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1 17ª aula – 06/10/15 Ponto 5: Elementos da Teoria Habermasiana Revisão: A partir do contraponto de Habermas vs Weber, Habermas acredita que a sociedade secular e a sociedade sagrada elas não são cindidas, não são separadas. A ideia é que dentro de uma mesma sociedade existem aqueles que acreditam no secular e aqueles que acreditam no sagrado, então há uma junção. Por isso, o Habermas transportando essa junção da sociedade secular e sagrada para a sua teoria discursiva, ele diz, para ser legítimo, um discurso deve englobar a vontade da minoria e a vontade da maioria. É a vontade da minoria e o da maioria que forma o consenso normativo. Consenso normativo nada mais é do que o resultado de uma escolha em mundo muito complexo, a ideia é que, chega para a arena da escolha expectativas individuais. O discurso que forma o consenso normativo é divido em Discurso de fundamentação e Discurso de aplicação, os atores sociais do discurso de fundamentação: Legislativo. E o discurso de aplicação: Executivo e Judiciário. Ele diz que, para conferir legitimidade na pós-modernidade, basta incluirmos a Sociedade Civil Organizada como um novo ator social. Esse novo ator social deve fazer parte das decisões, tanto do legislativo, como do executivo e do judiciário. Quando a Sociedade civil organizada faz parte das decisões de outros atores sociais, conceitos como custo, ligados a direitos fundamentais tornam-se mais legítimos. ________________________________________________________________________ O que acontece com os Direitos Humanos quando eu assumo que a Maioria e a Minoria devem formar a norma jurídica? Sabemos que os Direitos Humanos são expressões de normas jurídicas. Distinguindo que, direitos fundamentais são de ordem constitucional e direitos humanos são da ordem internacional, nós estamos falando de normas que não estão dentro do ordenamento jurídico de um determinado Estado. Para que essas normas jurídicas se liguem a um determinado ordenamento de um Estado, elas têm que ser aceitas pelo Estado e transformadas em direitos fundamentais. Então direito humano para valer dentro de um determinado Estado ele tem que ser incorporado dentro da ordem Constitucional. No Brasil nos criamos uma anomalia: A norma “Supralegal”. Então nós teremos normas Constitucionais, infraconstitucionais e as normas supralegais. As normas supralegais (tratados internacionais que versam sobre os direitos humanos, que foram aceitas no Estado), não são constitucionais porque não foram incorporadas à Constituição através de emenda e também não são normas infraconstitucionais. A norma supralegal ele supera (está acima) das normas infraconstitucionais. Seria então: 2 Então, direitos humanos são normas jurídicas internacionais (não são normas jurídicas internas, não são normas jurídicas constitucionais), que para ser evidenciado como norma jurídica interna, deve ser inserido dentro da Constituição, e nós vamos chamar então de Direitos Fundamentais. Essa é a principal diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais. O que o Habermas teoriza? Que esses direitos humanos, desde o Kant são de ordem universal, “são” uma verdade universalizada, ele deve ser visto sob dois prismas: o da Cultura e o da Personalidade. A Cultura representa a maioria, porque é à vontade social. E a Personalidade representa o indivíduo ou a minoria. Habermas está dizendo que direitos humanos antes de “ser” considerando uma ordem universalizada como Kant queria, ele deve ser enxergado como uma separação entre a vontade da maioria e a vontade da minoria. Essa vontade da maioria e da minoria, ela se expressa através da liberdade individual. Por quê? Nós já vimos que o indivíduo é livre para aceitar e se filiar a vontade da maioria ou se autodeterminar enquanto minoria, é livre ao indivíduo (o Habermas acredita nisso). É uma liberdade em uma arena livre de constrangimentos. Uma arena onde se vai tomar uma decisão política, não pode ter “embaraço” político nenhum, o indivíduo tem que ser autodeterminante e acreditar que o seu igual também se autodetermina. Mas o Kant já não dizia isso? Que o indivíduo se autodetermina, reconhece que o outro indivíduo se autodetermina para formar a vontade universal. Porém, o Kant acredita que a minha verdade só é reconhecida quando um outro igual a mim a reconhece também, isso é a universalização para o Kant. O que o Habermas irá dizer é que não, eu não preciso do reconhecimento, eu sou um indivíduo que me autodetermino em uma arena livre de constrangimentos e eu não preciso que o outro me reconheça enquanto indivíduo autodeterminante, porque isso é um pressuposto da arena livre de constrangimentos, que os indivíduos se autodeterminem sem precisarem um dos outros para se auto reconhecerem. Voltando, esta cisão (separação) entre a Maioria e a Minoria ela é inerente aos direitos humanos, o que o Habermas vai dizer é, ao contrário do que se vem pensando em Kant, de que a universalização pressupõe o reconhecimento e a autodeterminação, aqui, a minoria, o indivíduo, pode se determinar sozinho, e se ele pode se autodeterminar sozinho, consequentemente ele pode determinar direitos humanos sozinho. Como assim? Como é que a minoria define direitos humanos? Até então, direitos humanos era a universalização da maioria. O que o Habermas está definindo é, que a universalização agora parte da vontade da minoria1. Na pós- modernidade o que é a minoria e que foi subjugado, é capaz de definir direitos humanos 1 O Habermas acredita que, quando a maioria define a universalização, a vontade é daqueles Estados soberanos dominantes. Então, seria a cisão exata que Weber falou de a sociedade secular ser a racional e a sociedade sagrada, baseada na sacralização do direito, não é racional, eu consigo imputar a ordem jurídica racional ao que não é racional, justifiquei os direitos humanos através da vontade do secular, da vontade da maioria, e subjuguei a minoria que ainda é sagrada. 3 através do consenso normativo que requer o melhor argumento. Então o Habermas entende que a universalização agora dos direitos humanos não cabe tão somente a maioria, mas agora também com a minoria através do melhor argumento2. Isso redefine o universo de direitos subjetivos (direito subjetivo não é algo abstrato, mas sim o direito pertencente ao sujeito). Direitos subjetivos são direitos não pertencente a sociedade, mas ao indivíduo, a minoria, a esfera da personalidade. Por exemplo, na CF está escrito no art. 6º “são direitos sociais...”, saúde, educação, moradia, etc.... Mesmo sendo postos como direitos sociais, acredita o Habermas, isso não pertence a maioria, a sociedade, pertence ao sujeito, é por isso que hoje o Mandato de Segurança para proteger a saúde, a educação não precisa ser uma ação coletiva, pode ser uma ação individual. Então, Habermas acredita que os direitos humanos, são direitos básicos pertencentes a esfera do sujeito, então qualquer indivíduo pode requerer garantias sobre o direito subjetivo porque está sob a sua esfera particular. Mas são direitos subjetivos básicos que definem inclusive a ratificação da vontade individual, lembrando que no Kant o indivíduo precisava da ratificação de outro indivíduo para ser definido como autodeterminante. O que o Habermas está dizendo nesse ponto é que, os direitos humanos, que são direitos subjetivos básicos, direitos pertencentes ao indivíduo são os direitos que ratificam a autodeterminação individual, o