2023. Joselmo Santos de Santana é graduado em Pedagogia e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco. Sua dissertação de mestrado versou sobre as heterogeneidades de aprendizagens, a apropriação do Sistema de Escrita Alfabética e o ensino de produção de textos escritos. Tem artigos e capítulos de livros publicados. Atualmente é supervisor escolar em Jaboatão dos Guararapes e professor regente no município de Olinda- PE. E-mail: joselmosantana@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/1150461165702269 http://lattes.cnpq.br/1150461165702269 68 TEXTO 4 Projeto Político-Pedagógico da Escola e a garantia do direito à educação Helenise Sangoi Antunes Vera Lucia Martiniak Contextualizando o tema Neste texto tematizamos o Projeto Político-Pedagógico como ferramenta de trabalho dos gestores, na escola e na rede de ensino. Nossa ideia é dialogar sobre a gestão e o processo de mobilização, articulação e construção desse documento na escola como garantia do direito à educação, com destaque à leitura e à escrita. Para isso, reconhecemos o Projeto Político-Pedagógico como um importante indutor de ações, entre elas as de formação continuada, uma vez que compromete todos os envolvidos, para que as atividades ocorram alcançando as metas previstas, tal como nos lembra Gadotti (1994, p. 579), ao afirmar que “um projeto educativo pode ser tomado como promessa frente determinadas rupturas. As promessas tornam visíveis os campos de ação possível, comprometendo seus autores e atores”. Assim, iniciamos revisitando o que entendemos por Projeto Político-Pedagógico, conforme orienta Veiga (2004, p. 13): O projeto busca um rumo, uma direção. É uma ação intencional, com um sentido explícito, com um compromisso definido coletivamente. Por isso, todo projeto pedagógico da escola é, também, um projeto político por estar intimamente articulado ao compromisso sociopolítico, com os interesses reais e coletivos da população majoritária. É político no sentido de compromisso com a formação do cidadão para um tipo de sociedade. Na dimensão pedagógica reside a possibilidade da efetivação da intencionalidade da escola, que é a formação do cidadão participativo, responsável, compromissado, crítico e criativo. Pedagógico, no sentido de definir as ações educativas e as características necessárias às escolas de cumprirem seus propósitos e sua intencionalidade. 69 Tendo em vista que o Projeto Político-Pedagógico precisa ser construído na coletividade, por meio de um processo em que profissionais da escola e da comunidade se envolvem em debates e tomada de decisões colegiadas, visando assim diminuir conflitos, competitividade e autoritarismos, é preciso questionar-se constantemente sobre: - Como está a participação dos gestores na elaboração do Projeto Pedagógico? - E a participação dos/as professores/as? - E quanto às crianças, como participam do processo de construção do PPP? - E como os pais e as famílias são envolvidos no processo de discussão, construção e avaliação do PPP? E a comunidade escolar mais ampla, como tem participado? Para reafirmar a centralidade desse processo coletivo de participação e construção do Projeto escolar, vejamos as experiências relatadas por duas professoras de uma rede municipal de ensino. Nos relatos, constatamos a importância dada à participação coletiva na elaboração do Projeto Pedagógico e o seu reconhecimento como documento orientador das ações educativas no dia a dia da escola: Cada vez que temos a possibilidade de participar da elaboração de um projeto político-pedagógico reacendem as nossas esperanças na consolidação da democracia. Pois temos o direito de escrever e de viver num espaço escolar que fortalece a liberdade e a autonomia (Narrativa da Professora Margarida, 28 anos de carreira docente municipal). Toda vez que temos que elaborar um projeto político-pedagógico pensamos assim: Por quê? Mas quando sentimos o mesmo impregnando as nossas ações no dia a dia da escola, a gente percebe o quanto é importante ter um norte, um caminho e um documento que dá respaldo para as nossas ações pedagógicas (Narrativa da professora Rosa, 12 anos de carreira docente municipal). Frente a esses relatos, é importante tambémlembrar que o envolvimento dos profissionais da educação e da comunidade escolar em instâncias colegiadas de avaliação e planejamento do Projeto da escola está assegurado na legislação brasileira, especificamente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN nº 9394, Brasil, 1996). Assim, criar condições e zelar por boas práticas de participação é uma das principais tarefas da gestão escolar, atividade muitas vezes desafiante e exigente. Por isso, é preciso que a gestão escolar lance mão de diferentes estratégias que favoreçam a todos os atores da escola envolverem-se e comprometerem-se com a construção, a execução e o monitoramento contínuo e coletivo do Projeto educativo. 70 Projeto Pedagógico como processo coletivo da escola Um trabalho em que toda a comunidade educacional se envolve fortalece a gestão democrática e se materializa em ações efetivas de melhorias na escola. E esse é um caminhar que impõe determinação e disposição, pois demanda processos de reformulação e atualização constantes em razão das mudanças do contexto e das especificidades da realidade escolar. Pensando nisso, o que devemos considerar no processo de construção de um Projeto Pedagógico? Seguindo as orientações de Veiga (2002), na elaboração de um Projeto Pedagógico deve-se levar em conta os princípios que nortearão a escola pública e gratuita: a) igualdade de condições para acesso e permanência na escola b) qualidade c) gestão democrática d) liberdade e) valorização do magistério Assim, pautado por esses princípios, o Projeto Político-Pedagógico se coloca como uma ferramenta de trabalho da gestão escolar, pois, por meio dele, metas e estratégias são planejadas a cada tempo (anual/semestral ou bianual). E mais: também se torna instrumento de monitoramento da gestão e dos processos educativos na escola. A voz da professora Beatriz Pontes ilustra de forma detalhada essa dinâmica. Vejamos o seu relato: O Projeto Político-Pedagógico Escolar constitui uma importante ferramenta balizadora das ações educativas na escola, uma vez que subsidia a gestão escolar na organização de práticas de ensino e aprendizagem que levam em conta a realidade apresentada. Na elaboração do plano é importante atentar para as seguintes perguntas norteadoras: quem, o quê, como e por quê são as ações que balizam a construção do Projeto Político-Pedagógico. Esse é um instrumento onde inscrevem-se as metas, os objetivos, aliando-os à realidade do contexto apresentado a partir das atividades pedagógicas. É premente que no PPP se deve manter uma dialogicidade com toda a comunidade escolar, sendo muito importante a participação de todos na implementação de cada um dos itens contemplados na redação do plano; sua atualização deve ser periódica, revisitando-o quando necessário e fazendo nele alteração de acordo com as demandas da escola. Um projeto mantido dentro de uma gaveta ou armário apenas como figura ilustrativa da escola, sem releituras constantes, é apenas mais um papel guardado dentro da burocratização do sistema escolar. Ele precisa ser continuamente discutido e modificado conforme os desafios apontados que estão sempre sob a efervescência dos processos sociais em constante mutabilidade. (Narrativa da Professora Beatriz Pontes, 27 anos de carreira docente municipal). 71 A LDB determina que o Projeto Pedagógico deve ser elaborado e executado pelas instituições escolares, respeitando as normas comuns e as de seu sistema de ensino, por meio da articulação com as famílias e a comunidade. Por meio da participação da comunidade escolar, uma equipe de gestão que atue de forma democrática irá possibilitar condições de envolvimento de todos no processo de tomada de decisões, bem como na operacionalização das ações para a condução do trabalho pedagógico. No entanto, em alguns contextos, existem dificuldades para a efetivação dos princípios da gestão democrática na escola, o que pode desencadear ações marcadamente burocráticas e, por vezes, autoritárias, que não contribuem para assegurar o direito à educação. Uma dessas dificuldades observadas refere-se ao próprio processo de engajamento e participação da comunidade escolar na construção e monitoramento do PPP. Nesse sentido, perguntamos: - Como aproximar os pais, a comunidade e a escola? - Quais seriam as estratégias que a escola poderia utilizar para conseguir a proximidade com os pais e envolvê-los no processo de elaboração do Projeto Pedagógico? Uma estratégia importante e necessária é criar mecanismos de comunicação com os diferentes atores, principalmente com as famílias, de modo que se possa favorecer sua participação, que vai além de frequentar as reuniões realizadas para falar sobre o desempenho dos alunos ou para solicitar documentos. Precisamos reconhecer que muitos pais, mães ou responsáveis pelos alunos trabalham durante o dia ou têm dificuldades para ajudar seus filhos nas tarefas diárias, o que faz com que sua participação se distancie do cotidiano escolar. Para esse público, em particular, uma possibilidade de ação poderá ser o conhecimento da sua realidade e cultura, de modo que se possam estabelecer mecanismos de participação e escuta mais ajustadas às suas reais condições de envolvimento na tomada de decisão. Com isso, os pais podem passar a perceber a escola pública como um espaço acolhedor, de diálogo e reciprocidade, em que ajustes são realizados justamente visando a sua participação. Quando a gestão age nessa perspectiva, a escola se fortalece enquanto instituição e responde ao seu papel, que, de acordo com Saviani (2012, p. 14), é o de existir para “propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos desse saber”. Sabemos que as realidades das escolas brasileiras são muito diversas e isso sempre precisará ser considerado na construção do Projeto Pedagógico. Quando somos responsáveis pela gestão escolar, é necessário olhar as realidades que se apresentam, pois metas e objetivos devem ser estabelecidos, considerando as demandas da realidade social, o que possibilitará maior êxito de assegurarmos o direito à educação como prioridade. Agindo desse modo, a gestão torna-se democrática porque propicia mudanças nas práticas escolares, na postura de seus profissionais e na formulação de um Projeto Pedagógico que garante a participação coletiva. Isso potencializa a melhoria da qualidade do ensino, criando mecanismos de enfrentamento dos desafios, como, entre outros, o da evasão e do fracasso escolar. 72 Desafios da gestão escolar no contexto de pós-pandemia e o papel do Projeto Pedagógico O investimento na melhoria da qualidade de ensino é meta de vários países, entre eles o Brasil, especialmente no que se refere aos desafios vividos no pós-pandemia, relativos à garantia da alfabetização das crianças. A crise sanitária alterou a rotina, os hábitos e as relações sociais de alunos e professores/as, obrigando-os a estudarem de modo remoto, independente das condições de acesso à internet ou da possibilidade de utilização dos suportes tecnológicos. O isolamento social gerou prejuízos e perdas de aprendizagens no processo de alfabetização e de apropriação da leitura e da escrita por parte de muitas crianças. Tudo isso nos leva ao seguinte questionamento: Como esses prejuízos e perdas de aprendizagem podem ser tomados como balizadores da reconstrução do PPP e da própria gestão escolar? O relatório da pesquisa Alfabetização em Rede (2020), coordenada por um coletivo de pesquisadores de 28 universidades, teve como um dos objetos de estudo o ensino remoto no campo da alfabetização, durante a pandemia. A partir da análise dos dados produzidos, o estudo apontou que o maior desafio consistiu na realização das atividades, principalmente quando a criança dependia do auxílio dos pais ou responsáveis, ou, ainda, do acesso aos suportes tecnológicos ou à internet. A responsabilização da família pela alfabetizaçãoda criança esbarrou em problemas sociais e educacionais, como a desigualdade econômica e o nível de escolarização dos seus membros, bem como a falta de recursos materiais e de suportes para acompanhar o ensino remoto. Para as redes de ensino, o desafio foi organizar e disponibilizar estratégias e materiais para manter o vínculo com a escola, de modo que garantisse a aprendizagem e evitasse o abandono. Para os/as professores/as, a dificuldade encontrada foi planejar atividades para seus alunos, para tornar mais fácil o acesso ao mundo digital, superando a sua própria falta de domínio das tecnologias digitais. Já quando do retorno das crianças ao ensino presencial, após a pandemia, foi e ainda tem sido necessário pensar em como o Projeto Político-Pedagógico pode se transformar em um instrumento de superação das desigualdades sociais e educacionais. Certamente não há condições de se apontar respostas definitivas para todas as realidades escolares. Mas trazemos algumas ponderações sobre o que se tem julgado como práticas necessárias para mitigar efeitos decorrentes dos processos de ensino e aprendizagem vividos durante a pandemia. Como ponto de partida, citamos a realização do diagnóstico da realidade escolar como um primeiro grande passo. Para isso, é importante sempre refletir sobre quais estratégias podem ser mobilizadas para realizar diferentes diagnósticos que permitam identificar as dificuldades e necessidades de toda ordem e, a seguir, a partir dessa identificação, estabelecer ações e metas a alcançar, bem como os caminhos possíveis para atingir os objetivos traçados. No relato da professora Beatriz Pontes encontramos algumas pistas e estratégias adotadas em sua escola: A análise do diagnóstico das demandas escolares é imprescindível para a elaboração de um projeto político-pedagógico. Através dessas iniciativas é possível delinear pontos como as caracterizações do público atendido, as formas de participação das famílias, de forma não só a incidir na melhoria dos processos de ensino e aprendizagem, como também dar melhores direcionamento à escola e na promoção e desenvolvimento da comunidade: desenvolver práticas que levem à minimização das taxas de evasão e reprovação escolares; dar importância à formação continuada de professores e à forma como esta será contemplada; firmar parcerias com outras instituições de ensino no desenvolvimento de projetos. Todas essas ações devem estar alinhadas levando em conta o respeito às diretrizes gerais da educação, conforme o que está previsto nas legislações que norteiam a educação em seus diferentes níveis. Cada etapa, seja de elaboração ou de execução do projeto, é muito importante, uma vez que precisa levar em conta os indicadores de sucessos, os sistemas de avaliação, as metodologias aplicadas, os responsáveis pela execução e os referenciais teóricos que o fundamentam. O monitoramento de cada uma das ações constantes do projeto é muito importante, pois só assim é possível analisar se o objetivo proposto durante a elaboração deste está sendo alcançado e, em caso negativo, rever ações a fim de que o mesmo atenda as demandas (Narrativa da professora Beatriz Pontes, 27 anos de carreira docente municipal). A professora Beatriz Pontes reconhece que o diagnóstico das demandas escolares é fundamental para a elaboração do Projeto Político-Pedagógico. Ela faz referência à importância de uma boa caracterização do público atendido, das formas de participação da família e também da necessidade da formação continuada em serviço como prática voltada para a garantia do direito à educação e melhoria das práticas de ensino de leitura e de escrita. A articulação de ideias e ações é o que torna possível o planejar, o construir e o investir em práticas transformadoras da realidade escolar, o que precisa estar explicitado no Projeto Político-Pedagógico. Vimos que entre os princípios apontados por Veiga (2002) está a valorização do profissional docente, que precisa ser prevista no Projeto Político-Pedagógico por meio da garantia de espaços e tempos para a formação continuada. É nos espaços de formação na escola que o/a professor/a pode refletir sobre o cotidiano escolar, aprofundar seus conhecimentos, repensar sobre sua prática pedagógica e consolidar a democracia. Afinal, “[...] as atividades formativas que ultrapassam a mera técnica são uma forma de ensinar a democracia e viver democraticamente” (Antunes, Bittencourt, Cavalheiro e Leão, 2024, p. 34). Nessa direção, a construção democrática do Projeto Político-Pedagógico da escola e a formação continuada de professores/as são duas atividades essenciais da gestão escolar, que possibilitam suporte à prática pedagógica do/a professor/a. O PPP assegura quais são os princípios e metas que se deseja alcançar, assim como os meios coletivamente acordados para efetivá-los. Já com a formação continuada, espera-se que as situações formativas propostas criem condições para a problematização, a reflexão e a teorização, promovendo a construção coletiva de conhecimentos profissionais, os quais reverberam em práticas inclusivas de ensino e aprendizagem. Assim, no movimento contínuo de aprendizagem e redimensionamento da prática pedagógica, a formação continuada torna- se um instrumento de profissionalização imersa no Projeto Pedagógico da escola. Em pesquisa realizada com coordenadores pedagógicos, Franco (2016) demonstrou 73 74 que eles têm clareza de que o específico de seu trabalho é a coordenação do trabalho dos/as professores/as e a organização de processos de formação continuada. Conforme defende Franco (2016, p. 19-20), “o trabalho do coordenador pedagógico é uma atividade voltada essencialmente à organização, compreensão e transformação das práxis docentes, para fins coletivamente organizados e eticamente justificáveis”. O exercício da docência requer a formação contínua como prática social e profissional, pois por meio dela o/a professor/a pode rever constantemente o seu papel, tendo em vista que seu trabalho é de natureza intelectual e voltado para a humanização e a produção de conhecimento. Isto posto, compreendemos que a formação conduz à transformação, pois [...] a mudança na prática educativa inicia no momento da reflexão e socialização das práticas desenvolvidas pelos professores durante o cotidiano do contexto escolar. A teoria é muito importante e é preciso ser a base no aprendizado, mas é na prática diária que acontece a união do conhecimento e as soluções encontradas para atender as necessidades individuais de cada aluno. O profissional docente tem o dever de proporcionar o desenvolvimento de habilidades nos seus alunos e, para tanto, deve oportunizar diferentes atividades, as quais possam atender às diferentes formas e tempos de aprendizagem (Leão, Rechia e Costa, 2022, p.187). Assim, a escola é reconhecida como lócus de formação e espaço propício para realizar a reflexão e a problematização das situações de seu cotidiano. É nela que se tem melhores possibilidades de discutir e teorizar a prática pedagógica, visando à proposição de metodologias e estratégias que promovam a melhoria do ensino que nela se realiza. Porém, para isso, a formação continuada requer que ações contínuas de valorização da carreira docente e de adequadas condições de trabalho sejam asseguradas pelos mantenedores. Conforme vimos antes, a formação continuada em serviço precisa estar prevista no Projeto da escola. Além disso, é preciso constantemente estimular o diálogo e a reflexão, para que assim se possa alcançar a efetividade do que é acordado no PPP. No seguinte relato da professora Beatriz encontramos algumas pistas desse processo. Eu, na minha trajetória enquanto pedagoga e em anos de trabalho na educação, Anos Iniciais e Educação Infantil, sei o quanto é difícil esboçar na prática o que está na teoria. Tal atitude carece de uma capacidade de diálogo entre toda a comunidade escolar. Temos que lidar com as adversidades e as diferentesconcepções que cada um tem acerca do processo de ensino e aprendizagem. Aprender a escutar os anseios da comunidade escolar, principalmente os alunos e seus familiares, não é tarefa fácil. Um Projeto Político-Pedagógico é um desafio que vai desde a sua análise, elaboração, execução até sua avaliação, uma vez que este envolve toda a comunidade escolar e deve estar sempre pautado na capacidade de lidar com as alteridades e de, a partir dessas, convocar todos a participar, não apenas como espectadores, mas colocando a mão na massa para que todos e todas caminhem juntos para uma educação emancipadora, que leve a enfrentar os desafios de uma escola da vida secularizada pelas relações de poder (Narrativa da Professora Beatriz Pontes, 27 anos de carreira docente municipal). Nesse sentido, é fundamental ouvir os diferentes atores que fazem parte da escola, em especial os/as professores/as. É a partir do diagnóstico da realidade que a formação continuada será prevista e reafirmada no Projeto Político-Pedagógico da escola, assim como é necessário definir de que forma será efetivado o processo formativo de seus profissionais. Sabemos que existem limitações que impedem ou dificultam a sua implementação, como a falta de disponibilidade dos profissionais, o espaço e o tempo inapropriados, a escassez de recursos e de materiais de estudo. Por isso, é importante que a gestão escolar possa coordenar ações formativas na escola, envolvendo programas federais e parcerias entre a escola e as Universidades Públicas. Estas são duas ações potentes para a consolidação da gestão democrática: o fortalecimento da autonomia docente e a qualidade da formação continuada em serviço, indo ao encontro das reais necessidades de quem ensina e aprende todos os dias na escola – os/as professores/as. Ainda visando trazer alguns aspectos para a discussão, sobre a participação ativa do/a professor/a em processos formativos, Antunes, D’ Andrea e Megier (2024, p. 71) trazem reflexões sobre a necessidade de comprometimento dos docentes