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Conteudista: Prof. Dr. Tercius Zychan de Moraes Revisão Textual: Prof.ª Dra. Selma Aparecida Cesarin Objetivo da Unidade: Conhecer e compreender o interesse público e sua classificação, entre primário e secundário, bem como a possibilidade da disponibilidade de tal interesse como papel de uma Administração Pública Consensual, que admite a solução de conflitos entre ela e os administrados, por intermédio das técnicas de conciliação e de mediação, é de fundamental importância para a percepção do emprego da composição na solução de conflitos com a Administração Pública. 📄 Material Teórico 📄 Material Complementar 📄 Referências Conflitos com a Administração Pública Interesse Público Uma das primeiras questões que envolvem tanto a Administração Pública Burocrática, que nos tempos atuais ainda sedimenta grande influência na doutrina e na jurisprudência, quanto a Administração Pública Consensual, que possui uma visão mais equilibrada com o cidadão, é a aplicabilidade do instituto jurídico do interesse público, que vários doutrinadores classificam como um princípio fundamental para a Administração Pública. Tratando do interesse público na condição de princípio, deve-se levar em consideração que ele será direcionado para o entendimento e a aplicação da norma pelo agente público, pelo cidadão ou, ainda, pela coletividade. De qualquer forma, é importante destacar que o interesse público é um dos fundamentos que norteiam o regime jurídico administrativo. Existem vários conceitos doutrinários que tratam estritamente do interesse público, levando em consideração diversos fundamentos. Dentre os fundamentos, podemos alocar aquele que alinha o interesse público à satisfação dos direitos fundamentais por parte do Estado, agregando a figura do Estado Democrático de Direito que, dentre várias características, reconhece ser o “povo” o detentor do Poder Estatal. Vários institutos jurídicos trazem em seu bojo o fim primário do Estado como sendo aquele voltado à satisfação do interesse público, como é o caso da desapropriação, do tombamento, do exercício do poder de polícia e da intervenção, dentre outros. 1 / 3 📄 Material Teórico Vejamos o exemplo da desapropriação, preceituada no Artigo 5º, Inciso XXIV de nossa Constituição, que prevê a possibilidade de desapropriação na hipótese de interesse social. Nessa hipótese reconhece o interesse social como sendo uma das formas de manifestação do interesse público. O princípio geral do interesse público também pode ser reconhecido como “bem comum” ou, ainda, “bem-estar-social”. Levando em consideração a figura inserida do Estado Democrático de Direito, conforme previsão de nossa Constituição Federal, é possível inferir que o detentor do Poder do Estado seja o povo, como, por exemplo, pode ser constatado na apreciação conjunta do Parágrafo Único do Artigo 1º cominado com o Inciso LXXIII do Artigo 5º, ao permitir que qualquer cidadão seja sujeito ativo para promover uma ação constitucional, denominada “Ação Popular”, com o objetivo de anular ato administrativo que esteja lesando o patrimônio público, por exemplo, - BRASIL, 1988, grifo nosso “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.” ressaltando que o dispositivo constitucional que elenca a possibilidade de patrocínio de tal ação prevê, ainda, outras hipóteses de seu cabimento. - BRASIL, 1998 “Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.” O interesse público está afeto ao cumprimento pelo Estado de seu papel de garantidor dos direitos fundamentais, atendendo ao primado do princípio da “dignidade da pessoa humana”, que se revela como um conjunto de ações concretas que tenham por objetivo garantir a qualquer indivíduo da Sociedade o acesso às suas necessidades vitais. Atendendo a esse olhar sobre o princípio do interesse público, podemos entender que existe uma supremacia dele sobre qualquer outro. Assim, podemos compreender que em um eventual “confronto” com o interesse particular, o interesse público se sobrepõe a ele. A satisfação do interesse público, pode ocorrer de forma direta ou indireta, de modo a garantir a dignidade da pessoa, pela materialização dos direitos fundamentais. Com relação à satisfação do interesse público de forma direta ou indireta, atribuindo ao tema maior clareza, podemos fazer uso de uma Teoria aplicada no Direito Penal, quando do estudo do crime. Trata-se da “Teoria do conditio sine qua non”, para a qual tudo que contribuiu para o resultado de um crime lhe deu causa, considerando como causa toda ação ou omissão que deu origem ao resultado. Fazendo uma adaptação