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TRATAMENTO DIETOTERAPICO DA OBESIDADE Dieta e atividade física são os principais pilares no tratamento da obesidade. No entanto, por mais que tenham uma grande influência, representando mais de 50% do sucesso terapêutico, não são suficientes sozinhas para resolver o problema. Se fosse apenas uma questão de déficit calórico, o tratamento seria muito mais fácil. A grande questão é que a obesidade é uma doença, e sendo assim, ela envolve muito mais do que só comportamento alimentar. Ela é multifatorial, com fatores genéticos, comportamentais, psicológicos, emocionais e sociais todos atuando ao mesmo tempo. OBESIDADE A obesidade se configura como doença porque causa distúrbios no organismo. Um exemplo claro é a síndrome metabólica, mas existem outras consequências sérias. Durante muito tempo, a obesidade foi tratada apenas como uma condição humana. Porém, mais recentemente, ela passou a ser classificada como uma doença propriamente dita, exigindo e merecendo todos os recursos terapêuticos disponíveis, inclusive cirurgia bariátrica quando necessário, principalmente quando ela começa a comprometer diversos sistemas do organismo. O momento em que a obesidade deixa de ser apenas uma condição controlável e passa a ser uma ameaça é quando ela começa a gerar comorbidades, como o diabetes, por exemplo. Isso é uma consequência direta do acúmulo excessivo de tecido adiposo, que começa a exercer efeitos nocivos. A grande chave para entender a gravidade da obesidade é justamente a quantidade de tecido adiposo presente, e não apenas o peso corporal total. Por isso, o IMC (índice de massa corporal), apesar de ainda amplamente utilizado, é pouco sensível para identificar os efeitos metabólicos da obesidade, já que uma pessoa com peso aparentemente normal pode ter alta adiposidade e já apresentar alterações metabólicas importantes. O tecido adiposo foi considerado por muito tempo apenas como reserva energética. No entanto, desde meados da década de 1980, descobriu-se que os adipócitos também secretam substâncias com ação endócrina, como citocinas inflamatórias, que geram estado de inflamação crônica, alteram a sensibilidade à insulina, reduzem a ação da leptina, e alteram a secreção da grelina. Isso cria um ciclo vicioso, onde a adiposidade excessiva gera mais dificuldade para emagrecer, favorecendo a manutenção da obesidade. Portanto, o grande problema não é o peso isoladamente, mas sim o excesso de tecido adiposo e seus efeitos sobre o metabolismo. TRATAMENTO DE OBESIDADE A mudança de estilo de vida, com foco em dieta e atividade física, continua sendo o centro do tratamento da obesidade. É essencial que, após o início do tratamento, o indivíduo consiga manter os novos hábitos a longo prazo. No entanto, em muitos casos, por causa das alterações metabólicas significativas já instaladas, é necessário o uso de medicamentos. Esse é um ponto que ainda gera debate, mas os efeitos são comprovados: medicamentos como o Ozempic (semaglutida) têm mostrado bons resultados, e novos fármacos com efeitos comparáveis aos da cirurgia bariátrica estão previstos para serem lançados, com promessas de maior eficácia na redução de peso e ajuste metabólico. Essas condutas estão embasadas nas diretrizes brasileiras de obesidade, que são referências fundamentais no manejo da doença. A obesidade, hoje, é considerada uma doença multifatorial, de alta prevalência crescente. Os dados mais recentes do Painel Global de Obesidade mostram que, no Brasil, 60% da população tem sobrepeso, e dentro desse grupo, 27% já apresentam obesidade clínica. Recentemente, passou-se a adotar uma nova classificação da obesidade: obesidade pré-clínica e obesidade clínica. Na obesidade pré-clínica, a pessoa apresenta excesso de peso, mas ainda sem alterações metabólicas detectáveis em exames laboratoriais. Já a obesidade clínica ocorre quando há alterações laboratoriais — como alterações no lipidograma, resistência insulínica com insulina elevada, entre outras — que indicam uma necessidade de tratamento mais intensivo, inclusive com medicamentos. COMORBIDADES ASSOCIADAS As comorbidades associadas à obesidade são várias: hipertensão, diabetes, doença renal crônica (como glomeruloesclerose induzida pela obesidade), alguns tipos de câncer, problemas osteoarticulares, entre outros. A obesidade raramente aparece sozinha — o mais comum hoje é encontrar indivíduos obesos, hipertensos, diabéticos e com dislipidemia, que já mostram sinais de lesão renal. Isso representa uma conjugação de fatores de risco difíceis de controlar isoladamente. O tratamento da obesidade e de suas comorbidades é altamente custoso, tanto para o indivíduo, quanto para a família, a comunidade e o sistema de saúde. Ele reduz produtividade, aumenta o número de faltas no trabalho (absenteísmo) e impõe uma sobrecarga ao sistema público e privado. Por tudo isso, a obesidade precisa ser tratada com seriedade. Apesar de todo o conhecimento acumulado, das diretrizes e dos avanços em medicamentos e cirurgia, a obesidade continua crescendo. O nível atual é alarmante: de cada 10 pessoas, 6 estão com sobrepeso e quase 3 já estão em obesidade clínica. Isso aumenta drasticamente o número de doenças que exigirão tratamento contínuo, o que impõe um desafio de saúde pública, de sustentabilidade e até mesmo de sobrevivência da espécie humana. O controle da obesidade é uma questão urgente e coletiva, que exige envolvimento não só