com os processos formativos dos quais participam. Segundos os autores, [...] na arte da vida somos nós os artesãos do aprender a viver, entrelaçam-se vidas, encontros, buscas que vão constituindo de modo pessoal e profissional, que entretecem caminhos da ética e da estética na educação pública, bordadas na condição de formação de pessoas professoras. São os processos desses encontros que nos instigam a refletirmos sobre nossas escolhas, percursos e caminhos trilhados para a formação pessoal e profissional, por vezes tão complexos, e que, talvez por isso, tragam felicidade para todos os envolvidos nos espaços e tempos compartilhados. Para nós, não é uma opção registrá-los e divulgá-los, embora essa não seja uma tarefa fácil. É imprescindível abrirmos outros caminhos em trajetórias que também conduzam à melhor qualidade de vida, tão almejada por todos que se envolvem no processo da arte de viver e educar. Diante dos inúmeros desafios (im)postos aos gestores e coordenadores pedagógicos e considerando a complexa dinâmica do contexto escolar, é necessário assumir a formação continuada em serviço como uma prática que fortalece a organização democrática da instituição escolar. A gestão democrática, como já dito antes, requer a realização de ações e decisões tomadas de forma colegiada, o que promove na escola espaços de diálogo e de comprometimento de toda a comunidade. Destaco ainda que o investimento na formação de professores/as promove condições para que os/as professores/as qualifiquem as práticas de ensino, criando situações educativas que auxiliam e permitem aos estudantes aprenderem os conhecimentos produzidos historicamente pela humanidade. Não podemos perder de vista também que a sala de aula é constituída por alunos com diferentes ritmos de aprendizagem, o que torna o ambiente rico de experiências e possibilidades. Contudo, é um desafio para o/a professor/a atender as especificidades e 75 76 a heterogeneidade de seus alunos. Assim, a prática pedagógica não pode estar baseada em manuais com receitas prontas para o/a professor/a aplicá-las na sala de aula. Nesse sentido, os processos de formação continuada na escola criam condições para que os/as professores/as possam melhor compreender, propor ações e intervenções pedagógicas que possibilitem ultrapassar as dificuldades apresentadas. É nesse sentido que reiteramos que a formação continuada provê aos/às professores/ as mais subsídios para agirem de modo a alterar as realidades de exclusão e não aprendizagem escolar, o que poderá vir a superar a visão reducionista que enfatiza o fracasso ou sucesso da aprendizagem como responsabilidade do/a professor/a ou do aluno (Martiniak, 2022). Nesse sentido, se faz muito importante fortalecer processos formativos coletivos, uma vez que a formação não se dá somente de forma individual, mas se fortalece quando há relações sociais fortes e consistentes entre os profissionais da escola, com os alunos e com a própria comunidade, e isso tudo amparado pelo Projeto Político-Pedagógico. Para finalizar essas reflexões, retomamos os princípios enfatizados por Veiga (2002), para afirmar a importância da construção coletiva do Projeto Político-Pedagógico, uma vez que, conforme vimos no decorrer deste texto, é por meio da igualdade de condições para acesso e permanência na escola, da qualidade, da gestão democrática, da liberdade e da valorização do magistério que podemos assegurar que a escola seja democrática. E isso somente é possível quando todos os envolvidos – gestores da rede de ensino e da escola, professores/as, estudantes e famílias – assumem o compromisso ético e político de implementar uma prática educativa que tenha como objetivo assegurar o direito à educação de qualidade e a construção da autonomia profissional. E a gestão escolar tem papel fundamental na transformação da escola e na garantia do direito à educação. Em síntese A escola é um espaço educativo onde todos precisam ter a oportunidade de participação nos processos de discussão e tomada de decisão. Nessa direção, este texto discutiu a importância da participação da comunidade escolar na construção do Projeto Político-Pedagógico, assegurada por meio de uma gestão democrática. O texto refletiu ainda sobre o processo de construção do Projeto Pedagógico, destacando que a gestão exerce papel de articuladora e, principalmente, atua na garantia de processos e práticas de formação continuada dos profissionais da escola. Nesse sentido, é importante definir no Projeto os recursos e as estratégias que serão adotados para resguardar o direito à formação, o que é essencial para que se efetive como uma das prioridades da escola. Por fim, vale reiterar que a garantia da qualidade do ensino e do direito à educação se dará a partir de mudanças na escola, não somente de caráter metodológico, mas na sua totalidade, isto é, no currículo e nos processos avaliativos de ensino e aprendizagem. Aliados às mudanças internas, as políticas e os programas educacionais precisam se projetar em um todo coerente, com vistas ao ensino público e à melhoria da qualidade da educação. 77 Referências ALFABETIZAÇÃO em rede: uma investigação sobre o ensino remoto da alfabetização na pandemia Covid-19 - Relatório Técnico (Parcial). Revista Brasileira de Alfabetização, n. 13, p.185-201, dez. 2020. DOI: https://doi.org/10.47249/rba2020465. ANTUNES, Helenise Sangoi; BITTENCOURT, Zoraia Aguiar; CAVALHEIRO, Rejane; LEÃO, Debora Ortiz de. Quando o Grupo de Pesquisa ultrapassa a entrega formativa docente. In: ANTUNES, Helenise Sangoi; CAVALHEIRO, Rejane (org.). GEPFICA, 20 anos de memórias formativas docentes no Centro de Educação UFSM. Curitiba: Appris, 2024. p. 25-36. ANTUNES, Helenise Sangoi; D´ANDREA, Cristina; MEGIER, Clarice. A ética e a estética na formação de professores alfabetizadores. In: ANTUNES, Helenise Sangoi; CAVALHEIRO, Rejane (org.). 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Helenise Sangoi Antunes é Doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria e professora titular no Departamento de Metodologia de Ensino. Atua no Programa de Pós- Graduação em Educação da UFSM, orientando dissertações e teses na área da Formação Inicial e Continuada de professores alfabetizadores, Classes Multisseriadas e Alfabetização. E-mail: professora.helenise@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/2586663143728140 Vera Lucia Martiniak é Doutora e Pós-Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP. É professora associada da Universidade Estadual de Ponta Grossa, no Departamento de Educação. Atua no Programa de Pós-Graduação em Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação Inclusiva da UEPG, orientando dissertações e teses na área de história e política educacionais, formação de professores alfabetizadores e educação inclusiva. E-mail: professora.helenise@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/2586663143728140 http://lattes.cnpq.br/6804330341401151 http://lattes.cnpq.br/2586663143728140 78 3Coordenação de processos educativos e formativos na escola 79 TEXTO 1 Formação docente como prática colaborativa Arita Mendes Duarte Marta Nörnberg Contextualizando o tema O tema da formação docente pode ser mais bem compreendido se partimos de experiências realizadas e que podem servir como inspiração para novas e possíveis atividades formativas, especialmente no ambiente das escolas. O presente texto compartilha uma experiência formativa desenvolvida em uma escola da rede municipal de Pelotas, vinculada ao Projeto de Pesquisa Obeduc-Pacto¹. O referido Projeto foi coordenado pelo Grupo de Estudos sobre Aquisição da Linguagem Escrita (GEALE), da Universidade Federal de Pelotas. Em um dos materiais de sistematização desse Projeto, encontramos aspectos que corroboram a contribuição de iniciativas como a do Observatório da Educação para a formação de professores/as dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: Acreditamos que o projeto Obeduc-Pacto foi ao cerne do fazer universidade por apostar no fazer pesquisa como eixo articulador entre a educação básica e o ensino superior, e entre os diferentes níveis de investigação – iniciação científica, mestrado, doutorado, docentes da educação básica. Essa articulação criou condições objetivas de trabalho para viabilizar, efetivamente, a qualificação das práticas, tanto de pesquisa quanto de ensino, em que participantes de diferentes trajetórias e tempos de formação e de docência puderam aprender uns com os outros. Um exercício legitimamente público da palavra em que conhecimento e docência estão conectadas por meio da pesquisa e da reflexão conceitual, pesquisa entendida como investigação crítica, como reflexão, como trabalho criativo, como cultivo do saber e, assim, como (re)elaboração constante de hipóteses – porque são sempre formas provisórias de saber (Nörnberg; Pachalski, 2020, p. 17-18). 1 Entre os anos 2000 a 2014, o governo federal estabeleceu vários programas que financiaram e oportunizaram a formação continuada de professores/as da Educação Básica, os quais foram articulados e possibilitados por meio da parceria e interlocução entre a Universidade e a Escola Básica. Um deles foi o projeto Obeduc- Pacto: formação de professores e melhoria dos índices de leitura e escrita, desenvolvido no âmbito do GEALE, coordenado pela professora Marta Nörnberg e financiado pelo programa Observatório da Educação/Capes. Ver https://wp.ufpel.edu.br/obeducpacto/ 3Coordenação de processos educativos e formativos na escola 80 É inegável o que podem a Universidade e a Escola Básica. E é imensurável a capacidade que os docentes da Educação Básica têm para produzir conhecimentos quando os tempos e os espaços de estudo e de investigação sobre suas práticas de ensino são garantidos como estratégia de formação dos profissionais da educação. Para pensarmos juntos: Em sua rede de ensino ou escola, há espaço e tempo assegurados para estudar e investigar as práticas educativas? Qual é o lugar da formação no espaço da escola? Qual é o modelo de formação que tem sido desenvolvido? Qual é o papel da coordenação pedagógica nesse espaço formativo? Que lugar os/as professores/as ocupam nos processos de formação na escola? Buscando refletir sobre essas questões, neste texto, descrevemos uma experiência formativa cujo percurso foi elaborado por um grupo de professoras que queria estudar e compartilhar o processo de planejamento do ensino nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. A experiência relatada surgiu no lócus da escola, fruto da vontade das professoras que, entre pares, desejavam estudar para ampliar domínios teóricos e práticos. E essa vontade foi encorajada pelo grupo de pesquisa da Universidade do qual participava a professora responsável pelo Projeto de intervenção, primeira autora deste texto, que trabalhava no Projeto Obeduc-Pacto na condição de bolsista de educação básica². Para desenvolver o processo formativo, uma das premissas importantes foi de que o estudo fosse assumido como uma atividade coletiva que demanda contínua organização e reorganização, construção e reconstrução, elaboração e reelaboração, favorecendo assim o desenvolvimento profissional. Em razão disso, o mote central para planejar a formação na escola foi mobilizado pelas inquietações sobre como as crianças aprendem e sobre a melhor forma de ensiná-las, angústias expressadas pelas docentes quando consultadas sobre que conteúdos ou assuntos deveriam pautar os encontros de formação. A partir dessa angústia inicial, foi emergindo o direcionamento da formação, estruturada com base em três vértices: Formação entre pares As ações de corresponsabilização entre as professoras participantes A discussão colaborativa A formação teórica Com base nesses três vértices, entendeu-se que seria possível avaliar, conjuntamente, se a organização do processo formativo entre pares reverbera ou não em transformações práticas em sala de aula, atendendo tanto as expectativas das docentes quanto as intencionalidadespleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores; III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; IV - direito de organização e participação em entidades estudantis; V - acesso à escola pública e gratuita, próxima de sua residência, garantindo-se vagas no mesmo estabelecimento a irmãos que frequentem a mesma etapa ou ciclo de ensino da educação básica (Brasil, 1990) Observa-se, conforme o ECA, que o direito à educação se fundamenta no direito à educação para o desenvolvimento, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Logo, se apresenta um conceito ampliado sobre a educação, o qual precisa ser garantido pelas escolas, assegurando igualdade de condições, além de respeito, critérios avaliativos justos e participação cultural e social no contexto educacional. Vejamos uma situação em que uma criança é matriculada em escola situada a 40 minutos de sua residência por falta de vaga em outra escola municipal que fica a cinco minutos de sua casa. Essa criança e a pessoa responsável por ela terão que acordar e fazer refeições ainda mais cedo, utilizar o transporte público para deslocamento até a escola, estudar e depois retornar para casa, levando 40 minutos a mais que os demais estudantes. Isso nos leva ao seguinte questionamento: Será que podemos considerar que há igualdade de condições dessa criança e família com os demais estudantes que residem próximo à escola? Será que o cumprimento do horário de entrada poderá ser visto com a mesma rigidez? E os horários das refeições, serão adequados, sabendo-se que uma criança permanece em jejum por mais tempo que a outra? É possível que o rendimento escolar não leve em consideração essas questões? Enfim, esse exemplo apresenta uma 8 situação comum no cotidiano escolar que nos ajuda a indagar sobre o direito de crianças e adolescentes à educação, como ele se apresenta e como é possível lidar com os diferentes contextos sociais conviventes no mesmo ambiente escolar. Apontamos que o fortalecimento das políticas públicas para a educação nos municípios é fundamental para que seja possível construir estratégias que, de fato, efetivem o direito à educação e à alfabetização. As responsabilidades municipais durante a Década da Alfabetização: um novo direito social? Se a preocupação com políticas públicas relacionadas com a alfabetização escolar é algo recente no Brasil, pode-se inferir quais são os sentidos dados acerca de possíveis desdobramentos e impactos dessas políticas nos âmbitos locais e regionais, pois os municípios brasileiros se tornaram entes federados praticamente no período político- histórico das transformações do campo educacional nas décadas de 80 e 90. Em virtude disso, ainda que brevemente, faz-se necessária certa recuperação histórica acerca de “projetos de nação” que estão envolvidos com a alfabetização, em especial, a partir da década de 1990, e a responsabilidade dos municípios brasileiros com a universalização do Ensino Fundamental. Conforme Mortatti (2000), a preocupação com a instrução elementar se apresentou no Brasil durante o século XVIII, contudo, somente no final do Império, a partir da inquietação com novos fatos e ideias relacionadas com a Proclamação da República, houve certa visibilidade sobre a condição do analfabeto e sua correspondência ao “analfabetismo”. De acordo com a autora, essa associação foi resultante de um problema eminentemente político, em especial, a proibição do voto do analfabeto entre os anos de 1881 e 1882 e a necessidade da instalação do modelo republicano de escola pública, em 1889. Ainda conforme a autora, durante as duas primeiras décadas do século XX, houve a consolidação da expansão do “aparelho escolar” e da disseminação da instrução pública elementar. Esse período, marcado pelos problemas econômicos da Primeira Guerra Mundial e pelos problemas sociais e culturais gerados a partir do processo de urbanização, juntamente com a chegada de imigrantes no Brasil, favoreceu novos contornos e significados para o ensino da leitura e da escrita no país. Assim se deu a difusão das palavras “analphabetismo”, “analfabeto”, “alphabetização”, “alphabetizado” e a estreita relação da escola com a finalidade de “ensino da leitura (e escrita)”. A partir desse contexto, o analfabetismo se tornou uma problemática para as reformas, tanto políticas como educacionais e, do mesmo modo, com diversas preocupações sobre o futuro das instituições democráticas no cenário nacional. Contudo, durante boa parte do século XX, o aprendizado da Língua Portuguesa para crianças, considerando o binômio educação-alfabetização, se deu, predominantemente, a partir de finalidades relacionadas a questões técnicas para o ensino da leitura e da escrita, negligenciando aquelas políticas, a relação entre linguagem e classe social e, consequentemente, as desigualdades sociais e econômicas. Justamente a partir da Constituição de 1988, há no Brasil o desenvolvimento de estudos e pesquisas acadêmicas sobre educação e alfabetização, especialmente mobilizadas para a eliminação do analfabetismo e universalização do Ensino Fundamental no país. Assim sucedeu o envolvimento e a participação de professores/as universitários 9 dos centros de pesquisas e de cursos de pós-graduação na organização de serviços de extensão universitária, por meio de programas de formação continuada de professores/ as, objetivando a incorporação da pesquisa científica e de novos conhecimentos sobre alfabetização (Mortatti, 2000). A maior articulação política seguia uma tendência no período de redemocratização, com o engajamento da sociedade frente ao processo de elaboração de leis e na disputa de correlação de forças sociais. Nesse caminho, é possível destacar áreas com grandes transformações, como os direitos das crianças e adolescentes, com a promulgação do ECA, em 1990, e, não coincidentemente, com o crescente interesse por estudos e pesquisas científicas sobre alfabetização escolar, em especial, a partir dessa década. Nesse período, considerado como a “década da educação”, houve a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 (LDB), bem como a defesa da escola pública em um modelo democrático para todos. Foi justamente o contexto da Constituição Federal de 1988 e da LDB que definiu, com clareza, o papel e a importância do município como ente federativo autônomo responsável pela formação e gestão das políticas de Educação, criando, inclusive, seu próprio sistema de ensino. Assim, os governos locais tornaram-se os principais responsáveis pela oferta do Ensino Fundamental. Também do ponto de vista legal, foi definida a colaboração entre União, estados e municípios como o meio adequado na busca de uma educação de qualidade e não excludente. Neste sentido, a década de 1990 foi marcada por um contínuo movimento de descentralização político-administrativa das políticas públicas de forma geral e, em especial, da educacional, via municipalização do ensino, resultante das relações entre governos subnacionais: estados e municípios. Ou seja, a responsabilidade pela execução da política de educação passa a ser do município, no que tange à Educação Infantil e ao Ensino Fundamental. Assim, a descentralização faz com que a operacionalização da política e a gestão administrativa sejam mais próximas das singularidades e realidades de cada município. Alguns exemplos são constatados a partir de acontecimentos, como os vivenciados no município do Rio de Janeiro, com frequentes interrupções e suspensões de aulas por conflitos armados urbanos, ou nas situações vividas em municípios da região Sul e Norte do país, em razão de eventos e efeitos da crise climática. Assim sendo, não se podem ignorar os impactos e oseducativas, isto é, a progressão das aprendizagens em leitura e escrita das crianças. 2 A professora bolsista de educação básica do Observatório da Educação/Capes, no âmbito do Projeto Obeduc-Pacto, tinha como responsabilidade desenvolver um projeto de intervenção em sua escola. A professora Arita participava semanalmente de atividades de estudo e planejamento coletivo na Universidade, momentos em que se tematizavamaspectos do trabalho pedagógico no âmbito das práticas de leitura e escrita com crianças dos Anos Iniciais e da formação da professora dos Anos Iniciais. Nos encontros, a partir das situações educativas trazidas pelas professoras bolsistas, leituras eram realizadas visando favorecer condições de apropriação de novos conhecimentos sobre determinado assunto ou objetos de ensino, visando à análise e ao replanejamento das práticas das docentes participantes do Projeto. 