dessa teoria para a satisfação do interesse público, podemos entender que a concretização de determinado direito fundamental terá, na maioria das vezes, um precedente que contribuiu para que a concretude do direito seja manifestada. Para maior compreensão da aplicação da Teoria do conditio sine qua non, na análise do interesse público, apreciemos o seguinte exemplo: diante de um acidente de automóveis que resultou em vítimas, foi acionado pelo telefone de transeuntes o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU. Passados poucos instantes da solicitação, chega ao local do acidente o veículo de socorro desse serviço. Com o desembarque, a equipe se dirigiu às vítimas, prestando o socorro e as deslocando para o Hospital mais próximo. Antes de prosseguirmos na análise da situação, temos de fazer duas observações da ação do Estado naquele local representado pelos Agentes do SAMU. A primeira observação está voltada à postura da Administração Pública em garantir o direito à vida dos envolvidos no evento, bem como da garantia do direito à saúde, ambos direitos fundamentais prescritos na Constituição Federal. Tratando-se da ação direta ou indireta do Estado na satisfação desses dois direitos fundamentais que, na situação exemplificada norteiam o interesse público, façamos a seguinte indagação: quais foram os fatores diretos e indiretos que contribuíram para o resultado, sobre a perspectiva da Teoria do conditio sine qua non e, assim, materializar a satisfação do interesse público naquela ocorrência? Para a resposta a tal questionamento, devemos fazer uma digressão de tudo que antecedeu o socorro das vítimas. - BRASIL, 1988, grifo nosso “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visemà redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Analisando os itens descritos, podemos perceber que eles tratam exatamente de ações que redundaram na efetividade do resultado, dando causa a ele, ou seja, existiu uma ligação de ações indiretas, que precedem o atendimento às vítimas, para que fosse possível garantir a vida e a saúde dos atendidos. Alguém ligou para a Central de Atendimento do SAMU, solicitando socorro às vítimas. Nesse instante, a atendente aciona a equipe de socorro para ir ao local constatar o ocorrido e promover as ações de saúde urgentes, para que existisse o atendimento, havia toda uma infraestrutura de equipamentos de comunicação (telefone, computador e rádio), que permitiu o acionamento da equipe; 1 Para dar início a todos os procedimentos decorrentes do pedido de assistência à vida e à saúde das vítimas, o atendente foi selecionado em um Concurso Público e treinado para enfrentar essa situação; 2 A existência da equipe, do veículo de resgate e dos insumos médicos foi precedida de um Concurso Público para destinação de cargos ligados ao SAMU, uma licitação para aquisição do veículo de resgate e para aquisição dos insumos, além de todo o treinamento destinado à Equipe; 3 A existência de tudo o que foi descrito nos itens anteriores dependia da previsão de recursos para satisfazer a concretude de toda a estrutura do SAMU; 4 O próprio fundamento da existência do SAMU destina-se a dar concretude aos direitos fundamentais à vida e à saúde e, como já mencionamos, descritos na Constituição. 5 Figura 1 – Veículo de atendimento de emergência Fonte: Pixabay #ParaTodosVerem: trata-se da imagem de um veículo de atendimento de emergência médica, no formato de uma ambulância de cor branca, com tarjas laranjas e uma cruz vermelha, que demonstra ser de um serviço médico. O veículo está em uma via urbana, com as luzes de emergência acionadas. Fim da descrição. Interesse Público Primário e Secundário A fim de darmos prosseguimento na importante distinção entre interesse público primário e secundário, algumas questões merecem uma premente observação. A primeira delas é apontada por Marçal Justen Filho, ao estabelecer uma distinção entre o “interesse público” e o “interesse estatal”: Uma outra questão reside na compreensão de que o interesse público se restringe à somatória dos interesses de um número grande de indivíduos que compõem a Sociedade. Seguindo erroneamente tal compreensão, derrubamos a premissa de que o interesse público deve refletir o interesse geral do povo, elemento humano do Estado. Estendendo a análise do interesse público e sua relação com a vontade geral, merece destaque a reflexão sobre a impossibilidade de confundir o interesse público como sendo a somatória da maioria dos interesses privados, pois, se levarmos em conta tal premissa, estaremos diante da prevalência de direitos de uma maioria, desprezando