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MAUÁ: EMPRESÁRIO DO IMPÉRIO

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Prévia do material em texto

MAUÁ, EMPRESÁRIO DO IMPÉRIO
Jorge Caldeira
***
Irineu Evangelista de Sousa, o barão e visconde de Mauá
Projeto gráfico
Hélio de Almeida
2.' reimpressão
Copyright 0c 1995 by Jorge Caldeira
Capa:
Hélio de Almeida
Tratamento gráfico da capa:
Graplibox
índice remissivo:
valter Ponte
Revisão:
Cecília Ramos
Lhailia MtOnioli
Ma Paula Cardoso
Projeto incentivado pelo
Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC)
1-10 Ministério da Cultura
Todos os direitos desta edição reservados à Ed
 RUA Tupi,
0 1233-000 - São Paulo - SP
Telefone: (0 11) 826- 1822 i
Fax: (011) 826-5523
Um sonho de elo entre gerações:
SUMÁRIO
 1. Os dois imperadores 11
 2. Visão do paraíso 23
 3. Fé, lei e rei 36
 4. Os limites do homem 46
 5. Profissão: caixeiro 55
 6. Tráfico na corte 71
 7. A arte do comércio 86
 8. Independência e morte 97
 9. A ciência do comércio 109
 10. Uma sensação de poder 123
 11. Os subterrâneos da propriedade 136
 12. Aprendiz de feiticeiro 147
 13. Liberalismo de resultados 158
 14. Hora de mudanças 168
 15. Ponta de areia, ponto de partida 180
 16. Agente secreto 193
 17. Conflitos e decisões 209
 18. Surge o banqueiro 220
 19. Vitórias no Sul, problemas no Norte 231
 20. Empresário sem calças 241
 21. E o imperador se curvou 251
 22. Deleites imperiais 262
 23. O augusto pensamento 272
 24. Barão de Mauá 283
 25. Máquinas e brasões 294
 26. O retorno de Itaboraí 305
 27. Interesse e glória 315
 28. Bye bye, Brazil 328
 29. A filosofia da especulação 339
30. O realismo dos idealistas e os ideais realistas ..................
31. Multinacional contra a escassez ........
32. O mapa do perigo ...................
33. Pressado e pasturo ...................
34. Um banqueiro contra dois governos ....
35. Guerra total ........................
36. Usando a força do inimigo ............
37. Responsabilidade: o nome do mal ......
38. Créditos de liquidação duvidosa .......
 39. A honra dos derrotados 462
 40. O lento recomeço 472
 41. Visconde de Mauá 485
 42. Moratória 495
 43. Em leão deitado até burro dá coice 505
 44. Falência 5
 45. De novo honrado 527
 46. A morte e o baile 537
 História deste livro 543
Nota para historiadores ..............
índice onomástico ...................
NOTA
SOBRE VALORES
 Na medida do possível, todos os valores citados neste livro estão comparados com outros da 
mesma época - em geral, do mesmo ano. Tomei esse partido visando
qualificar melhor uma proporção entre os números e o momento. Os números comparados visam 
dar uma idéia do que representavam; muitas vezes, bem mais do que a simples atualização 
indicaria.
 Resisti à tentação de atualizar os valores ainda por outras razões fortes: inexistência de 
indexadores seguros de moedas muito instáveis, como o mil-réis
dos tempos da Regência ou os pesos uruguaios antes de 1870; falta de estabilidade da moeda 
brasileira, que em pouco tempo pode tornar obsoletos os valores atualizados; 
mudanças via relação de valor mesmo entre moedas fortes.
 Mas, acima de tudo, mantive os valores para que pudesse ser mais bem compreendida a 
extensão dos negócios do visconde de Mauá; até hoje, não houve nada 
comparável a eles no Brasil.
OS DOIS IMPERADORES
 Rio de Janeiro, segunda-feira, 7 de janeiro de 1861, quatro horas da tarde. Irineu Evangelista de 
Sousa, barão de Mauá, voltou para casa depois do primeiro dia de trabalho da semana e 
submeteu-se ao assalto rotineiro. Assim que a carruagem que o trazia do escritório apontava no 
portão do palacete de São Cristóvão, as seis crianças da casa corriam para o saguão de entrada. 
Enquanto o lacaio abria a porta para ele descer, o cerco se arma va. O primeiro pé posto dentro 
de casa funcionava como sinal para o início do ataque. As crianças faziam o cerco, indo direto ao 
ponto: todas enfiavam avidamente as pequenas mãos nos bolsos da casaca, da calça e do colete.
Treinadas pela repetição diária da cena, eram rápidas em atingir o alvo. Ignoravam objetos sem 
interesse como a carteira e o relógio, mas não deixavam sobrar nenhuma das balas e guloseimas 
compradas nas melhores confeitarias da cidade. E enquanto se esbaldavam, formava-se a platéia 
do escrutínio. As três mulheres da casa chegavam para ver a cena, com um olhar bem menos 
inocente que o dos atacantes. O resto do dia iria depender de certos detalhes da cerimônia, que 
nunca escapavam a seus olhares. Sabiam ler, nos menores gestos do barão, tudo sobre seu humor, 
sujeito a chuvas e trovoadas. Para elas, observar a incursão das crianças equivalia a consultar um 
termômetro, que indicava com precisão a atmosfera da casa nas horas seguintes. 
 A agilidade de movimentos e a capacidade de resistência aos ataques revelavam o estado geral 
do recém-chegado. Magro, mais alto do que baixo, 47 anos completados uma semana antes, 
muito saudável, o barão podia, quando sentia vontade, prolongar bastante a duração da batalha: 
se esquivava de golpes, afastava mãos mais afoitas dos cobiçados bolsos, exigia beijos para 
liberar seu estoque, brincava com as crianças - eram todos sinais positivos, a serem 
comemorados. Quando ficava meio parado, facilitando as buscas e economizando afagos, o que 
também acontecia, disparava o sinal de alerta. Nesse caso, elas tratavam logo de analisar melhor 
seu semblante, avaliando a extensão da tragédia. Os olhos claros e miúdos, um pouco afundados 
num rosto marcado por uma boca reta, grande apesar dos lábios finos, diziam muito. Por eles, 
irradiava-se seu humor. Nos dias ruins ficavam baços, perdidos, dando-lhe um ar distante e 
amalucado. Seu olhar flutuava em meio à agitação infantil. Olhava mas não Via, e as perguntas 
dos pequenos muitas vezes caíam no vazio - mesmo quando berradas a centímetros de seus 
ouvidos. Para as mulheres, esta cena dizia tudo: os negócios andavam complicados, o final do 
dia seria pesado.
 Então não havia remédio. Desvencilhando-se das crianças, o barão cumprimentava rapidamente 
a mãe, a irmã e a mulher, que já sabiam como agir. Para evitar um mal maior, nessas ocasiões 
incomodavam-no o menos possível, economizando perguntas e não tocando em problemas 
domésticos. No máximo, se não fossem solicitadas, ficavam com ele enquanto soltava a gravata 
e tirava a casaca com pressa. O mau humor dava-lhe um sentimento de urgência, que só se 
desfazia na solidão do escritório. 
Nos dias de tempestade, sempre corria a se refugiar ali. Sabendo disso, as mulheres garantiam o 
silêncio das crianças, o que evitava aborrecimentos maiores. Cessadas as atividades domésticas, 
ele acionava uma rotina especial para espantar seus fantasmas. Andava em círculos, mãos nas 
costas e passo nervoso, murmurando frases desconexas em português misturadas com palavrões 
e expressões de matemática financeira em inglês. Sozinho, lutava em imaginação contra seus 
adversários. Nunca explicava ao resto da família os motivos da tormenta, que considerava 
complicados demais para serem entendidos por leigos. E ninguém, a não ser ele mesmo, podia 
determinar o momento de dar por encerradas as importantes reflexões que o afastavam do 
convívio cotidiano. Só depois de vencida a batalha ele se dignava a atentar para o que se passava 
ao seu redor - muitas vezes, apenas o silêncio da madrugada.
 Temerosas desses dias, as mulheres sempre acompanhavam a cena do assalto com alguma 
ansiedade - mesmo nas piores situações, Mauá nunca deixava de trazer as balas para as crianças. 
Assim, ao menos sabiam o que fazer. Naquela segunda-feira do início de 1861, bastou uma 
rápida verificação para que o fantasma dos dias ruins se dissipasse. Pelo visto, os negócios 
andavam bem. O barão tinha um olhar muito vivo e nenhuma pressa. Notava cada pequena 
mudança nos filhos: uma roupa nova, um arranhão, uma cara triste. A conversafluía, ele gastava 
tempo com brincadeiras, provocava risos, dissipava preocupações, perdoava traquinagens. As 
mulheres sorriam, antevendo um final de tarde agradável. Depois de distribuir lentamente as 
prendas, o barão saudou cada uma, enquanto todos seguiam para a sala de estar. 
Carinhoso, contou as novidades da cidade, divertindo-se com os comentários e recebendo atento 
as notícias da casa. As amenidades iniciais duraram uma hora, com todas as crianças presentes. 
Às cinco da tarde em ponto, o grupo se transferiu para a sala de jantar, lugar de prosa mais séria. 
Nos dias de bom humor do barão, as crianças mais bem-comportadas ganhavam seu presente: 
eram admitidas à mesa dos adultos. E nos dias de ótimo humor, como naquela segunda-feira, a 
festa continuava mesmo depois do jantar, com um programa que estava fazendo sucesso. 
 O palacete de São Cristóvão era uma aquisição recente da família; um cliente, sem ter como 
saldar suas dívidas com o barão, entregou-lhe uma das casas mais invejadas do Rio de Janeiro. 
Tinha dois andares, cômodos grandes e confortáveis, e uma atração especial: um belo terraço nos 
fundos, que dava para um imenso e bem cuidado jardim, onde ele mantinha uma criação de aves 
ornamentais. Findos os jantares dos bons dias, com a tarde caindo, o ilustre barão recolhia as 
migalhas de pão da mesa e ia se instalar confortavelmente numa cadeira da varanda, ao lado das 
mulheres. Enquanto gozava a calma do crepúsculo carioca, acompanhando a passagem das 
nuvens e distribuindo migalhas para os pássaros, ouvia as mulheres na arte de fazer comentários 
sobre o movimento na casa vizinha, que ficava bem à vista da varanda. Um programa não muito 
diferente da maior parte das famílias abastadas da cidade, a não ser por um detalhe: a casa do 
vizinho fornecia ótimos assuntos para conversas. Afinal, era o Palácio de São Cristóvão, a 
residência do próprio imperador dom Pedro II.