81 Vale dizer que, ao assumirem de forma conjunta a formação, as professoras foram estabelecendo em suas rotinas de trabalho pedagógico formas e ações de cumprimento das decisões tomadas pelo coletivo formativo. Entre as rotinas adotadas, citamos: o registro sistemático das atividades realizadas em sala de aula; a organização de sequências didáticas abordando os conteúdos previstos para um determinado período letivo; o acompanhamento da aprendizagem por meio do uso de instrumentos de avaliação diagnóstica e formativa; a prática de planejamento das aulas; a leitura prévia do material de estudo com anotação de dúvidas e reflexões pessoais. Tais rotinas visavam subsidiar o (re) direcionamento da discussão no percurso de formação, assim como o próprio processo de planejamento das práticas de ensino para as turmas com as quais trabalhavam. Além disso, buscamos fortalecer a prática do estudo por meio da pesquisa sobre o seu fazer pedagógico, fortalecendo, desse modo, a interlocução entre docentes da Universidade e da Escola Básica no processo de produção de conhecimentos. Nessa direção, a própria noção de formação ganha significados e contornos diferentes. Isso porque não mais se entende a formação estritamente como preparação para o exercício de uma profissão, mas como processo intrínseco do próprio desenvolvimento profissional. Com essa posição, podemos nos perguntar: O que é mais importante para o/a professor/a: formar seus alunos ou formar a si mesmo/a? Como você responderia essa pergunta? Para Nóvoa (1995), “formar é sempre formar-se”, principalmente quando os/as professores/as prosseguem em uma perspectiva formativa dinâmica, na qual as principais motivações são a aprendizagem das crianças, a interação com seus pares, o diálogo permanente e a reflexão constante. Logo, não há formação de maior ou menor importância, porque a formação é sempre imprescindível e constitutiva do que somos como pessoas e profissionais que trabalham com a educação. Com base nessa posição, o desafio consiste em perceber a escola como um lugar no qual formar e formar-se não sejam atividades distintas, pois “a troca de experiências e a partilha de saberes consolidam espaços de formação mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar o papel de formador e formando” (Nóvoa, 1997, p. 26). A escola é um lugar fértil para a formação: nela, o/a professor/a expande seus conhecimentos sobre o fazer pedagógico; nela, o/a professor/a coordena diversas situações educativas que podem se tornar conteúdos para as trocas e as reflexões com os colegas das mais diferentes áreas, que estão em diferentes estágios de vivência na docência e de desenvolvimento profissional. Assim, organizar e dinamizar um processo formativo requer garantir a articulação e o diálogo entre os/as professores/as, por serem os protagonistas do fazer na sala de aula. Requer, igualmente, desenvolver nossa capacidade de prestar atenção ao fazer pedagógico com vistas a qualificar o ofício de ensinar em diferentes contextos sociais, educativos e culturais da contemporaneidade. E, ainda, requer enfrentamentos e resistência à precarização do trabalho docente e ao aumento da sobrecarga burocrática que recai sobre os/as professores/as. Assim, é do lugar de quem coordenou e acompanhou uma experiência de formação colaborativa que compartilhamos, a seguir, ações e conhecimentos que nos permitem refletir sobre possibilidades de realizar a formação na escola. A experiência realizada mostra um significativo alcance de atividades formativas quando estas são organizadas e dinamizadas visando investir no/na professor/a por meio da sua escuta, da análise e reflexão de suas práticas e da garantia de espaços de diálogos entre os docentes, pois eles são os protagonistas do fazer na sala de aula. 82 A formação colaborativa: a experiência realizada Quando abordamos ou relacionamos prática pedagógica, sala de aula e formação de professores/as, buscamos sistematizar o processo formativo de modo que o planejamento flexível faça parte da organização e da coordenação das ações docentes, articulando as atividades de sala de aula com os aportes teóricos necessários. No caso da experiência realizada, o percurso formativo foi surgindo a partir das necessidades expressadas pelas professoras durante as reuniões pedagógicas. Elas afirmavam que sentiam a necessidade de um espaço para investir em sua formação teórica, com momentos de discussão sobre as práticas realizadas em sala de aula, considerando as especificidades de cada turma. Embora o percurso formativo tenha sido conduzido por uma professora, ele contou com o consentimento e a colaboração da Coordenadora Pedagógica da escola que, mesmo não participando das discussões por conta de seu envolvimento com as demandas administrativas, reconhecia a importância das ações propostas nos encontros formativos. A primeira ação foi buscar uma base para justificar o próprio movimento formativo que se iniciava. Com Nóvoa (1997), fomos entendendo que, para a formação acontecer, é importante haver um espaço de partilha capaz de proporcionar um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente da identidade pessoal e profissional do/a professor/a. Assim, embora todas as docentes dos Anos Iniciais da escola tenham sido convidadas, seis professoras das turmas do 1º ao 3º ano e duas professoras auxiliares confirmaram sua participação e acompanharam as atividades propostas ao longo dos três anos de duração da experiência formativa. Ao longo do processo, percebemos que as professoras vinham com o desejo de estarem juntas para estudar, para partilhar ideias e para aprender, fosse para corroborar suas posições epistemológicas ou para modificá-las, o que aquecia os encontros. Acordamos que a periodicidade dos encontros seria quinzenal, com duração de 60 minutos. Esse era o tempo destinado pela escola para a formação durante o turno de trabalho, conforme autorização dada pela Secretaria Municipal de Educação e Desporto. Além disso, a direção assegurava um espaço físico (sala de aula) para que a formação ocorresse na escola. Buscando otimizar o tempo de discussão coletiva durante o encontro quinzenal, os textos e os materiais escolhidos eram disponibilizados com antecedência para serem lidos pelas participantes. Os encontros eram organizados em três momentos. No primeiro, fazíamos discussões sobre a leitura prévia indicada, tomando como base as notas e os destaques feitos pelas professoras; no segundo momento, realizávamos a exposição de conceitos, dirimindo dúvidas e/ou tecendo considerações a eles relacionados; e, no terceiro momento, abríamos espaço para que cada professora socializasse questões práticas da sua turma com vistas ao planejamento, já considerando elementos teóricos que tinham sido explorados durante a leitura prévia. Ao longo dos encontros, fomos percebendo que as discussões teóricas em torno das questões práticas despertaram o desejo de mudanças e de qualificação das intervenções nas salas de aula. Sobre os conteúdos e temas da formação, emlinhas gerais, o foco central do estudo foi a análise de atividades didáticas alfabetizadoras de livros acadêmicos destinados à formação de professores/as alfabetizadores/as, relacionando-as com os direitos de aprendizagem, no contexto do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) (Duarte, 2018; 2020). Para ampliar os conhecimentos sobre alfabetização, também foram feitos estudos sobre a formação da professora alfabetizadora, a apropriação do Sistema de Escrita Alfabética (SEA) e o planejamento de sequências didáticas (Duarte, 2022). Acordamos com o grupo que a base teórica da formação seriam os estudos sobre a aquisição da linguagem escrita e da leitura na perspectiva da psicogênese. Para isso, os primeiros estudos realizados foram sobre a Teoria da Psicogênese da Língua Escrita (Ferreiro; Teberosky, 1999) e o Sistema de Escrita Alfabética (Morais, 2012). Após esses dois estudos, escolhemos quatro obras didáticas que consideravam a escrita como um sistema notacional e o seu aprendizado como um processo evolutivo. Dentre as publicações existentes, selecionamos as obras escritas por Ana Maria Kaufman (1994; 1995; 1998) e Myriam Nemirovsky (2002). A leitura e o mapeamento das atividades encontradas nessas obras foram registrados em fichas de estudo. Na sequência, fez-se uma relação entre aspectos encontrados nas atividades com as informações do quadro de direito de aprendizagem do Sistema Escrita Alfabética, eixo Análise Linguística (Brasil, 2012). A análise das atividades e a relação com os direitos de aprendizagem foram registrados em uma ficha matriz em que se anotavam, além dos direitos, as atividades, a fonte (obra e página) e algumas orientações para a professora (Figura 1). Na coluna “ampliando o olhar”, eram inseridas sugestões das próprias professoras em razão das suas práticas de ensino da leitura e escrita ou, então, indicações de livros e materiais de apoio para o planejamento didático. Figura 1 – Modelo de ficha matriz das atividades alfabetizadoras mapeadas Direitos de aprendizagem observados Descritivos pertinentes Atividades descritivas Obra e página em que se encontra a atividade orientações para o professor Ampliando o olhar Fonte: Duarte (2020, p. 229). Ainda com base no estudo de uma das obras (Nemirovsky, 2002), foram explorados diferentes aspectos relativos à intervenção didática, tendo como objeto de estudo e suporte textos ou obras literárias para o planejamento de sequências didáticas. Como resultado desse processo de estudo e análise da obra, o grupo sistematizou um esquema didático indicando etapas e procedimentos do planejamento na escola (Figura 2). Como planejar? Situações que devem ser consideradas Materiais didáticos Escolher um tipo de texto Selecionar as propriedades do sistema de escrita que serão trabalhadas Situações de rotina Decorativos Impressos Imprevistas Selecionar as propriedas do tipo de texto Situações de sistematização Lúdicos Planejadas Planejar a sequência didática Figura 2 - Esquema para oganização do planejemanto na escola Fonte: Duarte (2020, p. 230). 83 84 Na sequência, as professoras realizaram o diagnóstico da progressão da aprendizagem das crianças em termos de conhecimentos sobre a escrita e a leitura. Nos encontros, realizávamos a análise dos resultados da avaliação diagnóstica, estabelecendo, conjuntamente, os objetivos de ensino. Desse processo, as docentes expressaram sua necessidade de aprofundar conhecimentos sobre planejamento didático com vistas a ampliar a intencionalidade das atividades de ensino que realizavam. Propusemos, então, o planejamento de sequências didáticas. Assim, outros textos passaram a ser estudados, buscando-se ampliar o conhecimento sobre sequencialidade e progressão do ensino. Relatos de práticas de ensino também foram estudados e analisados, com o objetivo de subsidiar o planejamento das sequências didáticas. Exemplos de sequências didáticas planejadas por esse coletivo podem ser lidas em Duarte (2017; 2018). Essas atividades formativas ocorreram regularmente ao longo dos anos de 2014 e 2015. No entanto, no início do período letivo de 2016, embora com rotina formativa estabelecida e já se observando reflexos dessa formação na melhoria das práticas de ensino e no êxito das crianças em seu processo de alfabetização, por questões administrativas da rede municipal de ensino, o espaço e o tempo de formação na escola foram reduzidos, prejudicando sobremaneira a continuidade dos encontros de formação para estudo e planejamento coletivo. Não desistimos. Mas tivemos de buscar outras estratégias para seguir estudando e planejando juntas: os encontros seguiram ocorrendo quinzenalmente, mas passaram a ser realizados após o término do dia letivo. Como a formação fora da jornada de trabalho subtraía das professoras parte do seu tempo livre, paulatinamente fomos adotando outras alternativas, como conversas rápidas nos momentos de intervalo, entre um turno e outro ou durante o recreio; conversas por meio do uso de aplicativos de mensagens como WhatsApp ou Meet; rápida conversa antes de iniciar a reunião administrativa com a direção da escola ou em períodos em que as crianças estavam envolvidas com atividades coletivas e/ou festivas da escola... E assim o tempo para estudar e planejar coletivamente foi se perdendo... Mesmo sendo prejudicada por circunstâncias adversas, e descontinuada no terceiro ano, a experiência deixou marcas pedagógicas e formativas. Por isso, afirmamos que é fundamental garantir espaço e tempo de formação para partilhar ideias e práticas. Com base nos relatos das professoras (Duarte, 2022), as leituras feitas durante os encontros na escola subsidiaram suas práticas em sala de aula. Elas também foram percebendo que a formação coletiva fazia diferença na medida em que podiam discutir conjuntamente aspectos relativos à organização didática dos conteúdos e às estratégias de acompanhamento das aprendizagens das crianças. Outro ponto por elas destacado foi a participação voluntária, que as colocava em situação de igualdade, o que dava leveza ao encontro de formação, algo que as motivou a permanecer engajadas. Ao acompanharmos as interações estabelecidas entre as docentes, notamos que as reflexões sobre a natureza dos processos de aprendizagem e a ampliação dos estudos teóricos foram favorecidos justamente porque suas demandas foram acolhidas, assim como suas dúvidas foram consideradas e debatidas durante as leituras de aprofundamento teórico. Dentre os aspectos mencionados pelas participantes como potencialmente formativos, destacamos as experiências de sala de aula socializadas, o acesso aos diferentes saberes, as trocas feitas sobre os avanços das crianças e a partilha das possibilidades e formas de intervenção adotadas, revelando-se, assim, o entrelaçamento dos conhecimentos adquiridos. Entendemos que a experiência formativa realizada com esse coletivo de professoras pode ser analisada com base nos três paradigmas de formação definidos por Debesse (1982): a autoformação (na qual eu controlo o processo); a heteroformação (a que é organizada por outra pessoa) e a interformação (a que ocorre em colaboração com nossos pares). A experiência feita revelou que os processos de heteroformação e autoformação 85 movimentaram as professoras, que estavam em estado de inércia. Talvez isso tenha ocorrido porque a concretude da formação se dava a partir das demandas que elas traziam de suas práticas, as quais eram valorizadas e exploradas do ponto de vista da crítica e da teoria pedagógica. Em razão disso, o processo de heteroformação teve sua dinâmica reorganizada inúmeras vezes, pois se levavam em conta as demandas das professoras e as próprias condições oferecidas pela escola para realizar as atividades de ensino. No caso desse grupo de professoras, foram os múltiplos olhares que abriram caminhos possíveis e, por isso, algumas professoras sentiram-se motivadas eseguras para romper com a repetição de práticas que não valorizavam a lógica ou as capacidades da criança. O depoimento da professora Rosa Champanhe é representativo dessa modificação observada: “[...] hoje sou uma professora melhor, pois as leituras e discussões me fizeram ver que a lógica de quem aprende deve ser sempre respeitada. A criança pode aprender, mas o professor precisa saber ensinar” (Duarte, 2022, p.167). Outros pontos destacados foram a prática sistemática de leitura, as discussões coletivas e a elaboração conjunta de sequências didáticas. Essas ações formativas fortaleceram o trabalho colaborativo e a própria capacidade reflexiva. A professora Rosa Pink testemunha: “Sempre após a formação eu revia, repensava minhas aulas, tentando olhar para alguns fatores que na correria do dia a dia muitas vezes não paramos para analisar, refletir. Tentando encaixar a teoria na prática” (Duarte, 2022, p. 169). A interformação ocorreu nos momentos de partilha, que se configuraram como uma rede que sustentava o estudo e a troca de experiências prático-teóricas entre pares. “As reuniões do nosso grupo eram muito mais produtivas que as reuniões da escola, pois todas tínhamos tempo de falar e de ouvir. Nesse grupo todas nós nos sentíamos importantes e de fato éramos”, declarou a professora Rosa Branca (Duarte, 2022, p. 173). Na próxima seção, exploramos alguns aspectos relativos ao papel desempenhado por quem coordena um processo formativo na escola. A coordenação de um percurso formativo em corresponsabilização Quando pensamos no papel de quem coordena um percurso formativo, precisamos considerar os três vértices que fundamentam a formação na escola: a base teórica, a colaboração entre os/as professores/as e as ações de corresponsabilização entre os envolvidos. No decorrer dos encontros, fomos, juntas, compreendendo os conceitos teóricos à medida que avançávamos nos estudos e nas discussões que fazíamos. E isso se ampliava também conforme aprendemos a relacioná-los com as práticas de sala de aula. Durante os encontros, a ação coletiva era encorajada e fortalecida. Desse modo, a corresponsabilização entre as professoras mostrava que a formação na escola se constituía como uma proposta formativa que apostava no apoio mútuo e nas trocas entre pares. Na formação entre pares, é essencial exercitar a escuta atenta para, a seguir, delinear o próximo percurso, de acordo com as necessidades manifestadas pelas professoras. Por isso, uma das tarefas a ser realizada pela coordenadora de um percurso formativo envolve escutar e mapear as percepções dos/das professores/as em relação às suas práticas. A 86 partir desse mapeamento, as necessidades formativas são identificadas e, com base nelas, definem-se os temas para a discussão no coletivo, selecionam-se os textos de apoio teórico ou prático necessários para aprofundamento e/ou entendimento dos conteúdos de ensino, dos critérios de seleção de materiais para o planejamento e das habilidades de intervenção e mediação pedagógica necessárias. Outra tarefa a ser realizada por quem coordena a formação na escola refere-se à criação de estratégias de motivação para a prática do estudo e da leitura compartilhada entre os docentes. Essa atividade precisa ser estimulada, assim como as condições para realizá-la precisam ser asseguradas. Por isso, a Coordenadora pode selecionar textos e livros para estudo, coletar e organizar, para leitura e debate, os registros de práticas elaboradas pelos docentes (da sua ou de outras escolas) e criar momentos para partilhar as práticas realizadas entre os docentes de um mesmo ano ou série escolar. Há ainda outras atividades possíveis, como sistematizar notas de leitura e compartilhar com os colegas; estimular os docentes a trazerem textos ou materiais que utilizam; convidá-los para organizar e preparar atividades ou materiais que podem ser compartilhados etc. Coordenar um percurso formativo não é uma tarefa fácil, mas necessária e importante. Acreditamos que a Coordenadora Pedagógica é quem pode, na escola, oportunizar aos/ às professores/as momentos para reflexão, estudos e discussões que contribuem com a prática em sala de aula, qualificando os processos de ensino e aprendizagem. Ao mobilizar a formação na escola, a Coordenadora conquista um espaço importante e legítimo, pois o hábito de reflexão sobre a prática possibilita enxergar e ouvir o que ainda não foi percebido para, no coletivo, ser debatido e teorizado. É preciso acreditar que a formação coletiva é um inédito viável (Paulo Freire), pois o respeito às vozes docentes resulta em maior participação e comprometimento, além de promover a curiosidade e a busca por conhecimentos. Então, no espaço da sua escola, qual lugar ocupa a formação? E que lugar nela os docentes ocupam? Em síntese Neste texto, socializamos uma experiência de formação realizada na escola, que proporcionou a melhoria das práticas de ensino. As professoras experienciaram, de forma compartilhada e autogestionada, momentos de estudos teóricos e formativos, qualificando suas práticas pedagógicas. No percurso, assumiram o compromisso de exercitar a consciência crítica, buscando a ruptura da consciência ingênua. Experimentaram formas de ensinar os conteúdos, considerando os conhecimentos de seus alunos e o contexto escolar. Elaboraram sequências didáticas que contemplassem o conhecimento do aluno, prestando maior atenção às suas condições de aprendizagem, sobretudo, porque reconheciam que os saberes adquiridos pelas crianças ancoravam os próximos, mais elaborados e complexos. Ampliaram conhecimentos por meio dos estudos coletivos e das trocas de experiências realizadas em sala de aula. Responsabilizaram-se, como grupo, pela sua formação pessoal e profissional. A formação precisa ser momento-movimento dos/as professores/as, pois, quando o coletivo docente assume o percurso formativo com responsabilidade – o que exige coragem de abrir as práticas e colocá-las à prova da crítica e da reflexão teórica –, a escola rejuvenesce! 87 Referências BRASIL. Ministério da Educação. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: Formação do professor alfabetizador. Unidade 3. Brasília: MEC/ SEB, 2012. DEBESSE, Maurice. Um problema clave de la educación escolar contemporânea. In: DEBESSE, Maurice; MIALARET, Gaston (ed.). La formación de los enseñantes. Barcelona: Oikos-Tau, 1982. p. 13-34. DUARTE, Arita Mendes. Triangulando saberes: pesquisa, ensino e aprendizagem no processo de alfabetização. In: NÖRNBERG, Marta; PACHALSKI, Lissa; MIRANDA, Ana Ruth Moresco. Estudos sobre aquisição da escrita, formação docente e práticas de alfabetização. São Leopoldo: Oikos, 2020. p. 226-241. DUARTE, Arita Mendes. Progressão do ensino e da aprendizagem escolar. 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Tem estudos na área de educação, com ênfase em alfabetização, formação continuada e formação docente. E-mail: arita.mendes.duarte@gmail.com Lattes: https://lattes.cnpq.br/9014445007185095 Marta Nörnberg é Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atua como Professora Associada na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), na Faculdade de Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação. É vice-líder do Grupo de Estudos sobre Aquisição da Linguagem Escrita (GEALE), desenvolvendo pesquisas sobre Formação de Professores e Teoria e Prática Pedagógica. E-mail: martanornberg0@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/7467574585513397 https://lattes.cnpq.br/9014445007185095 http://lattes.cnpq.br/7467574585513397 88 TEXTO 2 A Coordenação Pedagógica e a articulação dos pro- cessos avaliativos no cotidiano escolar Katlen Böhm Grando Contextualizando o tema Muitos são os desafios contemporâneos ligados à educação: respeito às individualidades das crianças, valorização docente, uso exagerado de telas, famílias ausentes... No entanto, o maior deles sempre foi e segue sendo a garantia da aprendizagem por todas as crianças que estão na escola. Essa é, sem sombra de dúvida, a grande razão de a escola existir. Para resgatar esse objetivo primordial, refletiremos sobre os processos avaliativos e as atribuições da Coordenação Pedagógica no cotidiano da escola. Que registros se fazem sobre os processos de desenvolvimento das crianças? Como são comunicados os resultados às crianças e suas famílias? Qual o papel da Coordenação Pedagógica no acompanhamento da aprendizagem? O que pode a Coordenação frente aos desafios da avaliação? Como contribuir com o grupo de professores/as na avaliação e na expressão das aprendizagens das crianças? De que maneira se pode fomentar os processos de autoria docente na escrita avaliativa? Realizando uma rápida leitura do cenário que encontramos em grande parte das escolas brasileiras, poderíamos afirmar que paira no ar uma tendência – em certa medida proveniente do movimento provocado pelas avaliações externas, como Avaliação Nacional da Alfabetização e Provinha Brasil1– de separar os processos de ensino, aprendizagem e avaliação. É comum utilizarmos diferentes “caixinhas” para pensar e planejar cada um desses processos. Arriscamo-nos a afirmar que as avaliações externas e suas matrizes geraram, em muitas realidades, a errônea ideia de que precisamos ensinar para avaliar, ou seja, que o objetivo final dos processos de ensino e de aprendizagem é a avaliação. Não é incomum a utilização de matrizes das avaliações externas para balizar ou conduzir o planejamento docente, com o intuito de “trabalhar” especificamente os conteúdos que serão abordados em tais avaliações. 