Kant acreditava na autodeterminação ratificada por outro indivíduo, Habermas por seu turno, acredita que, os direitos humanos é que ratificam a autodeterminaçãodo indivíduo. E que esses direitos humanos precisam ser materializados (pelo Estado) para que haja a autodeterminação. Consequência dessa ideia de que são os direitos subjetivos humanos que concedem a autodeterminação individual: Nós vamos modificar a normatividade tradicional, porque a normal tradicional ela advém da maioria, e o objetivo agora é que a norma venha da minoria. Quando o Habermas cria a sua tese, ele repudia o excesso de normas (ex.: estatuto da criança, do idoso, do adolescente, estatuto do índio, lei maria da penha, lei disso, lei daquilo, etc.), o que ele está dizendo é que, a partir da norma de direitos humanos, que dentro de um Estado é chamado de direitos fundamentais, posto na Constituição, é que a minoria já é evidenciada pelos direitos subjetivos, pelos direitos fundamentais, ou seja, pelos direitos constitucionais. Então eu não preciso desse excesso de normas jurídicas dentro do Estado, o que eu preciso é de uma institucionalização materializadora desses direitos, que na pós-modernidade é o Judiciário. Então o Judiciário vai garantir direitos fundamentais, os direitos humanos. E como ele garante? Ele “pega” um direito fundamental posto na Constituição, como exemplo, a igualdade, e a aplica a todas as minorias, todos são iguais. (Ex.: casais homoafetivos iguais a casais héteros, então podem adotar). Então, o Judiciário para a teoria do Habermas tem papel fundamental. Definido então direitos subjetivos a partir dessa nova ideia, é um conjunto de direitos que definem a legitimidade de ordem, de um ordenamento jurídico. Esses direitos subjetivos, sempre vão definir tensões entre a “técnica administrativa” e a “dimensão moral institucionalizada”. Na pós-modernidade, quem institucionaliza? O Judiciário. O 2 O que vai contrariar a própria tese do Habermas. Porque o Habermas diz que numa arena pública, maioria e minoria chegam para a escolha, e pode ser que a maioria tenha o melhor argumento assim como a minoria, porém, quando ele está analisando os direitos humanos, ele vai prescindir dessa teoria, porque ele vai dizer que a melhor argumentação está tão somente na minoria. Isso só ocorre na análise dos direitos humanos. 4 administrativo “fica” para o Legislativo e o Executivo. O que o Habermas está dizendo é, que os direitos subjetivos garantem legitimidade ao ordenamento, mas eles evidenciam sempre uma tensão entre o Judiciário, Legislativo e o Executivo, porque se o Executivo e o Legislativo não incluírem, não materializarem direitos subjetivos, quem pode materializar é o Judiciário, essa é a constante tensão. Diz o Habermas, os direitos humanos são a primeira forma de conexão entre moral e soberania popular, porque direitos humanos são direitos de ordem individual, porque até a teoria do Habermas soberania popular era do povo, povo é quem toma decisão política, ou seja, maioria. Então, a partir do Habermas, direitos humanos, como sendo vontade da minoria, é a primeira forma de conexão entre a soberania popular e a moral, o que ele está querendo dizer é que a Democracia é o segundo elemento de conexão entre moral e soberania popular. Mas em que momento a Democracia passar a ser essa conexão? Pois até o século XIX a democracia era a vontade da maioria pelo elitismo democrático3. Então ele entende que a democracia conectora, não é a representativa, mas sim a Democracia Participativa, que une a vontade da minoria a vontade da maioria. Essa participação, ele pode ser posto em programas de governo (ex.: conselho gestor), mas também pode ser evidenciado dentro de instituições políticas (ex.: canais que o legislativo abre para ouvir a sociedade). Então Habermas entende que para redefinir a democracia popular, eu preciso antes redefinir os direitos humanos, reconhecer os direitos humanos como pertencente ao sujeito, ao indivíduo e não ao coletivo e também redefinir a democracia, uma democracia participativa. 3 Evidencia-se na modernidade e representa a vontade da maioria. Nunca preza pelo bem comum, mas pelo bem do coletivo, da maioria. 5 18ª aula – 07/10/15 Ponto 6: Teoria Democrática, racionalidade e participação: uma crítica ao elitismo democrático. Revisão: Na teoria Habermasiana temos direitos humanos definindo direitos subjetivos e soberania popular. A ideia de direitos humanos, segundo Habermas, são direitos que não pertence à coletividade, mas pertence ao sujeito. E são esses direitos que são capazes de conferir autodeterminação para o indivíduo. Basta que sejam materializados esses direitos humanos ao sujeito, para que o indivíduo seja autodeterminante, e, portanto, ele concebe que direitos humanos não é uma formação da maioria, mas sim uma formação da minoria. Consequência, direitos subjetivos para o Habermas, são direitos capazes de conferir a emancipação humana4. Agora, o Habermas dizendo quanto à Soberania Popular5 que, ao contrário do princípio visto nos paradigmas estatais, que está ligada ao princípio majoritário, pois está adstrita a democracia majoritária, a democracia representativa; ele vem contrapor dizendo que a democracia é aquela que não é formada somente pela maioria, mas aquela que inclui na maioria o discurso da minoria. Então a ideia é que, esse exercício da soberania popular seja a junção da maioria + minoria. ________________________________________________________________________ Analisar-se-á o que o Habermas chama de Moral pós-convencional, mas antes se faz necessário relembrar alguns institutos desenvolvidos por ele. 1) Primeiro ponto: o Habermas critica o elitismo democrático6, desenvolvendo a ideia de que a democracia não pode ser mais pelo princípio majoritário, mas tem que se criar uma nova forma de democracia para que haja uma efetiva inclusão da minoria no discurso da maioria. A ideia de incluir a minoria no discurso da maioria é trazer uma maior legitimidade para as escolhas políticas. Então, como exemplo, escolhas ligadas aos custos de direitos fundamentais, elas ficam mais legítimas se a minoria participa da decisão. O Habermas fazendo essa análise ele diz, na maior parte dos Estados soberanos, a ideia de uma democracia que supere a democracia representativa ainda é um ideal, pois a maior parte desses Estados na pós-modernidade, eles não conseguem conceber a democracia que não seja pelo princípio da maioria, pois eles não têm instrumentalização social, aparato administrativo, para fazer essa passagem da democracia representativa para um outro tipo de democracia. Então Habermas teoriza em criar um meio termo, a democracia participativa, que concilia a vontade da maioria com a vontade da minoria. Pois a minoria participa através de canais criados pelo aparato administrativo do Estado (canais dialógicos). Essa ideia de minoria participando pelos canais de participação, supera o que a democracia, até o séc. XIX, entendia por bem coletivo. Aqui necessário se faz fazer uma diferenciação entre os bens almejados. No curso de Teoria Geral do Estado, definimos o homem como um animal Teleológico, Simbólico e 4 Emancipação humana é a ideia de tornar o indivíduo racional, de participar do processo político. Sendo que para o Habermas essa emancipação só ocorre numa arena livre de constrangimentos, e para tal é necessário que o indivíduo autodeterminante tenha seus direitos humanos materializados. 