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André do Nascimento Barbosa 4 Trabalho e energia eletrostáticas Como estamos lidando fundamentalmente com uma força, temos que pensar também em outras quantidades que são corriqueiras no estudo da mecânica. Vamos analisar agora o trabalho necessário para movimentar cargas quando estas estão sob ação de um campo e também a energia armazenada uma vez que após fixar as partículas carregadas, o sistema final tem uma energia líquida bem definida. Lembramos primeiro que o trabalho de uma força qualquer é dada pela integral de linha abaixo: W = C F ·ⅆ r (1) Vamos analisar a equação (1) no escopo da eletrostática e suas consequências. Vale lembrar também que o campo eletrostático tem natureza conservativa, então podemos lançar mão de todo o desenvolvimento que fizemos de potencial elétrico e as conveniências desse resultado para estudar a questão do trabalho da força elétrica. 4.1 Trabalho realizado para movimentar uma carga Suponha que temos que movimentar uma carga que esteja sujeita à um campo elétrico arbitrário de um ponto A até B ao longo de um caminho qualquer C. Sabemos que a força elétrica pode ser representada como o produto da carga pelo campo: F = q ·E (2) Preste atenção, queremos movimentar a carga que está sob ação deste campo, não será o campo em si que vai movimentar a carga. Pense no caso de levantar um corpo sob ação da força da gravidade desde o solo até uma altura qualquer. Sabemos que, para manter o corpo à aquela altura, a força necessária será a mesma que a força peso em magnetude porém com sentido oposto (Leis de Newton!). Aqui, teremos a mesma situação! Estamos trabalhando contra o campo elétrico, que em analogia faria o papel da força da gravidade. Sendo assim, a força que irá posicionar a carga terá um sinal oposto. Sendo assim, a integral do trabalho será W = -q C E ·ⅆ r (3) Entretanto, sabemos também que o campo elétrico pode ser representado como o gradiente do potencial mais um sinal negativo: E = -∇V Subistituindo a forma do campo em (3), W = -q C E ·ⅆ r = q C ∇V ·ⅆ r = q[V (B) - V (A)] De forma compacta, W = q ΔV (4) Assim, o trabalho que devemos realizar para mover uma carga sob influencia de um campo deve ser dada pela equação (4). Podemos definir a diferença de potencial a partir da equação (4): ΔV = W q (d .d .p) A a diferença de potencial entre dois pontos é igual ao trabalho por unidade de carga para transportar uma partícula em uma região com campo elétrico. Considerando o ponto de referencia no infinito ( onde V(∞) = 0 ), teremos W = q V (r) (5) 4.2 Energia eletrostática de cargas discretas Agora, suponha uma situação onde queiramos juntar uma quantidade de cargas em uma determinada região. Considerando a condição (5), sabemos que o trabalho realizado para colocar a primeira particula vai ser nulo: W1 = 0 Este resultado é pelo fato de não existir nenhum campo elétrico previamente no lugar onde posicionamos a primeira carga. Para a segunda partícula, teremos o fato que existirá o campo de interação entre a partícula um e dois, sendo assim, o trabalho será dado por W2 = q2 4 πϵ0 q1|| r2 - r1 || Para a terceira carga, basta usar o princípio de superposição para os potenciais W3 = q3 4 πϵ0 q1|| r3 - r1 || + q2|| r3 - r2 || Se continuarmos a usar o princípio de superposição até a última carga que queremos fixar, é fácil ver que este processo se repete: Wn = qn 4 πϵ0 q1|| rn - r1 || + q2|| rn - r2 || + ... + qn-1|| rn - rn-1 || Assim, o trabalho total para reunir todas as cargas será a soma de Wn = ∑iWi. Por exemplo, o trabalho total para fixar 3 cargas será dado por W = 1 4 πϵ0 q2 q1|| r2 - r1 || + q3 q1|| r3 - r1 || + q2|| r3 - r2 || = 14 πϵ0 q1 q2|| r2 - r1 || + q1 q3|| r3 - r1 || + q2 q3|| r3 - r2 || Para o caso de quatro cargas, é lógico que vamos seguir o mesma linha de pensamento. Primeiro, vamos escrever o trabalho para fixa-la: W4 = q4 4 πϵ0 q1|| r4 - r1 || + q2|| r4 - r2 || + q3|| r4 - r3 || Somando cada uma das contribuições, vamos obter o seguinte resultado: W = 1 4 πϵ0 q2 q1|| r2 - r1 || + q3 q1|| r3 - r1 || + q2|| r3 - r2 || + q4 q1|| r4 - r1 || + q2|| r4 - r2 || + q3|| r4 - r3 || = W = 1 4 πϵ0 q2 q1|| r2 - r1 || + q3 q1|| r3 - r1 || + q3 q2|| r3 - r2 || + q4 q1|| r4 - r1 || + q4 q2|| r4 - r2 || + q4 q3|| r4 - r3 || A regra geral será dada pelo duplo somatório abaixo: W = 1 2 1 4 πϵ0 i=1 n j=1 j≠i n qi q j|| ri - r j || Como exemplo, vamos expandir ele até a quarta carga e compara-lo ao resultado anterior. W = 1 2 1 4 πϵ0 i=1 n j=1 j≠i n qi q j|| ri - r j || = 18 πϵ0 i=1 n qi q1|| ri - r1 || +i=1 n qi q2|| ri - r2 || +i=1 n qi q3|| ri - r3 || +i=1 n qi q4|| ri - r4 || = 1 8 πϵ0 q2 q1|| r2 - r1 || + q3 q1|| r3 - r1 || + q4 q1|| r4 - r1 || + + q1 q2|| r1 - r2 || + q3 q2|| r3 - r2 || + q4 q2|| r4 - r2 || + q1 q3|| r1 - r3 || + q2 q3|| r2 - r3 || + q4 q3|| r4 - r3 || + q1 q4|| r1 - r4 || + q2 q4|| r2 - r4 || + q3 q4|| r3 - r4 || = = 1 8 πϵ0 2 q2 q1|| r2 - r1 || + 2 q3 q1|| r3 - r1 || + 2 q4 q1|| r4 - r1 || + 2 q3 q2|| r3 - r2 || + 2 q4 q2|| r4 - r2 || + 2 q4 q3|| r4 - r3 || = ∴W = 1 4 πϵ0 q2 q1|| r2 - r1 || + q3 q1|| r3 - r1 || + q4 q1|| r4 - r1 || + q3 q2|| r3 - r2 || + q4 q2|| r4 - r2 || + q4 q3|| r4 - r3 || Obtivemos o mesmo resultado, como o esperado! Observe que contamos duas vezes cada contribuição, isso explica o fato de termos que dividir por dois a nossa regra geral. Podemos ainda escrever a energia na seguinte forma abaixo: 2 4 Trabalho e energia eletrostáticas.nb W = 1 2 i=1 n qi j=1 j≠i n 1 4 πϵ0 q j|| ri - r j || Onde identificamos o termo entre parênteses como a soma dos potenciais de cada carga (princípio de superposição), de uma maneira mais simplificada, obtemos finalmente W = 1 2 i=1 n qi V (ri) (6) Que é o nosso resultado final para a energia em uma distribuição discreta de cargas. Observe que esta energia foi “armazenda” pelo fato de que um trabalho externo foi realizado para coloca-las em suas posições. 