1 Os processos de avaliação externa vêm ocupando lugar de destaque nas práticas educativas, uma vez que ajudam a compor índices determinantes para o recebimento de verbas por parte de municípios e escolas. Assim, percebe-se um aumento da pressão sofrida pelos educadores em relação a essas avaliações. Reconhecemos a necessidade de estabelecer maneiras de mensurar a aprendizagem, no entanto, é necessário que professores/as e gestores das escolas tenham oportunidade de compreender esses mecanismos, entendam como agir e mediar esses processos, além de saberem “ler” os resultados dessas avaliações, para que elas não sejam realizadas de maneira mecânica ou impulsionem práticas sem sentido para as crianças, como o simples treino de questões, por exemplo. O tema é sensível e merece um olhar aprofundado. Neste artigo, o foco não será colocado nas avaliações externas, mas, sim, em refletir sobre a avaliação como processo intrínseco ao ensinar e ao aprender, bem como o papel da Coordenação Pedagógica em relação a tal processo. 89 Também é comum encontrarmos cenários nos quais os/as professores/as planejam o ensino, colocam-no em prática e, ao final de um projeto, sequência didática ou capítulo trabalhado, aplicam instrumentos pontuais de avaliação para mensurar as aprendizagens. Cada criança é classificada quanto ao seu saber, recebe uma nota ou conceito, e os docentes seguem ensinando o que estava no programa do ano letivo ou do componente curricular, sem considerar o que é preciso retomar, reforçar, retroceder... Nem ao menos se reflete com as crianças sobre o desempenho demonstrado por elas através dos instrumentos avaliativos. Como poderão avançar na aprendizagem se não compreendem seus erros e acertos, suas potencialidades e fragilidades? Frente a cenários como os mencionados, faz-se primordial resgatar a ideia de que a prática avaliativa na escola existe para promover a aprendizagem. Luckesi (2000, p. 09) afirma que [...] a avaliação só se completa com a possibilidade de indicar caminhos mais adequados e mais satisfatórios para uma ação que está em curso. O ato de avaliar implica a busca do melhor e mais satisfatório estado daquilo que está sendo avaliado. Assim, deveríamos avaliar para compreender o desenvolvimento e, então, planejar a partir dos dados advindos da avaliação, resgatando a conexão entre avaliação, planejamento, ensino e aprendizagem. Percebe-se, então, a necessidade de assumir como projeto de toda a escola a prática da avaliação formativa, na qual o foco está na garantia do direito de aprendizagem. Desta forma, este texto tem como objetivo fomentar reflexões acerca do papel da Coordenação Pedagógica no que diz respeito aos processos avaliativos, sugerindo possibilidades de atuar na formação docente e garantir as condições necessárias para que os/as professores/as conduzam os processos avaliativos de maneira a focar na aprendizagem das crianças. A avaliação enquanto processo que visa à aprendizagem Na introdução da Base Nacional Comum Curricular, lemos que os diferentes entes, redes e instituições precisam realizar uma série de reflexões junto às comunidades escolares, com o intuito de definir aspectos de um currículo em ação. Dentre elas “[...] construir e aplicar procedimentos de avaliação formativa de processo ou de resultado que levem em conta os contextos e as condições de aprendizagem, tomando tais registros como referência para melhorar o desempenho da escola, dos professores e dos alunos” (Brasil, 2018, p. 17). Essa afirmativa indica elementos importantes sobre a avaliação: a avaliação é formativa, ou seja, tem como intuito a aprendizagem; ela pode se referir ao processo ou ao resultado, sendo importante não colocar mais peso no resultado, em detrimento do processo; e, por fim, os registros auxiliam a tomada de decisões que levem à melhoria da escola, dos/as professores/as e alunos, sinalizando que a avaliação não diz respeito somente aos alunos. 90 Integrar os processos avaliativos ao desenvolvimento da aprendizagem necessita ser um projeto de escola, requerendo que uma série de pressupostos sejam compreendidos e efetivados pela equipe. Esses pressupostos, longe de se constituir como uma simples lista de ideias, dizem respeito a concepções assumidas pela escola e, para tanto, precisam ser debatidas, refletidas e ressignificadas por cada ator presente no fazer pedagógico. Poderíamos elencar as seguintes concepções iniciais sobre o tema em questão: 1. avaliação é processo: se avaliação é processo, não pode estar ancorada em um momento pontual ouem um único instrumento avaliativo. Desta forma, se a escola atua por trimestre, por exemplo, a avaliação não corresponde somente ao que as crianças sabem ou não sabem ao fim do trimestre, mas abrange o que sabiam no início e como foram caminhando e construindo novos saberes. É importante que a avaliação ajude a responder não somente O QUE e QUANTO a criança aprendeu, mas também, e sobretudo, COMO ela aprendeu, O QUE ainda precisa construir e COMO a escola pode ajudá-la nessa construção; 2. avaliação está ligada às ações e construções das crianças: o grande foco está na criança, não em listagens de habilidades ou propostas realizadas, nem no julgamento do/a professor/a ou na classificação e comparação da criança com a turma. É essencial que seja explicitada a trajetória de desenvolvimento de cada criança; 3. a expressão dos resultados precisa ser significativa e respeitosa: para isso, é importante que o documento seja elaborado especificamente para cada uma das crianças, ressaltando suas características e construções e evitando frases genéricas que se repetem iguais para muitas crianças da turma. Elaborar um documento respeitoso pressupõe uma atitude ética de compromisso com a realidade, de forma que tanto as potencialidades da criança quanto suas eventuais dificuldades, lacunas e fragilidades precisam ser expressas, sempre evitando julgamentos; 4. os/as professores/as manifestam a autoria docente nos processos avaliativos: nos diferentes elementos que se relacionam aos processos avaliativos – planejamentos, práticas, observações, registros, reflexões, elaboração e aplicação de instrumentos avaliativos, encaminhamentos pedagógicos decorrentes dos dados obtidos através dos instrumentos aplicados, explicitação da aprendizagem para as famílias – cada professor/a irá construindo sua forma própria de ser docente. Cabe à Coordenação nutrir o grupo com subsídios e reflexões. Também é seu papel acompanhar o trabalho docente e realizar a leitura crítica dos documentos de expressão das aprendizagens (relatórios, pareceres, fichas avaliativas, portfólios...). Questionar, sugerir e indicar são ações bem-vindas, entretanto há que se respeitar o modo próprio do fazer docente, a escrita de cada professor/a, assim como encorajar todos/as os/as professores/as para que sigam buscando e se constituindo enquanto autores/as de suas práticas. Com o intuito de perseguir essas ideias e fomentar o grupo de docentes a estar alinhado a elas, é necessário atuar na formação continuada ou formação em serviço. Essa formação pode ser realizada pelas Coordenações Pedagógicas, atuando junto aos/ às professores/as em diferentes âmbitos: os eventos oficiais de formação, os momentos de planejamento individuais ou em grupos, o compartilhamento dos registros sobre as crianças e sobre a prática, as orientações relacionadas aos documentos avaliativos, dentre outros. Assim, amplia-se o entendimento sobre formação, compreendendo que todos os momentos anteriores e, eventualmente, outros mais, se constituem como formação em serviço, não somente os momentos planejados em calendário para a formação docente. 91 O acompanhamento das aprendizagens e a atuação da Coordenação Pedagógica Ao almejarmos a aprendizagem das crianças, necessitamos ter ciência sobre o que elas sabem e como elas vão modificando, ampliando e aprofundando seus saberes. Construir essa visão é possível por meio dos registros pedagógicos. Os registros têm importantes funções: documentam e viabilizam o resgate de informações que “se perderiam” se estivessem somente na memória; possibilitam uma visão sobre as trajetórias de desenvolvimento percorridas pelas crianças; fomentam a reflexividade pedagógica, que consiste em olhar de forma crítico-reflexiva para a própria prática; subsidiam a projeção, oferecendo pistas valiosas para a realização do planejamento docente. A esse respeito, Weffort (1996, p.7) defende que [...] pensar sobre a prática sem o seu registro é um patamar da reflexão. Outro, bem distinto, é ter o pensamento registrado por escrito. O primeiro fica na oralidade, não possibilitando a ação de revisão, ficando no campo das lembranças. O segundo, força o distanciamento, revelando o produto do próprio pensamento; possibilitando rever, corrigir, aprofundar ideias, ampliar o próprio pensar. É, nesse sentido, que a reflexão trabalha o pensamento e, o seu registro, permite que se supere o mundo das lembranças. A reflexão registrada tece a memória, a história do sujeito e de seu grupo. Assim, a documentação sobre vivências, elaboração de hipóteses, formas de pensar e construções das crianças pode ser acessada posteriormente, viabilizando que a expressão dos resultados acadêmicos inclua aspectos específicos sobre cada uma das crianças. Os registros necessitam ser realizados de maneira intencional e organizada, caso contrário, a tendência do/a professor/a será registrar somente aquilo que lhe “salta aos olhos”, o que normalmente se resume a problemas, questões comportamentais ou grandes conquistas das crianças. Registros realizados dessa forma resultam em um grande quantitativo de informações sobre aquelas crianças que preocupam em função das questões de aprendizagem, emocionais ou comportamentais e daquelas crianças extremamente motivadas para a aprendizagem, que participam de maneira intensa. Existe, entretanto, uma grande parcela de crianças que não se enquadra em nenhum desses perfis. São crianças com rendimento mediano, que não se destacam negativa ou positivamente. Caso o/a professor/a não tenha um planejamento relacionado aos registros, essas crianças se tornarão invisíveis, pois não haverá registros sobre elas. Desta forma, é importante instigar os grupos de professores/as a vincularem junto ao planejamento a sua sistemática de observação e de registros, garantindo, assim, que todas as crianças sejam vistas e tenham sua trajetória documentada. Os registros pedagógicos podem ser realizados de diferentes formas e é importante que o/a professor/a utilize variados tipos para ir compondo uma visão integral sobre a criança: 92 - registros mediados pela escrita: diários de bordo, pautas de observação, cadernos de anotações, arquivos virtuais com as reflexões escritas do/a professor/a; - registros mediados por outras linguagens: fotografias, áudios, filmagens, mapas; - registros elaborados pelas crianças: produções textuais, registros gráficos, trabalhos escritos, relatórios de pesquisas. Grando (2023, p. 52) afirma que [...] dados advindos de uma prova ou teste conseguem, se o instrumento for bem elaborado e interpretado, apresentar o entendimento da criança sobre algum conceito trabalhado. No entanto, talvez não consigam evidenciar se a criança é capaz de transpor esse mesmo conceito em situações cotidianas. Assim, outro instrumento, como a observação ou uma atividade prática, poderia ser mais eficiente para prover informações sobre a aplicação do conceito. É como se cada instrumento avaliativo representasse um ponto de vista ou uma faceta da criança. Para escolher os instrumentos a serem utilizados, o/a professor/a precisa levar em conta o propósito ao qual se destinam os registros, suas habilidades, as condições reais para realizar tais registros e sustentar o seu uso, além das orientações da escola. É importante que essas escolhas sejam respeitadas pela Coordenação, que haja flexibilidade no que se refere aos instrumentos escolhidos e que a prática dos registros seja fomentada. Muitas vezes o/a professor/a não conseguirá realizá-los enquanto estiver em sala de aula junto às crianças, mas pode fazê-lo em seus momentos de planejamento, hora-atividade, janelas ou outros momentos específicos, como as reuniões pedagógicas. Com o intuito de acompanhar essa prática, a Coordenação pode propor que os registros sejam compartilhados em um drive ou pasta virtual, sejam entregues com certa periodicidade ou mostrados em momentos individuais ou coletivos de acompanhamento dotrabalho pedagógico. Para que os/as professores/as sigam refletindo sobre seu fazer docente, a Coordenação pode propor perguntas que fomentem o pensar sobre a prática. No que diz respeito à Coordenação Pedagógica, esse movimento de interlocução com os/as professores/as, mediado pelos registros, constitui-se como importantíssima oportunidade para aproximar-se dos/as professores/as, conhecê-los/as e compreender o trabalho desenvolvido por cada um/uma deles/as; realizar sugestões que possam ampliar ou aprofundar a prática docente; acompanhar a trajetória de desenvolvimento dos alunos; instigar diferentes olhares do/a professor/a para com as crianças; e fomentar a formação em serviço, uma vez que Coordenação e professores/as se constroem e desconstroem nesse movimento de trocas e reflexão. 93 O Conselho de Classe e a atuação da Coordenação Pedagógica Já realizado em muitas realidades, o Conselho de Classe consiste em uma reunião que agrega os profissionais que atuam com cada turma, para que troquem ideias sobre a mesma, o desenvolvimento de cada criança, pontos de atenção e encaminhamentos. Esse movimento faz parte do processo avaliativo e do acompanhamento das aprendizagens. Para garantir que se constitua como rica oportunidade de trocas e elaboração de estratégias de intervenção, é necessário que a Coordenação atue no direcionamento desse momento, evitando que as reuniões se tornem ocasiões de catarse coletiva, comentários não éticos sobre as crianças e suas famílias ou momentos de dispersão. Assim, lembrar a intenção dos Conselhos de Classe e manter o foco das reflexões é importantíssimo. A organização e condução dos momentos de Conselho de Classe são elementos- chave para garantir que se atinja o objetivo de acompanhar o desenvolvimento das turmas e das crianças e realizar os direcionamentos necessários para que avancem cada vez mais. Como sugestão para o planejamento e condução dos Conselhos, recomenda-se que a Coordenação conheça, se aproprie e adapte os movimentos a seguir para a sua realidade. 1. Antecipadamente, realize combinados com os/as professores/as em relação à data e ao que necessita ser providenciado para o momento dos Conselhos de Classe. 2. Planeje uma breve acolhida para a reunião e relembre o propósito da mesma. 3. Ao iniciar, aborde as percepções dos/as participantes sobre o coletivo da turma, incluindo suas principais características, pontos positivos, fragilidades e encaminhamentos, para que o grupo avance. 4. Na sequência, passe por cada uma das crianças, abordando a sua trajetória de desenvolvimento, incluindo como a criança iniciou e como foi evoluindo, suas maiores habilidades e fragilidades, no que é importante avançar e quais encaminhamentos cada professor/a pode realizar para ajudar a criança a se desenvolver. Também podem ser planejadas adaptações curriculares, mediações diferenciadas, conversas com a família ou profissionais que atuam com a criança, além de encaminhamentos para atendimentos necessários. 5. Realize os registros sobre o que foi conversado e combinado para poder retomar posteriormente e dar seguimento aos encaminhamentos combinados. Retomando, portanto, para que se constitua um momento proveitoso de trocas e planejamento de intervenções junto às turmas, famílias e crianças, é importante que a Coordenação busque direcionar o foco dos debates do Conselho de Classe para o desenvolvimento das crianças e das turmas. 94 Os relatórios avaliativos e a atuação da Coordenação Pedagógica Além de realizar o registro e o acompanhamento das aprendizagens, assim como as intervenções necessárias para garantir o avanço no desenvolvimento de cada criança, a escola também necessita elaborar formas de compartilhar esse acompanhamento com as famílias. Em grande parte das realidades dos Anos Iniciais, são utilizados pareceres, relatórios ou fichas avaliativas que apresentam às famílias uma visão sobre o desenvolvimento das crianças. Alguns documentos são compostos por notas ou conceitos, que podem ser únicos para o trimestre ou semestre ou podem relacionar-se a cada área do conhecimento, componente curricular ou habilidade. Parte deles abrange uma listagem de habilidades a serem desenvolvidas pelas crianças e espaço para os/as professores/as marcarem se essas habilidades foram ou não desenvolvidas, como no modelo a seguir. Quadro: Registro das habilidades do 4º ano 4º ano de Ensino Fundamental - Língua Portuguesa Habilidades Desenvolvidas Em desenvolvimento Apresenta dificuldades (EF35LP09) Organizar o texto em unidades de sentido, dividindo-o em parágrafos segundo as normas gráficas e de acordo com as características do gênero textual. (EF35LP25) Criar narrativas ficcionais, com certa autonomia, utilizando detalhes descritivos, sequênciais de eventos e imagens apropriadas para sustentar o sentido do texto, e marcadores de tempo espaço e de fala de personagens. Fonte: A autora Nesse modelo, nomeado por Hoffmann (2020) de fichas avaliativas, predomina uma lógica de classificação, a partir da qual não é possível perceber como a criança se desenvolveu e construiu o conhecimento. É um modelo que foca as mesmas habilidades em relação às crianças e não expressa as singularidades. Outra possibilidade, muito difundida nas escolas brasileiras, são os relatórios avaliativos. “[...] os relatórios de avaliação vêm revelando um significado muito diferente dos registros tradicionais, ultrapassando o sentido burocrático para se tornarem elementos de aproximação dos professores com suas crianças e entre as famílias e a escola” (Hoffmann, 2020, p. 107). Esses documentos buscam priorizar uma análise qualitativa da aprendizagem da criança. Segundo a autora, [...] a análise qualitativa envolve dados explicativos, o relato de fatos sobre a criança, de situações vividas, exemplos de suas falas e brincadeiras e se dá por meio da narrativa dos professores, não por fichas classificatórias. Em vez de analisar se uma criança está se desenvolvendo “mais ou menos” do que outras, é preciso narrar, documentar o seu jeito de ser e de aprender na escola para oportunizar-lhe uma educação integral (Hoffmann, 2020, p. 105). 95 O texto a seguir traz um trecho de um relatório avaliativo referente a uma criança que apresenta dificuldades na elaboração de textos. Percebe-se que a criança não é classificada ou comparada às demais. Suas fragilidades são descritas com clareza e respeito e, além de possibilitar o entendimento sobre como ocorre o desenvolvimento da criança, também as estratégias utilizadas pela professora ficam claras. Daniela elabora frases coerentes, entretanto, ao ser desafiada a escrever textos, percebe-se que não há encadeamento ou sequência lógica nas ideias apresentadas. Frente a isso, estão sendo propiciadas mais atividades de escuta de histórias, elaboração oral de narrativas e escrita de pequenos parágrafos, demarcando início, meio e fim das situações. A partir dessas estratégias, percebeu-se um avanço nas últimas produções textuais realizadas no semestre. Continuaremos enfocando o trabalho com a linguagem oral e a escrita de sequências lógicas para qualificar, ainda mais, as produções mais longas (Grando, 2023, p. 109). Nos relatórios avaliativos, a exemplo do trecho anterior, percebe-se um olhar mais amplo para a criança, olhar este que evidencia a trajetória de desenvolvimento, as aprendizagens construídas e as fragilidades percebidas. Há, nos relatórios avaliativos, a oportunidade de expressar as peculiaridades de cada criança, valorizando e potencializando suas características particulares. Pode-se, também, evidenciar as estratégias elaboradas pela escola para promover o desenvolvimento de uma criança em específico, o que torna o relatório um documento composto por informações relevantes e únicas, uma vez que se referem a crianças que são únicas e diferentes entre si. No que diz respeito ao conteúdo dos relatórios, ele está ligado às intencionalidades pedagógicas propostaspara o ano, a turma e a criança em específico. O grande foco é a construção do conhecimento. Assim, é importante que a Coordenação oriente os/as professores/as a registrarem os processos de elaboração das crianças, como pensam, o que acreditavam e como modificaram seu pensar. A escrita nos relatórios avaliativos deve responder às seguintes questões: O que a criança aprendeu? Como ela aprendeu? De que forma a criança se envolveu com o objeto de conhecimento e o que isso permitiu que ela construísse? Quais suas potencialidades e fragilidades? Como a escola a ajudou? O processo de escrita dos relatórios já é, em si, formativo, na medida em que pensar sobre o desenvolvimento do outro leva o/a professor/a a refletir sobre seu próprio trabalho. A Coordenação Pedagógica pode fomentar esse processo reflexivo ao contribuir com a escrita, realizando a leitura e análise dos relatórios elaborados pelos/as professores/as. Ao analisar os relatórios, a intenção não é corrigir, pois a escrita pertence ao/à professor/a-autor/a e essa autoria necessita ser respeitada e fomentada. No entanto, a Coordenação pode e deve atuar no sentido de oferecer mais subsídios para qualificar a escrita. Isso pode ser realizado a partir de sugestões, orientações e, especialmente, através de boas perguntas. São elas que farão com que o/a professor/a siga refletindo sobre seu fazer, seu olhar sobre as crianças e sua escrita. Da mesma forma, elaborar um feedback abordando as potencialidades da escrita do/a professor/a e elementos que requerem atenção é extremamente relevante para a formação docente. 