5 Que é uma expressão do poder, sendo o Poder um dos elementos constitutivos do Estado “povo, território e poder”, o poder subdivide-se em Constituição e Soberania. A soberania popular é uma soberania interna, que justifica a soberania externado Estado. 6 É a forma de democracia, até o final do séc. XIX, que representa a vontade da maior parte de uma sociedade, e não a vontade de uma elite. O princípio da maioria ou majoritário. 6 Ideológico, a ideia do animal teleológico é aquele homem que age com um fim determinado para alcançar um objetivo. Então quando falamos de bem, referindo-se à vontade social, estamos falando de um bem almejado, um objetivo almejado por uma dada sociedade formada por esse homem teleológico. Decorrente disto, podemos identificar três bens: a) o bem individual; b) o bem coletivo; c) e o bem comum. a) O bem individual, como a própria designação aduz, o objetivo do homem teleológico, a finalidade desse animal ideológico é o indivíduo, mas não é o indivíduo entendido como parte integrante da sociedade, é o indivíduo por si. Eu prezo o indivíduo, não aquele posto na sociedade, mas sim fora dela (da sociedade), cada indivíduo tem um objetivo que não são comuns, e eles só estão juntos nessa dada sociedade para alcançá-los, ou seja, eles não se unem em prol do social, mas em favor deles mesmos, a sociedade é mero meio de realização do indivíduo. Podemos visualizar o bem individual no Estado Liberal, a sociedade no Estado Liberal é formada pela burguesia, qual o objetivo da burguesia? Por que a burguesia se uniu? Porque em sociedade conseguia o acúmulo e a proteção do capital individual. b) Contrário sensu temos o bem coletivo, que não pensa no indivíduo se realizando pela sociedade, é o contrário, é a sociedade se realizando pelo indivíduo. Aqui o indivíduo é o instrumento do coletivo, então aqui, a ideia da finalidade do homem teleológico, passa a ser a finalidade da sociedade, do coletivo. Então o grupo tem um dado objetivo e esse grupo alcança o objetivo pelos indivíduos que estão ali inseridos. Exemplo, em um grupo de médicos, eu não penso no médico, eu penso no grupo, eu crio associações para este grupo, proteções específicas a este grupo. A que Estado se refere o bem coletivo? Ao Estado Social. c) Já o bem comum, ele não utiliza nem a sociedade como meio de satisfação do indivíduo e nem o indivíduo como meio de satisfação da sociedade. O bem comum é o bem que preza a vontade tanto da sociedade quanto a do indivíduo, então, sociedade e indivíduos não são meios de materialização do objetivo, sociedade e indivíduo são o fim da associação humana. Desta forma o social representado pela maioria e o individual representado pela minoria é que formam o bem comum. Então bem comum é, maioria + minoria. Então a democracia participativa ela pretende superar o bem individual e o bem coletivo, o objetivo do animal teleológico agora é satisfazer as demandas tantos sociais (maioria) quanto individuais (minoria). Então na democracia em que ocorre o elitismo democrático, o bem é coletivo, o bem não é comum. Na democracia participativa o objetivo é atingir o bem comum, e diz o Habermas que o bem comum é a única forma de racionalizar a democracia. A ideia então da formação da vontade política através da democracia participativa, é responder ou solucionar dois problemas que surgiram no cerne das democracias representativas até o final do séc. XIX. 1º Problema: até o final do séc. XIX a organização da sociedade (interação social), diz o Habermas, ela se dá em bases não democráticas. Mas podemos indagar que nesse período existia a democracia, entretanto era uma democracia que prezava pela maioria, porém o que o Habermas diz é que, a partir da democracia participativa eu percebo que as interações sociais nas democracias representativas elas não são democráticas, pois a determinação só ocorre pela maioria. Então a democracia participativa ela tende a 7 superar essa forma de democracia representativa. Então para o Habermas a minoria também tem que ser ouvida para definir as interações sociais que ao final vão definir o governo. Então a ideia da democracia participativa é, não só criar os canais de participação dentro da esfera administrativa, dentro do aparato, mas é também criar canais de participação, canais em que a minoria participa dentro da própria sociedade. Se eu crio canais de participação da minoria no grupo eu facilito que essa interação social seja percebida pelo governo. Vamos pensar, o governo até o séc. XIX a maioria o definiu, ótimo, era legítimo. Mas mais legítimo seria se, antes da escolha da maioria a minoria tivesse sido ouvida nas interações sociais. Se a minoria dentro da sociedade (interações sociais), tivesse participado das decisões, das escolhas da sociedade. Então o melhor argumento não vai vir só no consenso normativo, o melhor argumento vai acontecer dentro da sociedade, dentro do novo ator social, a sociedade civil organizada. Diz o Habermas, a democracia participativa então é uma forma de solucionar as bases não democráticas da sociabilidade, que é interação social. 2º Problema: é a forma de administração. Porque no Estado moderno nós sabemos que o aparato administrativo é muito burocratizado, e essa burocratização reduz a possiblidade de participação do indivíduo dentro do aparato administrativo7. A estrutura do aparato administrativo na modernidade não admite que o indivíduo interfira nas decisões deste aparato. Então, a ideia da democracia participativa é superar essa organização administrativa do Estado Moderno e estreitar os laços entre aqueles que estão participando e as decisões políticas a serem implementadas. Decisões políticas tanto no executivo, no legislativo e judiciário. Então nós sabemos, elitismo democrático não é o ideal na pós-modernidade. Observa-se então que na maior parte dos Estados pós- modernos não existe um meio de superação da democracia representativa, então eu crio uma outra democracia, que é a participativa, para junto com a representativa alcançar a legitimidade, essa democracia participativa ela terá reflexo tanto nas interações sociais, quanto na organização administrativa do Estado, que vai tornar-se mais participativa. Diz o Habermas, quando isso se tornar realidade (democracia representativa + democracia participativa), eu posso reformular o meu tipo de racionalidade e definir uma racionalidade societária, que não é uma racionalidade representativa e nem participativa (30 min 30 s.). Recapitulando, o primeiro passo é então “juntar” a democracia representativa com a democracia participativa, depois, o passo é criar um tipo de racionalidade que vai transformar a moral convencional8 em moral pós-convencional. Então a moral pós- convencional supera a moral convencional, porque supera as convenções, supera os estatutos. Essa moral pós-convencional, que só tem razão de ser em virtude da junção da democracia representativa + participativa, em um dado momento vai identificar uma 7 Para receber um sim ou não quanto a um determinado medicamento, você passa pelo Conselho de Gestor da Saúde, pelo Secretário Municipal da Saúde, pelo Secretário Estadual da Saúde, pelo Ministro da Saúde, etc... Gerando uma cadeia burocrática. 8 Moral convencional é aquela moral baseada em convenções, estatutos, que nada mais são que a evidência de uma moral social, mas uma moral social que não preza pela minoria, mas que preza pela maioria, da vontade do grupo social. 