 Da varanda podia-se acompanhar com certa facilidade o entra-e-sai de cortesãos-e políticos - 
quase todos conhecidos da família do barão - e ter um acesso Privilegiado às últimas da Corte. 
Graças a esse verdadeiro jornal em movimento, os crepúsculos na varanda do palacete ganhavam 
um colorido particular. Cada carruagem que chegava ou grupo que passeava pelos jardins do 
palácio fornecia assuntos para fofocas ou conversas sérias, ajudava a alimentar as eternas 
querelas familiares. 
Naquela casa todas as mulheres tinham opiniões próprias, pequenas e grandes cismas. Volta e 
meia, bastava um pequeno movimento no palácio, ou até uma frase dita meio à toa, para se 
acenderem as polêmicas que animavam as tardes.
 A mais velha das três mulheres, dona Mariana Batista de Carvalho, mãe de Mauá, tinha 66 anos. 
Duas vezes viúva, criada no campo, tinha imenso prazer em acompanhar o movimento. Reparava 
nas roupas e na carruagem de quem entrava e saía, fazia comentários sobre etiqueta, notava o 
tratamento dado a cada visitante que desembarcava. 
Estar tão perto do rei era para ela como viver num conto de fadas. Cada final de tarde com o 
filho que tinha chegado até aquela posição privilegiada a enchia de orgulho e alegria. Uma 
velhice assim estava muito além do que tinha imaginado em seus melhores dias da juventude, 
antes ainda das primeiras tragédias que marcaram sua vida. E como aquilo valia muito, volta e 
meia ela se irritava com os comentários duros de sua própria filha a respeito de suas observações 
cheias de bondade.
 Guilhermina de Sousa Machado, a irmã do barão, beirava os cinqüenta. Também era viúva, mas 
das que usam preto na alma. Só via motivos de tristeza na vizinhança, que fazia questão de listar: 
nunca gostou da idéia de mudar para um lugar tão exposto, onde podiam ver mas também ser 
vistos; achava exagerado o tamanho do palacete, que parecia casa de gente que só pensa em 
aparecer; abominava o exame cotidiano da vida alheia que a nova varanda impunha; além de 
tudo, achava que a proximidade do palácio acabaria ocasionando problemas para o irmão. Nesse 
ponto, estendia as queixas ao próprio imperador, de quem não gostava: ele teria prevenção contra 
Mauá, inveja de seu sucesso. Desancava também a Corte: não via graça em gente que vivia 
preocupada com aparências e futilidades, jogando fora tempo que podia ser empregado em coisa 
útil. E justificava tudo com seu próprio Comportamento. Ela detestava andar na rua. Sua vida se 
resumia a cuidar da casa, de onde só saía para a igreja. Quando muito, dignava-se a aparecer por 
alguns instantes na sala de visitas, e isso para alguns poucos amigos do irmão que considerava 
dignos de tal atenção. Para ela, a mudança havia sido ruim e ponto final.
 Sempre que as duas ficavam sozinhas, começava um interminável bate-boca. Para atenuar essas 
divergências de opinião, contudo, havia as palavras suaves de Maria Joaquina de Sousa, que 
todos chamavam de May, desde que assim o determinou o barão. Com 35 anos de idade e vinte 
de casamento, estava bastante acostumada às intervenções diplomáticas na vida familiar, até 
mesmo pela multiplicidade de papéis que seu casamento gerara naquela casa. Era ao mesmo 
tempo neta e nora de Mariana, filha e cunhada de Guilhermina, sobrinha e mulher do barão de 
Mauá. Afável, viva, alegre, com traços bem mais suaves que as outras duas, não tinha 
dificuldades para aparar as arestas e fazer andar bem a conversa: o tamanho da casa era 
conveniente para um casal que queria mais filhos além dos seis já existentes; a opinião do 
imperador não ia mesmo mudar por causa da vizinhança; o movimento tornava mais alegres as 
conversas e não lhe parecia nem um pouco desagradável.
 Na dança das opiniões o barão ficava meio calado, como era de seu feitio nesses assuntos, mas 
muito satisfeito. Embalado pelas discussões das três, limitava-se a fazer uma ou outra observação 
bonachona. Suave nos comentários, portava-se como quem não queria estragar um instante de 
alegria. Ele era um daqueles homens que realmente tinha prazer na vida caseira. Desde muito 
cedo, fora obrigado a defender-se sozinho na vida e lutara muitos anos para juntar toda a família. 
O casamento com a sobrinha tinha consolidado uma situação que lhe parecia invejável. Num 
único golpe, pensava, havia colocado as mulheres que amava ao inteiro serviço de sua felicidade 
doméstica, que se completava com a prole criada a bombons. A multiplicação de opiniões 
femininas sobre a nova casa lhe parecia mais uma prova do quanto elas queriam, cada uma a seu 
modo, apenas seu melhor bem-estar. Ali na varanda, via as coisas pelo lado bom. Ele podia 
conhecer todas as fofocas palacianas que quisesse, se desejasse saber de alguma em especial, 
mas elas eram mais saborosas quando ouvidas naquelas tardes. As três, com suas pequenas 
divergências, eram para ele uma prova do quanto andava bem a vida.
 No entanto, por mais que gostasse daquela calma feliz, interrompeu a conversa quando veio a 
noite. A família não era a unica paixão do barão, mesmo nos grandes dias. Havia um trabalho a 
ser feito, um dever que estava acima de tudo: no dia seguinte partia o vapor para a Europa, e a 
correspondência estava inacabada. 
O barão despediu-se das crianças, deixando às mulheres a tarefa de colocá-las na cama, e foi 
para o escritório. Ali procedeu como de costume. Regulou o bico da chama do gás, sentou-se na 
cadeira em frente à enorme escrivaninha de jacarandá, e partiu para a tarefa notuma. A primeira 
etapa era a mais amena: passar os olhos numa pilha de jornais das principais capitais do mundo, 
e ler meio ao acaso o que chamasse a atenção num maço de publicações de engenharia, finanças 
e manuais técnicos dos produtos da alta tecnologia da época - locomotivas, motores a vapor, 
teares, fornos siderúrgicos, produtos químicos, aparelhos de precisão. O fornecimento regular 
desse material de leituraera garantido pelos funcionários de seu escritório londrino, e 
complementado com remessas de amigos do mundo inteiro que conheciam seu apetite por 
novidades e traquitanas. Uma vez saciada a curiosidade pelas últimas do planeta, vinha a 
segunda etapa: ler as Muitas cartas pessoais que chegavam todos os dias à sua casa e classificá-
las por assuntos e remetentes.
 Cada uma dessas cartas exigia uma resposta adequada, de acordo com a pilha em que tinha sido 
colocada, e essa tarefa ele nunca delegava a ninguém. Completada a leitura, o barão de Mauá 
ajeitava com cuidado seus instrumentos de trabalho: tinteiro com nanquim, mata-borrão e bico-
de-pena. Separava uma boa pilha de folhas de carta especiais, importadas da Inglaterra, com seu 
monograma impresso no alto da página, e começava. As respostas saíam uma atrás da outra, 
numa caligrafia ordenada, que revelava fluidez e segurança. Escrevia primeiro as mais formais. 
Esse item incluía a correspondência com chefes de Estado e autoridades dos países onde tinha 
empresas, senadores e ministros brasileiros, banqueiros europeus. A maioria das cartas que 
recebia de políticos e financistas trazia pedidos de pequenos favores, provas de atenção e 
respeito - e também informações privilegiadas, dados de projetos sigilosos de governantes e 
empresários concorrentes, as últimas da política ou os derradeiros boatos das guerras. Com isso, 
ele tinha o bastante para reordenar seu mundo a cada dia. Nas respostas, passava informações 
dos inimigos aos aliados, autorizava mimos e favores, fazia propostas de negócios, dava 
conselhos sobre a guerra e a paz, sugeria políticas. Sabia da importância do que escrevia. De seu 
punho podiam nascer leis no Uruguai, movimentos de tropas na Argentina, um novo ministro no 
Brasil, uma grande tacada na bolsa de Londres.
Esse primeiro conjunto de cartas gerava o pano de fundo para o grupo seguinte, usualmente o 
mais trabalhoso: a correspondência privada com seus sócios e empregados de confiança. Bem 
informado sobre o que se passava no alto, cuidava de preparar as empresas para os cenários que 
montava com suas informações privilegiadas. 
Preferia fazer esse trabalho em casa, para evitar certas confusões. O barão tinha regras precisas a 
respeito do comportamento epistolar de seus colaboradores. Todas as cartas para ele recebiam 
classificação. As que tratavam de assuntos corriqueiros e registros formais eram endereçadas à 
sede da empresa, onde eram respondidas durante o dia por algum auxiliar de confiança. Mas as 
cartas de fato importantes, aquelas que continham aflições, informações constrangedoras ou que 
tratavam de projetos secretos, deveriam ser enviadas diretamente para sua casa, como garantia do 
necessário sigilo. Respondia pessoalmente a todas, mesmo sabendo que teria muito trabalho pela 
noite adentro. Mas preferia tomar em sua escrivaninha as decisões de negócio mais importantes, 
consultando apenas suas próprias idéias. Não parecia razoável fazer isso sozinho, mas ele achava 
que funcionava. Com esse método, tinha montado um império particular que envolvia meio 
mundo e fazia inveja a muita gente.
