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TEORIA GERAL DA EMPRESA Bruno Maldonado Princípios da atividade econômica Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer as intenções fundamentais do estabelecimento dos princípios da atividade econômica. Relacionar os mecanismos legais que regem os princípios da atividade econômica. Definir quais são os princípios gerais da atividade econômica e o que estabelecem. Introdução Você sabia que as regras que regulam a atividade econômica são funda- mentadas por princípios prescritos pela Constituição Federal (CF)? Neste capítulo, você vai estudar esses princípios e as motivações que levaram à sua instituição. Além disso, vai conhecer os principais mecanismos legais que regem os princípios da atividade econômica. Os princípios da atividade econômica A atividade econômica — ou, como é popularmente conhecida, o mercado — é formada pelas ações de produção, comercialização e consumo praticadas por empresas, governos e cidadãos, denominados agentes econômicos. Tais ações transcorrem desde os primórdios da civilização organizada com o objetivo de satisfazer às infi nitas necessidades humanas. Inicialmente, a produção de bens e serviços era exercida para a satisfação das necessidades humanas individuais ou de um pequeno grupo de indivíduos. Ao contrário dos dias atuais, envolvia um número pequeno de agentes eco- nômicos. Atualmente, contudo, o mercado envolve um número muito maior de agentes e pretende a satisfação de necessidades humanas em nível global. C01_Teoria_Geral_da_Empresa.indd 1 04/04/2018 11:18:06 Em seu princípio, a atividade econômica possuía uma forte orientação liberal, e os agentes econômicos detinham a liberdade de elaborar sua forma de atuação no mercado. Nesse cenário, o Estado limitava-se ao papel de protetor da nação e de seus indivíduos contra invasões exteriores. Esse modelo de mercado per- maneceu ativo durante muito tempo, consagrando-se pelos estudos do filósofo e economista britânico Adam Smith. No século XVIII, ele procurou demonstrar que somente pela atuação dos indivíduos, movidos pelo livre comércio e pelo seu próprio interesse de crescer e se autodesenvolver, é que se poderia gerar a riqueza de uma nação. O mercado ideal pensado por Smith era o que apresentava um cenário com pouca regulamentação e intervenção do Estado. Ao longo do tempo, verificou-se que essa baixa regulamentação criava sérios problemas para os interesses das sociedades. O mercado desregula- mentado beneficiava os interesses dos grandes grupos econômicos, e o que prevaleceu foi o surgimento de mercados oligopolizados e a desigualdade de competição entre os agentes econômicos. Assim, um certo grau de intervenção do Estado no mercado se fez necessário com o intuito do atender aos interesses da coletividade. Um oligopólio é uma estrutura de mercado em que a concorrência é imperfeita. Ele é formado por um pequeno número de empresas que dominam o mercado e que regem sua própria política com o intuito de prejudicar seus rivais. Isso é feito por meio da definição de preços, quantidade ofertada, etc. Durante a primeira metade do século XX, cresceu o interesse das gran- des nações pelos trabalhos desenvolvidos pelo economista britânico John Maynard Keynes, o que teve o seu ápice na publicação da obra The General Theory of Employment, Interest and Money (A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda), em 1936. Nessa obra, Keynes claramente afronta o modelo liberalista idealizado por Adam Smith. Assim, defende um modelo econômico intervencionista e prega que o desenvolvimento do emprego e, em consequência, o desenvolvimento socioeconômico ocorreriam muito mais por determinações e conjunturas macroeconômicas organizadas e implementadas pelos governos do que pela ação individual e microeconômica dos agentes de mercado (KEYNES, 2012). Princípios da atividade econômica2 C01_Teoria_Geral_da_Empresa.indd 2 04/04/2018 11:18:06 Conforme Figueiredo (2014), a escola de pensamento keynesiana teve grande influência no conjunto de ações governamentais implementadas nos Estados Unidos na gestão do presidente Franklin Delano Roosevelt. Assim, essa escola: Teve como exemplificação maior nos Estados Unidos da América, inicialmente com a legislação antitruste e, posteriormente, com o New Deal, concebido, planejado e executado por Franklin Delano Roosevelt. O New Deal foi o nome dado a um conjunto de ações governamentais implementadas nos Estados Unidos entre 1933 e 1937, sob a gestão do Presidente Franklin Delano