os interesses de uma minoria, o que seria um pensamento adverso ao que se espera de um Estado Democrático de Direito. Para facilitar a compreensão dessa questão, adotemos como exemplo a seguinte situação: “um determinado Estado da Federação pretende promover a construção de mais uma pista de certa rodovia, que é rota de chegada a uma grande cidade. A justificativa de tal obra é que ela garantirá um acesso mais seguro para os usuários, bem como ampliará as oportunidades de trabalho, quando da execução da obra. Contudo, para realizar a obra no trajeto projetado, algumas casas deverão ser desapropriadas, bem como será necessária a remoção de um trecho de Mata Atlântica, que margeia a rodovia”. - JUSTEN FILHO, 2018, p. 39 “Não é cabível confundir interesse público com interesse estatal, o que geraria um raciocínio circular: o interesse seria público porque atribuído ao Estado, e seria atribuído ao Estado por ser público. Essa concepção é incompatível com a Constituição e a maior evidência disso reside na existência de interesses públicos não estatais (o que envolve, em especial, o chamado terceiro setor, composto pelas organizações não governamentais).” Figura 2 – Rodovia Fonte: Pixabay #ParaTodosVerem: trata-se da imagem de uma rodovia com duas pistas, divididas por um canteiro central, com grande fluxo de veículos e caminhões em ambos os sentidos. Nas margens das pistas, encontramos uma vegetação natural. Fim da descrição. Se levarmos em consideração que o interesse público se reveste somente no grupo de usuários da via, como fica o direito de moradia daqueles que terão as casas desapropriadas e o direito fundamental ao meio ambiente? Tais direitos serão desprezados? A solução para essa questão está depositada em nosso sistema jurídico, concebido a partir de nossa Constituição Federal. Inicialmente, vamos apreciar o direito à moradia dos que serão desapropriados. O direito à moradia é um direito fundamental de 2ª geração, previsto no Artigo 6º da nossa Lei Maior: Em uma rápida leitura, parece que não seria lógico o Poder Público desprezar um direito que ele tem por obrigação preservar. Entretanto, o próprio texto constitucional apresenta uma solução a esse impasse, ao prever a possibilidade de desapropriação, com a preservação do Direito Fundamental à moradia, conforme o Artigo 5º, Inciso XXIV de nossa Constituição: - BRASL, 1998, grifo nosso “Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” “Art. 5º. [...] XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.” O texto configura a situação em que a desapropriação será possível, sem ignorar o direito à moradia, estabelecendo que deverá haver uma indenização prévia e justa para com o desapropriado, com o intuito de lhe garantir seu direito de morar em outro lugar e em condições similares. Resta tratarmos sobre os aparentes danos ao meio ambiente, que poderão decorrer da obra. Nesse sentido, a Constituição apresenta, no Caput de seu Artigo 225, quem é o detentor do meio ambiente, sua finalidade e a necessidade de preservação. Vejamos: Contudo, a própria Lei Maior reconhece que o progresso é possível, mas sem deixar de preservar o meio ambiente, ao estabelecer, no § 1º, Inciso IV, do mesmo Artigo citado, o seguinte: - BRASL, 1998, grifo nosso - BRASIL, 1998 “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” O estudo de impacto ambiental, no exemplo que apreciamos, pode direcionar, como requisito da outorga de licença ambiental, que seja assumida uma compensação ao meio ambiente, com financiamento de preservação de uma área superior daquela que será licenciada. Adotadas todas as providências aqui abordadas, não haverá um interesse que se sobreponha a outro, de modo que se garante a todos os atores que integram o exemplo a preservação de seus direitos fundamentais. Vale salientar que, por vezes, nós nos deparamos com situações reais e similares à situação mencionada em nosso exemplo, cuja resolução despreza a vontade geral. É muito comum o uso indevido do “interesse público” como fundamentador de interesses da própria Administração Pública ou de particulares, o que afronta os princípios constitucionais afetos à Administração, principalmente, o da impessoalidade e o da moralidade. Continuando nosso estudo sobre o interesse público, cabe-nos avaliar uma distinção reconhecida na jurisprudência dos tribunais e pela melhor doutrina do Direito Administrativo,ou seja, a existência de um interesse público denominado primário e outro, denominado secundário. - BRASIL, 1998 “Art. 225. [...] § 1º. [...] IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.” Tal distinção