do setor saúde, mas de toda a sociedade. Se não houver um controle efetivo da obesidade, especialmente da obesidade infantil, a sobrevivência da espécie humana como a conhecemos estará ameaçada. A nova geração, que está crescendo agora, corre o risco de viver menos do que a geração atual. Isso se deve à alta carga de doenças associadas à obesidade, o que pode levá-los a adoecerem precocemente e saírem do mercado de trabalho antes mesmo de atingirem o auge da vida produtiva. O impacto social disso é imenso, pois, para mantermos as estruturas sociais funcionando, precisamos que a próxima geração viva mais, e não menos. A obesidade e suas comorbidades estão se tornando um problema de saúde pública com efeitos mais rápidos e mais graves do que imaginamos. Casos cada vez mais frequentes de crianças com menos de 10 anos apresentando obesidade grave e já diagnosticadas com diabetes tipo 2 ilustram bem essa realidade. A presença de acantose nigricans, por exemplo — aquelas manchas escuras, espessas, geralmente visíveis na nuca e outras dobras da pele — é um sinal clássico de resistência insulínica e, portanto, um marcador clínico importante que nunca deve ser ignorado. No entanto, seu tratamento é sempre difícil, pois envolve um contexto social complexo. Outro desafio considerável no enfrentamento da obesidade é a elevada taxa de recidiva. Aproximadamente 95% dos pacientes obesos que conseguem alcançar o peso adequado voltam a ganhar peso em até dois anos após o término do tratamento. Ou seja, recidivar é a regra, não a exceção. Esse número demonstra como é difícil manter os resultados e sustentar a perda de peso em longo prazo. Dados atualizados mostram que 60% da população brasileira já apresenta excesso de peso, um aumento em relação aos 56% anteriormente registrados. Esse número vem do Painel Global da Obesidade, uma importante iniciativa internacional que compila dados mundiais atualizados sobre a doença. Apesar de já existirem políticas públicas voltadas ao combate da obesidade, sua eficácia ainda é limitada. A obesidade continua crescendo, e isso se deve, em grande parte, à dificuldade de promover mudanças em um fator central: o ambiente alimentar. Alimentos ultraprocessados, ricos em gordura, açúcar e sal, continuam sendo mais baratos e amplamente disponíveis.Além disso, são muito saborosos, o que aumenta seu consumo. Negar que sejam gostosos seria hipocrisia. Do ponto de vista sensorial, esses alimentos são extremamente agradáveis, e há uma razão para isso — foram projetados para isso. ETIOLOGIA DA OBESIDADE A etiologia da obesidade é complexa e multifatorial. Envolve genética, ambiente, estilo de vida e, principalmente, fatores emocionais. A genética por si só não explica o crescimento da obesidade. O ambiente e os hábitos têm peso muito maior. Um bom exemplo é observar vídeos da década de 1970: além da moda e dos penteados diferentes, vemos que a maioria das pessoas era magra. Há um vídeo comparando imagens da Praça da Sé, em São Paulo, em 1973 e 2013. Em 2013, a maioria das pessoas filmadas apresentava sobrepeso ou obesidade. A genética da população não mudou em 40 anos. O que mudou foi o ambiente: a oferta de alimentos, os hábitos de vida e os fatores emocionais, como a ansiedade, que se tornou quase uma constante no século XXI. Transtornos de ansiedade são comuns nos pacientes acompanhados nos ambulatórios, e parte disso está relacionado à dependência dos dispositivos eletrônicos, como os celulares. Eles são indispensáveis hoje em dia, mas também são fonte contínua de estresse. Isso influencia nosso estado emocional e, consequentemente, nossos hábitos alimentares. Surge então o comer compulsivo ou compensatório, que é uma forma comum de resposta a alterações emocionais. O fator clássico da obesidade é o balanço energético positivo — quando a ingestão calórica ultrapassa o gasto calórico. Isso pode acontecer, por exemplo, com um atleta que, ao parar de treinar, mantém o mesmo padrão alimentar e passa a acumular gordura. Esse excesso de energia armazenada se transforma em gordura corporal, o que desencadeia os processos que levam à obesidade. O ambiente alimentar também contribui diretamente: alimentos in natura ou minimamente processados são mais caros e menos acessíveis, e isso se deve tanto à logística de distribuição quanto às políticas governamentais que incentivam a produção e comercialização dos ultraprocessados, que são baratos, saborosos, têm longa validade e são encontrados facilmente. Em qualquer área urbana, é mais fácil encontrar alimentos ultraprocessados do que alimentos saudáveis. Além disso, esses alimentos são altamente palatáveis, de digestão rápida e com alta densidade calórica, o que os torna ainda mais atraentes para o consumo contínuo. Somando-se a isso, temos o sedentarismo. A população brasileira é amplamente sedentária. Mesmo que fosse possível caminhar grandes distâncias diariamente, as cidades não são preparadas para isso. Falta infraestrutura: ciclovias, parques públicos e áreas de convivência para prática de exercícios. O zoológico, por exemplo, está em decadência, nem as crianças frequentam mais. Isso mostra que até os poucos espaços que existiam estão deteriorados. A estrutura urbana brasileira, no geral, não favorece o gasto calórico. É mais agradável caminhar porque a temperatura média da cidade diminuiu, o que fez com que as pessoas se tornassem mais ativas. Isso é parte do cenário. Outro ponto relevante são as alterações