Roo- sevelt, com o objetivo de recuperar e reformar a economia norte-americana e assistir os prejudicados pela Grande Depressão (FIGUEIREDO, 2014, p. 73). A corrente keynesiana, em detrimento do modelo liberalista, se expandiu pelas principais potências mundiais a partir do início do século XX, influen- ciando a constituição de diversos países. Nesse período, o papel do Estado foi evoluindo. Agora, ele que deveria prover à nação, em especial aos mais necessitados, direitos básicos e bem-estar social. Nesse contexto, deu-se uma atenção maior aos trabalhadores, garantindo-lhes direitos trabalhistas, que também reformularam as relações entre trabalhadores e empresários. A política econômica é o conjunto de ações planejadas pelo Estado para intervir no comportamento do mercado a fim de atingir um objetivo. Dessa forma, o Estado deverá estabelecer as normas e os instrumentos que conduzirão a sua política econômica. Em seu limite máximo, o Estado intervencionista era o ator principal das deliberações no mercado, baseando sua política na valorização do coletivo sobre o individual. Esse era o modelo de Estado denominado socialista, fundado pela ideologia empregada pelos alemães Karl Marx em 1883 e Friedrich Engels em 1895. Esses teóricos proclamavam que a luta de classes (trabalhadores versus patrões), no modelo capitalista, seria a progressão das sociedades humanas, tendo o Estado como aquele que servia apenas para a proteção da classe opressora (patrões). Além disso, sustentavam que o capitalismo produziria tensões internas que o levariam à sua autodestruição e à sua substituição por um novo sistema, o socialista. 3Princípios da atividade econômica C01_Teoria_Geral_da_Empresa.indd 3 04/04/2018 11:18:06 No Brasil, em simultaneidade com as principais economias mundiais, prevaleceu o modelo liberalista até a Constituição Federal de 1934 (BRASIL, 1934), que já atentava para o desenvolvimento econômico desorganizado, em consequência da falta de intervenção do Estado. Foi também na CF de 1934 que se criou a proteção aos direitos do trabalhador, com a criação da Justiça do Trabalho, a instituição do salário mínimo, a previsão de férias, entre outros direitos. Do ano de 1934 até os dias atuais, o Brasil teve outras quatro constituições federais, sendo a última e atual datada de 1988. Nesse tempo, o que prevaleceu no Brasil foi um modelo de Estado intervencionista, que atua em um sistema capitalista, de mercado, mas que busca garantir o bem-estar dos cidadãos e a promoção de políticas de caráter assistencialista na sociedade. Em suma, o grau de intervenção que o Estado exerce sobre o mercado, o dirigindo a uma política econômica que ele próprio idealiza, o qualifica como um Estado liberalista, socialista ou neoliberalista. O neoliberalismo é um movimento que surgiu na primeira metade do século XX na Europa e que defendia uma terceira corrente, ou uma adaptação do liberalismo clássico às exigências de um Estado regulador e assistencialista. A partir dos anos 1980, com a consagração dos estudos do economista americano Milton Friedman, o termo “neoliberalismo” passou a significar um modelo econômico que defende a absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal na economia, que somente deverá ocorrer em setores imprescindíveis. Mecanismos legais da atividade econômica A Constituição Federal de 1934 (BRASIL, 1934) inicioua transição de um modelo de Estado liberal para um modelo intervencionista. Assim, estabeleceu pela primeira vez uma ordem econômica e o papel de atuação do Estado na economia brasileira, dando início ao surgimento das constituições econômicas. A partir de então, a economia adquiriu um caráter jurídico, se tornando uma parcela da ordem constitucional. Princípios da atividade econômica4 C01_Teoria_Geral_da_Empresa.indd 4 04/04/2018 11:18:06 O papel do Estado no processo de intervenção na atividade econômica, determinando regras a fim de coibir os excessos de alguns agentes econômicos e equilibrar as forças do mercado, deu origem a uma nova ramificação do direito. Essa ramificação é o denominado direito econômico, que se dedica ao estudo das normas que estabelecem as regras de atuação dos agentes econômicos. A ordem econômica representa a orientação principal do Estado diante do mercado. Ela visa à organização da estrutura do Estado para a realização da atividade econômica, baseada em fundamentos, objetivos e princípios que di- recionam e definem os limites para as leis infraconstitucionais a serem criadas. O esclarecimento da ordem econômica, por