 De sua mesa saíam ordens para os diretores de dezessete empresas instaladas em seis países e 
informações para um complexo grupo de sócios, no qual despontavam milionários ingleses, 
nobres franceses, especuladores norte-americanos, comerciantes do Para, fazendeiros do Rio 
Grande do Sul. Por meio da correspondência com esses sócios e colaboradores, o barão geria 
bancos no Brasil, Uruguai, Argentina, Estados Unidos, Inglaterra e França; estaleiros no Brasil e 
no Uruguai; três estradas de ferro no interior do Brasil; a maior fábrica do país, uma fundição 
que ocupava setecentos operários; uma grande companhia de navegação; empresas de comércio 
exterior; mineradoras; usinas de gás; fazendas de criação de gado; fábricas variadas. Todas as 
noites, além de administrar esse império, ele ainda movimentava sua fortuna pessoal, aplicada 
nos melhores títulos financeiros do planeta. Graças a seu método de controle solitário, só ele 
mesmo sabia o valor total do conjunto de suas empresas. 
O balanço consolidado do império existia apenas em sua cabeça, e ele se gabava de reter na 
memória os valores do caixa de cada empreendimento. Assim mantinha os invejosos a distância. 
Só mais tarde o público teria uma idéia das dimensões de sua riqueza. Quando o barão resolveu, 
em 1867, reunir a maior parte das empresas num único conglomerado, o valor total dos ativos 
chegou aos 115 mil contos de réis. Só havia um número no país comparável a este: o orçamento 
do Império, que consignava todos os gastos do governo dirigido por seu vizinho, dom Pedro ii, 
com 97 mil contos de réis naquele mesmo ano.
 Administrar sozinho tal volume de negócios e dinheiro era tanto uma obrigação imposta por 
seus métodos de trabalho quanto um prazer - ao menos em dias como aquele. Nas noites 
solitárias em seu escritório, Mauá sentia a grandeza dos criadores de mundo. Ninguém no Brasil 
havia chegado aonde chegou. Tinha todo o direito de agir como um verdadeiro imperador, pois 
não devia nada a ninguém. Enquanto a noite avançava, Mauá instigava os corajosos, punia os 
medrosos, ordenava batalhas de negócios sem nunca ser contestado. Esse comportamento 
impositivo era para ele da natureza das coisas. Para quem começara rigorosamente do nada e 
lutara sempre sozinho, não era estranho o hábito de contar apenas consigo mesmo. Mas a solidão 
era também necessária pelas próprias características de seu êxito. Quase tudo que queria fazer 
contrariava as boas idéias correntes. Desde o começo, a maioria ao redor duvidava, 
desaconselhava, caçoava. Se fosse ouvir os outros, não teria feito o que fez. Teve de reagir 
sozinho contra muitos, confiar apenas em seu talento, duvidar do senso comum. Aprendeu a se 
importar pouco com o fato de suas idéias não parecerem lógicas aos outros - seu império tinha 
um quê de besouro, algo cuja existência era impossível pela lógica comum.
 Num mundo onde os grandes empresários privados costumavam ter uma única empresa, Mauá 
apostou na diversificação. No país onde agricultura parecia destino manifesto, ele montava uma 
indústria atrás da outra. Enquanto os brasileiros lamentavam a falta de escravos, Mauá 
implementava administrações participativas e distribuição de lucros para empregados. Cercado 
de nobres em busca de feitores, ele contratava engenheiros para desenvolver a tecnologia de seus 
novos projetos. Se argentinos e uruguaios reclamavam contra a natureza, que deteriorava a carne 
e assim os impedia de exportá-la para o resto do mundo, o barão publicava anúncios nos jornais 
da Europa prometendo prêmios em dinheiro a quem inventasse um método de conservação. já 
que os ingleses duvidavam da viabilidade do Brasil, ele aproveitava o espaço para crescer ainda 
mais, usando as brechas que deixavam. Com o sucesso, passou a dividir o mundo entre aliados e 
adversários de suas idéias, e a ter cada vez mais certeza de que estava no bom caminho.
 Os muitos anos de sucesso e incompreensão haviam transformado o ba rão de Mauá num 
combatente duro e orgulhoso. Não tinha medo de brigas e adorava provar que tinha razão, sem se 
importar com o calibre do adversário. Julgava-se um pioneiro, daqueles que têm sempre o tempo 
a seu lado. Mais cedo ou mais tarde, acabaria ganhando. Por isso, não se importava muito em 
trombar de frente sequer com seu poderoso vizinho em São Cristóvão. Naquela altura de sua 
vida e fortuna, aliás, estava perdendo de vez o medo de enfrentar todo o governo, que vivia lhe 
aborrecendo com a mania de meter o bedelho onde ele não achava devido. No começo, tinha até 
um certo prurido de enfrentar dom Pedro ii. Por causa disso perdeu paradas, saiu arranhado de 
vários confrontos.Mas jamais desistiu: agora estava ali, supremo, mais rico do que nunca, 
desafiadoramente ao alcance da vista do adversário. E naquela noite de otimismo sonhava com 
uma vitória completa. O dono do trono era, no país, o único adversário à altura dele - e mesmo 
assim perderia.
 Seria uma luta de gigantes, dos maiores gigantes do país. Dobrar um imperador não era tarefa 
simples. Mesmo com um estilo bem diferente do seu, dom Pedro ii também tinha tutano e não 
estava acostumado a arredar pé de suas idéias. Tinham outras semelhanças. Em certos aspectos, o 
rei até lembrava Mauá. Era novidadeiro, gostava de estudar assuntos desconhecidos pela maioria 
dos brasileiros, tecia loas ao progresso. Mas progresso, para ele, era sobretudo o intelectual e o 
científico. 
Por conta dessa crença, deu para estudar mais de uma dezena de línguas (do tupi ao sânscrito), 
aplicar-se em física e química, conhecer paleontologia, discutir matemáticas, ter nuvens de poeta. 
Correspondia-se com sábios de muitos países, mandava seus trabalhinhos para sociedades 
científicas européias, recebia no dia seguinte da chegada qualquer pessoa com reputação 
científica acima do duvidoso que baixasse no Rio de janeiro. Mas terminava aí o que poderia 
aproximar os dois.
 Entre os amores reais não estava a doutrina da economia nem a ciência aplicada que tanto 
fascinavam Mauá. Para dom Pedro ii, tudo que Mauá pre gava com afinco era coisa menor. 
Defrontado com alguma aplicação comercial de qualquer objeto da ciência pura, sempre reagia 
com certa suspeição. E se alguém lhe dissesse que aquela máquina iria mudar a face do mundo, 
tirava da algibeira um de seus bordões favoritos: "É preciso antes mudar os espíritos!". Seguia 
seus elevados princípios com o mesmo rigor de Mauá, e nesse superior desinteresse havia não 
apenas ingenuidade, mas também um sólido método de comando. O imperador fazia questão de 
deixar claro que a tarefa de administrar diariamente os interesses mesquinhos da política e dos 
negócios lhe era enfadonha - e assim evitava se misturar com o vulgo, rebaixar-se à pequenez da 
vida corriqueira. Esfalfar-se com as questões menores do progresso era tarefa reservada aos 
auxiliares pinçados entre os muitos candidatos que pululavam ao seu redor, dispostos a livrá-lo 
do sofrimento.
 Escolhendo a tropa de acordo com o momento, o rei acreditava estar cumprindo sua missão. A 
Coroa deveria ficar acima do bem e do mal, separando devidamente os interesses particulares, 
sempre mesquinhos, da vontade nacional. Volta e meia, essa boa ordem de coisas exigia uma 
lição a seu vizinho aventureiro. O barão fazia muitas coisas, é verdade, e não era inteiramente vil 
a seus olhos. Mas tinha o péssimo hábito de pregar abertamente contra certos princípios que lhe 
pareciam muito assentados, e dos quais não ficava bem duvidar. Para o rei, os problemas da 
economia se resolviam pela filosofia: aquela era a "ciência do bem comum", nunca a do Interesse 
pessoal", como Mauá acreditava. Mas, em vez de limitar suas discordâncias a discussões 
educadas, como esperado de um barão, Mauá volta e meia era impróprio: tinha compulsão para 
agir, criava confusões. Defendia seus interesses como se estivessem acima dos interesses 
nacionais. Assim, não era gente para se ter muito perto. Para a maior parte dos nobres que 
circulavam com intimidade no palácio, Mauá tornara-se um símbolo do que parecia ser o pior no 
tempo, o homem que coloca suas pretensões acima de tudo. Por isso, precisava ser mantido na 
devida distância.
 Não havia muita dificuldade nisso. Cada decisão de Mauá ampliando seu império fazia nascer 
uma chusma de invejosos. No palácio, nunca faltaram candidatos para tomar a si a tarefa de 
desancar as pretensões do barão, o que evitava certos desgostos ao imperador. Se jamais se ouviu 
do imperador uma palavra pública contra Mauá, foi porque nunca precisou baixar a tanto. Os 
colaboradores o poupavam do desgosto de corrigir pessoalmente o que lhe pareciam desacertos 
do progresso material. 
E assim assestava seus golpes. Por duas vezes o governo, apoiado pelo imperador, arrancara 
bancos de Mauá, e já lhe condenara uma ferrovia à morte. O diabo é que o homem era osso duro 
de roer. Nada parecia suficiente para dobrar sua vontade nem rebaixar seu orgulho. Mesmo 
derrotado, jamais criticava em público o rei ou a monarquia - mas nunca saía do caminho que 
tinha resolvido trilhar. Fiel a seu próprio princípio de que a prática valia mais que a gramática, se 
o governo lhe tirava um banco fazia outro maior e mostrava quem tinha razão.
 Assim os imperadores da política e dos negócios no Brasil formavam par: dois vizinhos bicudos 
que não se beijavam em público - o que não impedia uma mútua atração subterrânea. Mauá 
apreciava o título de barão, ficava envaidecido com certos rapapés. Bem que gostaria da 
intimidade palaciana, de falar ele mesmo em vez de mandar recados ao rei. Da janela de seu 
escritório, podia às vezes ver seus adversários chegarem para demolir suas idéias durante um 
jantar íntimo com o soberano, e se roía de inveja. já o rei mantinha o barão longe para evitar 
problemas, mas numa ou noutra noite em que avançava seus estudos de astronomia, bem que 
desviava com curiosidade a luneta em direção ao escritório do novo vizinho. O fato de um 
comerciante chegar à casa ao lado era triste, mas não havia como negar que poucos indivíduos 
daquela espécie tinham garra suficiente para enfrentar os imperiais desígnios de peito aberto, 
arrostando as conseqüências. E até mesmo um imperador tinha seus pecadilhos materiais, volta e 
meia precisava pedir favores inconfessáveis a um banqueiro - para o bem do país, Mauá nunca se 
negava a atendê-los.