emocionais do apetite. Quantos de vocês já sentiram aquela vontade estranha de comer algo diferente ao chegar em casa, geralmente no final da tarde, sabendo que têm uma prova no dia seguinte? É uma sensação comum: uma vontade de comer alguma coisa, mas sem saber exatamente o quê. Você pega algo, experimenta, mas não era aquilo. Vai atrás de outra coisa, come de novo, ainda não era aquilo. Abre a geladeira, analisa tudo procurando aquilo “diferente”, mas o que você quer não existe. Para não perder a viagem, você pega qualquer outra coisa. Depois, vai ao armário e repete o processo. Ao final de duas horas, você consumiu mais calorias do que precisava para o dia inteiro — geralmente em alimentos ultraprocessados, ricos em sabor, que geram muito prazer. E então, ao se dar conta do quanto comeu. Só que, ao chegar no dia seguinte, você sente fome e vontade de comer, porque essa vontade é real. Isso é uma alteração emocional do apetite. Se isso ocorre com muita frequência, caracteriza um comportamento chamado surto hiperfágico compulsivo e compensatório. É algo bastante comum: em um evento de duas horas, a pessoa pode ultrapassar facilmente sua necessidade calórica diária. E se esse tipo de episódio acontecer pelo menos duas vezes por semana — apenas duas vezes — já é suficiente para gerar um balanço energético positivo na semana e levar ao ganho de peso. Esse fenômeno é frequente até durante tratamentos. A pessoa está seguindo a dieta, fazendo tudo “bonitinho”, mas em dois dias da semana ela “mete o pé na jaca”. O estresse emocional leva ao comportamento alimentar impulsivo. Se acontecer duas vezes por semana, mesmo com dieta nos demais dias, a ingestão calórica semanal será superior ao necessário. E aí, mesmo com dieta, a pessoa não emagrece. Pior: dependendo da intensidade desse surto, ela pode até engordar. Então, a dieta falhou? Não. O que existe é um comportamento alimentar emocional recorrente que sabota o processo. Vivemos em uma sociedade extremamente ansiosa, o que facilita ainda mais essas alterações. E há alimentos que potencializam isso. Os chamados alimentos ultraprocessados — ou AOPs, segundo os nutricionistas — são justamente os que mais favorecem esses episódios. Eles são projetados para isso. Têm sabor muito intenso, alta densidade calórica (ou seja, em pouco volume, fornecem muitas calorias), espalham sabor pela boca de forma eficiente, deixam sabor residual (aquela sensação que permanece no fundo da garganta mesmo após engolir), e isso tudo gera um prazer enorme. Quando você consome um alimento com essas características — geralmente pastoso, calórico e altamente palatável —, a amígdala cerebral, localizada na base do cérebro, emite uma resposta instintiva que diz: “Isso é vida! Continue comendo.” Essa reação é um resquício do nosso passado evolutivo. Lá atrás, quando éramos caçadores-coletores, escolher os alimentos certos era essencial para a sobrevivência. Se não escolhêssemos alimentos calóricos, não teríamos energia suficiente para atravessar períodos de escassez. Em ambientes naturais, não modificados pela ação humana — como em reality shows tipo “Largados e Pelados” — não há oferta calórica fácil. As pessoas emagrecem muito rápido. Por isso, ao longo da evolução, nosso cérebro aprendeu a associar gosto, textura e densidade calórica com sobrevivência. Se, por acaso, a gente tivesse o mesmo prazer ao comer uma folha de alface americana e uma carne gordurosa, faríamos escolhas erradas e colocaríamos nossa sobrevivência em risco. Por isso, sentimos prazer intenso quando colocamos na boca alimentos com alta densidade calórica que se tornam pastosos, espalham sabor e deixam aquele gosto residual. Nosso cérebro responde com uma verdadeira festa de dopamina, quase como se fosse um orgasmo alimentar. É possível ver isso até em exames de imagem — ressonâncias cerebrais mostram áreas do cérebro se iluminando intensamente, como em resposta ao uso de drogas. É por isso que algumas pessoas comparam açúcar ou certos alimentos com cocaína. Mas é importante dizer: não é a mesma coisa. Não é o mesmo modelo de adicção. Dizer que açúcar vicia como cocaína é um exagero, um tipo de terrorismo nutricional. São processos diferentes, embora ambos envolvam prazer e reforço de comportamento. Na verdade, o que acontece é um reflexo condicionado pelo excesso de prazer. Nosso corpo reconhece o alimento como bom para a sobrevivência e mantém aquele padrão de escolha. O problema é que, nos últimos 50 anos, o ambiente alimentar mudou drasticamente. Hoje, há uma predominânciade alimentos com essas características. É fácil encontrar alimentos que se tornam pastosos, espalham sabor pela boca, têm alta densidade calórica e deixam gosto residual. Esses alimentos são desenvolvidos de forma precisa, com nutrientes microencapsulados que resistem ao processo de mastigação e mantêm o sabor ativo mesmo depois de engolir. É intencional. Isso interfere diretamente no microambiente alimentar, especialmente o doméstico. Ter esses produtos em casa torna muito difícil resistir. A verdade é que essas escolhas não são casuais. OBESIDADE EM CRIANÇAS Quando a obesidade acontece em crianças até 5 anos de idade, ela tende a ser tanto hipertrófica quanto hiperplásica, ou seja, desenvolvem mais células de gordura e essas células aumentam de tamanho. Nessa fase da vida temos muitas células ainda não diferenciadas, que passam a se tornar adipócitos — células de gordura — por causa da maior necessidade