meio de seus fundamentos, objetivos e princípios, possibilita aos agentes econômicos o prévio conheci- mento do sistema econômico no qual estão inseridos. Além disso, indica as limitações que o Estado poderá impor aos agentes em suas ações no mercado. A concepção da ordem econômica de determinado país está fundada na sua constituição, sendo este o documento principal que consagra as regras para a organização da atividade econômica. Outras leis poderão ser criadas com o mesmo intuito de organização da ordem econômica, entretanto todas deverão obedecer aos limites previstos nas normas constitucionais, ressaltando a importância da Constituição Federal no ordenamento jurídico econômico. O art. 170 da Constituição Federal brasileira de 1988 evidencia os funda- mentos da ordem econômica estabelecida para a Nação, bem como os seus objetivos e princípios (BRASIL, 1988): Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social [...]. Mais adiante, você vai ver quais são os princípios da ordem econômica relacionados a esse artigo da CF. Valorização do trabalho humano O primeiro fundamento da ordem econômica brasileira é a valorização do trabalho humano, que consiste em proporcionar aos cidadãos do País o direito 5Princípios da atividade econômica C01_Teoria_Geral_da_Empresa.indd 5 04/04/2018 11:18:06 ao trabalho. Nesse sentido, o trabalho viabiliza a existência do cidadão de forma digna, garantindo-lhe uma série de direitos sociais. Nesse quesito, deu-se ao Estado uma gama de obrigações, entre elas a própria criação de possibilidades de emprego, além de diversos direitos sociais. Entre esses direitos, você pode considerar: salário mínimo, repouso semanal remunerado, fundo de garantia por tempo de serviço, seguro-desemprego, jornada de trabalho diária e décimo terceiro salário. Entretanto, para a garantia de empregabilidade e a valorização do trabalho, deve ser considerada a qualificação do trabalhador, conforme destaca Del Masso (2013, p. 73): A questão da valorização do trabalho humano deve se iniciar em momento anterior ao da efetiva prestação de serviço, pois não terá como sustentar o sistema econômico com um dos principais fatores da produção econômica, o trabalhador, desprovido de valor produtivo. Assim, o fundamento a que se refere o legislador constitucional deve ser constituído de acordo com o signo da capacidade de produzir; o que pode garantir a possibilidade de empregar é a qualidade da mão de obra. Por fim, Figueiredo (2014, p. 95) destaca: Observe-se que os valores sociais do trabalho são um dos fundamentos da República (art. 1º, inciso IV). Uma vez que o trabalho é fator de produção, no qual o ser humano atua, o Estado deve intervir para regulá-lo, mantendo- -se o equilíbrio de mercado, a fim de garantir que todos tenham acesso e condições dignas de emprego, mediante prestação de uma série de condutas positivas na Ordem Social. Livre iniciativa Esse fundamento assegura a todos os indivíduos o direito ao livre empreendedo- rismo, dando-lhes a possibilidade de escolha sobre no que empreender, bem como a liberdade de entrar, permanecer e sair do mercado sem interferência externa. Entretanto, a livre iniciativa não significa a total liberdade para exploração da atividade econômica que o agente desejar. Afinal, outras normas estabelecerão limites para o empreendedor, como a justiça social, a concorrência, os direitos dos consumidores, etc. Além disso, o Estado, como agente regulador do mer- cado, disciplinará, em função da defesa da coletividade, os requisitos mínimos necessários que o agente deverá obedecer para o exercício da sua atividade. Princípios da atividade econômica6 C01_Teoria_Geral_da_Empresa.indd 6 04/04/2018 11:18:07 Também é facultado ao Estado exercer atividade econômica, desde que obedecidos os pré-requisitos estabelecidos na Constituição, conforme destaca Figueiredo (2014, p. 96): Vale destacar, ainda, que o Estado pode avocar para si o exercício de de- terminadas atividades econômicas quando vitais à segurança nacional ou de relevante interesse coletivo (art. 173), podendo, nos casos especificados, assumir o monopólio das atividades taxativamente elencadas no texto cons- titucional (art. 177). Existência digna A existência digna da pessoa humana, além de ser um dos objetivos da or- dem econômica, também está presente nos fundamentos do próprio Estado brasileiro, discriminados no art. 1º da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Como primeiro fundamento da ordem econômica, a existência digna signifi ca que o Estado