 Porém, naquela noite de 7 de janeiro, caso a luneta do imperador apanhasse a escrita de Mauá, 
seu olho se arregalaria. O fiel adepto dos exemplos práticos se entregava a devaneios, mas não a 
devaneios comuns. Sonhava com grandes vitórias que seriam grandes derrotas para o trono. E 
não via como perder: o "outro" imperador não tinha o poder de impedir a marcha dos 
acontecimentos. Por mais que tentasse, não conseguiria brecar a força que acompanhava Mauá. 
Depois de 38 anos de trabalho, o grande momento estava finalmente ao alcance: a realidade faria 
todos se renderem ao sucesso de suas obras. Essa euforia conspirava para que aquele fosse um 
dos raros dias em que suas fantasias de glória mereceriam registro. Para um realista empedernido 
como ele, nada mais estranho que botar fantasias no papel. Mas o dia tinha sido bom, os 
negócios andavam bem, e ele escrevia para alguém muito especial, que saberia compreender 
quanta luta havia custado aquele momento. Agora que vislumbrava gloriosas marchas triun fais, 
com desfile de adversários cativos, elefantes, leões amestrados, ouro, incenso e mirra, bem que 
podia contar seus sonhos a um amigo fiel. 
 O retrato do destinatário da carta ocupava um lugar de honra no escritório de Mauá, em cima da 
escrivaninha. Mostrava um homem de fartos cabelos brancos, gigantescas suíças que desciam 
quase até a ponta do queixo, sobrancelhas muito espessas e pálpebras caídas, que o obrigavam a 
levantar o rosto para olhar para a frente. Tinha a cara de quem contempla o mundo com desdém. 
Seu nome era Richard Carruthers, e andava na casa dos sessenta. Morava numa casa de campo 
cercada por quarenta acres de boas terras, mas de aparência um tanto estranha para o gosto dos 
habitantes do vilarejo de Edenglove, perto de Carlisle, na Escócia - alguns a definiam como 
"oriental", outros a achavam "espanhola". Seu modo de vida provocava tantos comentários como 
a casa. Viajante do mundo, pautava-se por regras muito pessoais formuladas no correr dos 
caminhos. Sua última escala, 25 anos antes, fora no Brasil. De suas experiências comocomerciante nos trópicos, adotara o hábito de manter relações com domésticas. Já quarentão 
casara-se com sua governanta, sem achar seu gesto inadequado à sua posição de proprietário - o 
que despertava ainda mais falatório na vila. Como se não bastasse, nas raras vezes em que se 
dispunha a conversar com alguém, fazia juízos pouco favoráveis sobre a humanidade. Passava a 
maior parte do tempo sozinho, percorrendo as redondezas da mansão com seus apetrechos de 
pintura e registrando as paisagens do rio Eden, que atravessava sua propriedade. 
No mais, cuidava de seu dinheiro em vez de perder tempo com opiniões alheias.
 Mauá o adorava. Desde que o amigo voltara para a Europa há um quarto de século, tinham se 
visto apenas duas vezes, mas as cartas nunca deixaram de ser pontualmente enviadas. O barão 
escrevia em inglês, língua que lhe era tão natural como o português. Sem solenidade, mas nunca 
esquecendo o devido respeito. "Tudo que há de bom em mim provém das lições inspiradas em 
minha convivência com o senhor há trinta anos passados", escreveu logo no começo da carta 
desse dia 7 de janeiro de 1861. E para que a frase não parecesse vazia, enumerou as lições: "[ ... 
1 o amor ao país em todas as esferas nas quais o destino me permitiu atuar"; que "o serviço ao 
país deveria ser feito tanto na esfera pública quanto na ajuda aos indivíduos que privadamente 
pudessem necessitar"; que esse modo de encarar as ações dava um sentido nobre ao que a outros 
pareceria mesquinharia: esta é a raiz de minha aparente ambição", concluiu.
 Tanto respeito pelas lições se explicava. Carruthers havia sido o verda deiro pai de Mauá, aquele 
que o acolhera ainda jovem e lhe dera a grande oportunidade de sua vida. Um homem que 
conhecia todos os segredos de sua alma, capaz de entender mesmo os pensamentos mais difíceis 
de se expressar a amigos comuns. Escrevendo para ele, o barão sentia liberdade até para posar de 
adivinho - num dos raros momentos erri que um banqueiro se sente livre para tanto. No ano que 
começava, Mauá só via motivos de euforia, e a nutria ria interpretação dos augúrios, eventos 
misteriosos e figuras fantásticas que emitiam sinais cifrados sobre o futuro. Pouco tempo antes, 
andara desesperado. Tinha feito uma jogada arriscada, tudo parecia estar dando errado, e o negro 
fantasma da falência batia a sua porta. Mas eis que surgira um misterioso senhor Tigger, "um 
perfeito estranho para todos nós, mas que avançou as 200 mil libras que me salvaram da 
liquidação". Dissipados os temores graças à bolsa dessa estranha figura, que desapareceu de 
modo tão veloz como tinha surgido depois de apanhar seus lucros, tudo se encaixou. Um atrás do 
outro, negócios que pareciam perdidos começaram a dar certo, a tempestade passou, os lucros 
embalaram o otimismo com os caprichosos volteios do destino que tomava conta dele agora.
 Esse milagre queabria um ciclo de prosperidade ajudava a inflar um desejo secreto de gozo: uma 
alegre e longa viagem de férias com a família, lu xo que nunca havia se permitido. Seriam 
dezoito meses na Europa a partir do final daquele ano de 1861, para conhecer "tudo de bom que 
a civilização apresenta". Esse era um sonho com que poucos podiam sonhar. Cruzar o mundo 
com um séquito de crianças e criados era um hábito restrito, na época, apenas a reis e uns poucos 
milionários - mas a preocupação com as des pesas não ocupava uma linha da carta. Mauá tinha 
dinheiro de sobra para ignorar o detalhe. As preocupações que queria dividir com seu amigo 
Carruthers eram outras. Mesmo sonhando, calculava sobre o devaneio, avaliando os detalhes 
práticos para consolidar os novos tempos. Queria saber se fizera todo o possível a fim de que 
"nada deixasse a desejar na ausência". Acostumado a controlar tudo, precisava ter certeza da paz 
em seu império a fim de poder saborear seus planos de deixá-lo andando sozinho.
 O primeiro obstáculo a vencer foi descrito em poucas palavras: era preciso remover "a tola 
ciumeira de dois ministros dos Negócios Estrangeiros [pasta equivalente ao atual ministério das 
Relações Exteriores], que não percebem com clareza que a posição que assumi no Rio da Prata, 
hoje fonte de ansiedade para o país, pode se provar uma vantagem incalculável para o Brasil". 
Dito assim parecia coisa banal, assunto para solucionar numa boa conversa com os citados. Mas 
com a palavra "posição" Mauá não estava se referindo a um conjunto de proposições sobre a 
condução dos negócios internacionais do país, e sim a algo bem mais sólido que isso. Falava de 
em presas que o tornavam a grande força econômica da região. 
Ele era dono do maior banco do Uruguai, credor de todas as dívidas do governo e centro da vida 
econômica do país. No interior funcionavam as agências de Salto, Colônia e Paissandu, 
freqüentadas por gaúchos rudes, que desciam de seus cavalos com a arma numa das mãos e o 
ouro da venda do gado, para depositar, na outra. Enquanto isso, em Montevidéu, empresários e 
governantes passavam pela elegante sede do banco, na esquina das ruas Cerrito e Trinta e Três, 
em busca de financiamento para seus projetos. 
Se os depósitos no interior crescessem, aumentavam os negócios - e o ritmo desse pulsar básico 
da economia uruguaia era ditado pelo Banco Mauá.
 Mas a posição do barão não se limitava ao controle do coração econômico do país. Ele também 
tinha fazendas, a maior das quais era a Estância Mercedes, com 160 mil hectares e 100 mil 
cabeças de gado; um grande dique; um estaleiro em construção no porto; e muitas ações da 
companhia de iluminação a gás da capital.
Com tudo isso, sua palavra valia muito ali. Os dirigentes do país nunca deixavam de levar em 
conta sua opinião na hora de tomar decisões. Muitas vezes, a chuva ou o sol na economia 
uruguaia dependiam de uma de suas cartas, do apoio ou da censura a qualquer projeto que 
passasse pela cabeça dos governantes. Uma opinião favorável funcionava como alavanca para 
uma idéia, um eventual resmungo bastava para deitar por terra projetos que pareciam bastante 
razoáveis. Em pouco mais de uma década de atuação, Mauá tinha mudado a face do lugar; 
depois de uma longa guerra, o Uruguai vivia sua primeira grande onda de progresso, e o barão 
tivera muito a ver com ela. Daí a inclinação muito favorável de todos em seguir os caminhos 
eventualmente traçados na escrivaninha de jacarandá no Rio de Janeiro.
 Do outro lado do rio da Prata, na Argentina, os negócios do barão eram menos conspícuos, mas 
nem por isso sua influência podia ser ignorada. Dono de terras e de bancos em Rosário e Buenos 
Aires, Mauá tinha se tornado o banqueiro privado do presidente, José Justo Urquiza. Caudilho no 
velho estilo, com a fama de ser pai de sessenta filhos com quase igual número de mulheres, ele 
adorava inovações - menos as referentes à rotatividade no poder da província de Entre Rios, 
onde mandava e desmandava havia trinta anos. Gostava de tentar construir fábricas, que exigiam 
financiamento de seu banqueiro mas nem sempre davam lucros. Isso gerava dívidas, que não 
conseguia pagar em dia. Volta e meia, Urquiza se propunha a rolar seus papagaios entregando 
alguma fazendola de milhares de alqueires - e ficava numa posição que o tornava especialmente 
sensível a ouvir os conselhos de seu banqueiro. Com tanto espaço para desenvolver boa vontade, 
Mauá se fiava na capacidade de julgamento de seu importante cliente. Num trecho da carta, 
confessou sem rodeios ao amigo escocês: "Urquiza vai fazer quase tudo que eu lhe disser para 
fazer".
