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6 Princípios de interpretação Especificamente Constitucionai A Hermenêutica Jurídica Clássica desenvolveu técnicas (gramatical, lógica, sistemática, histórica, sociológica e teleológica) que são adotadas na interpreta- ção de normas de qualquer ramo do Direito Positivo. Houve, entretanto, após a admissão da aplicabilidade imediata dos princípios constitucionais, a necessidade de um novo modelo hermenêutico, sendo essa a motivação para a elaboração dos chamados princípios de interpretação especificamente constitucional. É impor- tante ressaltar que as técnicas tradicionais não foram negligenciadas, mas, sim, complementadas por esses princípios, que, para alguns, são apenas novos aspectos ou aplicações das técnicas clássicas já mencionadas. Passaremos, agora, a analisar os referidos princípios hermenêuticos: 1) Princípio da unidade da Constituição Se a Constituição é a norma fundamental que dá unidade e coerência à ordem jurídica, ela própria precisa ter unidade e coerência interna, ou seja, a superação de suas contradições, não através de uma lógica de exclusão que reconheça vali- dade a uma parte em detrimento da outra, mas através de uma lógica dialética de síntese e harmonização. A interpretação constitucional deve garantir uma visão unitária e coerente do Estatuto Supremo. Já consideramos a importância dos princípios da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade para assegurar a unidade material da Constituição.^ Res- saltamos, agora, que as regras constitucionais devem ser interpretadas de acordo ̂ MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2011. com os princípios constitucionais até onde a textualidade permitir, não podendo jamais ocorrer a transgressão essencial dos valores enunciados nos princípios. Os princípios específicos devem ser interpretados pelos princípios gerais e os princípios gerais devem estar sintonizados com os princípios estruturantes (o republicano, o federativo, o do Estado de Direito e o democrático). O princípio da unidade da Constituição requer a moldura de uma cosmovi- são, 0 recurso a um quadro global anterior que forneça princípios e ideias com a aptidão de garantir uma coesão interna. Vemos aqui a importância da metafísica e do Direito Natural para a interpretação. 2) Princípio do efeito integrador A Constituição é uma integração dinâmico-espiritual de valores aspirados por diferentes segmentos da sociedade. A sua interpretação, portanto, deve contribuir para a integração social pretendida textualmente. Trata-se da versão sociológica do Princípio da Unidade da Constituição. 3) Princípio da máxima efetividade Deve-se preferir a interpretação dos princípios constitucionais que confira maior efetividade aos valores neles enunciados. Tudo isso dentro do fático e juridicamente possível. Dentro do faticamente possível, pode ser considerada a “reserva do possível”, isto é, o que cada um tem direito de razoavelmente exigir da sociedade. Essa limitação, porém, não pode sonegar a cada um o chamado “mínimo existencial”. Em relação ao juridicamente possível, salienta-se a impossibilidade de aplicar um princípio de modo tão amplo que atinja o “núcleo essencial” de outro igualmente protegido. 4) Princípio da força normativa da Constituição A interpretação da Constituição deve referir os seus princípios aos novos pro- blemas da sociedade, de tal maneira que haja a sua concretização continuada. Os princípios textuahzados, por sua vez, devem ser interpretados à luz dos valores vivenciados pela comunidade. O reconhecimento e a legitimidade permanente da normatividade constitu- cional são os objetivos a serem alcançados aqui. Toda mutação constitucional, porém, deve acontecer nos limites do texto, pois, de outro modo, teríamos não uma mutação, mas uma “ruptura constitucional”.̂ 2 HESSE, Konrad. Temas fundamentais do d ireito constitucional. Trad. Inocêncio Mártires Coelho. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 170. 