4.3 Energia eletrostática de uma distribuição contínua de cargas Aplicando um limite adequado na equação (6), obtemos a seguinte integral para a energia eletrostática: W = 1 2 i=1 n qi V (ri)⟹ 1 2 V ⅆq ' entretanto, lembrando que a densidade de uma distribuição contínua é dada porⅆq 'ⅆV 'volume = ρ Obtemos para a energia eletrostática a seguinte integral no volume: W = 1 2 V ' V · ρ ⅆV 'volume (7) Vamos desenvolver um pouco mais a equação (7) lançando mão da lei de Gauss. Lembrando do fato queρ = ϵ0 ∇ ·E Subistituindo em (7), obtemos W = ϵ0 2 V ' V ∇ ·E ⅆV 'volume Para desenvolver a integral acima, vamos analisar o operador nabla aplicado em uma função de acordo com a regra do produto abaixo:∇ · f A = f ∇ ·A + A(∇ f )∴ f ∇ ·A = ∇ · f A - A(∇ f ) Integrando no volume a segunda linha deste desenvolvimento, obtemos V f ∇ ·A ⅆVvolume = V ∇ · f A ⅆVvolume - V A(∇ f ) ⅆVvolume = = V ∇ · f A ⅆVvolume = V f ∇ ·A ⅆVvolume + V A(∇ f ) ⅆVvolume Entretanto, sabemos do teorema de Gauss da análise vetorial que a integral do lado esquerdo pode ser substituida por V ∇ · f A ⅆVvolume = S f A ·ⅆS Logo, 4 Trabalho e energia eletrostáticas.nb 3 V f ∇ ·A ⅆVvolume = S f A ·ⅆS - V A(∇ f ) ⅆVvolume (8) Vamos usar a equação (8) e reescrever (7): W = 1 2 V ' V · ρ ⅆV 'volume = ϵ0 2 V ' V ∇ ·E ⅆV 'volume = S ' V E ·ⅆS ' - V ' E(∇V ) ⅆV 'volume Lembrando que ∇V = -E, W = V ' E2 ⅆV 'volume + S ' V E ·ⅆS ' (9) Quando integramos sobre todo o espaço, a segunda integral desaparece (Por que?), então W = ϵ0 2 Todo o espaço E2 ⅆV (10) Sugestão de leitura: Griffiths e Reitz.4.4 Exemplos Agora, vamos aplicar as equações que encontramos e calcular a energia eletrostática de algumas distribuições discretas e contínuas de cargas. Preste atenção que temos duas equações diferentes para o cálculo da energia eletrostática para distribuições continuas, vamos mostrar que, apesar de uma abordagem diferente, podemos ver que acabamos obtendo o mesmo resultado. Uma questão a levantar é: Onde está armazenda toda esta energia, afinal? Exemplo 1: Energia eletrostática armazenada por quatro cargas de valor “q” dispostas em um quadrado de lado a. Vamos utilizar o método desenvolvido para calcular a energia deste sistema. Primeiro, vamos desenhar um esquema que possa representar este conjunto de cargas: a 0 x y q 2 q 3 q 4 q 1 a 2 Cargas dispostas em um quadrado. Solução: Usando a equação (6), podemos calcular a energia para este conjunto de cargas diretamente. Sendo assim, temos W = 1 2 i=1 4 qi V (ri) = 1 2 i=1 4 qi j=1 j≠i 4 1 4 πϵ0 q j|| ri - r j || = 4 4 Trabalho e energia eletrostáticas.nb = 1 8 πϵ0 j=1 j≠1 4 qi q1|| ri - r1 || +j=1 j≠2 4 qi q2|| ri - r2 || +j=1 j≠3 4 qi q3|| ri - r3 || +j=1 j≠4 4 qi q4|| ri - r4 || = 1 8 πϵ0 q2 q1|| r2 - r1 || + q3 q1|| r3 - r1 || + q4 q1|| r4 - r1 || + + q1 q2|| r1 - r2 || + q3 q2|| r3 - r2 || + q4 q2|| r4 - r2 || + q1 q3|| r1 - r3 || + q2 q3|| r2 - r3 || + q4 q3|| r4 - r3 || + q1 q4|| r1 - r4 || + q3 q4|| r3 - r4 || + q2 q4|| r2 - r4 || = Usando as informações do esquema, obtemos para essa disposição de cargas W = 1 8 πϵ0 q2 q1a + q3 q1a 2 + q4 q1a + q1 q2a + q3 q2a + q4 q2a 2 + + q1 q3 a 2 + q2 q3 a + q4 q3 a + q1 q4 a + q3 q4 a + q2 q4 a 2 Somando os termos iguais W = 1 4 πϵ0 q2 q1a + q3 q1a 2 + q4 q1a + q3 q2a + q4 q2a 2 + q4 q3a = W = q24 + 2 4 πϵ0 a J Exemplo 2: Três cargas dispostas nos vértices de um quadrado, cargas com sinais trocados. Qual será o trabalho necessário para trazer uma quarta carga +q no vértice