 Entendida a posição, entendem-se melhor os ciúmes dos ministros brasileiros dos Negócios 
Estrangeiros. Mauá podia tudo no Prata, menos compreender que os ministros invejassem a 
influência construída com a ajuda de seu conjunto de empreendimentos. Para ele, o problema 
simplesmente não deveria existir. Empresários e governo de um país não podiam mostrar 
divergênciasna frente de estrangeiros. Como homem que se orgulhava de ser educado no 
princípio de servir a pátria, sempre fez questão de defender as políticas do governo brasileiro no 
exterior, mesmo quando discordava delas. Em reciprocidade, esperava que os governantes 
brasileiros ao menos considerassem seus pontos de vista. Ele acreditava ter construído uma base 
sólida e permanente de influência brasileira na região, capaz de trazer o progresso e melhorar as 
relações entre países que viviam às turras. Por isso, não se conformava com certas reações. Volta 
e meia conseguia, graças aos seus contatos freqüentes com dirigentes platinos, articular um 
arranjo diplomático que julgava satisfatório para o governo brasileiro. Mas esses arranjos eram 
sumariamente ignorados por ministros que não gostavam de simples negociantes se metendo em 
altos negócios de Estado, ainda mais quando o negociante tinha maior acesso que eles aos 
governos com que deveriam tratar.
 O respeito caloroso dos estranhos e a olímpica frieza de alguns compatriotas formavam uma 
combinação intragável para o barão. Mas remover a "tola ciumeira" das autoridades era uma 
tarefa bem mais complexa do que deixavam entrever as poucas linhas da carta dedicadas ao 
assunto. A fim de alcançar tal objetivo, Mauá precisava construir no Brasil uma reputação 
semelhante à que tinha no Prata, onde merecia aquilo que lhe parecia a devida consideração por 
parte das autoridades. Bases para a pretensão não faltavam: não havia lugar do país onde sua 
presença de empresário deixasse de ser sentida. Seus negócios se espalhavam do Amazonas ao 
Rio Grande do Sul. A fronteira norte de sua presença econômica ficava no perdido vilarejo de 
Tabatinga, na divisa entre Brasil, Peru e Nova Granada (hoje Colômbia). Ali, a cada dois meses, 
com a pontualidade britânica que convém à empresa de um barão que praguejava em inglês, um 
vapor interrompia a pasmaceira do vilarejo com duas centenas de almas. As altas autoridades 
locais - o padre, o comandante de armas, um húngaro e um alemão alfabetizados - vinham ao 
porto saudar o comandante e saber das novidades do mundo. Durante os três dias que durava a 
escala, o navio transformava-se num importante centro de comércio. Entre discussões sobre 
moedas falsas e muitos regateios na sala de refeições - bem mais luxuosa que os pardieiros da 
cidade -, duas dezenas de comerciantes completavam suas transações.
VISÃO DO PARAÍSO
Chapéus-do-chile trazidos dos Andes em canoas remadas por índios peruanos, rolos de 
salsaparrilha catados por índios brasileiros e bolas de "seringa" carregadas por sertanejos eram 
trocados por tecidos ingleses e vinhos portugueses - e os fretes para trazer e levar as mercadorias 
alimentavam os bolsos do barão de Mauá. Completada a troca da carga o navio partia para Rio 
Negro, hoje Manaus, onde a Companhia de Navegação do Amazonas possuía uma gleba de 
quase 400 mil hectares, que começava a ocupar com agricultores trazidos da China. Depois 
seguia para Belém, onde ficava a sede da companhia e uma agência da casa bancária do barão, 
que funcionava como centro financeiro de toda a região amazônica.
 Ainda no Norte do Brasil, engenheiros ingleses e escravos brasileiros alugados iniciavam a 
exploração de jazidas de minérios no interior do Maranhão. O dinheiro para esta empreitada de 
Mauá vinha de acionistas ingleses, ansiosos por multiplicar seu dinheiro no eldorado tropical. 
Em Pernambuco, o sonho de progresso regional tinha seu carimbo. A Estrada de Ferro Recife-
São Francisco finalmente se tornava realidade. Por muitos anos, as tentativas de conseguir 
dinheiro para as obras tinham empacado, até que Mauá se interessou pela ferrovia. Conseguiu 
levantar recursos em Londres, mandou seus engenheiros verificarem e corrigirem os projetos, 
colocou gente nas obras, comprou ações. Três meses antes de escrever a carta, embolsara uma 
grande bolada vendendo suas ações na Inglaterra - mas deixou a ferrovia pronta e continuou 
sendo o representante da companhia no exterior, o que lhe permitia ganhar um bom dinheiro 
enquanto mudavam os hábitos seculares de transporte do açúcar.
 já a fronteira SUl de seus empreendimentos ficava em Rio Grande, quase na divisa com o 
Uruguai, onde o comércio local girava em torno da agência de seu banco, com filiais em Pelotas 
e Porto Alegre. Um pouco mais ao norte, em São Paulo, Mauá iniciava seu maior 
empreendimento nas províncias brasileiras. Para tocá-lo, teve de montar três agências bancárias, 
uma em São Paulo, outra em Santos, a terceira em Campinas. Tudo porque, depois de muitos 
anos de luta, conseguira viabilizar aquela que era a menina de seus olhos: uma estrada de ferro 
ligando Santos a Jundiaí. Recebera a concessão do imperador, e a transferira para a empresa que 
abriu na Inglaterra, da qual controlava a maior fatia individual de ações. Vencera muitas 
dificuldades, e agora lutava para acelerar o andamento das obras do que imaginava seria a 
principal artéria da economia brasileira. Se esta obra desse tanto lucro como previa, garantiria a 
solidez de seus negócios por séculos.
 Mas esse ainda era um projeto em andamento, fama futura - e os negócios de província 
funcionavam como simples adendos de um nome solidamente estabelecido. 
A verdadeira fonte de sua reputação de pioneiro vinha dos empreendimentos já montados no Rio 
de janeiro, a capital do país e de seu império. A cidade de quase 300 mil habitantes havia 
mudado muito nos últimos anos. O vilarejo colonial transformara-se em metrópole, e todos os 
signos dessa transformação tinham a marca do barão. Os navios a vela davam lugar aos vapores - 
fabricados por Mauá nos estaleiros e nas oficinas da Companhia Ponta de Areia. Os trilhos da 
Estrada de Ferro de Petrópolis substituíam as estradas poeirentas, e os vagões as tropas de mulas. 
A vida noturna era outra desde que a Companhia de Iluminação a Gás do Rio de Janeiro, que ele 
comandava, trocara os velhos candelabros de óleo de peixe pela farta luminosidade dos 
lampiões. Mesmo as velas que os pobres consumiam não se fabricavam mais em casa, mas na 
Companhia de Luz Esteárica, da qual era acionista. A água para os habitantes não vinha mais dos 
aquedutos de pedra, mas dos canos de ferro instalados por seus engenheiros. O mangue que 
cercava a cidade, impedindo sua expansão, começava a desaparecer: Mauá tinha ganho a 
concorrência para fazer a primeira grande obra de drenagem da cidade. No porto, outra novidade 
moderna: dominando a paisagem, um grande dique flutuante de ferro que o barão mandara 
construir.
 O futuro, no Brasil, era ele. Quase todos os empreendimentos no país que não fossem uma 
fazenda com escravos - um negócio pelo qual o barão definitivamente não se interessava - 
acabavam passando por suas mãos. Mauá controlava oito de dez das maiores empresas 
brasileiras. As outras duas freqüentadoras desse restrito universo - o Banco do Brasil e a Estrada 
de Ferro Dom Pedro ii (hoje Central do Brasil) - eram estatais, e mesmo assim deviam muito a 
seu trabalho. O banco foi rapidamente para a frente porque nasceu pronto. Fundado pelo barão, 
foi encampado pelo governo depois de um ataque bem dirigido do imperador e dos 
conservadores. já a estrada de ferro sóandou quando ele deu um aval ao governo: o empreiteiro 
não suportava as confusões dos dirigentes estatais e queria largar tudo, mas mu dou de idéia 
depois que Mauá empenhou seus bens pessoais como garantia da seriedade do governo. Com 
tamanho conjunto de empresas e trabalhos, ninguém podia ignorar a presença do barão na 
economia brasileira. Não tinha concorrentes, era um gigante em terra de anões. Mas um gigante 
desconfiado, que se torturava com o que julgava ser umamor mal correspondido. Ele amava a 
pátria, mas acreditava que não era amado com igual fervor.
 A desconfiança tinha fundamento. As obras que realizava tinham tornado visível um mundo 
novo - mas os brasileiros só admitiam uma parte desse mundo. Gostavam dos confortos que o 
barão trazia, gabavam-se dos trens e navios a vapor, freqüentavam ruas bem iluminadas à noite. 
Essas novidades reconfortavam, faziam os beneficiários sentirem-se habitantes de uma das 
cidades mais progressistas do planeta. Apesar disso, muitos dos que elogiavam os resultados 
tinham sérias dúvidas a respeito das intenções que os acompanhavam. Mauá não fazia empresas 
apenas porque gostava de trens ou lampiões; essas novidades eram apenas instrumento para um 
outro fim, os lucros. Ele só tocava para a frente seus projetos após avaliar as possibilidades dos 
resultados financeiros e, depois de implantados, julgava seu valor pelas entradas no caixa. Hoje 
tal raciocínio é banal. Mas para muita gente da época, que pensava como o imperador, esse 
comportamento revelava o grave desvio de caráter de colocar os interesses materiais acima do 
bem comum. Numa outra ocasião, o próprio barão resumiu o problema: "Desgraçadamente entre 
nós entende-se que empresários devem perder, para que o negócio seja bom para o Estado, 
quando é justamente o contrário". Este era o obstáculo a vencer para satisfazer seu amor-próprio. 