96 A formação continuada e a atuação da Coordenação Pedagógica Pensar em uma formação continuada que articule os processos avaliativos com a busca pela aprendizagem das crianças pode e deve ser um projeto da escola. Esse projeto implica o envolvimento de muitos atores: a Coordenação Pedagógica enquanto articuladora do processo; os/as professores/as enquanto sujeitos que guiam toda a sua prática para a aprendizagem; as famílias, como parceiras que compreendem os processos de aprendizagem e avaliação; e, por fim, as crianças, como sujeitos de construção do conhecimento, que vivenciam a integração entre avaliação e aprendizagem. Grande parte dos/as professores/as necessita de subsídios para compreender a relação entre aprendizagem e avaliação, e é a Coordenação Pedagógica que pode garantir que eles/as avancem no entendimento conceitual e na prática pedagógica. “A atribuição essencial do coordenador pedagógico está, sem dúvida alguma, associada ao processo de formação em serviço dos professores” (Christov, 2012, p. 9). Assim, a formação continuada recebe um lugar de destaque. É necessário refletir, aprofundar, garimpar conceitos e gerar desconforto, pois, nesse movimento, o corpo docente se põe a caminhar. Além de um processo formativo que resgate a teoria, tão necessária ao fazer docente, para que os/as professores/as atribuam sentido à formação, é necessário que haja uma estreita articulação com a prática, pois “[a] pessoa precisa interiorizar, adaptar e experimentar os aspectos novos que viveu em sua formação. A aquisição de conhecimentos deve ocorrer da forma mais interativa possível, refletindo sobre situações práticas reais” (Imbernón, 2011, p. 17). A seguir, propomos algumas possibilidades ou estratégias formativas que poderão instigar a reflexividade pedagógica e qualificar os processos de escrita de relatórios avaliativos, buscando sempre relacionar avaliação e aprendizagem: - estudo de textos sobre a temática da avaliação: antes de abordar qualquer instrumento avaliativo, de registro ou de expressão da aprendizagem, é necessário avançar no entendimento da avaliação como um todo. Além de buscar subsídios nos estudiosos do tema, recorrer ao Projeto Político-Pedagógico da escola para retomar o entendimento de avaliação assumido pela instituição se faz importante para que o grupo todo compartilhe da mesma perspectiva. Ferramentas como o uso de slides, o debate em pequenos grupos para posterior socialização, a elaboração de mapas conceituais e a leitura e discussão coletiva podem beneficiar o estudo do embasamento teórico; - análise de relatórios: como aprender a elaborar bons relatórios sem ter uma referência positiva? Para isso, analisar bons relatórios amplia o repertório dos/as professores/as, levando-os/as a compreenderem movimentos que podem realizar na escrita avaliativa. A análise de relatórios com fragilidades também se constitui uma experiência interessante, uma vez que leva os/as próprios/as professores/ as a perceberem pontos a serem repensados e proporem maneiras de qualificar tais formulações. Essa escrita pode ser advinda dos relatórios elaborados pelos/as próprios/as participantes. Outra interessante vivência é retirar os nomes das crianças dos relatórios elaborados pelos/as professores/as e solicitar que identifiquem a qual criança o documento se refere. Com esse exercício, percebe-se até que ponto as informações disponibilizadas são específicas ou genéricas; 97 - escrita coletiva: tendo como elementos disparadores fotografias de crianças ou breves descrições escritas, pode-se solicitar que os/as professores/as elaborem coletivamente um parágrafo avaliativo. Organizar pequenos grupos e solicitar que escrevam juntos/as promove o debate e a socialização de ideias e perspectivas. Os/ As professores/as tendem a ampliar o seu próprio modo de escrever ao conhecer outros modos. A apresentação da escrita decorrente dessa vivência para o grande grupo gera novas análises e reflexões; - orientações sobre a escrita dos relatórios: para que os/as professores/as saibam o que se espera deles/as, é imprescindível a realização de combinados ou orientações sobre a forma dos relatórios e o seu conteúdo. Assim, antes de eles/as iniciarem a elaboração dos documentos, a Coordenação precisa fornecer orientações precisas sobre os mesmos. Em síntese Atuar na Coordenação Pedagógica requer um olhar que, a um só tempo, abrange o todo da organização e da estrutura pedagógica e as partes que compõem esse todo. O todo, no que diz respeito aos processos avaliativos, são as concepções de avaliação, a formação continuada e as estratégias de acompanhamento das aprendizagens. Já as partes se referem ao enxergar cada professor/a, cada turma e cada criança, nas reuniões de Conselho de Classe, na leitura dos relatórios e nos atendimentos individuais dos/as professores/as. Desta forma, cabe resgatar que a atuação da Coordenação como articuladora dos processos pedagógicos da escola é eminentemente formativa. Entretanto, essa formação não se dá somente no âmbito dos eventos oficiais, mas também no cotidiano, pelas ações de acompanhar, orientar, questionar, refletir e planejar junto aos/às professores/as. A formação em contexto parte de um princípio de processualidade e continuidade entre ações, como os Conselhos de Classe, a formação docente, documentação, registro, planejamento e reflexividade pedagógica. Assim, fomentam-se, no âmbito da escola, movimentos que, juntos, promovem a construção de conhecimentos específicos das profissões professor e coordenador, movimentos esses que buscam integrar avaliação, planejamento e aprendizagem. 98 Referências BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. 595 p. CHRISTOV, Luiza Helena da Silva. Educação continuada: função essencial do coordenador pedagógico. In: GUIMARÃES, Ana Archangelo; MATE, Cecília Hanna; BRUNO, Eliane Bambini Gorgueira et al. O coordenador pedagógico e a educação continuada. 14 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2012. 65 p. GRANDO, Katlen Böhm. Documentos Avaliativos: 30 perguntas para qualificar a escrita de relatórios e pareceres. São Paulo: Scortecci, 2023. 126 p. HOFFMANN, Jussara. Avaliação e Educação Infantil: um olhar sensível e reflexivo sobre a criança. Porto Alegre: Mediação, 2020. 160 p. IMBERNÓN, Francisco. Formaçãodocente e profissional: formar-se para a mudança e incerteza. São Paulo: Cortez, 2011. 127 p. LUCKESI, Cipriano Carlos. O que é mesmo o ato de avaliar a aprendizagem? Pátio, Porto Alegre: ARTMED, ano 3, n. 12 fev./abr. 2000. WEFFORT, Madalena Freire. Observação, registro, reflexão: Instrumentos Metodológicos I. Espaço Pedagógico, 1996. 63 p. Katlen Böhm Grando é pedagoga (UNISINOS), especialista em Neurociências e Educação (ISEI), mestra em Educação (PUCRS) e doutora em Educação (UFPEL). Atuou na educação básica por 20 anos e, atualmente, leciona no Ensino Superior. Foi orientadora de estudos no PNAIC e compôs a equipe avaliadora do PNLD 2022 - Educação Infantil. Nas redes sociais, compartilha conteúdos sobre avaliação e escrita de relatórios. E-mail: katlengrandoformacoes@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/8251917002241004 http://lattes.cnpq.br/8251917002241004 99 TEXTO 3 Gestão e coordenação pedagógica articulando espaços e tempos para a formação de leitores na escola: tecendo caminhos, construindo redes Ywanoska Gama Contextualizando o tema O diálogo com gestores e coordenadores de unidades educacionais sempre apresenta um leque de temáticas e possibilidades de importância crucial na construção de uma educação pública de qualidade, efetivamente comprometida com a formação humana. Exatamente por essas razões, a temática da formação de leitores não poderia ficar fora dessa discussão. Em especial, por tratar-se de um compromisso da escola como um todo, articulamos algumas reflexões sobre a necessidade e importância do envolvimento de gestores e coordenadores para que a leitura, com seu potencial transformador, tenha impacto na vida dos estudantes. A reflexão sobre a construção de leitores autônomos como algo a ser desenvolvido ao longo dos anos na escola, e intencionalmente pela escola, parte da premissa de que ler nos permite: apreciar; inferir, antecipar e construir sentidos; concordar ou discordar sobre pontos de vista; relacionar experiências; perceber diferentes possibilidades interpretativas. Tais argumentos reforçam que ler é fundamentalmente um direito, conforme a perspectiva de Antonio Candido (2011), que defendeu o ler como uma necessidade universal. Para Candido, pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão de mundo, ela (a literatura) nos organiza, nos liberta do caos e, portanto, nos humaniza. Exatamente por essas razões, é papel da escola proporcionar aos estudantes oportunidades de acesso e estabelecimento de uma relação íntima com a leitura. Lançamos aqui duas questões para pensar no contexto específico de sua escola: a) Que ações são desenvolvidas pela gestão escolar no incentivo à leitura e acesso às obras literárias, articulando biblioteca escolar, acervo, movimentos locais de bibliotecas comunitárias e outros projetos ligados à leitura literária? b) Qual a participação da coordenação pedagógica na mobilização do corpo docente, da gestão e de toda a comunidade escolar em torno da organização de espaços de leitura e formação de leitores? O relato abaixo pode coincidir com a realidade de várias escolas e provém de registros da prática ao longo de nossa trajetória em escola de Ensino Fundamental e Educação Infantil: 100 Escola Municipal Nova Morada, da rede municipal de ensino do Recife, durante muito tempo dispunha de professor de biblioteca apenas no turno da manhã. Para minimizar tal lacuna, a coordenadora pedagógica, àquela época a professora Eulália Alves Carneiro, propôs que cada turma/professor/a, assumisse, ao longo da semana, um momento reservado para atividades na biblioteca. Em reunião coletiva de planejamento, foi criado um quadro de horário em que se distribuíram as turmas, de forma que cada docente tivesse em seu planejamento semanal atividades na biblioteca, criando com seus estudantes uma rotina semanal. Além de promover a aproximação de professores e estudantes com a biblioteca, tal dinâmica proporcionou também trocas entre docentes nos momentos de planejamento, indicações de leituras e um movimento maior de empréstimos e corresponsabilização pelas atividades na biblioteca. É válido acrescentar que posteriormente essa coordenadora pedagógica foi eleita gestora da escola e atualmente a unidade de ensino dispõe de professora de biblioteca nos três turnos de funcionamento da escola, desenvolvendo projetos diversos de leitura, nos quais a equipe de gestão e a coordenação pedagógica estão normalmente envolvidas (Registros da autora). Nem sempre a escola dispõe de um profissional exclusivamente dedicado à biblioteca ou às ações de leitura, o que pode ser contornado com ações compartilhadas entre gestores, coordenadores e professores/as, além de envolver os estudantes. A adoção da biblioteca por um grupo de monitores ou um rodízio de turmas que fiquem responsáveis pela dinamização da biblioteca a cada mês são possibilidades a serem mobilizadas a partir da realidade de cada escola e da disponibilidade dos sujeitos envolvidos. É na perspectiva de potencializar as ações já desenvolvidas na escola e subsidiar novas iniciativas no sentido de torná-la uma comunidade leitora que convidamos gestores e coordenadores a: (1) pensar sobre as práticas de leitura que circundam nossos estudantes; (2) conhecer interesses e relações da comunidade escolar com a leitura; (3) observar quais formas de acesso à literatura estão disponíveis no território em que a escola se insere. Para isso, pode-se fazer uma pesquisa ou observação guiada por alguns pontos, como: Há alguma biblioteca pública nas proximidades? Há biblioteca comunitária? Há ONGs ou projetos sociais que trabalham com a leitura? Há livros nas residências dos estudantes? O que eles leem? Quando leem? Quem faz mediação de leitura para os estudantes? Levantamos essas e outras questões para reflexão pensando nas possibilidades de consolidar ou ampliar nas escolas uma cultura de leitura de obras literárias, considerando as experiências já existentes e projetando novas alternativas. Discutiremos as parcerias que podem ser estabelecidas e os compromissos a assumir. Com isso, esperamos levantar reflexões que possam ajudar a olhar para dentro da escola, para o que está sendo feito e como se faz o trabalho com a leitura, como ela se apresenta no Projeto Político-Pedagógico e se está efetivamente de acordo com o que é concretizado no cotidiano escolar. Sabemos que a gestão escolar sempre é desafiada a ampliar o olhar sobre o que está sendo desenvolvido na escola. Nesse sentido, a parceria com a coordenação pedagógica ajuda a fortalecer e redimensionar as práticas de leitura realizadas na escola e o status a ela atribuído, tanto no Projeto Político-Pedagógico quanto na reconstrução de sentidos sobre nossa própria formação leitora enquanto sujeitos sociais envolvidos na formação de outros. 101 Aprofundando a discussão: a literatura na escola Sempre que falamos em formação de leitores vêm à mente os diferentes contextos em que esse potencial leitor pode estar inserido. As práticas de leitura precisam ser elementos presentes na rotina cotidiana do contexto escolar. É importante destacar que, para boa parte da população do nosso país, a escola é a única possibilidade de acesso à literatura. São pessoas que têm esse direito negado, inclusive na possibilidade de experimentar abstrações poéticas, imaginar outros mundos e outras formas de viver, pois estão privadas do encanto das narrativas. Esse precisa ser um ponto de partida para embasar nossas práticas e lutas pela educação pública e garantia de direitos, dentre eles o direito à literatura. Também para entendermos que políticas públicas voltadas à formação de leitores são resultados de mobilizações sociais importantes, investimento de recursos públicos e caminhos para tentar atender, em certa medida, demandas urgentes como essa. A efetivação de políticas públicas voltadas à leitura tem a escola como seu espaço de concretização. Ao longo das últimas décadas, acervosde qualidade chegaram às escolas públicas brasileiras por meio de programas federais, portanto, de alcance nacional. Não desconsideramos rupturas políticas nos últimos anos que impactaram os programas, mas quem atua em redes públicas provavelmente conhece – se não profundamente, ao menos já ouviu falar – esse movimento de envio de obras literárias pelos programas de governo, que ao longo do tempo teve diferentes formatos e nomes. São exemplos de políticas que marcaram o cenário educacional brasileiro, nas últimas décadas, o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), mais recentemente incorporado pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que a partir de 2017 passou a ser denominado Programa Nacional do Livro e do Material Didático. Como a sigla PNLD foi mantida, a denominação PNLD Literário passou a ser utilizada para se referir às obras literárias do Programa. Se o acervo literário desses Programas chega à escola e fica guardado em caixas, armários ou relegado a espaços e funções às quais não se destina, está sendo assinada a sentença de fracasso de toda uma cadeia que o livro percorreu para chegar às mãos dos estudantes, além do desperdício gritante do erário público. Assim, será muito importante dar alguns passos para verificar se nas escolas em que atuamos ocorrem situações como essas. Ocorrendo ou não, que tal apresentar aos/às professores/as os livros que chegaram à escola? Que tal instigá-los/as nesse movimento e deixá-los/as com vontade de ler, explorar, levar para a sala de aula, fazer esse acervo circular de sala em sala? O acesso efetivo dos estudantes às obras literárias necessita da mediação de leitura no contexto escolar. Embora a mediação docente assuma uma visibilidade maior, sozinho o/a professor/a não pode garantir as condições necessárias para que a escola cumpra essa função social de formar leitores. Gestores e coordenadores precisam entrar em ação garantindo o conhecimento do acervo, o acesso e o incentivo para que professores/as e comunidade compreendam o potencial dessas políticas do livro e sua finalidade primordial: fazer com que os livros sejam lidos, apreciados e circulem entre os leitores. Uma iniciativa interessante tem se verificado entre gestores e coordenadores que partilham a leitura de textos literários em momentos importantes na vida da escola, como em reuniões, encontros pedagógicos, eventos dos mais diversos, que envolvam não apenas os estudantes, mas também suas famílias e comunidade, até mesmo como forma de acolhimento diário. A leitura para deleite tem sido usada por muitos gestores e coordenadores para conquistar a interlocução dos que fazem a escola: crianças, professores/as, famílias. 102 Programas nacionais de formação de professores, como o Pró Letramento e o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), trouxeram para o centro das discussões a importância do trabalho com a leitura de obras literárias na escola, a valorização dos cantinhos de leitura em sala de aula, a biblioteca escolar como espaço fundamental, entre outras temáticas correlatas. Evidentemente é na biblioteca que o acervo literário deve encontrar a melhor acolhida. No entanto, sabemos que grande parte das nossas escolas ainda não tem esse espaço garantido, apesar da Lei nº 12.244/2010 (Brasil, 2010), que trata da universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do país. Entretanto, a ausência da biblioteca escolar não nos impede de trazer a literatura para o cotidiano da escola. Apesar dos desafios, veremos a seguir algumas possibilidades para garantir espaços de vivência da leitura e para proporcionar tempo na rotina escolar. Tempos e espaços da literatura: possibilidades e conexões Qais são os espaços intencionalmente destinados à leitura nas escolas? Seria esse o papel exclusivo da biblioteca escolar? A biblioteca precisa ser um espaço de socialização, não de isolamento. De prazer, nunca de castigo. De encontro com o universo de infinitas possibilidades que a leitura proporciona, inclusive para os que ainda não leem convencionalmente. Se a sua escola tem biblioteca, pode ser interessante resgatar um pouco dessa história como forma de revitalizar suas atividades e engajar toda a comunidade nessa ação: lançar perguntas que provoquem a curiosidade de todos, trazer pequenas cápsulas dessa história, expostas em pontos estratégicos, mobilizando a curiosidade e o interesse. Questões como: “Você já teve a curiosidade de saber como surgiu a biblioteca de sua escola, quem a organizou? Você conhece livros que fazem parte do acervo da nossa biblioteca? Quantos livros desse acervo você já leu?” são algumas perguntas que podem surtir efeito interessante. Além disso, algumas práticas podem ser incentivadas por gestores e coordenadores pedagógicos, como fazer uma exposição de registros relacionados aos usos desse espaço ao longo de sua existência, com fotos de como era antes, como está agora, quais eventos marcantes envolveram a biblioteca, se teve visitas de escritores ilustres etc. Estender o alcance da biblioteca para além de seu espaço físico é uma ótima oportunidade de convidar as pessoas à leitura. Como uma degustação do que a biblioteca pode proporcionar, Silva (2019), em pesquisa sobre os usos da biblioteca escolar, traz exemplos de uma escola do Ensino Fundamental de Recife. A autora relata que a biblioteca tem uma espécie de anexo, localizado na entrada da escola. Trata-se de um espaço simples, mas convidativo, com painel e cartazes integrados a prateleiras, inclusive uma em formato vazado de casinha de livros. Há baús e cestinhas onde são disponibilizados livros e revistas, trocados semanalmente. A autora dessa pesquisa faz a seguinte reflexão: De acordo com a gestora da escola, a criação desse espaço tem a finalidade de despertar o interesse pela leitura dos agentes que circulam pela escola. Foi a forma encontrada para disponibilizar parte do acervo da biblioteca da escola para aqueles que, por algum motivo, não a frequentam. Em relação a esse espaço, nele foi possível observar a leitura livre, realizada pelo porteiro, em um 103 momento de menor fluxo de pessoas na escola, e por alguns pais/responsáveis. O porteiro estava lendo uma revista. A mãe de um aluno estava lendo um livro literário (Meu cachorro é um elefante, de Pierre Pratt e Remy Simard) para o filho mais novo (que ainda não estava em idade escolar). Enquanto lia, mostrava as imagens à criança, que se mostrou bastante interessada. De acordo com a gestora da escola, esse “anexo” visa atingir um público maior da comunidade. Segundo ela, alguns pais e responsáveis não costumam visitar os espaços da escola espontaneamente. Com isso, não conhecem bem a biblioteca e seu acervo. A criação desse espaço acaba por facilitar essa aproximação biblioteca- pais/responsáveis (Silva, 2019, p. 212). Podemos observar que ações aparentemente simples influenciam significativamente as vivências culturais e pedagógicas. Essa postura de priorizar práticas leitoras poderá transformar a biblioteca em cúmplice do processo educativo. Infelizmente, em muitas escolas do nosso país, ainda encontramos bibliotecas fechadas ou subutilizadas sob os mais variados argumentos. A fragilidade desses espaços é constatada sempre que a escola passa por qualquer mudança: reforma, chegada de material, falta de sala de aula etc. Invariavelmente, a biblioteca ou a sala de leitura é interditada para servir a outros fins. Espaços de leitura na escola acabam também se prestando a tantas outras atividades e finalidades: brinquedoteca, sala de apoio pedagógico, sala de recursos didáticos etc. Muitas vezes o que há como espaço de fruição literária na escola é o que costumamos chamar de “cantinho de leitura”, na sala de aula. A questão é pensar se tais cantinhos dispõem dos acervos selecionados (do PNBE e PNLD, por exemplo) ou é um amontoado de livros e revistas em estado precário de conservação, sem diversidade de gêneros, qualidade dasobras e dinamização constante do acervo. Como estão organizados os cantinhos de leitura em sua escola? Para além das experiências exitosas com bibliotecas escolares, é importante destacar que algumas escolas, apesar de não disporem de uma biblioteca com espaço físico delimitado, promovem ações de leitura e disponibilizam acervos em espaços alternativos, conseguindo manter a centralidade da leitura no seu cotidiano. Os espaços de leitura na escola (bibliotecas, salas, cantinhos), segundo Perrotti (2014), são dispositivos de mediação cultural e vão além do simples recurso de apoio. Não estamos falando em padronização, não há modelos e receitas. Desse modo, entra em cena o olhar sensível de gestores e coordenadores em busca de referências que possam embasar as construções singulares de cada realidade. Se não há biblioteca na escola, como podemos criar espaços de leitura? Qual a realidade atual da sua escola? Para criar ou organizar um espaço de leitura, é fundamental fazer uma análise criteriosa sobre aspectos como localização, dimensões, ventilação, iluminação, conservação. Além do espaço físico disponível, por menor que seja, importante é a ambientação. O espaço é acolhedor? Existem muitas formas criativas de oferecer aos estudantes, professores/as e comunidade escolar um lugar convidativo à leitura, com acervo literário ao alcance do leitor, um espaço confortável para ler, cuidados com a atratividade do ambiente, sem exageros. A disponibilização de material e recursos para essa iniciativa é, sem dúvida, uma atribuição da gestão, em colaboração com a coordenação. Mas é importante que a criação desse espaço seja uma ação colaborativa entre todos que fazem a escola, criando laços de pertencimento. A criação de um ambiente que permita a circulação das crianças, a expressão de suas diferentes corporalidades, com liberdade de movimentar-se, ficar à vontade para sentar, deitar, se espalhar com o livro, manuseá-lo e exercer sua autonomia reafirma que “a dimensão estética não significa decorar o espaço para ser “bonitinho” e “gracioso”” (Perrotti, 2014, p.136 – grifos do autor), mas relaciona-se à mobilização de emoções e sentimentos, demonstrando que a “dimensão estética não é apêndice”. Os cantinhos de leitura, por exemplo, espaços comumente encontrados nas escolas, muitas vezes são uma iniciativa isolada de professores/as ou até partilhada entre pares que dividem a mesma sala em turnos diferentes de trabalho. Mas poderíamos refletir sobre uma questão: Como podemos pensar nesses cantinhos de leitura como um investimento da escola? Como gestores e coordenadores podem contribuir? Uma das formas é investir na formação do/a professor/a como leitor literário. Paiva e Soares (2014), na introdução do Guia PNBE: Literatura fora da caixa, propõem que seja dado um novo significado às práticas da leitura literária na escola, sejam na sala de aula, sejam na biblioteca escolar. Para isso, ressaltam a importância de fomentar a curiosidade nos mediadores de leitura para conhecimento desses acervos, para a leitura de seus guias, para a observação das categorizações das obras. Paiva e Soares destacam ainda a diversificação de gêneros e experiências que proporcionam, cada um à sua maneira, representando o cuidado na escolha e avaliação na constituição das políticas públicas que representam. Além de incentivar a maior circulação das obras, seguimos o alerta das autoras para estender essa curiosidade a todas as pessoas da escola e aproveitamos para perguntar: Você conhece as obras literárias disponíveis em sua escola? Quais já leu? Quais usou para mediar práticas de leitura? Saberia indicar uma obra para uma turma específica, para um momento de experiência literária com as crianças? Que livro levaria para mediar uma reunião com professores/as ou pais? A mobilização da equipe em ações colaborativas é também algo importante a ser destacado, e ela decorre do envolvimento de gestores e coordenadores com a formação de leitores. Silva (2019, p.228) relata em sua tese uma oficina de contação de histórias que acompanhou durante a pesquisa. A atividade foi desenvolvida por uma professora e envolveu as colegas da Educação Infantil, as do 1º ano, as responsáveis pela biblioteca, além das coordenadoras e gestoras. Essa ação reuniu professores/as de cinco escolas próximas, que fazem um trabalho integrado de leitura, como descrito abaixo: [...] Antes de iniciar a formação, todo o material que poderia ser utilizado na contação de história foi disposto sobre a mesa da biblioteca para que todos tivessem acesso. Segundo a formadora, esse material poderia ser manuseado e utilizado por todos durante a oficina. Além disso, cada professora, coordenadora e gestora recebeu um livro de presente (História de Juvenal e o Dragão, de Leandro Gomes de Barros). [...] As professoras, coordenadoras e gestoras iam confeccionar, junto com a formadora, a boneca de pano Abayomi, enquanto ela contava a sua história. Ao terminar a contação da história, todas as pessoas estavam com suas bonecas “prontas”. Foi um momento de muita interação e emoção por parte de todas. No final, todas falaram daquilo que sentiram ao confeccionarem suas bonecas, ouvindo a sua história. Todas relataram o quanto haviam sido “tocadas” pela história, que, ao ouvirem a sua contação, conseguiram visualizar e se emocionar com as cenas, mesmo sem terem sido descritas. Para finalizar a oficina, a formadora leu, pela manhã, o livro “A professora encantadora”, de Márcio Vassalo e, à tarde, o livro “Rita, não grita!”, de Flávia Muniz. Ambos em formato digital. [...] A oficina de contação de história foi realizada na biblioteca da escola, permitindo às professoras e coordenadoras que dela participaram uma noção exata do espaço e dos 104 105 recursos que dispunham para desenvolver as atividades de contação de história. O espaço físico e os recursos tecnológicos foram bem utilizados durante a oficina (Silva, 2019, p.232). São esses diferentes movimentos que fazem o livro ganhar vida, que permitem que a literatura de qualidade circule, seja discutida entre pares, inspire diferentes possibilidades de mediação de leitura para as crianças. Textos em verso, em prosa, livros de imagens, quadrinhos, a diversidade das obras que chegam às escolas, permite o conhecimento sobre as particularidades de cada um desses diferentes gêneros a partir de experiências variadas de leitura. Todas as pessoas na escola são responsáveis pelo processo de receber o acervo, distribuir, conhecer, disponibilizar, guardar em condições adequadas e organizadas. Paiva e Soares (2014) salientam que, por sermos todos mediadores de leitura no espaço escolar, a voz docente não pode ser isolada. Precisamos contar com profissionais de biblioteca, gestores, coordenadores e tantos outros que possam contribuir para que a leitura se efetive na construção de um trabalho coletivo em que sejam planejadas e desenvolvidas ações diversas e interligadas (entre turmas, entre estas e a biblioteca, entre a escola e a comunidade, entre escolas parceiras, como no exemplo da oficina envolvendo diferentes escolas), de tal modo que uma cultura leitora vá se constituindo a partir de vivências significativas que articulem saberes e diferentes experiências. Como exemplo desse movimento citamos as ações da Rede de Bibliotecas do Coque, área de periferia em Recife. O que inicialmente era o compartilhamento de um processo formativo, hoje se configura como um intercâmbio e desenvolvimento de ações conjuntas entre bibliotecas e escolas de Recife no Projeto Palavras Viajantes, desenvolvido por pesquisadoras do Centro de Estudos em Educação e Linguagem (CEEL-UFPE). As ações desse Projeto levaram crianças e professores/as à integração com escolas de Caruaru (2017/2018), Afogados da Ingazeira (2023) e Doninhue, no Chile (2021-2024), para troca de cartas entre estudantes e professores/as, realização de dois seminários internacionais de socialização de experiênciasdesdobramentos do processo de municipalização do Ensino Fundamental a partir da Constituição brasileira1, da LDB nº 9394/96, como também da Emenda Constitucional nº 14/96, a qual criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef), destinando a gestão financeira de recursos para o Ensino Fundamental. Diante disso, muitos municípios passaram a criar seus próprios sistemas de educação por iniciativa própria, ao lado de outros que, sob forte pressão de secretarias estaduais, assumiram a oferta do Ensino Fundamental, sem uma devida estruturação em sua rede ou sistema de ensino. Isso acarreta discrepâncias regionais que repercutem no ensino ofertado, na quantidade de recursos destinados para a educação, na possibilidade de ter uma política de formação continuada, discrepâncias que, por vezes, geram dificuldades de constituição de um quadro permanente de funcionários, seja pelo fato de a gestão sofrer impactos das eleições municipais, seja pela dificuldade do município em ter salários atraentes para manter seus funcionários por longo período na escola. Por fim, a descentralização político-administrativa da educação, apesar de trazer ¹ A ideia de transferir para os municípios os encargos do ensino “primário” acontece desde os anos de 1920. 10 ganhos, coloca também desafios para os municípios e os gestores, que terão que lidar com todas essas questões descritas. Certamente isso também repercute nas condições e na qualidade da alfabetização e sua consolidação. Invisibilidade, descontinuidade ou negação do direito à educação É comum se recorrer às estatísticas oficiais para elucidar a correlação entre “direito à educação” e “alfabetização”. Entretanto, neste estudo, defende-se que o direito à educação está para além de um conjunto de leis, pois exige análises interdisciplinares, considerando a polissemia de seus sentidos e os modos como esse direito se efetiva ou não, conforme já apresentado. Da mesma forma, quando se trata de “direitos” na Educação, é notório constatar que o “combate” ao analfabetismo se constitui como a garantia do ensino de “qualidade”, eficaz e inclusivo, observando a alfabetização como a “pedra angular” do processo educacional. Tais orientações estão presentes nas normativas brasileiras. São elas: Meta 2 do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), de 2007; Meta 5 do Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), aprovado pela Lei Nº 13.005, de 25 de junho de 2014; Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (2013). Atualmente, a associação entre a alfabetização das crianças e a temática do direito à educação esteve presente nos debates da Conferência Nacional de Educação, durante os meados do ano de 2023 e em janeiro de 2024. O título dessa proposta – Plano Nacional de Educação (2024-2034): política de Estado para a garantia da educação como direito humano, com justiça social e desenvolvimento socioambiental sustentável – indica que os direitos humanos de crianças e adolescentes estarão no centro das reflexões educacionais na próxima década, pois, de acordo com o Documento, “o direito à educação não pode prescindir de garantia de alfabetização” (Brasil, 2024, p. 56) durante a infância ou àqueles que não tiveram acesso na idade recomendada. E a aproximação do direito à educação ao direito da criança pode trazer ganhos significativos para a política de educação. Isso porque as normativas destinadas às crianças e aos adolescentes contêm elementos que definem esse público como prioritário, inclusive com prioridade em alocação de recursos frente aos demais grupos populacionais, conforme o princípio de prioridade absoluta do ECA: Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, [...]. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (Brasil, 1990, Art. 4, grifos nossos). 11 Vale ressaltar como a prioridade absoluta garante à área da infância preferência na formulação e execução de políticas públicas sociais (Brasil, 1990) para o atendimento das crianças e adolescentes e o exercício de sua cidadania, definindo os atores que estão implicados nesse processo, com destaque para o papel central do Estado e que, por sua vez, passa a ser cobrado em uma atuação positiva em relação ao direito da criança, por meio de políticas públicas sociais. Ou seja, é responsável por um papel ativo no planejamento e implementação de políticas públicas que operacionalizam e tornam os direitos da criança e do adolescente concretos. Essa garantia pode ser uma questão estratégica também para o fortalecimento da política de educação e, em especial, da alfabetização nos níveis federal, estadual e municipal. Constata-se a existência de associação entre “direito à educação” e “direito à alfabetização” porque este último amplia a ideia de que ler e escrever podem assegurar uma trajetória acadêmica exitosa para todos os estudantes brasileiros. Entretanto, alguns dados estatísticos sugerem que as condições de permanência escolar se tornam complexas e exigem enfrentamentos a partir de políticas locais. É o que nos mostra o Quadro 1, a seguir. Regiões Matrículas Distorções série-idade Totais Anos iniciais Total Anos finais Totais Norte 2.569.056 18,9 485.552 12,5 321.132 26,7 685.938 Nordeste 7.382.972 15,5 1.144.361 9,9 701.382 22, 2 1.639.020 Sudeste 7.651.628 8,0 612.130 5,0 382.581 11,5 879.937 Sul 2.906.771 9,6 279.050 5,6 162.779 14,8 430.202 Centro- Oeste 1.488.714 10,5 156.315 7,4 110.165 14,4 214.375 Brasil 21.99.141 11,7 2.573.99 7,5 1.649.936 17,0 3.739.854 Quadro 1 - Dados estatísticos de matrícula nos Anos Iniciais das regiões brasileiras Fonte: organizado pelas autoras a partir de https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/indicadores- educacionais/taxas-de-distorcao-idade-ser Nota-se que os dados aquilatados acima permitem que se constate, de um lado, o avanço que vem ocorrendo no País, em relação ao aprendizado dos estudantes do Ensino Fundamental, particularmente nos anos iniciais; de outro, os desafios a serem enfrentados para que se continue avançando em direção ao cumprimento do direito à educação. Também se observa que as regiões Sudeste e Nordeste têm a maior concentração de matrículas na etapa obrigatória de escolarização. Da mesma forma, são as regiões que apresentam um quantitativo maior de alunos com a distorção idade-série, ou seja, se mantém entre 2 ou 3 anos na mesma série. Pressupõe-se que esses alunos, ao não serem aprovados ou promovidos, representam aqueles que enfrentam a reprovação no País. Não se pode negligenciar que a distorção idade-série leva os municípios a recorrerem às medidas de correção de fluxo escolar e acabam criando alternativas didático-pedagógicas pontuais que não alteram a estrutura das ofertas de soluções. Neste sentido, é preciso reconhecer que tais práticas políticas atingem parcialmente o quadro de iniquidades sociais, fazendo com que o direito à educação aconteça somente para alguns estudantes, mas de forma precária e pouco efetiva. 12 Para melhor elucidação sobre as políticas públicas e a permanência escolar, recorremos à nossa experiência com a realização de um curso de formação continuada que desenvolvemos com alguns municípios do estado do Rio de Janeiro, em forma de assessoria – relação interinstitucional com um Acordo de Cooperação Técnico-Científico – no Processo de Reestruturação da Proposta Político-Pedagógica e na formação dos profissionais da Educação, tendo como lócuse publicações a respeito das vivências. Para que projetos dessa natureza se efetivem é de fundamental importância o apoio dado pela gestão escolar e pela coordenação pedagógica das escolas envolvidas. Lembramos que, cada vez mais, em muitos lugares, o movimento das bibliotecas comunitárias é fortemente enraizado na rotina local, o que pode permitir uma valiosa parceria com a escola. Em um estudo voltado à gestão escolar a partir da interação da escola com bibliotecas comunitárias, Santana (2014) afirma que as parcerias entre escola e espaços como a biblioteca comunitária para realização periódica de oficinas de leitura, entre outras atividades de incentivo à leitura literária, representam novas demandas por parte da comunidade. O autor destaca que as bibliotecas comunitárias têm provocado a escola a adotar novas posturas, escapando de uma dinâmica conservadora de gestão escolar, tornando-se espaços culturais e educativos que mobilizam os sujeitos a desenvolver outras habilidades e formas de participação e vivências no cotidiano. Outro exemplo de ações articuladas entre escolas, bibliotecas comunitárias e universidade encontramos na obra organizada por Rosa e Dubeux (2018), que apresentam sequências didáticas, desenvolvidas em escolas do Recife e Região Metropolitana, contemplando diferentes gêneros literários e práticas de mediação de leitura, ampliando o olhar de todos os envolvidos, em especial, das crianças. São sequências que têm como temática comum a leitura literária na escola, constituindo-se como uma das ações do Subprojeto Mediadores de Leitura na Escola, parte integrante do Pacto Nacional pela 106 Alfabetização na Idade Certa. O trabalho com os diferentes gêneros nas sequências favoreceu uma rica experiência de exploração de acervo das escolas, das bibliotecas, do CEEL e dos acervos pessoais dos autores. No desenvolvimento das atividades também foram integradas diferentes experiências de leitura em espaços da escola e das bibliotecas comunitárias, potencializando a relação das crianças com esses espaços de leitura. Por fim, sistematizamos algumas iniciativas importantes que precisam envolver efetivamente gestores e coordenadores na escola, lembrando que, como dissemos, não são receitas, mas objetivos e possibilidades a serem consideradas para fomentar a prática da leitura literária nas escolas: O que fazer Como podemos fazer Priorizar a leitura no Projeto Político- Pedagógico Definindo-a como um dos objetivos da escola, com planejamento de ações permanentes, discutindo com toda a comunidade escolar formas de construir uma comunidade leitora. Garantir recursos e infraestrutura Apoiar os/as professores/as no planejamento e organização do trabalho com a literatura na escola. Disponibilizar e mobilizar recursos para a (re)qualificação dos espaços de leitura com mobiliário, ambientação adequada, expositores e estantes (à altura das crianças), itens como tapetes e almofadas, baús etc. Promover ações de formação continuada de professores/as Realizar encontros formativos sobre leitura literária, trocas de experiências com outras escolas ou instituições ligadas à leitura. Incentivar a participação dos docentes em eventos literários e de formação de mediadores de leitura (muitos deles online e gratuitos). Buscar articulação externa por meio de parcerias Estabelecer parcerias com entidades, como bibliotecas públicas e comunitárias, associações artístico-culturais, projetos de extensão de universidades, grupos de teatro, músicos e poetas locais, autores que venham à escola falar de seu trabalho etc. Promover visitas guiadas a espaços de leitura fora da escola, participação em oficinas de leitura e outras atividades correlatas. Conhecer a comunidade leitora Investigar gostos e experiências literárias da comunidade escolar. Resgatar memórias literárias e experiências da tradição oral de contar histórias, articulando-as com obras literárias do acervo. Valorizar a conexão entre literatura e ludicidade Promover momentos lúdicos a partir da leitura de obras literárias. Realizar atividades participativas, como gincanas literárias, trilha de leitura da obra de um autor, leituras dramatizadas, apresentações teatrais a partir de leitura, de recontos diversos de obras lidas para as crianças, exposições a partir de provocações literárias. Leitura de livros que viraram filmes e obras que estabelecem intertextualidade com os clássicos infantis. Dinamizar o calendário cultural com atividades literárias Realizar ao longo do ano atividades diversificadas e convidativas, como saraus literários, com música, trazendo alguém da comunidade que toque um instrumento ou possa cantar, recitar um poema, ler literatura de cordel, um sarau de rap, de textos da tradição oral. Atividades como um café literário, um café com poesia, piquenique literário (claro que mantendo livros e lanches distantes um do outro para evitar danos!). É importante que destaquem obras literárias. Estimular o sentido de pertencimento à escola por meio das atividades de leitura Envolver a comunidade no planejamento, organização e realização de atividades de leitura e eventos literários. Realizar campanhas de doação ou troca de livros entre as crianças. Compartilhar indicações de livros ou opiniões sobre obras lidas. 