8 democracia comunicativa. O objetivo final da democracia comunicativa é superar de vez a ideia da democracia representativa. Então, percebe-se que a democracia participativa é só um meio para se atingir a democracia comunicativa. A moral pós-convencional, ela evidencia dois problemas da democracia participativa. Nosso problema antes era com a democracia representativa, a participativaveio então para superar o problema da representativa. Entretanto a moral pós-convencional vai enxergar um problema dentro da democracia participativa, dentro da própria teoria habermasiana. Por que isso ocorre? A racionalidade representativa é uma racionalidade da maioria, e a racionalidade participativa é a racionalidade da maioria + minoria formando o melhor argumento. A moral pós-convencional irá tentar superar, ou pretende superar a maioria e o melhor argumento. Então Habermas diz, dentro da racionalidade societária, que se baseia numa moral pós-convencional, eu evidencio dois tipos de racionalidade: a comunicativa e a sistemática, todas as duas irão falar de burocratização. E se é burocratização, está dentro do Estado. Dessa forma, a racionalidade comunicativa e a racionalidade sistemática dentro da racionalidade societária, dentro da moral pós- convencional, vão analisar o Estado, o aparato administrativo. Só que a racionalidade comunicativa vai entender o indivíduo participante da esfera política, não mais como ator social sociedade civil organizada, mas sim o indivíduo em si, não a sociedade civil que o representa, então eu não tenho grupos majoritários ou minoritários, eu tenho apenas indivíduos, vontades individuais. Essa é a moral pós- convencional. O ator social, aquele que participa do aparato administrativo do Estado, agora então é o indivíduo, e assim acabo com a ideia de maioria e minoria. Haverá a partir de agora uma comunicação entre a esfera pública e o sistema político, que não é representativo. Não há representante, não tem maioria. Porém eu ainda tenho que ter a esfera pública, o aparato administrativo, ainda tem que ter executivo e legislativo e judiciário. Então como funcionária? Teria que se fazer um concurso (o Habermas não usa esse termo, é apenas para fim exemplificativo) para o executivo, legislativo e judiciário. Então não há escolhas para o executivo, legislativo e judiciário. Então eles não serão menção da maioria e nem da minoria. O que é racionalidade societária? O que é racionalidade sistemática? E como fica o aparato administrativo sem representatividade? 9 19ª aula – 03/11/15 Ponto 7: Sociologia jurídica nos tribunais e a democratização da justiça e, 7.1 Acesso à justiça Quais são os marcos teórico que os ministros, os juízes usam aqui no Brasil? Eles usam tanto os positivistas, que são autores da modernidade, quanto os teóricos da linguagem, que são os autores da pós-modernidade. Eles iniciam na linguagem com Wittgenstein e acabam no Heberle. Entre eles há uma infinidade de autores, que são autores da linguagem, que os tribunais superiores utilizam. Os tribunais utilizam também o Dworkin e o Aléxy, apesar de sabermos que estes não são autores da linguagem, eles estão mais para a modernidade do que para a pós-modernidade, mas os tribunais superiores no Brasil enquadram o Dworkin e o Aléxy “dentro” dos autores da pós- modernidade. Na modernidade eles (os autores) começam em Kant e terminam no Kelsen. Esses autores servem para quê? Para fundamentar as decisões dos conflitos. Toda a sentença exarada pelos tribunais, todo acórdão, é uma forma de dirimir, solucionar conflitos. Entretanto, as decisões não podem vir sem fundamentação, e não podem fundamentar somente nas palavras do réu ou autor, terá que buscar na doutrina (doutrina é fonte de Direito) embasamentos para justificar sua decisão. A sociologia funciona em que ponto nos tribunais? Quando está se tratando das interações entre o direito processual e a administração da justiça. Quem administra a Justiça, quem é o responsável? É o judiciário. A administração da justiça não está no executivo, mas sim no judiciário. Porém, figuramente falando, o judiciário é algo que eu consigo apalpar sem os agentes do judiciário ou é algo abstrato (fictício)? É abstrato. Então eu preciso de agentes para administrar a justiça, quem são? São os juízes. Então, analisando a sociologia dentro dos tribunais eu (sociologia) vou analisar as decisões exaradas pelos juízes e também os próprios juízes. E também vamos estudar as partes (os envolvidos) no processo que levará o juiz a uma decisão. O papel então da sociologia jurídica é investigar como é que os juízes estão fazendo para conferir sentido ao texto do direito processual. (não será estudado o texto processual, mas sim investigar como os tribunais conferindo sentido ao texto processual ‘código de processo civil e penal’). Antes de investigar como é que os juízes conferem sentido a norma processual, tem que se ter em mente que, eu só consigo que o juiz confira sentido ao texto processual se houver partes, se houver litígio (demanda processual). Se não houver litígio o juiz não tem que atuar, não tem que ter decisão judicial, até porque se houver decisão sem o litígio, o judiciário estará extrapolando a sua função. A função do judiciário é, aplicar a norma no caso concreto se provocado. Mas se ele atua sem litígio, sem ser provocado, a isso damos o nome de Ativismo judiciário. Mas para que haja litígio são necessárias as partes, eu preciso ter o autor e o réu. Antes de estudar a decisão em si, a atuação do juiz, irá se estudar o que impulsiona a decisão do juiz, vamos estudar as partes no processo. E quando é que o judiciário passou a ter maior importância? Quando as partes, os indivíduos entendeu que, para que ele consiga 10 o seu direito, para que ele materialize o seu direito, é necessário um poder do Estado para fazer essa materialização. E essa materialização não vinha nem pelo Executivo e nem pelo Legislativo. Então o judiciário tomou importância quando o passou a ser procurado para fazer essa materialização. No Estado Liberal, quem teoricamente deveria fazer a materialização dos direitos? O Legislativo. Precisava de lei para fazer a materialização. No Estado Social, o Executivo toma o lugar do Legislativo no sentido de materializar direitos (prestações positivas). Porém esses dois poderes não deram conta da materialização, então no pós-segunda guerra mundial o judiciário toma importância enquanto materializador de direitos fundamentais. Neste instante, quando o judiciário toma um papel muito importante na sociedade, se vê uma modificação no papel constitucional do judiciário. Então o judiciário começa ganhar novos poderes constitucionalmente postos, além disso é conferido ao indivíduo maior direito para que ele consiga acionar o judiciário. Então pós-segunda guerra mundial, primeiro princípio posto nas Constituições da pós- modernidade que incorporaram o Estado Democrático de Direito foi, o acesso à justiça. Pois para o judiciário atuar é necessário litígio, o problema sendo levado ao judiciário, e para isso é necessário as partes. Então a ideia do acesso à justiça é conferir um meio para que o indivíduo possa levar para o Estado uma situação que materialize, ao final da demanda, a sua vontade, o seu desejo. O acesso à justiça é um Princípio Constitucional que antes da 2ª GM, o acesso à justiça era só um princípio processual, só existia no âmbito processual civil e penal. Pós-segunda guerra mundial ele ganha de direito Constitucional. Então acesso à justiça é sim um direito fundamental. Este acesso à justiça é