se faz presente ao avaliar determinadas relações da Administração Pública com a Sociedade. Assim, existe a possibilidade de, avaliando a natureza do interesse público, denominá-lo primário ou secundário. Quando o Poder Público atua como garantidor e concretizador dos direitos fundamentais de ordem coletiva (Direitos Sociais), ele o faz sobre o primado do interesse público primário, já quando sua atuação é muito similar aos interesses privados, tendo como premissa garantir os interesses públicos primários, estaremos diante do interesse público secundário. Como fundamento jurisprudencial dessa distinção, podemos referenciar o Acórdão do julgamento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, ao julgar o Agravo Regimental no Mandado de Segurança nº 11.308 – DF (2005/0212763-0), cujo relator foi o Ministro Luiz Fux, no qual, em trecho de seu Relatório faz a distinção entre o interesse público primário e secundário: Com relação a tal distinção entre o interesse público primário e secundário, Diogo de Figueiredo Moreira Neto explica, ainda, que: - BRASIL, 2006 “[...] O Estado, quando atestada a sua responsabilidade, revela-se tendente ao adimplemento da correspectiva indenização, coloca-se na posição de atendimento ao 'interesse público'. Ao revés, quando visa a evadir-se de sua responsabilidade no afã de minimizar os seus prejuízos patrimoniais, persegue nítido interesse secundário, subjetivamente pertinente ao aparelho estatal em subtrair-se de despesas, engendrando locupletamento à custa do dano alheio.” O Quadro a seguir resume a distinção entre o interesse público primário e o secundário: Quadro 1 – Resumo sobre a distinção de interesse público primário e secundário Interesse público primário Interesse público secundário Concretização dos Direitos Fundamentais O Estado atua como Pessoa Jurídica de Direito Privado A Administração Pública deve tê-lo como seu principal objetivo Somente pode ser empregado quando for base para atingir o interesse público primário - MOREIRA NETO, 2014, p. 101 “Este princípio, que se conta entre os que o legislador constitucional houve por bem de explicitar (art. 37, caput), tem uma tríplice acepção. Na primeira, proíbe a Administração de distinguir interesses onde a lei não o fizer. Na segunda, proíbe a Administração de prosseguir interesses públicos secundários, dela próprios, desvinculados dos interesses públicos primários. Neste caso, enfatiza-se a natureza jurídica ficta da personalização do Estado, que, por isso, jamais deverá atuar em seu exclusivo benefício, como pessoa instrumental, mas sempre no da sociedade. Na terceira acepção, proíbe com ligeira diferença sobre a segunda, que a Administração dê precedência a quaisquer interesses outros, em detrimento dos finalísticos, ou seja, os da sociedade, postos à sua cura.” Interesse público primário Interesse público secundário O interesse coletivo tem supremacia em relação ao particular Está em condição de equilíbrio com o interesse particular Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Privado Feita a distinção entre o interesse público primário e secundário, vamos abordar a supremacia do primeiro frente aos interesses particulares e mesmo sobre o interesse público secundário. A posição de desequilíbrio dando supremacia ao interesse público sobre o privado é a busca da própria finalidade do Estado, na condição de ser ele o concretizador e garantidor dos direitos fundamentais, principalmente, os direitos fundamentais de segunda geração (Direitos Sociais). Tal condição de superioridade, como vimos, trata-se da verdadeira posição do interesse público primário sobre o interesse privado, e é reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência, que chama essa subordinação de “princípio da finalidade”, que deve orientar qualquer postura da Administração Pública e de seus agentes. A seguir, miremos nos exemplos apresentados por Alexandre Mazza, quanto à Supremacia do Interesse Público sobre o particular: “São exemplos de prerrogativas especiais conferidas à Administração Pública e seus agentes decorrentes da supremacia do interesse público: Indisponibilidade da Coisa Pública Com relação à indisponibilidade da coisa pública ou, do interesse público, podemos afirmar que, embora exista uma aparente intangibilidade sobre eles, devemos nos lembrar de que nosso sistema jurídico se encontra no estágio de transição em que nos encontramos entre a Administração Pública, puramente gerencial para a Administração Pública Consensual. No tocante a tal premissa, é claro que a supremacia do interesse público é fundamental para que as ações do