107 Estimular a leitura no espaço familiar Incentivar a participação de pais e familiares em atividades voltadas à leitura literária, com projetos diversos: sacola de leitura, empréstimo aos pais, desafio da semana, troca de experiências leitoras entre as crianças e as famílias etc. Em síntese Quando falamos sobre o papel da escola na formação do leitor literário, devemos ter em mente que falamos da escola como um universo constituído de pessoas ocupando diferentes papéis, todas responsáveis pela formação do estudante. No presente texto, nos dirigimos aos gestores e aos coordenadores, por compreender o seu papel como fundamental para a mobilização do coletivo na construção de uma comunidade leitora. Para isso, buscamos ao longo do texto valorizar e destacar o papel de gestores escolares e coordenadores pedagógicos no desenvolvimento de ações de formação de leitores na escola. Assim o fizemos partindo da afirmação de que o papel da escola é atuar na garantia do direito à literatura, bem como na efetivação de políticas públicas voltadas à formação de leitores. O convite feito foi à reflexão sobre as possibilidades de articular espaços e tempos de leitura, tecendo redes com ações de incentivo à leitura, criando ou apoiando estratégias de trabalho no âmbito da escola e da comunidade, em projetos desenvolvidos pelos docentes com suas turmas, por meio da articulação de experiências literárias vivenciadas na escola e da garantia de condições estruturais para fomentar e realizar a leitura no espaço escolar. Se a literatura é abraçada pela escola, temos a certeza de que estudantes e toda a comunidade escolar terão diferentes experiências estéticas e condições para ampliar a sua visão de mundo. Ao explorar o acervo, planejar situações de mediação, promover discussões sobre obras, compartilhar com os pares as experiências que determinada obra possibilita, os sentidos implícitos e os novos sentidos construídos, toda a equipe de profissionais da escola está se enriquecendo enquanto equipe leitora, enquanto sujeitos sociais e, principalmente, experienciando mais e mais momentos de humanização de suas práticas e experiências existenciais. 108 Referências BRASIL. Ministério da Educação. Lei 12.244 de 24 de maio de 2010. Dispõe sobre a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do País. Brasília: MEC, 2010. CANDIDO, Antonio. Vários Escritos. 5.ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul; São Paulo: Duas Cidades, 2011. 296 p. PAIVA, Aparecida; SOARES, Magda. Introdução. In: PNBE na escola: literatura fora da caixa. Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da Universidade Federal de Minas Gerais (elaboração). Brasília:Ministério da Educação, 2014. 50 p. Guia 1: Educação infantil – Guia 2: Anos iniciais do Ensino Fundamental – Guia 3: Educação de Jovens e Adultos. PERROTTI, Edmir. A organização dos espaços de leitura na Educação Infantil. In: BRASIL. Ministério da Educação. Literatura na Educação Infantil: Acervos, espaços e mediações. Brasília: MEC, 2014. p. 127-142. ROSA, Ester C. S.; DUBEUX, Maria Helena S. (org.) Abriu-se a biblioteca – mitos, rimas, imagens, monstros, gente e bichos: literatura na escola e na comunidade. Recife: Ed. UFPE, 2018.164 p. Disponível em: https://editora.ufpe.br/books/catalog/book/175 Acesso em 26/02/2025 SANTANA, Gabriel Lopes de. Escola em rede: bibliotecas comunitárias e as demandas sobre a gestão escolar. 2014. 117 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2014. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/12842 Acesso em: 30 abr. 2024. SILVA, Cristiana Vasconcelos do Amaral e. Os usos da biblioteca em uma escola dos anos iniciais do ensino fundamental: os encontros com a leitura. 2019. 280f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2019. Ywanoska Maria Santos da Gama é Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco e professora do Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE. Integra o Centro de Estudos em Educação e Linguagem (CEEL/UFPE), atuando na formação de professores, análise de materiais didáticos e formação de mediadores de leitura. E-mail: ywanoska.gama@ufrpe.br Lattes: http://lattes.cnpq.br/1398858336713229 https://editora.ufpe.br/books/catalog/book/175 https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/12842 http://lattes.cnpq.br/1398858336713229 109 CONSIDERAÇÕES FINAIS Marta Nörnberg Arita Mendes Duarte Luiza Kerstner Souto Neste Fascículo 6 - Gestão e Coordenação Pedagógica da Escola, no âmbito do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, reconhecemos o esforço dos entes federativos em busca da superação de diferentes desafios ainda presentes em nosso sistema educacional e, sobretudo, a importância e centralidade do trabalho desenvolvido pelas equipes gestoras na implementação de políticas e processos de garantia do direito à educação, especialmente do direito à leitura e à escrita. Os textos aqui apresentados contribuem para a compreensão dos objetivos que o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada traça, reverberando na garantia do direito à educação de qualidade, no acesso à escola e na permanência nela. Mostram, ainda, a relevância de conhecer as legislações que orientam e norteiam as políticas de formação de alfabetizadores, seja dentro ou fora do espaço da escola, e assumi-las como princípio e instrumento de trabalho da gestão escolar. Os textos apresentados demonstram o reconhecimento da importância dos gestores e dos coordenadores pedagógicos como protagonistas das práticas de gestão da escola, pois, sem essa ação coordenada de organização e trabalho, não existe a possibilidade de percebermos a formação docente como prática colaborativa nem a prática avaliativa escolar como um processo de promoção de aprendizagens mútuas. Entender que a gestão e a coordenação pedagógica dos espaços e tempos para a formação de professores/as e escolarização das crianças vai além das paredes das salas de aula evidencia a importância do Projeto Político-Pedagógico como documento que assegura os processos democráticos, fortalecidos por meio do diálogo entre pares e com a comunidade, sendo essa parceria um dos desdobramentos deste documento na garantia ao direito à educação. Desse modo, é possível pensar na consolidação da alfabetização e da própria formação das crianças como leitoras e produtoras de texto capazes de interagir por meio da linguagem, participando ativamente nas práticas escolares e sociais de sua comunidade. As reflexões trazidas sobre a atuação dos coordenadores e gestores revelam a necessidade de formação continuada de professores/as em um processo coletivo e de coparticipação, sobretudo pelo conhecimento do direito à educação como compromisso do Estado e da gestão escolar. Ao assumir o compromisso com a formação e o desenvolvimento de práticas que favoreçam o direito à leitura e à escrita, certamente estamos formando cidadãos críticos e capazes de construir movimentos e espaços para garantir as premissas que sustentam e organizam as escolas como espaços públicos de instrução, e assim cumprir o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada. 110 Marta Nörnberg é Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atua como Professora Associada na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), na Faculdade de Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação. É vice-líder do Grupo de Estudos sobre Aquisição da Linguagem Escrita (GEALE), desenvolvendo pesquisas sobre Formação de Professores e Teoria e Prática Pedagógica. E-mail: martanornberg0@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/7467574585513397 Arita Mendes Duarte é Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pelotas (2022). Professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino de Pelotas/ RS. Tem estudos na área de educação, com ênfase em alfabetização, formação continuada e formação docente. E-mail: arita.mendes.duarte@gmail.com Lattes: https://lattes.cnpq.br/9014445007185095 Luiza Kerstner Souto é Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pelotas. Atua como professora da rede municipal de São Gabriel da Palha/ES. É membro do Grupo de Estudos sobre Aquisição da Linguagem Escrita (GEALE/UFPel). E-mail: luizaksouto@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/0533357400304652a escola. Dentre alguns objetivos específicos dessa proposta, houve um eixo destinado ao currículo e à avaliação, visando à compreensão do insucesso escolar. O depoimento a seguir mostra como muda a percepção de um cursista sobre a necessidade de Projetos Político-Pedagógicos que garantam continuidade e maior articulação do município em torno dos problemas enfrentados. Eis o que nos disse um Coordenador Pedagógico: [...] Durante as formações, eu me indagava sobre os sentidos que aqueles saberes poderiam oferecer à minha prática educativa. Pude perceber temas que não estavam sendo abordados nas formações como os saberes da prática e das experiências dos docentes naquela formação. Além disso, as concepções de currículo e avaliação, também comecei a indagar como a rede municipal de Mesquita pensava estas questões como políticas públicas para serem efetivadas nas salas de aulas. Neste meio tempo, pude conhecer um grupo de profissionais da educação que discutiam a função da escola pública e as consequências das políticas encaminhadas do governo federal aos municípios e, consequentemente, às escolas. Tais docentes eram representantes dos movimentos sociais, aqui em específico o SEPE (Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação) que me ajudaram a iniciar minhas perguntas, percebendo assim as lacunas na minha prática educativa, inclusive as minhas percepções das políticas de educação escolar para as escolas mesquitenses. Há outros dados também fornecidos por esse Coordenador que mostram a importância da gestão para a continuidade e compreensão das políticas. Para esse Coordenador, os agentes políticos municipais, que atuaram em diferentes gestões educacionais, por não terem sistematizado e registrado dados ou informações importantes sobre o currículo e avaliação escolar, ampliaram a descontinuidade das políticas públicas em uma determinada cidade, para além das constantes mudanças de Secretários e de suas equipes formativas. Se houvesse a história da gestão pedagógica, as equipes técnico-administrativas conheceriam as políticas municipais realizadas nos vários períodos destinados à melhoria do processo de aprendizagem dos estudantes, pois a ausência dessas informações dificultavam a compreensão sobre o processo de repetências, frequentes faltas dos estudantes e evasão do sistema público de ensino. Por fim, são os profissionais da educação e os estudantes os que mais sofrem com os descaminhos com a trajetória escolar. Os primeiros se tornam os “guardiões da memória”, uma vez que permanecem durante anos nos sistemas de ensino e conhecem as iniciativas públicas para lidar com a escolarização das crianças. Já os segundos pouco sabem sobre o “como” vão perdendo os vínculos com a escola. Com inspiração nessas reflexões, é hora de firmar um “Compromisso” que institua relações democráticas entre Secretarias de Educação e escolas, visto que, de acordo com algumas equipes de formação dos municípios fluminenses, por exemplo, é urgente analisar 13 a ideia de “direito” no campo educacional, em especial, na alfabetização. E certamente essa é a realidade de vários municípios brasileiros. Assim, o princípio das relações democráticas precisa se tornar basilar para a conscientização sobre os direitos das crianças na escola, por seus profissionais. Logo, um processo formativo de professores/as deve provocar debates acerca da inclusão escolar, portanto sobre as condições de êxito das crianças durante a trajetória escolar. Isso implica contemplar análises e informações quantitativas e qualitativas para um enfrentamento, juntamente com os/as professores/as alfabetizadores/ as, de reflexões sobre o acesso e, fundamentalmente, acerca da permanência escolar com oportunidades de ampliação das aprendizagens, diante da desigualdade social. Mas há um desafio importante a considerar: Como desenvolver uma prática formativa com os/as professores/as alfabetizadores/ as? Inicialmente, é necessário o delineamento de um projeto municipal para o fortalecimento e expansão do “direito à alfabetização”, em que haja uma significativa articulação de concepções entre educação, cidadania e alfabetização. Essa associação, bem como a compreensão acerca desses conceitos, contribui para uma formação sócio-política dos/das professores/ as alfabetizadores/as com bases nas garantias constitucionais para crianças. Essa formação poderá suscitar a inquietação dos profissionais com o processo alfabetizador. Logo, o direito prima pelo planejamento de políticas públicas para a área social, como a educação pública. Deste modo, as reflexões, iniciadas com as reestruturações das propostas curriculares de municípios do Rio², por exemplo, centradas na superação da problemática da repetência escolar nas redes fluminenses, como datadas de um longo tempo, mostram as pistas para garantir a permanência efetiva de crianças no processo educativo. Este parece ser um dos sentidos para a constituição e implementação de uma política educacional local: a troca contínua, participativa e colaborativa, por meio da partilha de saberes e conhecimentos entre quem elabora e quem implementa uma proposta curricular e didático-pedagógica. A assertiva se baseia na ideia de que fomos percebendo que a força de um “direito” provocou a “reinvenção” nas redes e escolas públicas. Essa é uma das capacidades do processo de formação continuada, porque, além de ensinar a criar, também ajuda na recriação pessoal e coletiva. Um Compromisso Nacional com a Alfabetização precisa se instituir cooperativamente por meio de uma rede com alfabetizadores/as locais, porque o “direito” também supõe uma prerrogativa em que o/a professor/a é protagonista de transformações sociais, e não reprodutor; e os estudantes são coautores para uma sociedade democrática e escolarizada. Assim, quando se percebe a criança para além da educação, como um sujeito de direitos, é possível compreender a totalidade de situações que irão impactar positiva ou negativamente a escola, viabilizando ou não o seu direito à educação de forma ampla. Algumas indagações podem auxiliar na concepção de um diagnóstico inicial nas escolas: Quais são os motivos relacionados com os diferentes tipos de abordagens para a distorção idade-série? A escola mostra dificuldades para analisar esses dados? A escola realiza análises dos perfis de estudantes reprovados constantemente? Essas comparações incluem a diversidade de gêneros, raça/etnia, grupos socioeconômicos ou processos de abandonos da escolarização, condições de saúde? 2 É importante lembrar que Anísio Teixeira (Teixeira, 2007), em 1932, como Diretor Geral do Departamento de Educação do Distrito Federal, na ocasião o Rio de Janeiro, alertava que a repetência de crianças impossibilitava a implementação de novos métodos e técnicas pedagógicas, como a ampliação de uma rede pública. 14 A realização de um diagnóstico certamente contribuirá para uma avaliação institucional da escola. Da mesma forma, ajudará a distinguir desempenho – advindo das avaliações em larga escala – da avaliação formativa – relacionada com a avaliação da aprendizagem. Essas, entre outras questões, podem elucidar algumas trilhas para se efetivar o direito à educação. Em síntese Ao longo do texto foi demonstrado como o direito à educação se institucionaliza por meio do direito da criança e do adolescente, permeado pelo processo de descentralização político-administrativa da educação, indicando a importância dos municípios, com enfoque especial, na garantia do direito à alfabetização. Embora as estatísticas educacionais pareçam “melhores” do que em outros períodos históricos da educação, pode-se afirmar que a democratização do direito à educação se mostra mitigado e ainda não se considera sua importância e centralidade na redução das desigualdades sociais. Portanto, há que se analisar o acesso e a permanência na escola, de forma contínua e projetiva, pois esta não vem se desenvolvendo por meio de um processo de qualidadee equidade do ensino para todos os estudantes. E isso justifica a defesa da garantia de oportunidades iguais para os estudantes como “direito à educação”, por vezes considerado apenas no acesso relativo à política educacional por meio de matrículas, negligenciando-se as formas de permanência na escola. Por isso é importante a atenção dos gestores e coordenadores pedagógicos com a efetivação de políticas que garantam os direitos à educação e à alfabetização e aos processos de aprendizagem, e menos com o desempenho escolar, pois somente assim poderão compreender como se apresentam os (in)sucessos escolares. As taxas de aprovação, reprovação, distorções ou abandono para os anos iniciais (do 1º ao 5º ano) do Ensino Fundamental podem ser interpretadas de forma tanto qualitativa como quantitativa, por escolas e seus profissionais. Da mesma maneira, as reduções devem ser acompanhadas, pois se conhecem os motivos que mobilizaram tanto os desafios quanto os êxitos para professores/as e estudantes. Estes últimos podem indicar caminhos, observando-se tanto os abandonos quanto as permanências, que precisam ser pesquisadas de forma qualitativa. Isso pode se alterar com mudanças nas gestões municipais, sejam políticas ou partidárias. Por fim, o diagnóstico educacional mantém a unidade educacional e permite que os profissionais da educação não percam seus esforços, e o município não perca sua biografia educacional. Isso sugere a importância da constituição de políticas públicas pelos municípios, pois elas asseguram a história pedagógica e a luta pelo direito à educação, efetivando o direito à alfabetização. Referências BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2024]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm. Acesso em: 1 jan. 2025. BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF, Senado Federal, 1990. BRASIL. Ministério da Educação. Decreto n. 6.094, de 24 de abril de 2007. Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Brasília: MEC, 2007. BRASIL. Ministério da Educação. Decreto nº 11.556, de 12 de junho de 2023. Institui o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada. Brasília: MEC, 2023. BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024). Brasília: MEC, 2014. BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB. Brasília: MEC, 1996. BRASIL. Ministério da Educação. Plano Nacional de Educação (2024-2034): política de Estado para a garantia da educação como direito humano, com justiça social e desenvolvimento socioambiental sustentável (2024). Brasília: MEC, 2024. Documento referência CONAE 2024. BRASIL. Presidência da República. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (2013). Brasília: MEC, 2013. MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Alfabetização no Brasil: conjecturas sobre as relações entre políticas públicas e seus sujeitos privados. Revista Brasileira de Educação, v. 15, n. 44, p. 329-341, mai/ ago. 2010. MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Os sentidos da alfabetização. São Paulo: Editora UNESP, 2000. 372 p. TEIXEIRA, Anísio. Educação para a democracia: introdução à administração educacional. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007. 255 p. Elaine Constant é Doutora em Políticas Públicas e Formação Humana, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) na Faculdade de Educação e na Pós- graduação do curso de Políticas Públicas em Direitos Humanos (PPDH). E-mail: constant.ela@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/8152875687861200 Bárbara Santos é Mestre em Políticas Públicas em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Assistente Social da Faculdade de Odontologia da UFRJ. E-mail: bmsilvasantos@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/4341723719171206 Mirna França da Silva Araújo é Mestre em Educação e Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Universidade de Brasília. Tem graduação em Pedagogia: Orientação Educacional, pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília UNICEUB. Atua como especialista em Educação: Orientadora Educacional, na Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (em licença - LIP). É Coordenadora do Projeto de Formação do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais /DGPE da Fundação Getulio Vargas. Trabalhou no Ministério da Educação, como Coordenadora Geral de Formação de Professores da Secretaria de Educação Básica (MEC). É membro do Grupo de Pesquisa Formação, Currículo, Tecnologia e Inovação - GEPFOCIT da Universidade de Brasília. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6539616188198232 15 http://lattes.cnpq.br/8152875687861200 http://lattes.cnpq.br/4341723719171206 http://lattes.cnpq.br/6539616188198232 16 TEXTO 2 O direito à educação como compromisso do Estado e da gestão escolar Suzane da Rocha Vieira Gonçalves Contextualizando o tema Essa tirinha da Mafalda nos provoca a pensar sobre o que fazemos na escola. Somos burocratas??? Acredito que não... Mas, por vezes, a gestão da escola pode recair sobre um viés mais burocratizante e menos pedagógico. Mesmo que tenhamos que lidar muitas vezes com burocracias, a gestão educacional mescla um papel administrativo e pedagógico na busca de caminhos e procedimentos que contribuam para a melhoria dos processos educativos desenvolvidos na escola. Os/as gestores/as escolares têm um papel de suma importância na organização, planejamento e desenvolvimento do trabalho pedagógico da escola. Cabe à gestão escolar administrar procedimentos, recursos, informações, assim como as políticas pedagógicas da escola, tendo sempre como objetivo garantir a formação integral das crianças, dos jovens e adultos, assegurando a melhoria da aprendizagem. Para a realização qualificada do trabalho dos/as gestores/as escolares, é fundamental que eles/as conheçam a legislação educacional e as normativas que estabelecem as políticas educacionais, a fim de poderem contribuir para a sua materialização no cotidiano escolar. Este texto é um convite a gestores/as para refletirem sobre a importância de conhecer a legislação que vem orientando o direito à educação e, consequentemente, o direito à alfabetização. Ao conhecermos o que estabelece a Constituição, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e o Plano Nacional de Educação (PNE), conseguimos lutar por aquilo que deveria ser assegurado como direito à população. Também compreendemos melhor o papel de programas e políticas educacionais e assim podemos nos instrumentalizar para atuar, como gestores/as da escola básica, de forma democrática e proativa, de modo a assegurar o direito à educação e, em especial, o direito à aprendizagem da leitura e da escrita pelas crianças brasileiras. É importante pensarmos que, ao longo da história da educação no Brasil, a alfabetização sempre foi um tema que provocou o Estado brasileiro a propor políticas que buscassem 17 oportunizar o acesso à leitura e à escrita como uma resposta às críticas ao analfabetismo. Com a abertura política, no início da década de 1980, após o período da ditadura militar, desencadeiam-se várias discussões em defesa de uma nova Constituição em um Estado democrático e de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação. A Constituição Federal, aprovada em 1988, apresenta um marco para a educação brasileira, ao estabelecer a educação como um direito social e um direito humano, isto é, de todas as pessoas. No texto constitucional, antes do capítulo da educação, afirma-se, no Art. 6º, que: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.A educação, ao ser definida como um direito social fundante e o primeiro na ordem apresentada no texto da Constituição, deixa em evidência sua relevância e centralidade para que possa haver cidadania e o pleno exercício da democracia. Na Constituição, no capítulo que trata da educação, Artigo 205, a educação é definida como um direito de todas as pessoas: “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Brasil, 1988). Assim, a partir da Constituição de 1988, podemos afirmar que a educação é um direito fundamental de todo cidadão e toda cidadã, pois está atrelado ao processo de desenvolvimento individual próprio da condição humana. Essa premissa constitucional nos leva a compreender que a educação vai para além da aprendizagem dos conteúdos escolares, pois também está implicada na formação integral do sujeito, em suas dimensões culturais, sociais, intelectuais, afetivas, entre outras. Por isso, o direito à educação significa assegurar o direito à aprendizagem da leitura e da escrita. A posição de Rivero (2002, p. 238) amplia os argumentos postos. Segundo ele, [...] o alfabetismo tem sido, por sua vez, frequentemente qualificado como “direito humano fundamental”, por constituir um bem inestimável para o indivíduo e para a sociedade como um todo. Um melhor nível de alfabetização representa um dos principais indicadores do estado de desenvolvimento humano de um país. No entanto, para influir na melhora dos distintos níveis da vida humana, a alfabetização precisa caminhar lado a lado com os demais fatores sociais. A garantia do direito à educação implica que todos e todas tenhamos acesso à escolarização. Por isso, desenvolver ações, programas e políticas voltados para o acesso à escolarização e à aprendizagem da leitura e da escrita é fundamental para a formação humana e cidadã. Nesse contexto, tanto o Estado como a escola têm um papel crucial para o desenvolvimento de ações que garantam processos de ensino e aprendizagem eficazes e de qualidade. Assim, cabe ao Estado propor e financiar políticas e programas que visem à melhoria da educação brasileira, e cabe aos gestores escolares coordenarem as ações pedagógicas e administrativas no contexto escolar, junto com os/as professores/as, para que as melhorias de fato ocorram no chão da sala de aula. 18 Contextualizando a LDB e o compromisso com a alfabetização A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei no 9394), aprovada em 1996, foi resultado de inúmeros debates realizados desde meados da década de 1980. Essa Lei é fundamental para o trabalho de todos/as os/as gestores/gestoras, pois é ela que orienta toda a Educação Nacional. Conhecer o que estabelece a LDB é importante para compreendermos o que é DEVER do Estado e o que é DIREITO do cidadão. No que se refere à Alfabetização, no documento de 1996, é no inciso I do Artigo 32 que se aponta que o Ensino Fundamental tem o compromisso com “o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo”. Passados mais de 25 anos da sua aprovação, a LDB passou por muitas modificações, entre as quais podemos citar a alteração do Ensino Fundamental de 8 para 9 anos, o que impactou a organização das escolas, com a inclusão de mais um ano no Ensino Fundamental. Além disso, houve a inclusão das crianças de 6 anos nessa etapa, trazendo uma nova perspectiva para pensar pedagogicamente o trabalho nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Em 2022, foi aprovada a Lei 14.407/2022, de autoria do deputado Hugo Leal (PSD- RJ), que incluiu o inciso XI no Artigo 4o da LDB. Esse inciso estabelece: “XI – alfabetização plena e capacitação gradual para a leitura ao longo da educação básica como requisitos indispensáveis para a efetivação dos direitos e objetivos de aprendizagem e para o desenvolvimento dos indivíduos”. A Lei inclui, junto ao Artigo 22 da LDB, um parágrafo único, conforme segue: Art. 22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. Parágrafo único. São objetivos precípuos da educação básica a alfabetização plena e a formação de leitores, como requisitos essenciais para o cumprimento das finalidades constantes do caput deste artigo. As mudanças realizadas no texto da LDB não apresentam alterações significativas para a Lei e para a garantia do direito à educação. É importante reconhecer que toda proposta que envolva a alfabetização é relevante, mas é preciso compreender efetivamente o que a nova redação acrescentou. A Lei 14.407/2022 trouxe acréscimos ao texto da LDB, no entanto, não houve mudança do teor da lei. Podemos dizer que a novidade está centrada nas expressões “alfabetização plena” e “aprendizagem gradual”. O sentido de ambas as expressões não é explicitado na Lei e são expressões vagas e ambíguas. Por isso, a inserção delas só reforça o compromisso com a alfabetização, mas não muda efetivamente as condições de operacionalização de sua garantia, pois tal mudança veio desacompanhada de práticas e políticas que cheguem ao chão da escola. Dessa forma, consideramos que tal mudança não traz impacto para a gestão da escola, uma vez que não apresenta alterações nem organizacionais nem pedagógicas, embora seja importante que os/as gestores/ as tenham conhecimento das mudanças e dos movimentos que ocorrem na política educacional. 19 Por fim, o que podemos sinalizar é que a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional apresenta proposições que visam atender ao direito à educação, conforme preconizado na Constituição, e que contempla a defesa da garantia da alfabetização para todas as pessoas. Cabe sinalizar que a materialização do indicado na Constituição e na LDB depende de políticas e programas que qualifiquem as condições de oferta da educação e que oportunizem formação aos professores e professoras, bem como para sua atuação na escola via desenvolvimento de um trabalho comprometido com a busca da garantia do direito à educação. Além disso, conhecer a legislação e o contexto de produção das normas e políticas é fundamental a todos/as os/as gestores/as, pois permite reconhecer o que é possível ser criado e proposto na escola. Ademais, ao conhecer a legislação e as políticas e programas vigentes, o/a gestor/a terá elementos necessários para exigir da mantenedora e dos órgãos públicos as condições para a materialização dos direitos estabelecidos em lei. Sem ter pleno conhecimento das leis, dificilmente os/as gestores/as têm recursos discursivos suficientes para batalhar pelas condições objetivas de trabalho, necessárias para garantir uma escola de qualidade. Lembrando que, de acordo com Oliveira e Assunção (2010, s/p.): [...] condições de trabalho designa o conjunto de recursos que possibilitam a realização do trabalho, envolvendo as instalações físicas, os materiais e insumos disponíveis, os equipamentos e meios de realização das atividades e outros tipos de apoio necessários, dependendo da natureza da produção. Nesse sentido, a gestão escolar, sabedora das exigências legais, deve buscar constituir na escola as condições para que os docentes tenham a formação continuada e as condições materiais necessárias para o desenvolvimento do seu trabalho educativo. Olhando para o PNE e a alfabetização O Plano Nacional de Educação (PNE) é uma exigência do Artigo 214 da Constituição Federal. É um documento que apresenta um planejamento para a Educação Nacional e estabelece um conjunto de metas e estratégias que visam estabelecer as áreas estratégicas para a melhoria da qualidade e oferta da educação. Cada Plano tem a duração de 10 anos. O primeiro PNE foi aprovado em 2001 e apresentouum conjunto de objetivos e metas para a Educação Nacional. O PNE 2001-2011 não trouxe estratégias muito claras e foi criticado como sendo uma carta de intenções, e não um Plano. Já o segundo, o PNE 2014- 2024 resultou de um amplo debate nacional nas conferências de educação e apresentou um conjunto de 20 metas, as quais se desdobram em estratégias que buscam atingir o objetivo proposto em cada meta. O Dicionário de verbetes - Gestrado está on-line. https:// gestrado.net. br/dicionario- de-verbetes/ https://gestrado.net.br/dicionario-de-verbetes/ https://gestrado.net.br/dicionario-de-verbetes/ https://gestrado.net.br/dicionario-de-verbetes/ https://gestrado.net.br/dicionario-de-verbetes/ 20 A meta 5 do PNE 2014-2024 estabelece: “alfabetizar todas as crianças até oito anos de idade”. Segundo Oliveira, Pinho e Senna (2022, p. 336), [...] na avaliação técnica dessa meta, declara-se que, apesar do processo de alfabetização e de letramento serem processos longos, é possível que, após cinco anos de escolarização formal, as crianças, aos oito anos, teriam atingido “um domínio satisfatório do sistema ortográfico” e desenvolvido “habilidades de escrita como, por exemplo, escrever um bilhete ou anotar um recado”. Os cinco anos de escolarização a que se refere o texto incluem, além dos três primeiros anos do Ensino Fundamental, dois anos na Educação Infantil. Para que essa meta seja atingida, foram elencadas cinco estratégias, dentre as quais, a criação de um instrumento de avaliação periódica para aferir a alfabetização das crianças e estimular que os demais níveis de governo construam meios para monitorar e avaliar as medidas pedagógicas para a alfabetização de todos os estudantes ao final do 3º ano do Ensino Fundamental. Podemos observar que lá no PNE 2001-2011, ainda que sendo um plano frágil, havia a indicação da ampliação do Ensino Fundamental de 8 para 9 anos. Em 2005, foi aprovada a Lei 11.114/2005, que tornou obrigatório o início do Ensino Fundamental aos seis anos de idade. Essa Lei desencadeou a definição de uma série de resoluções e pareceres no âmbito do Governo Federal, com intuito de regulamentar a inclusão das crianças no Ensino Fundamental, abrindo caminhos para a ampliação do tempo de duração de 8 para 9 anos de escolarização no Fundamental. Importante destacar o Parecer CNE/CEB nº 06/2005, que propôs o estabelecimento de normas para a ampliação do Ensino Fundamental para 9 anos e a Resolução CNE/CEB nº 03/2005, que fixou as normas nacionais para a ampliação. A ampliação do Ensino Fundamental é materializada na Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, que altera a LDB, dispondo sobre a duração de nove anos para o Ensino Fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos seis anos de idade. A partir da aprovação da Lei 11.274/2006, o Conselho Nacional de Educação aprovou novas Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental de 9 anos, que, em seu Artigo 30, indica que nos três primeiros anos do Ensino Fundamental deve ser assegurada a alfabetização e o letramento. Com tais mudanças, temos um maior número de crianças de 6 anos de idade matriculadas no Ensino Fundamental. Boa parte das crianças que passam a frequentar o Ensino Fundamental pela primeira vez, com essa idade, são, em sua maioria, pertencentes aos setores populares, tendo em vista que parte das crianças com maior poder aquisitivo já frequentavam pré-escolas ou mesmo a 1ª série do Ensino Fundamental. Para Saveli (2008, p. 68), “a inserção da criança das classes populares mais cedo na escola obrigatória permite à mesma uma familiarização mais precoce com um universo cultural mais amplo, o que possibilita melhores condições para o seu aprendizado, especialmente, da leitura e da escrita”. Com a política de inclusão das crianças de 6 anos no processo de escolarização deu- se um importante passo para a garantia do direito à educação. Mas se fez necessário discutir o novo currículo que passava a contemplar as crianças menores no Ensino Fundamental, além de se oportunizar formação aos/às gestores/as e professores/as, para que eles/as estivessem capacitados para implementar e coordenar as mudanças em curso. 21 As políticas de alfabetização como meios para a garantia do direito à educação Desde a Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases de 1996, foram propostos pelo Ministério da Educação alguns programas de formação de professores com foco na alfabetização. Tais programas oportunizaram que se ampliasse o direito à formação continuada e, pela grande abrangência de número de participantes, vêm gerando mais garantias para sua execução. Além disso, vêm oferecendo espaço para reflexões sobre como gestores/as podem atuar, no sentido de assegurar melhores condições para a participação dos/as professores e professoras, e promovendo ações coletivas de melhoria do ensino e da aprendizagem. Os/As gestores/as escolares, em especial aqueles/as que atuam na coordenação pedagógica, desempenham um papel importante na implementação de mudanças curriculares, pedagógicas ou institucionais. São eles/as que auxiliam e apoiam os/as professores/as a se adaptarem e a integrarem as mudanças de maneira eficaz em sua prática. Dessa forma, conhecer a legislação, as normativas, as políticas e os programas é fundamental para que as orientações desses documentos e ações cheguem no cotidiano escolar e possam ser materializadas a partir de uma concepção crítico-reflexiva junto com os/as professores/as. O papel da coordenação pedagógica tem fundamental importância para que mudanças ocorram no contexto escolar, tendo em vista que o Coordenador Pedagógico responde pela integração e articulação do trabalho pedagógico na escola (Libâneo, 2001). A coordenação pedagógica precisa acompanhar a implementação das políticas, para que possa auxiliar os/as professores/as no desenvolvimento do seu fazer pedagógico, tendo em vista que cabe à coordenação acompanhar o planejamento dos/as professores/as, zelando pelo cumprimento curricular e pela aprendizagem das crianças, bem como atuar na formação continuada dos/as professores/as no ambiente escolar. Em 2023, por meio do Decreto 11.566, foi instituído o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, mais uma política do Ministério da Educação, com foco na alfabetização. O Compromisso Nacional Criança Alfabetizada é uma política que visa garantir o direito à alfabetização das crianças brasileiras, elemento estruturante para a construção de trajetórias escolares bem-sucedidas. A política tem como objetivos, segundo seu Artigo 5º, implementar políticas, programas e ações para que as crianças brasileiras estejam alfabetizadas ao final do 2º ano do Ensino Fundamental; e promover medidas para a recomposição das aprendizagens, com foco na alfabetização, na ampliação e no aprofundamento das competências em leitura e escrita das crianças matriculadas na rede de ensino, até o final dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, prioritariamente aquelas que não alcançaram os padrões adequados de alfabetização até o 2º ano do Ensino Fundamental. O governo federal prevê a adesão dos entes federados ao Compromisso Nacional Criança Alfabetizada. À União caberá subsidiar e coordenar nacionalmente as ações do Programa. Cada estado e município terá autonomia e protagonismo para definir e estabelecer as ações do Programa, compatíveis com as necessidades e as realidades da sua região. Assim, caberá aos estados a elaboração de uma Política Territorial de Formação, envolvendo os profissionais da rede estadual e municipal. Também será necessário pactuar a formação de profissionais das redes municipais com cada município e, por fim, 22 operacionalizar as ações formativas. Aos municípios caberá aderir à política estadual ou criar sua própria Política Municipal de Formação e desenvolver a formação em sua rede. Importante destacar que o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, segundo o governo federal, está fundamentadoem dados e diretrizes indicadas na pesquisa Alfabetiza Brasil, desenvolvida pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Os dados do estudo revelaram que, a partir da pandemia da COVID-19, houve uma queda no número de crianças que podem ser consideradas alfabetizadas no 2º ano do Ensino Fundamental. Com isso, o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada visa promover, por meio de políticas regionais, a formação de professores/as e financiar a disponibilização de recursos de materiais didáticos complementares e pedagógicos, bem como possibilitar a melhoria e expansão da infraestrutura escolar. No conjunto de ações mais amplas, a formação de professores/as é muito importante, ainda mais em um momento de mudanças significativas na organização escolar, envolvendo a ampliação do Ensino Fundamental de 9 anos, a aprovação da BNCC e, recentemente, o fato de termos vivido uma pandemia. No entanto, como bem alerta Martiniak (2015, p. 60), os programas de formação continuada não podem ser vistos como soluções mágicas para os problemas educacionais de nossa sociedade. Eles se constituem em momentos em que os professores têm oportunidades de contato com colegas para troca de experiências, discussão das questões que enfrentam no cotidiano e construção de conhecimentos que podem contribuir com práticas pedagógicas significativas. Neste aspecto, a formação continuada legitima o desenvolvimento profissional quando possibilita ao professor refletir sobre a prática pedagógica, tornando-o protagonista de sua atuação ao mesmo tempo em que potencializa o desenvolvimento institucional. É preciso reforçar que não basta apenas focar na formação dos/as professores/as alfabetizadores/as. É preciso investir nas condições de trabalho desses profissionais e contar com o apoio e acompanhamento sistemático da coordenação pedagógica da escola. Cabe à gestão da escola possibilitar condições objetivas em cada instituição educativa escolar para que todas as potencialidades no trabalho educativo sejam desenvolvidas. É toda uma engrenagem que precisa ser mobilizada para que possamos efetivamente conseguir garantir a apropriação da leitura e da escrita e a conquista do direito à educação. Em síntese Buscamos, ao longo do texto, evidenciar o quanto a busca pelo direito à educação, com foco na alfabetização de todos e todas, tem sido perseguida pelas políticas educacionais brasileiras que, desde a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, vêm propondo programas e políticas nacionais de alfabetização, envolvendo ações de gestão e formação. 23 O direito à educação, que é um direito humano fundamental, inclui o direito à alfabetização. Desse modo, cabe aos governos e às escolas e seus profissionais o compromisso e a responsabilidade de garantir que todos/as tenham acesso a uma educação de qualidade que inclua a alfabetização. Os dados de analfabetismo evidenciam a negligência no cumprimento do direito à educação. Os dados nacionais apontaram que em alguns momentos históricos tivemos avanço, mas mudanças de governo e a descontinuidade das políticas e dos programas por vezes nos levam a retroceder nos indicadores nacionais. Garantir que todas as pessoas sejam alfabetizadas, para além de um direito constitucional, significa oportunizar o desenvolvimento humano e cidadão, que é condição para a participação plena em sociedade. Sem o domínio da leitura e da escrita, as pessoas enfrentam barreiras significativas para acessar informações, garantir seus direitos e buscar oportunidades educacionais e profissionais. Temos 27 anos de obrigatoriedade de matrícula e oferta do Ensino Fundamental. Em um país desigual como o Brasil, podemos considerar que temos avançado na busca do direito à educação, mas ainda não conquistamos muita coisa, entre elas ter 100% das crianças matriculadas em nossas escolas alfabetizadas. Ao Estado cabe a responsabilidade de garantia desse direito. Mas não podemos esquecer que a escola, gestores/as e professores/as têm um papel importante na garantia do compromisso de que todos e todas estejam alfabetizados/as. A escola desempenha um papel essencial na garantia da alfabetização. É preciso que ela ofereça um ambiente de aprendizagem rico, que busque metodologias e estratégias de ensino e aprendizagem significativas para as crianças, que apoie os/as professores/as e as famílias na busca da aprendizagem das crianças. Não há dúvidas: se todos/as nós fizermos parte dessa grande engrenagem, realizando o que nos compete, certamente avançaremos muito na conquista pelo direito à educação. 24 Referências BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2024]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 1 jan. 2025. BRASIL. Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006. Altera a redação dos art. 29, 30, 32 e 87 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o EnsinoFundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. 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