sempre no âmbito do processo civil ≠ justiça militar, ou seja, o processo civil aqui compreende o próprio civil, o penal, o tributário, previdenciário, trabalhista, etc. A partir desse momento que a sociologia jurídica irá analisar se esse acesso à justiça está sendo efetivo. Pois uma coisa é pegar o direito, um princípio e colocá-lo na Constituição e outra é ver se esses direitos constitucionalizados estão sendo efetivados, materializados.Então, quando a sociologia jurídica começou a analisar esse acesso à justiça, percebeu-se uma igualdade jurídica formal (posta na Constituição, todos tem direito de acesso à justiça), mas também percebeu uma desigualdade socioeconômica. Ela verifica que o acesso à justiça é determinado pela norma, mas principalmente pela desigualdade socioeconômica. Primeiro ponto sobre o acesso à justiça, como Direito Constitucionalmente posto, ele prevê uma imparcialidade do juiz. Então o juiz ao tomar a decisão, ele é imparcial. Por que ele é imparcial? Porque tanto o autor quanto o réu tem direito ao acesso à justiça (Foi posto na Constituição como direito constitucional, então todos têm direito de acesso à justiça). A imparcialidade do juiz está então em aceitar tanto o que vem do autor que acionou a justiça, tanto o que vem do réu, que foi provocado pela justiça. Isso é ser imparcial. É ouvir o autor e também o réu. Dessa ideia de imparcialidade, a Constituição trouxe outros princípios, como por exemplo, o devido processo constitucional. Antes de ser um devido processo legal, ele é antes um devido processo constitucional, foi posto primeiramente na Constituição. E o que diz o devido processo constitucional, deve-se observar algumas coisas, por exemplo, o princípio do contraditório e o princípio da ampla defesa. Observado esses princípios (o contraditório e a ampla defesa) o juiz já é 11 imparcial. Do contrário, se limitar um desses princípios o juiz será parcial, não importa para qual parte. Entretanto, não se pode investigar somente a imparcialidade do juiz, mas tem que se investigar a neutralidade, porque a neutralidade ela não é objetiva, mas sim subjetiva. A neutralidade é, por exemplo, a formação do juiz (sua bagagem pessoal) Por mais que os juízes não evidenciem claramente nas decisões a sua posição particular (de escola, sexo, idade, posição religiosa) nós conseguimos ver os traços dessas formações pessoais nas sentenças. Imparcial todo juiz tem que ser, e é um critério objetivo, posto na Constituição (devido processo constitucional). Mas e a neutralidade, como limitá-la? Então a neutralidade será um problema para a sociologia jurídica. Além de investigar a imparcialidade e a neutralidade, a sociologia jurídica irá investigar as funções desempenhadas pelo judiciário. A função principal do judiciário é julgar. Mas serão investigadas também as funções administrativas e legislativas do judiciário. Pois o Judiciário além de funções primárias, tem as funções secundárias. Administrar o próprio judiciário e legislar regimentos internos para o próprio judiciário. Dessa investigação serão descobertos alguns obstáculos para que o judiciário ao julgar, administrar e ao legislar, confira acesso à justiça de forma efetiva para as pessoas. Quais são os obstáculos? São dois: 1) Obstáculo econômico e 2) Obstáculos sociais e culturais. Neste momento, quanto a esses obstáculos, o foco não é o juiz, mas sim o indivíduo, que vai tentar acessar a justiça. Primeiro obstáculo do acesso à justiça, econômico, as custas do processo é barato? Sociedade capitalista, as custas processuais são caras. Cada ato processual gera um custo para o indivíduo. O que a sociologia jurídica então aponta? Se nas sociedades capitalistas eu tenho um custo extremo na justiça comum, então vamos criar métodos para solucionar, ou para servir como alternativa à justiça comum, vamos criar, por exemplo, os juizados especiais (justiça não formal), ações gratuitas. A ideia é de reforma no processo, dentro do processo. Segundo obstáculo do acesso à justiça, sociais e culturais. O que a sociologia percebeu foi que, o acesso à justiça pode ser medido pela distância entre o cidadão e a administração da justiça (o judiciário). Então quanto mais distante for o cidadão do judiciário, mais inefetivo é o acesso à justiça. Para ser efetivo o acesso à justiça, cidadão e judiciário tem que ser próximos. E como é que se mede essa distância? Para a sociologia a distância entre cidadão e a administração da justiça é medido pelo estrato social. Quanto mais baixo é o estrato social, menor é o acesso à justiça. Não porque tem o obstáculo econômico, mas sim onde pertence o indivíduo. Quanto menor o desenvolvimento social e cultural, menor é o acesso à justiça. Para esse caso, a sociologia jurídica não tem solução. 12 20ª aula – 10/11/15 7.1 Acesso à justiça e, 7.2 Administração da justiça enquanto política e profissional Revisão: Obstáculos que a sociologia jurídica enxergou em relação ao acesso à justiça. O 1º obstáculo é o fato econômico, que é a ideia de que o acesso à justiça geram custos exorbitantes e que a maior parte dos indivíduos não tem condição de pagar a essas custas. Então vem a sociologia jurídica e diz, então que se reforme o judiciário, faça uma reforma no procedimento, uma reforma processual e defina uma forma de justiça que acarrete menos custos para o indivíduo. O 2º obstáculo, é o obstáculo social e cultural, este obstáculo, ele mede o acesso à justiça segundo o estrato social. Então se formula da seguinte maneira, quanto mais baixo for o estrato social, menor será a efetivação do acesso à justiça. Por quê? ________________________________________________________________________ É o que se verá na aula de hoje, os desdobramentos dos obstáculos sociais e culturais no tocante ao acesso à justiça. Veremos os dois problemas decorrentes disto: 1º Problema: Não reconhecimento de direitos, portanto, não reconhecimento de problemas jurídicos. Os sociólogos acreditam que, quanto mais baixo o estrato social (e cultural), menor é o reconhecimento de seus direitos. E se esses indivíduos não conhecem os seus direitos, quando eles forem manipulados, violados, como é que eles vão saber, se eles não sabem quais são seus direitos, logo, eles não vão reconhecer os problemas jurídicos. Óbvio, eu não sei que tenho direitos, então não sei que eles foram violados. Então a sociologia jurídica aponta três caminhos: Uma solução para esse não conhecimento de direitos é definir normas que declarem o indivíduo como hipossuficiente em algumas relações. Por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor, tem que o indivíduo consumidor é hipossuficiente. Hipossuficiente por quê? Porque não conhece todos os seus direitos de consumidores. E, se se não conhece os seus direitos, quando ele é violado pelos fornecedores, ele não sabe que aquilo foi uma violação, logo, eu declaro o consumidor hipossuficiente. Então numa relação de consumo (consumidor vs fornecedor), a parte que prevalece é sempre a do consumidor. Inclusive, alguns teóricos começam a criticar essa hipossuficiência, porque na maior parte dos processos, privilegia- se o hipossuficiente, sem levar em conta as provas, que muitas vezes são contra o próprio indivíduo hipossuficiente, contra esse consumidor. Faltam 2 caminhos? 