5) Princípio da repartição funcional Se a Constituição organiza estruturalmente o Estado, regulando e distribuindo funções entre os seus órgãos, o intérprete deve ater-se rigorosamente às prescrições voltadas para esse sentido. Não é permitido ao Judiciário interpretar ampliativa- mente as competências, muito menos a sua. Só o constituinte poder criar casos específicos de interpenetração de poderes. O objetivo desse princípio é assegurar a validade da separação de poderes, evitando conflitos interorgânicos ou federativos. Vale aqui as palavras de Carlos Maximiliano: “No Brasil, sobretudo, em que o Judiciário é o juiz supremo da sua competência, se fora autorizado a legislar em parte, não tardaria afazê-lo em larga escala. Há inúmeros exemplos de tentativas desse poder para se sobrepor aos outros em todos os sentidos, até mesmo na esfera política; e a ditadura judiciária não é menos nociva que a do Executivo, nem do que a onipotência parlamentar.”^ 6) Princípio da interpretação conforme a Constituição De acordo com esse princípio, a ordem jurídica deve ser interpretada segundo os valores constitucionais básicos e a norma infraconstitucional deve ser compreen- dida a partir do sistema constitucional. Assim, se uma norma infraconstitucional admite várias interpretações, dar-se-á preferência àquela que melhor ajuste a norma à Constituição. Em atingindo a norma infraconstitucional os fins constitucionais em situações típicas, mas não em uma situação atípica, apenas na situação atípica específica, a norma será afastada para que se possa fazer valer diretamente o preceito constitucional. A interpretação conforme a Constituição está limitada pela literalidade do texto normativo, ou seja, não se pode, sob o pretexto de economia normativa, dar a uma norma um sentido que contrarie suas potencialidades lingüísticas, a fim de que ela possa ser conciliada com a Constituição e ter a sua validade preservada. Também não será válida a regra infraconstitucional que, apesar de não agredir diretamente um preceito da Constituição, tire a sua funcionalidade, pois aí terá ocorrido violação ao princípio da proporcionalidade e ao da razoabilidade. ̂ MAXIMILIANO, Carlos. Herm enêutica e aplicação do d ireito. 19. ed. Rio de Janeiro; Forense, 2006. p. 59. 7) Princípio da harmonização prática ou da concordância prática Aqui nós temos um princípio intelectivo que é uma projeção na hermenêutica do princípio positivo-normativo da proporcionaHdade. Ele tem uma hgação estreita com o princípio da unidade da Constituição. O princípio da proporcionalidade se subdivide em três subprincípios: o princípio da adequação, o princípio da exigibilidade e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito. O princípio da adequação ou da conformidade prescreve que o meio deve ser apto para alcançar o fim, ou seja, o fim validará o meio. O princípio da exigibilidade ou da necessidade estabelece que o meio escolhido deve ser o mais suave, aquele que importar em menor sacrifício para os direitos fundamentais que não prevaleceram na decisão judicial. O princípio da proporcionalidade em sentido estrito define preferência pelo meio que soma mais vantagens e que leva em conta, a um só tempo, o maior número de interesses em jogo. Enquanto o princípio da proporcionalidade prescreve, o princípio da harmo- nização prática descreve o que deve ser feito. Assim, quando houver colisão de direitos fundamentais num caso concreto, se fará a harmonização prática para encontrar-se a solução ótima. De acordo com a “lei da colisão” (Alexy^), as condições sob as quais um princípio prevalece sobre o outro formam o pressuposto de fato de uma regra que determina as conseqüências jurídicas do princípio prevalente. Já a “lei da ponderação”, em sua primeira parte, estabelece que quanto maior é o grau de satisfação ou de prejuízo de um dos princípios, tanto maior deve ser a importânciada satisfação do outro. Na segunda parte, estabelece que quanto mais intensa for uma intervenção em um direito fundamental, tanto maior deve ser a certeza das premissas que sustentam a intervenção. A “lei da conexão” diz que os princípios formais procedimentais podem prevalecer sobre os princípios jusfundamentais materiais somente quando estão ligados a outros princípios materiais. Quanto à necessidade de fundamentação da ponderação dos princípios, a validade prima fade de cada um responde pelo ônus argumentativo do julgador quando estabelecer no caso concreto uma relação de prioridade entre eles. Embora a expressão “ponderação de valores” esteja popularizada entre os juristas (e, por amor a comunicação, nós também a utiUzamos), entendemos que a ponderação ocorre entre razões e argumentos e não propriamente entre valo- res. O sopesamento das razões é para descobrirmos se estamos sob o âmbito de incidência de um princípio ou de outro numa determinada situação. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Ma- Iheiros, 2008. p. 85-120.