Poder Público sejam convergidas para o coletivo. Assim, os Agentes Públicos, representantes físicos da Administração Pública, no exercício de suas funções, devem ser norteados por razões de fato e de direito, voltadas à satisfação do interesse público. Dessa forma, não se pode permitir o uso pessoal da “máquina administrativa” para satisfação de interesses pessoais do Agente Público ou de terceiros, vez que tal atitude no campo do Direito Administrativo representaria o que se denomina abuso de poder. - MAZZA, 2022, p. 60 1 – Possibilidade de transformar compulsoriamente propriedade privada em pública (desapropriação); 2 – Autorização para usar propriedade privada em situações de iminente perigo público (requisição de bens). Exemplo: requisição de veículo particular, pela polícia, para perseguir criminoso; 3 – Poder de convocar particulares para a execução compulsória de atividades públicas (requisição de serviço). Exemplo: convocação de mesários para eleição; 4 – Prazos processuais em dobro para contestar, recorrer e responder recurso, ou seja, para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal. Não se aplica o prazo em dobro quando a lei estabelecer prazo próprio (art. 183 do CPC).” O interesse público petrificado não nos parece uma postura adequada em um Estado Democrático de Direito, no qual a possibilidade de adequações consensuais, na busca do próprio interesse público, deve ocorrer desde que existam pontuais permissivos legais. Existem determinadas hipóteses que permitem a flexibilização na postura do Agente Público, na qual ele promova a negociação do valor de um determinado bem que seja de interesse da Administração Pública em adquirir, o que se confunde com uma atuação similar de negociação de uma Empresa com seu fornecedor. Um exemplo dessa situação ocorre no processo licitatório denominado “pregão”, no qual o pregoeiro negocia uma melhor proposta com os licitantes a fim de produzir um contrato que seja mais benéfico ao interesse público. Diante dessas observações, podemos encarar o interesse público, como sendo o resultado de uma avaliação de um fato, ou seja, não será possível evidenciar sua intangibilidade sem essa análise. Sobre tal questão e a conciliação de adjetivação de um determinado interesse como sendo público, vale referenciar as palavras de Marçal Justen Filho: Resumindo, não se pode deixar de aplicar o consensualismo sob o manto genérico da supremacia do interesse público e sua indisponibilidade. A possibilidade de aplicação do consensualismo, inserido como uma possibilidade da Administração Pública na solução de conflitos em que seja parte, é reconhecida em nosso sistema jurídico em algumas hipóteses específicas. Como exemplo de disposições legais com relação ao consensualismo aplicado pela Administração Pública, iniciemos a análise fazendo menção ao Artigo 1º da Lei sobre Arbitragem (Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996): - JUSTEN FILHO, 2018, p. 158 “Assim,o processo de concretização do direito produz a seleção dos interesses, com a identificação do que se reputará como interesse público em face das circunstâncias. Não há qualquer caráter predeterminado (como a qualidade do titular) apto a qualificar o interesse como público. Essa peculiaridade representa a superação de soluções formalistas, inadequadas a propiciar a realização dos valores fundamentais reconhecidos pela comunidade. O processo de democratização conduz à necessidade de verificar, em cada oportunidade, como se configura o interesse público. Sempre e em todos os casos, tal se dá mediante o reconhecimento da intangibilidade dos direitos fundamentais.” “Art. 1º. As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Quanto aos direitos patrimoniais indisponíveis, esses são os que possuem vínculo direto com a concretização e a manutenção dos Direitos Fundamentais, já os disponíveis são, contrário senso, os que não têm vínculo direto na garantia dos Direitos Fundamentais. Outro propositivo legislativo é visto no § 2º do Artigo 3º do atual Código de Processo Civil, ao prever que o Estado deve promover, quando possível, a solução consensual de conflitos. Ainda tratando-se da possibilidade do consensualismo nos conflitos que envolvem a Fazenda Pública, cabe mencionar do que trata o Artigo 32 da Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015 que, - BRASIL, 1996 - BRASIL, 2015a § 1º. A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.” “Art. 3º. Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. [...] § 2º. O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.” dentre outros assuntos, cuida da “mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública”: Impedimentos Conciliatórios com a Fazenda Pública Para avaliar a possibilidade ou não de promover a solução consensual dos conflitos que envolvam a Administração Pública, deve-se certificar que esteja presente a condicionante de que o representante do Estado tenha a capacidade de promover a composição do litígio. Tal capacidade está vinculada à previsibilidade legal específica, que dote o Agente Público de promover a composição. A previsibilidade da Lei é o requisito fundado no Caput do Artigo 37 de nossa Constituição, que prevê a aplicação do Princípio da Legalidade como a única forma de atuação da Administração - BRASIL, 2015b “Art. 32. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito dos respectivos órgãos da Advocacia Pública, onde houver, com competência para: I – dirimir conflitos entre órgãos e entidades da administração pública; II – avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição, no caso de controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público; III – promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.” Pública. Assim, quando tratamos da legalidade aplicada ao particular, ela se restringe ao que preceitua o Inciso II do Artigo 5º da Constituição, ou seja, ele pode fazer ou deixar de fazer tudo que a Lei não lhe proíbe: Já no caso da Administração Pública, ela somente poderá agir seguindo estritamente o que a Lei lhe direciona, ou seja, a Administração Pública somente poderá atuar conforme determinativo legal, como destaca o Artigo 37 de nossa Lei Maior: - BRASIL, 1988 “Art. 5º. [...] I – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; [...]” De maneira genérica, encontramos algumas autorizações legislativas, que indicam a possibilidade de composição por representante da Administração, como é o caso da Lei nº 10.259/2001, que trata dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal: - BRASIL, 1988, grifo nosso - BRASIL, 2001 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]” “Art. 10. As partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não. Parágrafo único. Os representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, bem como os indicados na forma do caput, ficam autorizados a conciliar, transigir ou desistir, nos processos da competência dos Juizados Especiais Federais.” Assim, a possibilidade de uma solução consensual de conflitos que envolvam a Administração dependerá de autorização legislativa que indicará: Qual Agente Público poderá promover a composição; Indicar a finalidade específica da composição, bem como de sua razoabilidade; Transparência e publicidade da solução consensual do conflito. Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Leitura Princípio da Legalidade Administrativa e Competência Regulatória no Regime Jurídico-administrativo Brasileiro Clique no botão para conferir o conteúdo. ACESSE Os Bens Públicos no Novo Código Civil Clique no botão para conferir o conteúdo. ACESSE 2 / 3 📄 Material Complementar https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/503034/001011280.pdf?sequence=1&isAllowed=y#:~:text=O%20princ%C3%ADpio%20da%20legalidade%20administrativa%20determina%2C%20portanto%2C%20que%20os%20administrados,lei%20adequada%20assim%20o%20determine https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista21/revista21_54.pdf O Princípio da Supremacia do Interesse Público Clique no botão para conferir o conteúdo. ACESSE O que se Entende Sobre Interesse Público Primário e Secundário no Direito Administrativo? Clique no botão para conferir o conteúdo. ACESSE https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-principio-da-supremacia-do-interesse-publico/433296963 https://www.jusbrasil.com.br/noticias/o-que-se-entende-sobre-interesse-publico-primario-e-secundario-no-direito-administrativo-fernanda-carolina-silva-de-oliveira/2064148#:~:text=O%20interesse%20p%C3%BAblico%20prim%C3%A1rio%20%C3%A9,o%20interesse%20patrimonial%20do%20Estado ARAÚJO, L. A. D.; NUNES JÚNIOR, V. S. Curso de Direito Constitucional. 23. ed. rev. e atual. Santana de Parnaíba: Manole, 2021. (e-book) ARAÚJO, E. N. Curso de Direito Administrativo. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. (e-book) BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília/DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Disponível em: . Acesso em: 24/06/2023. BRASIL. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Disponível em: . Acesso em: 24/06/2023. BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Lei sobre Arbitragem. 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