2º Problema: A pessoa sabe do seu direito, ela reconhece o seu direito então reconhece o problema jurídico, então ela chega na justiça reconhecendo o seu direito e qual foi a sua violação. Mas às vezes elas temem em acionar a justiça por medo de discriminação social. Pois, como mostrado no problema econômico, a justiça foi durante muito tempo para quem tinha dinheiro, para quem tinha condições de pagar à custa processual, para quem consegue um bom advogado. Então a pessoa mais humilde consegue um advogado “meia boca”, vulgarmente conhecido como “advogado de porta de cadeia”, e a parte contrária contrata um excelente advogado. E essa pessoa humilde muitas vezes chega achando que irá ganhar, pois o advogado “meia boca” o iludiu até, entretanto, a outra parte, que tem um excelente advogado, vem e ganha o processo.Partindo disso, você acha que quando esse indivíduo humilde tiver que acionar a justiça de novo, ele não 13 vai pensar uma, duas ou três vezes? Pois ele perde a confiança, ou melhor, a esperança no acesso à justiça. Então, uma das soluções foi criar os Juizados especiais Federais e Estaduais, para tentar uma certa desformalização do direito, para tentar trazer essas pessoas que não confiavam na justiça. Problema de juizado: Força-se a conciliação, mesmo quando não é interessante para o indivíduo humilde. Já no outro princípio constitucional, que é o da administração da justiça, o indivíduo que será analisado, não é aquele que provoca, é o provocado. E o provocado é o Judiciário. Porém não será tratado o judiciário como ente despersonalizado, pois não é possível mensurá-lo no tocante a estes problemas, mas será visto através dos juízes, estes é que serão analisados nesta parte do princípio constitucional, pois quem efetivamente administra à justiça é o juiz. Essa noção de administração da justiça ela vem com o processualista Perelman, ele vem dizendo o seguinte, hoje nós sabemos que quem administra realmente a justiça é o juiz, mas por quê? O Perelman reconheceu que o processo não é formado apenas por partes, não são as partes que definem a decisão, eu tenho um outro polo na decisão que são os juízes, as partes elas fazem apenas o convencimento do juiz, mas o juiz é uma parte importante do processo. Pois por muito tempo os processualistas acreditavam que o que definia a decisão, o que é importante no procedimento era só as partes. Mas vem o Perelman e diz, não, eu tenho uma cadeia tripartite, eu tenho uma tripartição nessa decisão, as partes convencem, mas quem vai sentenciar, quem vai decidir é o juiz. Porque a parte A ela pode provar que a parte B não tem razão, mas mesmo assim o juiz pode conceder a ação para B, isso diz o Perelman. Então esse processualista ele colocou o juiz como parte integrante do processo. A partir daí os sociólogos entenderam que quem realmente administra a justiça são os juízes. Porém há um problema, quando eu coloco um homem, um juiz, para administrar a justiça, eu percebo sempre que essa justiça ela é política, ela é uma decisão política9. Uma relação de poder, as partes entre si estão se relacionando quanto a poderes, e as partes com o juiz define poderes, eles disputam o poder, qual poder? O poder de ter uma decisão favorável. Então é sempre uma instância política nessa ideia de relação de poder. Então se é uma relação de poder, se é instância política, nós podemos perceber inputs (influências) externos. Quais são as influências externas sofridas pelo juiz? Exigências sociais, exigências políticas, exigências dos outros subsistemas como o econômico, o próprio subsistema do direito. Existem várias pressões, vários estímulos que vão definir a ação do juiz. Todos os grupos sociais, todas as vontades sociais, quanto mais forte economicamente, maior é a influencia que tem sobre os juízes, não é porque irá pagar os juízes, não, é porque irão pensar uma forma de manipular os juízes. Pensando nisso, em se tratando de administração da justiça, ela pode até ser imparcial. Por quê? Imparcialidade, ou um juiz imparcial, é aquele juiz que segue a Constituição e a Legislação, ou seja, o juiz que respeita o contraditório e a ampla defesa. Respeitou o contraditório e a ampla defesa, é imparcial. Mas se você for pensar a decisão como uma instância política, essa decisão nunca vai ser neutra. Não há neutralidade. Pode haver imparcialidade, neutralidade, nem sempre. Um juiz pode ser realmente neutro? Vem os 9 Política = Polis: tomada de decisão quando eu tenho uma relação de poder. 14 sociólogos e analisam a classe social desse juiz, formação profissional, a idade do juiz, ideologia social, ideologia política, religiosa, etc, e eles percebem o seguinte: Por mais que não seja declarado, as sentenças, os laudos que os juízes emitem estão sempre influenciado pelo que eles são. Pois não há, de uma forma total, esquecer ou apagar tudo que o juiz é. O juiz pode até tentar, mas há fatores inerentes a ele que mesmo subentendidamente, influenciará na sua decisão. Observando essa não neutralidade, o autor alemão o Schubert distingue os juízes em liberais e em conservadores. Os juízes conservadores são os juízes que representam o paradigma do Estado Liberal, os juízes liberais para o Schubert, são os juízes da pós- modernidade, ou seja, do paradigma do Estado Democrático de Direito. Schubert faz essa diferenciação observando as influências supracitadas (políticas, sociais, econômicas, religiosas, etc.). Ele diz, não há que se falar em apoliticismo da função judicial, pelo contrário, a função judicial é política, como dito acima. Então Schubert conceitua que, Juízes conservadores eles só julgam se existe a legislação, se não existe a legislação o caso fica sem decisão, não há julgamento. Pois a função dos juízes não é, segundo a divisão estanque de poderes, interferir na função do outro. Então o legislativo não legislou, problemas, eu não posso decidir. Juízes liberais acreditam no pluralismo. Por acreditarem no pluralismo, eles se julgam responsáveis por reformar a justiça. O judiciário é o responsável por transformar o Direito. O judiciário interfere no Legislativo e no Executivo. Executivo não administrou o bem público, o judiciário pode ir lá e administrar. O Legislativo não fez a norma jurídica, o judiciário pode ir lá e legislar. Mas grande parte dos juízes liberais acreditam que essa atuação só deva se dar quando o Executivo não administra e quando o Legislativo não legisla. A isso dá-se o nome de “Judicialização da política pública”, que segundo a Constituição pode acontecer. O que não pode ocorrer é a versão radical dessa Judicialização, que é o ativismo judicial. O judiciário só atua se for provocado, no ativismo judicial muitos juízes atuam sem serem provocados, atuam de ofício, extrapolam a sua função, além de não esperarem uma falha ou omissão dos outros poderes. 