deverá incentivar atividade econômica que não comprometa a dignidade de seus indivíduos, além de promover a erradicação da pobreza, com o fi m das desigualdades e injustiças sociais. Figueiredo (2014) ressalta que as políticas de assistencialismo promovidas pelo Estado deverão focalizar as classes menos favorecidas da população, ou seja, a parcela hipossuficiente. Entretanto, em relação à parcela da população economicamente ativa, as políticas do Estado deverão envidar esforços no sentido de promoção do emprego, incentivando a geração de rendas individuais, o que acarretará uma maior arrecadação de receitas para a Nação. Justiça social O objetivo da justiça social consagra-se como um resultado dos demais valores que você viu. Além disso, signifi ca que todos os indivíduos da Nação deverão possuir direitos e oportunidades iguais para usufruir dos produtos e serviços essenciais à satisfação mínima das suas necessidades. Del Masso (2013, p. 75) destaca: A busca da justiça social deve considerar de antemão que o desenvolvimento econômico não indica necessariamente o desenvolvimento social. Dessa maneira, o Estado deve fomentar o desenvolvimento econômico cujos frutos são aproveitados socialmente de forma justa, ou seja, o resultado do sucesso econômico deve ser compartilhado pela sociedade de uma forma geral. Daí surge a noção de um caráter distributivo da economia. 7Princípios da atividade econômica C01_Teoria_Geral_da_Empresa.indd 7 04/04/2018 11:18:07 Leis de conteúdo econômico Diferentemente de outros ramos do direito, as normas de direito econômico não estão reunidas em um código econômico, assim como existe, por exem- plo, o Código Civil para o Direito Comercial, o Código Penal para o Direito Criminal, etc. Elas estão distribuídas em leis extravagantes, ou seja, estão espalhadas em diversas leis especiais. O conjunto de leis do direito econômico norteia-se pela ordem econômica prevista na Constituição Federal (BRASIL, 1988). Alinhadas dessa forma, essas leis garantem ao Estado a intervenção necessária para o atingimento dos objetivos propostos e o funcionamento naturalda atividade econômica. Entre as leis de conteúdo econômico, você pode considerar como as mais relevantes: Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964 — mercado financeiro: dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e credi- tícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências. Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965 — mercado de capitais: disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento. Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976 — mercado de valores mobiliários: dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 — Sociedades Anônimas (S.A.): dispõe sobre as sociedades por ações. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 — defesa do consumidor: dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 — Código de Propriedade In- dustrial: regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001 — sigilo nas operações financeiras: dispõe sobre o sigilo das operações de insti- tuições financeiras e dá outras providências. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 — recuperação de empresas e falências: regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011 — abuso de poder econômico: estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), e a Lei nº 7.347, de 24 Princípios da atividade econômica8 C01_Teoria_Geral_da_Empresa.indd 8 04/04/2018 11:18:07 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei nº 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Princípios da atividade econômica Os princípios da atividade econômica são enunciados nos nove incisos do art. 170 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que orientam a atuação do Estado e dos demais agentes econômicos no mercado. Esses princípios estabelecem que a ordem econômica deverá ser pautada na soberania nacional, na propriedade privada, na função social da propriedade, na livre concorrência, na defesa do consumidor, na proteção ao meio ambiente, na redução das desigualdades regionais e sociais, na busca do pleno emprego, bem como no favorecimento às empresas de pequeno porte, constituídas sob as leis nacionais, com sede e administração no Brasil. Del Masso (2013) destaca que o legislador classificou as disposições do art. 170 em fundamentos, objetivos e princípios, entretanto a natureza jurídica de todos eles é principiológica. Dessa forma, é correto afirmar que todos os princípios dispostos nos incisos