Para ter respeito, precisava provar que um indivíduo que ganha dinheiro serve ao país. Se tivesse 
apenas os atributos de um empresário normal, Mauá poderia contentar plenamente sua vaidade 
com a notícia que dava a seu amigo naquele começo de ano, depois de fechados os balanços: 
"Quando olho para o meu bolso, vejo que o ano passado foi brilhante e cada ano que se sucede 
promete ser mais brilhante ainda, mostrando lucros maiores, já que a vasta acumulação de 
capitais aplicados em meus estabelecimentos a taxas de juros baixas promete ainda mais lucros - 
e com a confiança ainda maior do público". Em seu caso, no entanto, o lucro tornara-se um 
problema. Caso a notícia de seus ganhos viesse a público, uma onda se levantaria: uma fortuna 
sempre aumentada soava como prova de que seu proprietário estava fazendo alguma coisa muito 
errada, nunca como sinal de bom serviço ao progresso do país.
 Mauá convivia bem com essas desconfianças porque imaginava que logo teriam fim. Tudo 
mudaria quando os brasileiros conhecessem melhor a filosofia da livre iniciativa que mudava o 
mundo. Em breve o Brasil seria como a Europa, onde um empresário como ele podia exibir seus 
lucros sem se sentir menosprezado por ninguém. 
A esperança era verossímil. Em Londres e Paris seu nome era mais respeitado que no Rio de 
janeiro. E não se tratava de respeito menor, mas do respeito devido a quem penetra em esferas 
inacessíveis a mortais comuns. Construir ferrovias e siderúrgicas, dirigir bancos, emprestar 
dinheiro para governos e lançar grandes empresas nos mercados europeus eram as mais 
sofisticadas operações econômicas do planeta, os grandes negócios que marcavam o estilo da 
época, como notou Ron Chernow:
Nós poderíamos chamá-la de Era dos Barões. Coincidiu com o crescimento das estradas de ferro 
e da indústria pesada, que exigiam recursos muito maiores que os disponíveis mesmo para os 
indivíduos e famílias mais ricas. Mas, apesar das tremendas necessidades de capital, os mercados 
financeiros eram provincianos e de escala limitada. 
O banqueiro alocava o crédito escasso na economia. Somente com seu ???fflipróizaffir, 
assegurava aos investidores que companhias desconhecidas eram sólidas – naquele tempo não 
havia departamentos governamentais para regular títulos -, e com isso se comprometia 
integralmente com a operação. [ ... ] Com tanta alavancagem sobre as companhias, os principais 
banqUeiros desenvolveram um estilo de superioridade, portando-se como barões aos quais os 
clientes deveriam prestar vassalagem.
O título nobiliárquico que definia a era, Mauá tinha. Porém, mais que isso, ocupava uma posição 
curiosa entre os poucos homens que ditavam o destino de enormes massas de capital em escala 
mundial com o ato de avalizar uma empresa. Por conta das peculiaridades brasileiras, tinha 
acumulado uma experiência de negócios invejável. Não era o maior banqueiro nem o maior 
industrial do mundo. Mas também não havia no mundo alguém que fosse, ao mesmo tempo, 
dono de bancos, ferrovias, fábricas e indústria pesada, e que tivesse tido a idéia de juntar todos 
os seus negócios em torno de uma empresa financeira de alcance mundial. Nesse ponto, estava 
além dos limites da época, também notados por Chernow:
Nesta fase da revolução industrial, as companhias eram dinâmicas mas muito instáveis. Numa 
atmosfera de crescimento fervilhante, muitos empreendimentos caíam em mãos de promotores 
inescrupulosos, charlatães ou manipuladores de bolsas. Mesmo os empresários visionários 
muitas vezes não tinham a habilidade gerencial suficiente para converter suas inspirações em 
empresas nacionais, e também não existiam os administradores profissionais.
 Isso não se aplicava a Mauá. Trabalhando no Brasil, tinha conseguido o milagre de montar um 
grupo econômico respeitado não só em todo o território nacional, mas também fora dele. Era um 
dos poucos banqueiros a conseguir lançar empresas na praça de Londres apenas com seu nome. 
Ele era um dos barões da época e conseguia até coisas difíceis para bons empresários europeus. 
Em 1860, tinha acabado de obter o mais invejado reconhecimento da época, o do barão Lionel de 
Rothschild. Este foi o primeiro a assinar o prospecto de lançamento da The San Paulo (Brazílian) 
Railway -nome inglês da Santos-Jundiaí -, além de subscrever pessoalmente mil ações da 
empresa, dando a Mauá o imprimatur de empreendedor sério.
 O barão Rothschild era Zeus no Olinipo economico do século, e um gesto como esse equivalia a 
reconhecer Mauá como um dos deuses legítimos. Poucos ricos comuns poderiam merecer tal 
deferência, mas ele possuía as qualificações necessárias. Primeiro, o dinheiro: os 115 mil contos 
de ativos que controlava em 1867 equivaliam a 12 milhões de libras esterlinas ou 60 milhões de 
dólares. O valor poderia ser comparado aos 43 milhões de libras de ativos, em 1865, da mais 
sólida instituição financeira do planeta, o Banco da Inglaterra, ou à maior herança norte-
americana do século passado, os 100 milhões de dólares deixados por Cornelius Vanderbilt, o 
magnata das estradas de ferro. Mas era preciso mais para merecer o apoio de Rothschild: a 
fortuna deveria ser acompanhada de um passado de seriedade absoluta, que garantia a lisura dos 
negócios dos quais fazía parte. Mauá tinha essa reputação, que fazia com que cada vez mais 
gente, no mundo inteiro, se dispusesse a aplicar seu dinheiro "a juros cada vez mais baixos" nas 
empresas cria das por ele. Depois, havia a necessidade de qualificação técnica, e isso Mauá 
também possuía. Muito antes do surgimento da palavra, ele montara uma das primeiras 
multinacionais conhecidas, administrando-a com uma técnica muito sofisticada, admirada em 
Londres pelo fato de funcionar no exótico Brasil. Mauá era "o ilustre homem que trouxe a 
civilização até as selvas do Amazonas", como dizia a Enciclopédia Britânica, reforçando seu 
encanto de homem certo num lugar improvável.
 Mas o barão, que conquistara o respeito dos grandes de seu tempo, sonhava com a felicidade em 
seu quintal - e achava que a hora da compreensão tinha chegado. 
Na confissão ao amigo, vislumbrava um cenário de vitória completa: um país onde a população, 
vendo as enormes vantagens do progresso, varreria para o inferno do ostracismo político aqueles 
que se opunham ao triunfo dos novos tempos. O destino dos adversários de suas idéias, como os 
ministros ciumentos, estaria selado,e a viagem se transformaria num desfile triunfal: "Depois de 
dezoito meses morando no exterior, espero em meu retorno ter silenciado para sempre os 
inimigos gratuitos que tive". As recentes eleições para a Câmara dos Deputados lhe pareciam um 
sinal claro desse destino inglório dos adversários: "O governo e o chamado Partido Conservador 
perderam fragorosamente as eleições - este partido, com sua ansiedade de governar demais, 
intrometendo-se em todos os assuntos do comércio, conseguiu perder o apoio de todos os 
comerciantes, que até então lhe proporcionavam seu principal suporte".
 O desastre nas eleições de 1860 fora uma derrota histórica para o imperador e seus amigos 
conservadores. Depois de treze anos de domínio absoluto, indicando ministroatrás de ministro, 
nem mesmo o controle da máquina governamental tinha sido suficiente para garantir suas 
eleições. Por causa de seu impacto, Mauá passou a imaginar que, a qualquer momento, um 
liberal seria chamado para presidir o gabinete, abrindo espaço para a nova era. "Os liberais 
prometem se intrometer pouco no andamento da indústria e do comércio e sua chegada ao poder 
deve ser vista com esperança", escreveu. Nesse caso, talvez a esperança tivesse uma conotação 
pessoal. 
Entre outras coisas, Mauá era deputado, eleito pelo Partido Liberal do Rio Grande do Sul, sua 
província natal. Mesmo que não fosse chamado para um cargo importante, tinha todo o direito de 
imaginar que, com sua vasta rede de empreendimentos e sua sólida adesão aos princípios do 
partido de oposição, iria afinal receber o tratamento de que se julgava merecedor. As 
divergências ficariam no passado, a filosofia do progresso dominaria o país, o reconhecimento 
dos compatriotas se igualaria ao do resto do mundo.
 Seria enfim o paraíso. Mauá estava ansioso pelo momento de ser olhado como inovador 
apaixonado, patriota correto, homem de bem, apóstolo de um mundo novo. 
A hora da recompensa pelos sacrifícios estava para soar. Ele aprendera com Carruthers que faria 
o bem se colocasse o amor ao seu país como um guia para todas as ações na esfera da economia 
que lhe era destinada, a de criar empresas. Agora acreditava que chegara o prêmio por ter 
seguido fielmente a lição. Por isso, terminava a carta quase em êxtase:
"Tenho o suficiente para agradecer ao Onipotente, pois não obstante minhas ansiedades e 
problemas, não existe outro homem no Rio de Janeiro que desfrute de um quinhão de felicidade 
tão grande quanto o meu".
 Um amigo normal de um homem rico reforçaria o conteúdo infantil de suas pretensões de 
admiração, sublinhando as hipóteses otimistas que embalavam seus desejos. 
Ignoraria o tamanho da lista dos derrotados, que crescia imperceptivelmente à medida que a carta 
corria, até incluir quase todo o país: imperador, ministros, conservadores, adversários, desafetos. 
Diria que tudo correria bem com seis países, dezessete empresas, centenas de escritOrios, 
milhares de empregados. Mas Carruthers possuía outro estofo. Os anos dedicados a pintar as 
neblinas escocesas não bastaram para fazer brotar nele sentimentos amenos. Tinha feito sua 
fortuna enfrentando guerras, países exóticos, correndo riscos suficientes para detestar viagens 
além das que fazia a seu vilarejo. Tivera em sua frente ricos transformados em devedores 
desesperados, boas idéias que acabaram em falência, e tragédias em número bastante para 
desacreditar em definitivo da prosperidade eterna. Considerava mais seus vizinhos abelhudos 
que os políticos. Se tinha sobrevivido foi porque soube ser duro e cético. Aprendeu a avaliar 
friamente os motivos ponderáveis e imponderáveis do sucesso nos negócios, separar o certo do 
duvidoso. Confiava no talento de Mauá desde que tomou a decisão aparentemente maluca de 
deixar seus negócios para ele. A cada remessa de dividendos das empresas em que o pupilo 
investia seu dinheiro pessoal, reconhecia que tinha acertado. Nem por isso, contudo, deixava de 
ver os defeitos que o otimismo impunha à precisão de seus cálculos, e bateu direto no ponto 
fraco. Para ele, bons sonhos só valiam se as contas estivessem corretas. O mais não era assunto 
de consideração para homens de negócios.