15 21ª aula – 17/11/15 7.3 Conflitos sociais e mecanismos de sua resolução Revisão: Recapitulando que neste ponto 7 está sendo visto a sociologia jurídica nos tribunais, com isso foi estudado no 7.1 o acesso à justiça, quando nós falamos em acesso à justiça, no analisamos quem provoca o juiz, ou seja, nós estudamos as partes. Percebemos que muitas vezes esse acesso à justiça, esse princípio constitucional do acesso à justiça, ele não é efetivo em virtude, ora do não conhecimento do direito e dos problemas pelas partes, ora pela dificuldade das partes em procurar o judiciário com medo de uma discriminação. No 7.2 administração da justiça, estudamos outro pólo da demanda, estudamos quem é o provocado, e nós chegamos a conclusão que quem administra na verdade a justiça não é o judiciário, mas a pessoa que decide, então estudamos o juiz, vimos inclusive a diferença entre os juízes liberais e os juízes conservadores. Vimos que a versão radical dos juízes liberais é dada pelo ativismo judicial. ________________________________________________________________________ E agora no 7.3 nós vamos estudar o conflito, o litígio, veremos tudo que envolve o processo. Para que haja um processo é necessário que haja um conflito. O judiciário só pode ser provocado se houver um conflito, litígio social ou individual. A sociologia jurídica analisando então esses conflitos, esses litígios, ela só o faz no momento em que ela está se relacionando, se aproximando da antropologia jurídica. Por que somente neste momento a sociologia jurídica resolveestudar o conflito em si? Porque o objeto da antropologia é o homem, nós estudamos o homem. E quando a análise do homem é interessante para a sociologia jurídica, que só passa a ser interessante no final da década de 60, nesse momento de conversão entre sociologia e antropologia jurídica. E por que há uma conversão? Pelo simples fato de que a sociologia jurídica, quando está estudando as partes e o juiz, perceber que muitos litígios não chegam para o judiciário, não chegam para a solução do juiz, muitos litígios ficam no âmbito social. Então a sociologia jurídica induz o seguinte, eu preciso saber o porquê do homem não procurar o judiciário, então se associa a antropologia para entender o homem que não busca acessar o judiciário. Quando ela o faz, estudar o homem que não acessa o judiciário, ela percebe que este mesmo homem, é um homem que define um tipo de justiça, que chamamos de Justiça Informal. Tipo de justiça dada pelos tribunais informais. Até então a sociologia jurídica acreditava que, aquela relação do Perelman (têm-se duas partes, o juiz e dessa relação sempre haverá uma decisão), mas a partir no final da década de sessenta a sociologia vai perceber que existem litígios que não passam pelo critério “partes + juiz = decisão”, por quê? Ela vai investigar o porquê e ao final dessa investigação ela percebe que, há a criação de tribunais informais, tribunais que não estão no dentro do tribunal oficial do Estado, não estão no monopólio do Estado. Então ela percebe o seguinte, o tribunal informal é a “cara” de quem criou o tribunal informal, por isso a necessidade de estudar o homem. Antes de adentrar nos tribunais informais, relevante se faz relembrar um ponto. A formação do litígio ela se dá de maneira vertical ou de maneira horizontal. Em que sentido se dá o litígio vertical? Eu tenho um indivíduo com uma demanda com o Estado. O estado 16 que deveria prover algum direito, não o faz, então tem a necessidade de um indivíduo (sociedade) em litigar com o Estado, surge o conflito vertical. No conflito horizontal eu tenho demanda entre indivíduos. Ou entre indivíduo e sociedade, a relação não inclui o Estado como parte, estou em conflito com um igual a mim ou com a sociedade de modo geral. Observando isso, a sociologia jurídica vai entender o seguinte, existem aqueles conflitos que são enviados para a justiça formal, ou seja, para os tribunais oficiais. E existem litígios que não são enviados para esses tribunais oficiais, ficam no patamar dos tribunais informais. Isso é possível? É possível pela denominação, pelo instituto criado pela sociologia jurídica, que é o Pluralismo jurídico. O que vem a ser o Pluralismo jurídico? Sabe-se que o Estado contemporâneo, a sociedade contemporânea, ela é uma sociedade que cria várias expectativas, não existe só uma expectativa individual ou uma social para ser satisfeita pelo Estado, nos estamos no ramo da multicomplexidade das sociedades contemporâneas. Outra complexidade nós vimos nos Estados e nas sociedades pré- modernas, inclusive o Direito criado para essas sociedades pré-modernas, era um Direito mínimo, o campo de atuação do Direito não era vasto como o de hoje em dia. Então a sociologia observando essa multicomplexidade social e do Estado, ela percebe que nós, a sociedade, é plural, existem várias demandas a serem satisfeitas e várias demandas que por vezes não são abordadas pelo Estado. Como é que o Estado forma o Direito? Em que poder se forma o Direito? No Legislativo. Então a sociologia percebe que muitas vezes esses direitos, essas demandas individuais e sociais nem chegam a ser satisfeitas dentro do legislativo, existe na sociedade uma gama de expectativas e demandas que precisam ser satisfeitas mesmo que o Estado não as enxerguem, a isso se dá o nome de Pluralismo. Então nos temos o pluralismo social, pluralismo de direitos, pluralismo estatal pluralismo econômico, etc. Mas o que interessa aqui, na análise do judiciário, da administração da justiça é o pluralismo jurídico. E o pluralismo jurídico nada mais é do que o(s) mecanismo(s) de resolução informal dos conflitos das sociedades contemporâneas. Então a resolução informal é sim uma evidência social, é sim possível a partir do final da década de sessenta. Essa resolução informal, ela é legal? Às vezes ela é legal, às vezes ela está apenas às margens dos tribunais oficiais, mas opera dentro do Direito, dentro das regras legais. Outras vezes, essa resolução informal, ela opera a margem do Direito e também a margem dos tribunais oficiais. Então eu tenho dois tipos de resolução informal de conflitos: 1) uma resolução informal que opera 17 dentro do Direito estatal, mas as margens dos tribunais oficiais. 2) ou a resolução informal que opera a margem do Direito e também a margem dos tribunais oficiais. Como isso se dá? O que acontece dentro de uma comunidade (favela) se um indivíduo assaltar uma casa? Os membros dessa comunidade vão procurar o Estado, a polícia ou o traficante dessa comunidade? Eles procuram o traficante local. Este traficante local ele será o investigador, a polícia ostensiva, depois será o tribunal do júri e o executor das ordens de segurança que ele entende por bem, que muitas vezes é matar. Essa pessoa está operando a margem do direito estatal (ninguém deu a ele o direito de matar o outro), e também está a margem do tribunal oficial, pois o correto é, o indivíduo que foi roubado procurar o Estado para a resolução daquele conflito. Então neste tribunal informal, opera- se ilegalmente (quanto ao direito estatal e quanto ao tribunal oficial), mas é um tribunal informal legítimo10. A maior parte das sociedades desse tipo de comunidade, reconhece muito mais a ação do tal traficante no tribunal informal do que o do tribunal formal, então é legítimo. Então a primeira coisa que devemos saber sobre os tribunais informais é que por vezes ela é ilegal, mas ela é sempre legítima. A resolução informal de conflitos é sempre legítima. Por vezes será ilegal, quando operar a margem do Direito e por vezes será legal, quando operar dentro do Direito. Exemplo de tribunal informal dentro do Direito: Numa determinada rua Y está cheia de buracos e então o indivíduo procura a prefeitura, mas esta não dá uma solução e o período de chuvas está se aproximando e consequentemente ira piorar o estado dos buracos na rua. Então procura uma outra via, a Associação de bairro. A associação de bairro irá recolher material na comunidade e pedir a alguém para que faça a reparação na rua. Essa Associação está agindo a margem do Direito? Não. Mas ela está agindo dentro do tribunal oficial? Não. É legal e é legítimo, mas fora do tribunal oficial. Desta análise sociológica, os sociólogos perceberam então que do ponto de vista da LEGITIMAÇÃO, o Estado não detém o monopólio da produção e distribuição