energética. E sabemos que os adipócitos não servem apenas como reserva energética: eles têm uma ação hormonal importante. Quando esse tecido adiposo se torna hiperplásico e hipertrófico, há aumento significativo da secreção de substâncias que favorecem a obesidade, tornando essa condição ainda mais difícil de controlar ao longo da vida. Estudos mostram que crianças que engordam antes dos 5 anos provavelmente lidarão com essa condição pelo resto da vida, sempre precisando de controle. Além disso, essas crianças apresentam comorbidades mais cedo. Até o final da primeira década de vida, muitas já apresentam intolerância à glicose, resistência à insulina ou mesmo picos de pressão arterial. Ao final da adolescência, é comum que já tenham desenvolvido diabetes ou hipertensão. E, antes de completarem 30 anos, já acumulam várias condições sérias como diabetes, hipertensão, obesidade, doenças cardiovasculares ou insuficiência renal crônica. Com isso, é provável que essa próxima geração morra entre os 38 e 43 anos, passando anos enfrentando doenças graves como insuficiência renal (fazendo diálise), problemas cardíacos ou outras condições sérias. Não se trata apenas de morrer mais cedo. Trata-se de morrer mais cedo com alto custo social. No nosso caso, que temos um sistema público de saúde sustentado por todos nós, e um sistema de previdência igualmente sustentado pelas nossas contribuições compulsórias ao governo, haverá aumento significativo nos custos. E quem deveria estar entrando no mercado de trabalho para bancar tudo isso estará morrendo antes. A exposição a substâncias que favorecem esse quadro é muito ampla. Por exemplo, existem os chamados POPs — poluentes orgânicos persistentes — e os DEs, os disruptores endócrinos, que estão muito presentes no plástico. Já foram encontrados no leite materno e na placenta. Temos professores estudando a presença dessas substâncias até no mecônio (as primeiras fezes do bebê). Esses poluentes já entraram na cadeia alimentar. Nos próximos anos, estima-se que 500 milhões de toneladas de microplásticos sejam depositadas no solo. Eles já estão no ar, e nós já os respiramos. E o que esses microplásticos causam? Não sabemos ao certo. Esse é o problema. Eles já estão dentro do nosso corpo. Isso vem pelo ar, pela pele e, principalmente, pela alimentação. Alguns estudos indicam que os poluentes orgânicos persistentes alteram a microbiota intestinal, e há diferenças inclusive entre bebês nascidos de parto normal e por cesariana. Ainda faltam evidências conclusivas, mas é uma possibilidade. Outro fator agravante é a diminuição do tempo de sono. A falta crônica de sono altera a resposta ao estresse. Precisamos do sono profundo para reduzir os níveis de estresse. Quando o estresse se torna crônico, ele afeta o apetite e o emocional. Quanto menos se dorme, mais se ativa o eixo hipotálamo-hipófise- adrenal, o que aumenta o apetite e leva ao ganho de peso. Assim, o controle do estilo de vida não é simples. Vivemos uma transição nutricional. O estilo de vida da humanidade mudou muito desde o século passado. Isso alterou o padrão alimentar. Hoje, há um consumo maior de alimentos com alta densidade calórica, alta palatabilidade, baixo poder de saciedade e fácil absorção — os ultraprocessados. No início do século XXI, menos de 10% da ingestão calórica total vinha desses alimentos. Hoje, esse número já chega a 18,3% no Brasil. Em países desenvolvidos, pode ultrapassar 30%. São produtos muito mais baratos que os alimentos in natura ou minimamente processados. Além disso, fatores sociais influenciaram essa transição. Desde os anos 1970, com a entrada da mulher no mercado de trabalho — hoje elas são maioria nos cursos superiores — houve um aumento da sobrecarga feminina, que passou a acumular responsabilidades com casa, filhos, trabalho e estudos. Isso aumentou a ansiedade e mudou os sistemas alimentares. Passamos a demandar alimentos mais rápidos, práticos, com maior tempo de armazenamento e capazes de substituir refeições. Isso influenciou até a indústria de eletrodomésticos: antes bastava um fogão e uma geladeira com congelador pequeno. Hoje, é comum ter micro-ondas, freezer grande, air fryer e outros aparelhos para preparar comidas processadas. Até a forma de comercializar alimentos mudou. Nos supermercados atuais, se compra de tudo. Vai-se por uma fruta e sai-se com ovos, pneu, ração, produto de carro... Isso tudo é proposital, para estimular o consumo. E observe a posição das guloseimas nas prateleiras: estão ao alcance das crianças. O marketing tem enorme influência na alimentação. Há os nutritional claims, alegações nutricionais que induzem ao consumo. Um salgadinho pode trazer no rótulo: “feito com grãos integrais” ou “com óleo de girassol”, criando a impressão de que é saudável. Às vezes, está escrito “feito com fruta”. Mas tem 0,1% de fruta — e isso já basta para enganar o consumidor. E os transgênicos? Quase tudo contém transgênico. O problema é que ainda não sabemos os impactos reais deles na saúde humana. E, mesmo assim, consumimos. Na Europa, o controle é mais rígido do que nos EUA. No Brasil, Argentina, China e EUA, a produção é massiva. Aqui, ao menos temos o direito de saber que o alimento é transgênico, o que é proibido nos Estados Unidos. Estamos participando de um grande experimento alimentar. Até o feijão já apresenta o símbolo de transgênico. Está indo para arroz, trigo, tudo. É difícil encontrar milho sem transgênico: 95% do milho