 A resposta à carta do barão foi escrita no dia 8 de fevereiro. Nela, Carruthers ignorou 
solenemente os cenários idílicos montados pelo barão. E, experiente como era, sabia que sonhos 
não se desfazem com argumentos con trários. Por isso, tomou o caminho das hipóteses 
fantasiosas começado por Mauá. Fez também as suas, para abrir os olhos do amigo a certos 
detalhes de sua pretensão de felicidade: Preciso tomar a liberdade de lhe dar um conselho de 
cautela na gestão das empresas sob sua responsabilidade. Numa época de alarme na Inglaterra 
(não há nenhuma à vista agora, mas fatalidades podem surgir), não adianta procurar nenhum 
banco caso você precise de ajuda. Não há generosidade nem largueza de vista quando se sofrem 
revezes. Nos tempos de prosperidade os bancos são todos sorrisos e empréstimos fáceis - mas 
não conte com dinheiro nos momentos de necessidade". E depois seguiu com os assuntos usuais 
de negócio, como se não estivesse acontecendo nada de excepcional naquele momento. Quando 
a carta de resposta chegou ao Rio de Janeiro, em meados de março, Mauá já poderia notar, se 
fosse capaz de tanto, uma levíssima brisa levando na direção contrária as nuvens de seus sonhos. 
Mas estava entretido demais com elas para seguir o conselho do amigo. O velho marinheiro 
Carruthers sabia que depois da calmaria vem a tempestade, e sugeria aproveitar o tempo bom 
para verificar os salva-vidas, deixar de lado os sonhos de glória para seguir a rota segura do 
bolso cheio. Mauá, que se comprazia com o descanso das tardes de sol em São Cristóvão, não 
prestou atenção. Preferiu fixar os olhos no reconhecimento que via tão próximo.
 Ele não era nenhum bebê a bordo. Em 38 anos de trabalho duro, tinha enfrentado muitas crises, 
e nelas venceu muito mais que perdeu. Sentia-se jovem o suficiente para ousar na hora das 
dificuldades, aproveitar os momentos complicados para triturar adversários mais fracos. Sempre 
sonhara grande, grande demais para que o conselho tornasse mais prudente seu estilo arrojado. 
Por que não esse modesto sonho de recompensa caseira? Até
ali o caminho tinha levado sempre para a frente, com mais riqueza depois de cada combate. 
Crescer na luta, para ele, era a realidade cotidiana. Confiava cada vez mais em seu talento de 
capitão e na resistência de sua nau de empresas. Que viessem pois as dificuldades que separam 
os homens dos garotos assustados. Naquele momento em que sentia a vitória próxima, não iria 
recuar. Só muito mais tarde, quando enfrentava borrascas cada vez mais violentas na solidão de 
seu escritório, xingando sem parar enquanto caminhava em círculos, o barão de Mauá veio a 
sentir muita falta de algumas pequenas precauções que poderiam ser tomadas no verão de 1861. 
O pior é que não podia recuar da rota que escolhera quando o tempo ainda era bom.
FÉ, LEI E REI
Era no tempo d'El Rey, em terras de fronteira.
 No dia 15 de junho de 1801 o capitão-de-armas da capitania de São Pedro do Rio Grande (atual 
Rio Grande do Sul) recebeu em sua casa o capitão de um navio recém-chegado ao porto de Rio 
Grande. Ele trazia uma notícia importante: Portugal e Espanha estavam em guerra. Em minutos, 
os 2 mil habitantes do vilarejo espremido entre dunas e a lagoa dos Patos se alvoroçavam com a 
novidade. Ali o assunto era vital, pois São Pedro ficava no limite dos domínios espanhóis e 
portugueses na América.
Nesse momento de tensão o capitão-de-armas, cujo nome era Sebastião Xavier Veiga Cabral da 
Câmara, não hesitou em agir. Hoje uma atitude como a que tomou seria impensável. 
Ele não passava de um funcionáriode médio escalão, daqueles que poderiam tranqüilamente 
dizer a todos para aguardar instruções. Mas Câmara vivia num tempo em que se desconhecia 
esse tipo de zelo - o incerto era mais que suficiente para homens como ele. Até chegar em sua 
casa a notícia tinha viajado de boca em boca por três meses e treze dias. As dificuldades de 
comunicação fizeram com que a nova levasse no percurso nove dias mais que a guerra, que tinha 
sido deflagrada no dia 2 de março e encerrada por um tratado em 6 de junho, depois de umas 
poucas escaramuças. Mas Câmara não sabia de nada disso, nem queria esperar. Se fosse aguardar 
ordens ou buscar mais esclarecimentos, corria o risco de sofrer um ataque de algum espanhol 
mais ousado que ele. Isso sim o preocupava. Certamente a notícia do conflito chegaria também 
ao outro lado da fronteira, o que significava perigo à vista. Contando com tal hipótese, resolveu 
se defender atacando primeiro. Por sua conta, declarou guerra aos vizinhos.
 Mesmo doente, tomou as providências que julgava necessárias, assim descritas pelo visconde de 
São Leopoldo: 
Ainda não autorizado a declarar guerra, mas querendo, porém, prevenir avessas inteligências, 
publicou no dia 4 de julho um edital, em que recomendava a seus súditos que se limitassem a 
natural defensa, no caso de irrupção por parte da Nação vizinha, entretanto foi puxando a raia as 
forças disponíveis. Tanto que os espanhóis as avistaram, preocupados de um terror pânico, 
desampararam as guardas avançadas de São José, Santo Antônio da Lagoa e Santa Rosa [hoje 
Santa Rosa das Missões, no Rio Grande do Sul], e reuníndo-se no Cerro Largo [atual Melo, no 
Uruguai], largaram todas as vertentes da lagoa Mirim, com uma graciosa extensão de território, 
ficando a coberto nossos estabelecimentos com o rio Jaguarão.
 Graças à ação decidida do capitão Câmara, que morreu em casa durante o período de combates, 
Portugal teve compensações inesperadas para uma derrota. No Reino, a rápida guerra custara a 
cidade de Olivença; na Colônía, as tropas portuguesas tomaram uma vasta área, desde o território 
das Missões, no oeste do Rio Grande do Sul, até o rio Jaguarão, no sul. E quando, no início de 
1802, chegaram à Europa as notícias da conquista levada adiante pelo subalterno, ninguém 
estranhou muito.
Combates aconteciam com muita freqüência naquelas paragens distantes, mesmo quando 
nenhum rei mandava lutar. Os atritos decorriam de planos incompatíveis dos vizinhos ibéricos, 
nos quais as ações do capitão se encaixavam. Ele sabia o que buscar, ainda que nunca tivesse 
recebido instruções específicas. O plano não escrito da guerra já estava na cabeça da população, 
como notou o sargentomor José Marques Fernandes: "Não há palavras pelas quais se expresse 
cabalmente o alvoroço daqueles povos em toda a capitania com a declaração de guerra, porque 
em todo o tempo lhes pareceu que os espanhóis deveriam conter-se além do rio da Prata e que os 
portugueses deviam viver separados deles pelo mesmo rio".
 Se os espanhóis concordassem com o plano, tudo estaria bem. Mas eles também tinham os seus, 
Pelos quais os portugueses deveriam se contentar em ficar em algum lugar ao norte da ilha de 
Santa Catarina. Como os dois povos não conseguiam ocupar o mesmo lugar no espaço, as 
diferenças se resolviam a bala. A divisa ficava no lugar determinado pelo último combate, até 
que uma nova investida ou um tratado de paz negociado na Europa modificasse a situação. Nos 
150 anos anteriores à guerra de 1801, os limites do Sul do Brasil se moveram como um fole. Em 
várias ocasiões, os portugueses tiveram, entre 1680 e 1777, um enclave fincado no limite que 
queriam: 
a Colônia de Sacramento, instalada à margem do Prata bem em frente a Buenos Aires. 
Empurrando-os para longe, os espanhóis chegaram a tomar a ilha de Santa Catarina, em 1777, 
ficando também bem perto de realizar seu íntento. Mas nenhum dos dois lados conseguia 
consolidar as vitórias, e a fronteira alterava-se após cada investida bem-sucedida do adversário, 
até ser de novo empurrada para mais adiante.
 As sucessivas ondas guerreiras varriam uma região privilegiada, de terras férteis e planas. Desde 
o início da colonização essas terras tinham se mostrado um excepcional criadouro natural de 
gado. Milhares de bois e cavalos se multiplicavam soltos e sem dono, desde que, séculos antes, 
algum viajante deixara escapar algumas cabeças. Os que vieram depois apenas se serviam do 
gado para juntar uma boa manada. Num mundo onde a fome era a realidade, este seria o paraíso 
para qualquer candidato a fazendeiro, se não fossem as guerras. Cada onda de soldados que 
passava trazia riqueza para os vencedores, que se apossavam do gado dos derrotados - e, para 
estes, a perda das reses acumuladas durante uma vida de trabalho. Viver nessa espécie de campo 
de batalha cíclico tornava-se então um jogo de alto risco, que poucos tinham coragem de 
enfrentar. Fixavam-se no território apenas os nativos dos pampas, que não sabiam para onde 
fugir, e os aventureiros em busca de um atalho para a fortuna. Os índios charruas e guaranis, 
além de alguns mestiços, formavam o primeiro contingente. Os poucos europeus que dividiam o 
espaço com eles eram gente de coragem e, no caso dos portugue ses, sócios de uma aposta 
ousada do governo. A Coroa portuguesa, interessada na ocupação do território, distribuía 
generosamente títulos de terras nas zonas em litígio. Mesmo assim, a possibilidade de se tornar 
um grande senhor não comovia muita gente. Afinal, um papel, ainda que com a assinatura do rei, 
queria dizer muito pouco naqueles ermos.