do direito, não é da legalidade, mas sim da legitimidade. A sociologia está voltada para a legitimidade. Por quê? Porque existem outros canais que produzem e distribuem os direitos. Um que é ilegal, mas legítimo e o outro que é legal e legítimo. Com essa análise, com essa percepção social, a sociologia jurídica notou relativo declínio da litigiosidade civil, porque os indivíduos estão buscando mecanismos alternativos de resolução de conflitos. Mas se a esses mecanismos alternativos, por que os tribunais estão abarrotados? Não é uma contradição? Não! Pois se não houvesse esses mecanismos alternativos, esses tribunais informais, os tribunais formais estariam piores do que a morosidade que vemos hoje. Esses tribunais informais são sempre mais barato, isso porque você não precisa acionar a máquina estatal, o aparatoestatal, então não irá gerar custas para o Estado. Uma das 10 A diferença entre legitimidade e legalidade é que, a legalidade é a inclusão da ação dentro do Direito, das leis. A legitimidade é contrário por vezes a legalidade, a legitimidade é tão somente a apropriação da sociedade por um tipo de norma. 18 formas de resolução informal de conflitos que opera dentro da legalidade e da legitimidade eram as Câmaras de intermediação e arbitragem. O Estado percebendo a busca da sociedade, do individuo nessas câmaras de intermediação, de arbitragem, tratou de trazer a intermediação e a arbitragem para dentro do tribunal formal, para dentro do Estado. O que antes nasceu no seio da sociedade, o que era uma alternativa do indivíduo para não buscar o Estado, o Estado foi lá e “pegou” a ideia da sociedade e trouxe para dentro do tribunal oficial. O que irá acontecer? Vai gerar custas. Então o que antes era uma alternativa para o judiciário, agora está dentro do judiciário e irá sofrer as mesmas mazelas que sofre o judiciário. A partir desse ponto a sociologia jurídica ela aponta que essa necessidade e evidência dos tribunais informais, a justiça civil tradicional ela precisa se reinventar. Porque se ela não se reinventar, cada vez mais vão surgindo tribunais informais, o problema do tribunal informal não está naquela que opera na legalidade e na legitimidade, o problema está no tribunal informal que opera a margem da legalidade, a margem do Direito. Então para evitar esse tribunal informal que opera a margem do Direito é preciso, segundo a sociologia, que haja uma reforma quanto à justiça tradicional. Como é que podemos reformar essa justiça civil tradicional ≠ militar (civil só para diferenciar da militar, engloba penal, tributário, qualquer Direito individual)? Primeiro sempre reforçar o poder do juiz. Porque o juiz está evidenciando o monopólio estatal de produção do Direito, ele reforça o poder do Estado, o poder do Judiciário. Só ele pode apreciar as provas e conduzir o processo. Mas ele tornar a justiça tradicional mais interessante, ele tem que fazer sempre pautado no princípio da oralidade, evitar aquela produção de provas físicas (não é que não haverá provas físicas, mas que as provas sejam produzidas em audiência, sob o princípio da oralidade), mais o princípio da concentração, evitar várias audiências para a solução de um determinado conflito, concentrar. Se precisa de quatro audiências para tomar uma decisão, a partir de agora se terá uma audiência e nela o juiz já toma a decisão. O juiz fará o papel de mediador. O mediador ele não interfere na solução, ele está ali somente para intermediar a vontade da parte A e a vontade da parte B. O que se percebe hoje em dia é que o juiz não é mediador, o juiz ele força as partes, muitas vezes buscando a solução do conflito, mas de uma maneira forçada. Segundo, tem que se reformar a atuação dos participantes dos processos, criando novos tipos de relacionamentos, sempre buscando o que antes era visto no tribunal informal e buscando o horizontal, o litigio horizontal (indivíduo – indivíduo ou sociedade). A ideia é que, a decisão seja horizontal. O que se pretende aqui, é o que antes era visto no conflito (horizontal), passe para a decisão (horizontal), que a decisão seja horizontal. Isso se traduz em dizer que, ao invés de um juiz determinar o direito, o indivíduo, as partes conversando, chegando a um entendimento, é que irão chegar a um Direito. Não esquecendo que sempre tem que ter um juiz. O juiz tem que estar presente mesmo que seja como figurante, pois é ele que evidencia o monopólio estatal de determinação do Direito. Então como deve ser uma nova política judiciária? Como deve ser o judiciário contemporâneo? 19 Primeiro ele tem que prezar sempre pela democratização na administração da justiça. A administração da justiça é quando uma pessoa (juiz) está decidindo. Então ao invés de um, o juiz decidir, eu trago as partes, aqueles que estão sofrendo o conflito para trabalhar junto com o juiz na decisão. Por isso, democratização da administração da justiça, é democratizar a tomada de decisão. Segundo, a nova política judiciária ela deve sempre primar pela diminuição do contencioso civil. Tudo o que puder ficar no plano da mediação e da arbitragem, tudo que puder ficar no âmbito da conciliação é melhor do que o contencioso civil, que é moroso, dispendioso, etc. Para que isso funcione é preciso é preciso reformar o processo. Aquelas velhas concepções do que é processo civil, processo tributário, penal, etc. precisam ser revistas. Aqui no Brasil, nós começamos fazendo com o novo CPC (Código de Processo Civil), mas esse novo de CPC com a tentativa de acelerar, ou trazer celeridade ao processo, ele tornou o processo ainda mais moroso. Mas a ideia de reforma do processo é tornar a justiça oficial célere, sem custas. Além de reformar o processo no âmbito processual, a ideia de reformar também o direito subjetivo, que é aquele que não está no âmbito processual, é o direito do indivíduo. Reformar então, direitos fundamentais, que cabe ao sujeito. Como é que eu posso reformar o direito individual, o direito subjetivo, o direito fundamental a ponto de não precisar do processo? A sociologia jurídica não aponta uma solução. Porém, o Direito Constitucional tem uma solução meio que criada para evidenciar um outro tipo de direito subjetivo, que podemos utilizar, mas que não é a via correta para esse caso, é só um “empréstimo”. Que são duas teorias quando se fala de direito fundamental. Uma é teoria vertical de direitos fundamentais e a outra é a teoria horizontal de direitos fundamentais (ou horizontalização dos direitos fundamentais), essa teoria da horizontalização ela diz respeito à eficácia dos direitos fundamentais. Por que é só um empréstimo? Porque a teoria da horizontalização ela diz que, não é só o Estado que tem que observar os direitos fundamentais, qualquer relação individual tem que primar também pelos direitos fundamentais. Quando esse respeito não acontece nós buscamos o judiciário para materializar essa horizontalização, o problema dessa teoria é que busca o judiciário. O objetivo é não buscar o judiciário, então como nós iremos fazer o “empréstimo”? O empréstimo será feito até o ponto de que, o indivíduo nas relações individuais deve observar os direitos fundamentais. O individuo é responsável pela materialização dos direitos individuais da outra parte, sem que necessariamente o Estado intervenha. Então eu individuo tenho que reconhecer o direito subjetivo do outro indivíduo. Pronto. Se foi reconhecido mutuamente, não precisa do Estado. 20
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