no Brasil é transgênico. E a maior parte vai para a ração animal. Nós comemos os animais que comeram transgênico. Estamos cercados por todos os lados. E voltando ao marketing: quantos de vocês já compraram um produto porque o rótulo dizia “15g de proteína”? Muita gente. Esse tipo de bebida é feito a partir de um resíduo do leite que antes era descartado. Hoje virou bebida láctea e custa caro — porque tem “15g de proteína” no rótulo. O marketing dita o que comemos. Isso cria um ambiente alimentar obesogênico, que favorece o acúmulo de gordura. Guardar gordura virou quase uma condição normal. Mas por que o corpo prefere guardar gordura e não músculo? Porque a gordura é a forma mais eficiente de armazenamento de energia. Na ausência de glicose, o corpo pode fazer gliconeogênese a partir da gordura. A proteína também serve, mas é a terceira opção. Guardar músculo, apesar de parecer vantajoso, aumentaria o gasto calórico — e o corpo quer economizar energia. Músculo exige muito nutriente. Então, se o objetivo é economizar, guardar músculo não é vantajoso. Aumentar a quantidade de massa muscular pode parecer ideal em termos metabólicos, pois melhora o gasto energético do corpo. No entanto, isso também aumenta significativamente a necessidade nutricional. Em períodos de escassez alimentar, essa maior exigência faz comque a fome apareça mais rápido, levando à exaustão e à morte com mais facilidade. Já a gordura corporal, por outro lado, é uma reserva energética muito estável. Carregamos moléculas de gordura antigas, que se mantêm conosco ao longo do tempo. A gordura se regenera com menos frequência e impacta menos o metabolismo. Por isso, o corpo tende a favorecer a manutenção da gordura em vez da construção de músculos — é uma questão evolutiva. Esse conjunto de fatores configura o que chamamos de ambiente alimentar obesogênico, ou seja, um ambiente que promove o consumo de alimentos altamente calóricos e de fácil acesso. Muitas vezes, a oferta de comida do cotidiano não depende somente da escolha individual. Mesmo que alguém deseje se alimentar apenas de alimentos orgânicos, por exemplo, é praticamente impossível garantir isso no Brasil. Além de serem caros, os alimentos orgânicos ainda podem conter resíduos de poluentes orgânicos persistentes (POPs), que são agrotóxicos que se acumulam no ambiente e nos alimentos. Atualmente, estima-se que cada brasileiro consuma, em média, 7,4 litros de agrotóxicos por ano por meio da alimentação. Há quem argumente que o consumo exclusivo de carne seria uma solução para evitar agrotóxicos. Mas isso não faz sentido do ponto de vista científico. Existe um fenômeno chamado bioacumulação, em que os animais acumulam substâncias químicas em seus tecidos, incluindo agrotóxicos presentes nos alimentos vegetais que eles consomem. Portanto, é impossível escapar completamente dessa contaminação. OBJETIVO DO TRATAMENTO Dentro desse contexto, o objetivo do tratamento da obesidade deve ser a criação de um balanço energético negativo e prolongado — ou seja, ingerir menos calorias do que o corpo precisa durante um período extenso. Não se trata de passar fome por um dia ou fazer uma dieta restritiva por uma semana. A ideia é estabelecer condições sustentáveis, nas quais a ingestão calórica diária seja consistentemente menor do que o gasto energético, por meses ou anos, de forma segura e gradual. Muitas pessoas tentam alcançar esse déficit calórico por meio de medicamentos que reduzem a fome ou dietas muito restritivas, que até podem gerar resultados no início, mas que dificilmente se sustentam no longo prazo. Isso se deve ao próprio ambiente alimentar, que não favorece escolhas saudáveis. Não é fácil encontrar alimentos frescos e naturais com preços acessíveis e fácil disponibilidade. A maioria das pessoas vive rotinas exaustivas de estudo, trabalho e cuidado com a família, e não tem tempo nem energia para preparar refeições saudáveis diariamente. A abordagem ignora o fato de que a pessoa é, na verdade, o elo mais fraco desse sistema. Ela está inserida em uma estrutura social e econômica que dificulta a prática de hábitos saudáveis. Não se trata de demonizar o capitalismo, mas é fundamental reconhecer que colocar toda a responsabilidade da saúde nas mãos do indivíduo é injusto. O ambiente alimentar atual, a estrutura urbana que não favorece a atividade física e as longas jornadas de trabalho contribuem significativamente para a dificuldade em manter um estilo de vida saudável. Por isso, o tratamento da obesidade deveria ser entendido como uma questão de política pública e saúde coletiva, e não apenas como um esforço individual. O tratamento envolve o controle da ingestão calórica diária e, especialmente, a redução do consumo de alimentos ultraprocessados, que, apesar de parecerem inofensivos, são altamente calóricos. Um pacote médio de biscoito recheado, por exemplo, pode conter o equivalente calórico de oito pães com manteiga. Ninguém comeria oito pães de uma vez, mas é comum consumir um pacote inteiro de biscoito sem perceber. O mesmo vale para salgadinhos. Esse tipo de alimento está presente no dia a dia das crianças, inclusive nos lanches escolares. Muitos pais tentam mandar opções saudáveis para os filhos, mas isso é dificultado pelo ambiente social. A alimentação é um ato social, e as crianças querem se encaixar no grupo. Se todos os colegas estão comendo alimentos industrializados, a criança que leva frutas pode se sentir excluída. Isso afeta