 Mas sempre havia os que tentavam. No caso dos portugueses, vinham principalmente da ilha 
dos Açores, que andava superpovoada. Em geral eram filhos de colonos com boa educação e 
uma certa tradição como proprietários, que já não encontravam espaço para fazer a vida na 
pequena ilha. Ali o aperto de todo dia tornava a promessa de terras imensas e férteis mais 
atraente que a perspectiva de lutar muito para conseguir pouco - e assim alguns jovens 
sucumbiam ao canto de sereia da Coroa. Juntavam seus bens e armas, pagavam para atravessar o 
oceano e iam lançar sua sorte no lugar indicado no pedaço de papel recebido do governo - se os 
índios e os soldados inimigos deixassem. Em 1792, José Batista de Carvalho percorreu o 
caminho e venceu os obstáculos. Construiu um rancho entre os arroios Grande e do Chasqueiro, 
numa sesmaria de 4 mil hectares que recebeu do rei. Teve sorte, pois as terras até que eram bem 
localizadas: ficavam quase duzentos quilômetros adiante da última guarnição portuguesa, mas 
também a quinhentos quilômetros da única cidade espanhola de importância na região, que era 
Montevidéu. O isolamento contribuiu para seu sucesso. 
Ele acabou se instalando a alguma distância dos postos avançados dos espanhóis, e conseguiu 
ficar sem ser perturbado.
 Durante seis anos viveu quase sozinho, juntando gado e tratando de montar sua fazenda. Só teve 
companhia de um patrício em 1798, quando outro açoriano seguiu a mesma rota. Seu nome era 
Manuel jerônimo de Sousa, e tinha ganho do rei as terras vizinhas de Carvalho. Graças ao 
pioneiro, Manuel Jerônimo se adaptou com mais facilidade, aprendendo logo as regras de 
sobrevivência em território hostil. Carvalho lhe ensinou como não incomodar para não ser 
incomodado: pela lei não escrita da região, se quisessem paz, os intrusos portugueses deveriam 
se ocupar da importante tarefa do contrabando. Desde que fornecessem tabaco e bebida, produtos 
de circulação livre em terras portuguesas mas proibidos para os espanhóis, a oposição se 
limitaria a uma ou outra menção nos relatórios de rotina. Com isso, um ciclo de comércio se 
estabelecia: os espanhóis e os nativos levavam gado paraa estância; os tropeiros que abasteciam 
o Sudeste do Brasil traziam o tabaco e a bebida que permitiam comprar mais gado, levando em 
troca as manadas. Não era exatamente um grande negócio, mas deixava os estancieiros em paz 
até que a sorte mudasse.
 O avanço do intempestivo capitão-de-armas em 1801 funcionou como um prêmio para esses 
pioneiros. As tropas portuguesas vindas de Rio Grande passaram pelas terras que eles ocupavam, 
e só foram se deter na margem do rio Jaguarão, cinqüenta quilômetros ao sul. Nesse movimento, 
eles deixaram de ser estranhos tolerados em território inimigo e se tornaram senhores legítimos 
nos domínios de Portugal, com direito de participar na divisão dos fartos despojos da guerra. 
Para se ter uma idéia destes, os fiscais do Real Erário conseguiram cobrar impostos sobre a 
captura de 10 mil reses de espanhóis na região - mas naquele tempo e naqueles territórios vastos 
havia muita coisa que escapava a olhos argutos. E para completar os benefícios dos que ousaram 
chegar antes, o novo governador da capitania, brigadeiro Francisco João Roscio, tomou 
providências para garantir a segurança dos portugueses: mandou construir instalações 
permanentes para o destacamen to do Serrito, às margens do rio Jaguarão. A fixação de soldados 
nas proximidades significava, além da proteção armada para os negócios, também uma nova 
clientela, já que as tropas precisavam ser abastecidas de cavalos e carne.
 O clima de segurança e os novos clientes logo se tornaram permanentes, pois os espanhóis não 
reagiram à conquista. Com a paz relativamente assegurada, deu-se uma rápida mudança na 
região. Se antes o rei tinha de buscar interessados entre os homens corajosos, agora era preciso 
selecionar entre os muitos candidatos a uma gleba. Como notou um dos estancieiros locais, 
"todos que no tempo da guerra viviam se escondendo agora queriam campos". No meio da 
correria, os que tinham chegado antes levavam vantagem: conheciam os fornecedores de gado, 
tinham currais prontos e estâncias formadas. Essas vantagens tornaram-se ainda mais evidentes 
quando chegaram os grandes investidores, atraídos pelo potencial do território 
recémconquistado. Eles vieram para instalar indústrias de charque, um produto de grande 
demanda no Rio de janeiro e em Minas Gerais, pois era a base da alimentação dos escravos. Com 
a compra de gado para as charqueadas, a economia local conheceu uma explosão de crescimento. 
Em 1808 o porto de Rio Grande já recebia 150 navios por ano, o triplo de Montevidéu. Como as 
novas terras também se prestavam à agricultura, em pouco tempo surgiram plantações de trigo e 
cebola, acelerando ainda mais a ocupação e o movimento do comércio. A leva de interessados 
não parava de crescer. Duas vilas começaram a ser formadas no que até pouco antes era o espaço 
dos pioneiros: Arroio Grande, ao lado das propriedades dos vizinhos Carvalho e Sousa, e Serrito, 
em torno do acampamento das tropas na nova fronteira.
 Nesses tempos de progresso econômico, a união entre os vizinhos açorianos, vinda dos tempos 
de isolamento, aumentou muito. João Evangelista de Ávila e Sousa, filho de Manuel Jerônimo, 
casou-se em 1810 com Mariana Batista de Carvalho, a filha de dezesseis anos do desbravador 
José Batista de Carvalho. Para começarem a vida, os pais dos noivos obtiveram uma nova 
sesmaria, a dez quilômetros do vilarejo de Arroio Grande. Ali João Evangelista construiu uma 
casa, num patamar sobre uma curva fechada do rio que corria na propriedade. Casa pequena, 
quatro metros por oito, com um só cômodo. Alicerces de pedra, paredes de pau-a-pique, piso de 
terra batida e teto de sapé. A cozinha - um fogão a lenha colocado embaixo de uma cobertura - 
ficava fora. O pequeno espaço interno servia de habitação e armazém; abrigava uma mesa com 
bancos de madeira dura, canastras de couro, vasilhas de cerâmica para água e mantimentos, 
arreios, ferramentas de lavoura, uma cama tosca - quatro estacas fincadas no chão e o couro de 
um boi esticado entre elas - e o inevitável oratório, cujas portas eram fechadas na presença de 
estranhos.
 Os dois não levavam uma vida de conforto, mas nem por isso passavam mal. O gado crescia nos 
campos, o que significava fartura de carne, leite e manteiga. 
Num pequeno terreiro criavam-se porcos, cevados com frutos nativos. Perto da casa uma 
plantação de trigo garantia o pão de cada dia, e as verduras eram colhidas na horta. Da cidade 
vinham apenas a pólvora e o sal, e em dias de festa o vinho. O mais eram sonhos, alimentados 
com muito trabalho. As vendas crescentes de gado embalavam os projetos de uma vida melhor, 
um futuro sem o fantasma das guerras. Nesse clima de otimismo nasceu a primeira filha do casal, 
Guilhermina, em 21 de abril de 1811. Além dos pais, todo o clã em formação no vilarejo de 
Arroio Grande teve muito o que comemorar. A primeira neta dos pioneiros veio em momento 
especial, quando um novo prêmio para o pioneirísmo e a fidelidade ao rei estava sendo buscado: 
os novos territórios já andavam se tornando importantes, e a vida ali precisava ser organizada. 
Alguém deveria impor a ordem, e senhores de terra bem formados eram os candidatos natos a 
autoridade formal na região. O pioneiro José Batista de Carvalho, que além de fiel e corajoso era 
alfabetizado - uma raridade num tempo em que menos de 3% da população fazia garatujas -, se 
tornava assim forte concorrente a um posto. Fazia dobradinha com o compadre Manuel 
jerônimo, que cuidava de um outro elemento fundamental para o sucesso da empreitada de 
consolidar a autoridade.
 Nos tempos do rei a autoridade local se construía não só nas lutas, mas também na fé. Manuel 
jerônimo estava atento a esse detalhe: construiu um grande oratório em sua estância, e cuidou 
para que fosse o centro espiritual da vila e de toda a região. Ali os bugres rezavam, aconteciam 
os batizados e casamentos, novenas e procissões. 
Mas a capela não tinha um sentido apenas espiritual. O local de rezar bem cuidado era a base 
mais segura para o estabelecimento de uma freguesia, sede tanto de um distrito religioso como 
unidade administrativa, num tempo em que Estado e Religião não se distinguiam. Como já havia 
4 mil almas a serem pastoreadas nas terras conquistadas - além do interesse estratégico da região 
para o governo português -, tornava-se inevitável uma ação rápida para assegurar a posse efetiva 
do terreno, e a regularidade administrativa era um passo importante para isso. A capela de 
Manuel Jerônimo tornou-se então o elemento central de uma disputa: os habitantes do vilarejo 
queriam transformá-la em sede de freguesia. Caso o esforço desse resultado, as terras se 
valorizariam ainda mais, e com ela o prestígio social da família. Daí aos altos postos da 
administração local seria apenas uma questão de tempo.
 As preces eram cada vez mais fervorosas em Arroio Grande, pois precisavam ser ouvidas mais 
alto na capital - os moradores do acampamento do Serrito pensavam da mesma forma e também 
reivindicavam o favor. Todos os cuidados para a vitória estavam sendo tomados. A capela de 
Manuel Jerônimo foi caiada, dois padres trazidos para dizer missas, batizar e cuidar da formação 
das almas. José Batista de Carvalho cuidou de escrever uma petição assinada pelos moradores e 
mandada para o bispo do Rio de janeiro, José Caetano da Silva Coutinho. Nela alinhavava todos 
os bons motivos para a escolha, sem se esquecer de denegrir a "miserável barraca de palha" que 
servia de oratório na vila do Serrito. A concorrente "ficava fora do centro do território", sofria o 
perigo das guerras, tinha só um padre e era tratada com o desleixo típico dos homens de pouca 
fé. A petição foi mandada pouco antes do nascimento de Guilhermina, que poderia ser a primeira 
pagã a receber os santos sacramentos na

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