vago? Como no exemplo anterior, vamos usar a equação de energia para o caso discreto. Aqui, temos o seguinte esquema para a disposição de cargas: a 0 x y q2 = -q q3 =q1 = q a 2 Cargas dispostas em um quadrado. Solução: Vamos calcular o potencial no ponto (a,a) usando o princípio de superposição: V (a, a) =Vi = q 4 πϵ0 1a 2 - 2a 4 Trabalho e energia eletrostáticas.nb 5 Sabendo que W4 = q4 ·V (a, a) Como resposta, vamos obter W4 = q2 4 πϵ0 a 12 - 2 J Qual seria a energia armazenada pelo conjunto de cargas inicialmente? Usando a equação (6), W = 1 8 πϵ0 i=1 3 qi j=1 j≠i 3 q j|| ri - r j || = 18 πϵ0 q1 j=1 j≠1 3 q j|| r1 - r j || + q2 j=1 j≠2 3 q j|| r2 - r j || + q3 j=1 j≠3 3 q j|| r3 - r j || = = 1 8 πϵ0 q1 q2|| r1 - r2 || + q3|| r1 - r3 || + q2 q1|| r2 - r1 || + q3|| r2 - r3 || + q3 q1|| r3 - r1 || + q2|| r3 - r2 || = 1 4 πϵ0 q1 q2|| r1 - r2 || + q1 q3|| r1 - r3 || + q2 q3|| r2 - r3 || = q 2 4 πϵ0 a -2 + 12 Wsistema = q2 4 πϵ0 a 12 - 2 J Então, a energia armazenda pelo conjunto é identica ao trabalho realizado para fixar a quarta carga! Este resultado é interessante, pois temos uma equivalência entre o trabalho e uma “energia potencial” contida no sistema anteriormente. Agora, qual o trabalho necessário para agrupar o conjunto inteiro de cargas? Fixando a quarta carga, temos um adicional que é exatamente o dobro da energia anterior, sendo assim Wtotal =Wsistema +W4 = 2 q2 4 πϵ0 a 12 - 2 J Exemplo 3: Energia eletrostática de uma esfera oca carregada de densidade uniforme. Neste tipo de exercicio, podemos utilizar as duas equações que temos para o cálculo da energia, não custa repetir elas abaixo: W = 1 2 q' V ·ⅆq W = ϵ0 2 Todo o espaço E2 ⅆV Vamos resolver este problema das duas formas. Solução: Utilizando a primeira equação, basta substituir o potencial para uma esfera uniforme e integrar sobre a superfície (lembrando que é uma simpificação do caso geral) que contém as cargas: W = 1 2 Q V ·ⅆq ' Lembrando que a densidade superficial de cargas é dada por ⅆq 'ⅆS ' = ρ 6 4 Trabalho e energia eletrostáticas.nb substituindo na integral para a energia W = 1 2 S ' ρV ·ⅆS ' Lembrando que o potencial na superfície da esfera é dado por um valor constante: V = Q 8 πϵ0 R Substituimos este valor na integral da energia: W = Q 8 πϵ0 R S ' ρ ·ⅆS ' A integral acima é trivial, ela vai dar a carga total da esfera oca! Sendo assim, a energia será ∴W = Q2 8 πϵ0 R J Vamos utilizar a segunda integral e confirmar que este método pode ser usado da mesma maneira que o outro: W = ϵ0 2 Todo o espaço E2 ⅆV Lembrando que o campo elétrico da esfera é dado por E = 0 (dentro da esfera), E = Q 4 πϵ0 r3 r (fora da esfera) Montando a integral, W = ϵ0 2 Todo o espaço E2 ⅆV = ϵ0 2 0 R (Edentro)2 4 π r2 ⅆ r + ϵ0 2 R ∞ (Efora)2 4 π r2 ⅆ r = = 0 + ϵ0 2 R ∞ Q 4 πϵ0 r2 2 4 π r2 ⅆ r = Q28 πϵ0 R ∞ 1 r2 ⅆ r = Q2 8 πϵ0 - 1∞ + 1R W = Q2 8 πϵ0 R J Obtemos portanto o mesmo resultado. É importante lembrar que para usarmos a segunda equação, temos que integrar sobre todo o espaço, por isso i limite superior foi para infinito na integral! 4 Trabalho e energia eletrostáticas.nb 7
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