diretamente a adesão ao tratamento e o bem-estar psicológico. Mesmo em escolas que tentam oferecer lanches mais saudáveis, como batata-doce ou brócolis, surgem críticas. Muitas crianças não se adaptam a esses alimentos como lanche da tarde, e os pais acabam precisando mandar comida de casa — o que torna o processo mais caro e trabalhoso. O ideal seria que essas mudanças fossem aplicadas de forma coletiva e institucionalizada, para não isolar a criança nem penalizar os pais. Se o tratamento causa sofrimento, ele tende a ser abandonado. Se seguir uma dieta saudável gera ansiedade ou isolamento social, isso pode desencadear episódios de compulsão alimentar como compensação, comprometendo todo o processo. JEJUM INTERMITENTE Muitas vezes, surgem modismos com base em teorias pseudocientíficas, como o jejum intermitente. Há quem diga que o jejum é milagroso, mas os dados não sustentam essas afirmações. Se o jejum fosse tão eficaz, nossos antepassados teriam vivido mais de 100 anos, mesmo sem vacinas ou saneamento. Estudos mostram que, ao longo de um ano, o jejum intermitente resulta em uma perda de peso apenas levemente superior a outros métodos tradicionais — menos de 1 kg a mais — e tem taxa de adesão extremamente baixa. De cada 50 pessoas que começam, apenas cerca de 5 seguem o jejum até o fim do ano. Isso acontece porque o jejum impõe sofrimento, e isso não é sustentável. Portanto, o que funciona no longo prazo é promover uma redução calórica progressiva e aumentar gradualmente o gasto de energia. Não é necessário virar atleta da noite para o dia. Muitas propostas de tratamento exigem que a pessoa pare a própria vida para segui-las, o que é irreal. Quando isso acontece, a tendência é desistir. E o mais cruel é que quem passa por isso frequentemente enfrenta ainda a pressão social, pessoal e até profissional por conta do peso. Existe uma indústria que lucra bilhões de dólares vendendo falsas promessas de cura para a obesidade. Basta entrar em uma livraria e ver a quantidade de livros com "dietas milagrosas". O tratamento verdadeiro, porém, é simples e difícil: menos ingestão calórica, mais gasto energético e muita paciência — sem ilusões. O grande ponto é que existe uma indústria voltada para o tratamento da obesidade que é séria, baseada em ciência, pesquisa e evidências clínicas. Essa parte da indústria busca compreender a fisiopatologia da obesidade e propor intervenções que sejam seguras, eficazes e sustentadas ao longo do tempo. No entanto, também existem empresas e profissionais que se aproveitam do sofrimento das pessoas, prometendo tratamentos milagrosos, sem respaldo científico, com o único objetivo de lucrar. E infelizmente, muitas pessoas que sofrem com a obesidade, por serem estigmatizadas, acabam caindo nesses discursos. A obesidade ainda carrega muito estigma. Pessoas com obesidade são pressionadas socialmente, inclusive por profissionais da saúde. Não é incomum encontrarmos médicos e nutricionistas com posturas gordofóbicas, o que contribui para o sofrimento psicológico dessas pessoas. Isso precisa ser combatido. Dentro dessa realidade, também é comum ver o uso indiscriminado de terapias hormonais, como a reposição de testosterona. Por exemplo, mulheres que estão cansadas ou com libido baixa recebem a justificativa de que "a testosterona está baixa" e, por isso, devem fazer reposição. Mas essas queixas podem ter outras causas, como a sobrecarga de trabalho, estudos, cuidados com a casa e filhos. Em menos de 3% dos casos a indicação é realmente médica — por exemplo, em situações de desejo sexual hipoativo — e, aindaem até 85% dos indivíduos testados, sem grandes complicações até o momento. No entanto, são tratamentos caros, com alto custo, e ainda têm muitas barreiras de acesso. Quando a medicação é suspensa e não há mudança de estilo de vida, o peso retorna. Isso ocorre porque a obesidade é uma doença crônica não curável, apenas controlável. Não existe ex-obeso, existe o obeso controlado. O tratamento é contínuo, com foco em controle de adiposidade e preservação de massa magra. Isso se aplica a qualquer doença crônica: a base do tratamento é medicação, alimentação adequada e atividade física regular. Com esses novos medicamentos, a obesidade tende a se tornar um problema de classe. Quem tem dinheiro acessa o tratamento de ponta e mantém o controle. Quem não tem, segue exposto às dietas da moda, ao marketing enganoso e a alternativas perigosas. Com o tempo, os medicamentos atuais se tornarão mais acessíveis, pois os novos lançamentos fazem com que os anteriores se tornem de segunda linha e tenham seu preço reduzido. Isso é comum na indústria farmacêutica. Hoje, as diretrizes da ANS recomendam pelo menos 150 minutos semanais de atividade física aeróbica moderada a intensa, ou 75 minutos de atividade intensa. Atividades como corrida ou spinning, que aumentam significativamente a frequência cardíaca, são ideais para a queima de gordura. No entanto, menos de 1 em cada 70 pessoas consegue atingir essa meta, pois é difícil conciliar essa rotina com as exigências da vida moderna. Além disso, os períodos de atividade precisam durar pelo menos 10 minutos para gerar impacto fisiológico. Para benefícios adicionais, o ideal seria 300 minutos por semana, ou seja, 1 hora por dia, 5 vezes por semana, além de treinos de força muscular pelo menos duas vezes por semana para estimular a hipertrofia. A perda de peso efetiva não se baseia apenas no IMC, mas na composição corporal. Perder massa magra é prejudicial. O objetivo é manter ou aumentar a massa magra enquanto se reduz a gordura. A perda de apenas 3 a 5% do peso corporal já traz benefícios metabólicos significativos, como redução da glicemia, do colesterol, do ácido úrico e de marcadores inflamatórios. Perdas entre 5 e 10% em 3 a 6 meses são ideais e promovem melhor controle da obesidade e de doenças associadas. O endocrinologista brasileiro Bruno Halpern, uma das maiores autoridades mundiais no tratamento da obesidade, propôs o conceito de obesidade controlada, uma abordagem moderna e sustentada. Em vez de promover uma perda de peso brusca e depois tentar manter o novo peso, ele propõe uma perda de peso escalonada e lenta, com longos períodos de estabilização entre as fases de perda. Isso facilita a adaptação do paciente ao novo estilo de vida e tem se mostrado mais eficaz na manutenção do peso perdido. O objetivo não é perder muito peso rápido, mas manter o peso perdido ao longo do tempo. Isso exige mudanças comportamentais e melhora da composição corporal — redução da gordura e aumento da massa magra. Contudo, o maior desafio é fazer o paciente aceitar esse modelo. A pressão e o sofrimento causados pela obesidade fazem com que as pessoas queiram soluções rápidas, mesmo que ineficazes. Soros de vitamina, suplementos da moda ou dietas milagrosas são exemplos de promessas sedutoras que não geram resultados reais. Educar a população é um processo difícil, mas essencial. No que diz respeito ao tratamento dietoterápico, é fundamental lembrar que a prescrição de dietas é atribuição legal dos nutricionistas, e o foco deve estar nas mudanças comportamentais alimentares. Não basta mudar o que se come, mas como, quando e por que se come. A dieta deve ser hipocalórica, com déficit de 500 a 1.000 kcal por dia, o que já é suficiente para uma perda de peso sustentável. Ao reduzir a ingestão calórica, o corpo tende a aumentar a sensação de fome, então é necessário promover saciedade prolongada. Isso é feito com aumento do fracionamento alimentar — não necessariamente comer de 3 em 3 horas, mas evitar longos períodos sem alimentação. O simples ato de se alimentar já eleva o gasto energético. Refeições mais frequentes ajudam a manter o estômago cheio por mais tempo e reduzir a fome. Outro ponto chave é o uso de alimentos de baixa densidade calórica, como vegetais ricos em fibra e água, que aumentam o volume da refeição sem aumentar proporcionalmente as calorias. O estômago permanece ocupado por mais tempo, retardando o esvaziamento gástrico. Além disso, é fundamental aumentar o aporte proteico, pois a proteína retarda a liberação do conteúdo gástrico e preserva a massa magra. O ideal é montar refeições com um pouco de carboidrato, muitos vegetais e uma boa porção de carne. Quando a fonte de proteína também oferece cálcio, o efeito é ainda melhor, pois o cálcio aumenta o tempo de digestão, tornando o processo de saciedade mais eficaz. Contudo, implementar isso é muito mais difícil quando falamos da população de baixa renda. As proteínas são os alimentos mais caros da refeição, representando até 60% do custo. Os vegetais, segundo a OMS, deveriam ser consumidos em pelo menos 5 porções ao dia (totalizando 400g diários de frutas, verduras e legumes), mas a maioria dos brasileiros não atinge esse valor. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a média é de apenas uma porção diária. O consumo ideal seria de duas frutas por dia, preferencialmente in natura, e verduras e legumes no almoço e jantar. Isso pode reduzir em até 30% a incidência de doenças crônicas. Infelizmente, a maioria das pessoas — inclusive aquelas com condições financeiras para isso — não segue essas diretrizes, seja por hábito, falta de tempo ou de educação alimentar. Agora imagine a situação das pessoas em extrema vulnerabilidade. Em comunidades como a dos Três Poços, por exemplo, a salsicha é a principal fonte de proteína. É barata, rende muito, dá saciedade. Retirá-la da dieta dessas pessoas sem oferecer alternativas viáveis é impossível. É com ela que se faz o molho do dia, que acompanha o angu e garante a refeição. Substituir por vegetais ou frutas, cujo preço é mais alto, se torna inviável para essas famílias. É muito difícil trabalhar com essa realidade. Mas esse é exatamente o desafio. Preparar profissionais para lidar com esse cenário de desigualdade, com consciência crítica, empatia e conhecimento técnico, é fundamental. Se fosse fácil, não precisaríamos estar aqui discutindo tudo isso.em até 85% dos indivíduos testados, sem grandes complicações até o momento. No entanto, são tratamentos caros, com alto custo, e ainda têm muitas barreiras de acesso. Quando a medicação é suspensa e não há mudança de estilo de vida, o peso retorna. Isso ocorre porque a obesidade é uma doença crônica não curável, apenas controlável. Não existe ex-obeso, existe o obeso controlado. O tratamento é contínuo, com foco em controle de adiposidade e preservação de massa magra. Isso se aplica a qualquer doença crônica: a base do tratamento é medicação, alimentação adequada e atividade física regular. Com esses novos medicamentos, a obesidade tende a se tornar um problema de classe. Quem tem dinheiro acessa o tratamento de ponta e mantém o controle. Quem não tem, segue exposto às dietas da moda, ao marketing enganoso e a alternativas perigosas. Com o tempo, os medicamentos atuais se tornarão mais acessíveis, pois os novos lançamentos fazem com que os anteriores se tornem de segunda linha e tenham seu preço reduzido. Isso é comum na indústria farmacêutica. Hoje, as diretrizes da ANS recomendam pelo menos 150 minutos semanais de atividade física aeróbica moderada a intensa, ou 75 minutos de atividade intensa. Atividades como corrida ou spinning, que aumentam significativamente a frequência cardíaca, são ideais para a queima de gordura. No entanto, menos de 1 em cada 70 pessoas consegue atingir essa meta, pois é difícil conciliar essa rotina com as exigências da vida moderna. Além disso, os períodos de atividade precisam durar pelo menos 10 minutos para gerar impacto fisiológico. Para benefícios adicionais, o ideal seria 300 minutos por semana, ou seja, 1 hora por dia, 5 vezes por semana, além de treinos de força muscular pelo menos duas vezes por semana para estimular a hipertrofia. A perda de peso efetiva não se baseia apenas no IMC, mas na composição corporal. Perder massa magra é prejudicial. O objetivo é manter ou aumentar a massa magra enquanto se reduz a gordura. A perda de apenas 3 a 5% do peso corporal já traz benefícios metabólicos significativos, como redução da glicemia, do colesterol, do ácido úrico e de marcadores inflamatórios. Perdas entre 5 e 10% em 3 a 6 meses são ideais e promovem melhor controle da obesidade e de doenças associadas. O endocrinologista brasileiro Bruno Halpern, uma das maiores autoridades mundiais no tratamento da obesidade, propôs o conceito de obesidade controlada, uma abordagem moderna e sustentada. Em vez de promover uma perda de peso brusca e depois tentar manter o novo peso, ele propõe uma perda de peso escalonada e lenta, com longos períodos de estabilização entre as fases de perda. Isso facilita a adaptação do paciente ao novo estilo de vida e tem se mostrado mais eficaz na manutenção do peso perdido. O objetivo não é perder muito peso rápido, mas manter o peso perdido ao longo do tempo. Isso exige mudanças comportamentais e melhora da composição corporal — redução da gordura e aumento da massa magra. Contudo, o maior desafio é fazer o paciente aceitar esse modelo. A pressão e o sofrimento causados pela obesidade fazem com que as pessoas queiram soluções rápidas, mesmo que ineficazes. Soros de vitamina, suplementos da moda ou dietas milagrosas são exemplos de promessas sedutoras que não geram resultados reais. Educar a população é um processo difícil, mas essencial. No que diz respeito ao tratamento dietoterápico, é fundamental lembrar que a prescrição de dietas é atribuição legal dos nutricionistas, e o foco deve estar nas mudanças comportamentais alimentares. Não basta mudar o que se come, mas como, quando e por que se come. A dieta deve ser hipocalórica, com déficit de 500 a 1.000 kcal por dia, o que já é suficiente para uma perda de peso sustentável. Ao reduzir a ingestão calórica, o corpo tende a aumentar a sensação de fome, então é necessário promover saciedade prolongada. Isso é feito com aumento do fracionamento alimentar — não necessariamente comer de 3 em 3 horas, mas evitar longos períodos sem alimentação. O simples ato de se alimentar já eleva o gasto energético. Refeições mais frequentes ajudam a manter o estômago cheio por mais tempo e reduzir a fome. Outro ponto chave é o uso de alimentos de baixa densidade calórica, como vegetais ricos em fibra e água, que aumentam o volume da refeição sem aumentar proporcionalmente as calorias. O estômago permanece ocupado por mais tempo, retardando o esvaziamento gástrico. Além disso, é fundamental aumentar o aporte proteico, pois a proteína retarda a liberação do conteúdo gástrico e preserva a massa magra. O ideal é montar refeições com um pouco de carboidrato, muitos vegetais e uma boa porção de carne. Quando a fonte de proteína também oferece cálcio, o efeito é ainda melhor, pois o cálcio aumenta o tempo de digestão, tornando o processo de saciedade mais eficaz. Contudo, implementar isso é muito mais difícil quando falamos da população de baixa renda. As proteínas são os alimentos mais caros da refeição, representando até 60% do custo. Os vegetais, segundo a OMS, deveriam ser consumidos em pelo menos 5 porções ao dia (totalizando 400g diários de frutas, verduras e legumes), mas a maioria dos brasileiros não atinge esse valor. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a média é de apenas uma porção diária. O consumo ideal seria de duas frutas por dia, preferencialmente in natura, e verduras e legumes no almoço e jantar. Isso pode reduzir em até 30% a incidência de doenças crônicas. Infelizmente, a maioria das pessoas — inclusive aquelas com condições financeiras para isso — não segue essas diretrizes, seja por hábito, falta de tempo ou de educação alimentar. Agora imagine a situação das pessoas em extrema vulnerabilidade. Em comunidades como a dos Três Poços, por exemplo, a salsicha é a principal fonte de proteína. É barata, rende muito, dá saciedade. Retirá-la da dieta dessas pessoas sem oferecer alternativas viáveis é impossível. É com ela que se faz o molho do dia, que acompanha o angu e garante a refeição. Substituir por vegetais ou frutas, cujo preço é mais alto, se torna inviável para essas famílias. É muito difícil trabalhar com essa realidade. Mas esse é exatamente o desafio. Preparar profissionais para lidar com esse cenário de desigualdade, com consciência crítica, empatia e conhecimento técnico, é fundamental. Se fosse fácil, não precisaríamos estar aqui discutindo tudo isso.