do art. 170 também funcionam como funda- mentos e objetivos. O autor ainda complementa: Da mesma maneira, deve-se afirmar que os princípios enumerados no caput e nos incisos do art. 170 da Constituição Federal não são os únicos que cons- tituem a ordem econômica nacional, outros princípios previstos em outras partes da Constituição também podem funcionar como informadores da atividade econômica. Um exemplo claro é o que encontramos nos arts. 218 e 219, inseridos no capítulo que cuida de Ciência e Tecnologia, uma vez que o desenvolvimento científico e a capacitação tecnológica funcionam como princípios da ordem econômica, já que importam diretamente no desenvolvi- mento socioeconômico da população (DEL MASSO, 2013, p. 76). O ilustre ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso (2002), em seu artigo “A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atuação Estatal no Controle de Preços”, identifica que não há uma homoge- neidade disposta entre os princípios. Dessa forma, podem ocorrer conflitos e os princípios podem ser limitadores entre si. Por exemplo, o papel do princípio da livre concorrência é adverso daquele desempenhado pelo princípio da busca pelo pleno emprego ou pelo princípio da redução das desigualdades regionais e sociais. Além disso, Barroso (2002) também propõe uma segregação entre os princípios em dois grupos: princípios de funcionamento e princípios fins (Quadro 1). O ministro argumenta que os princípios de funcionamento são 9Princípios da atividade econômica C01_Teoria_Geral_da_Empresa.indd 9 04/04/2018 11:18:07 aqueles que servem como parâmetros de convivência básicos que os agentes da ordem econômica deverão observar. Já os princípios fins são aqueles que materializam os objetivos propostos pela constituinte. Fonte: Barroso (2002). Princípios de funcionamento Soberania nacional Propriedade privada Função social da propriedade Livre concorrência Defesa do consumidor Defesa do meio ambiente Princípios fins Existência digna para todos Redução das desigualdades regionais e sociais Busca do pleno emprego Expansão das empresas de pequeno porte constituídas pelas leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País Quadro 1. Classificação proposta por Luís Roberto Barroso (2002). Soberania nacional O princípio da soberania nacional demonstra que todas as decisões de cunho econômico, tomadas no território da nação, deverão obedecer aos interesses do Estado Nacional. Ou seja, os agentes econômicos deverão atuar no mercado de acordo com as regras estabelecidas para essa atuação. Figueiredo (2014) traduz esse princípio na mais alta autoridade governamental, que representa a última instância do poder decisório. Barroso (2002) destaca que a soberania é um atributo essencial do Estado, seja do ponto de vista externo, colocando o país em igualdade, e não de subordinação, perante outras nações, ou do ponto de vista interno, traduzindo a supremacia da Constituição e da lei. Propriedade privada A tradução desse princípio se dá no reconhecimento dos direitos inerentes ao domínio da coisa, objeto da exploração comercial e organização dos agentes Princípios da atividade econômica10 C01_Teoria_Geral_da_Empresa.indd 10 04/04/2018 11:18:07 econômicos. Diante desse princípio, os agentes econômicos possuem a garantia de que poderão aplicar seus recursos em determinada atividade econômica e, da mesma forma, apropriar-se dos resultados gerados por ela. Função social da propriedade Esse princípio entra diretamente em confl ito com o princípio anterior. Moura (2012) cita que o Estado garante aos indivíduos o direito à propriedade privada, contudo esta deverá provir uma função social, ou seja, deverá ser utilizada para geração de riqueza, emprego e tributos e para promover o desenvolvimento econômico. Barroso (2002) acrescenta que o conceito de função social abriga ideias centrais, como o aproveitamento racional, a utilização adequada dos re- cursos naturais, a preservação do meio ambiente e o bem-estar da comunidade. Livre concorrência Por esse princípio, qualquer indivíduo deverá estar garantido em lei pela igualdade de concorrência no mercado. Além disso, o Estado deve garantir o maior número de exploradores de mercado possível. Figueiredo (2014) refere que o princípio da concorrência é um dos alicerces da economia liberal, ocorrendo em consequência da livre iniciativa. Ele ainda acrescenta que só existirá a livre concorrência se o Estado garantir a liberdade de iniciativa aos empreendedores. Del Masso (2013) destaca que a livre concorrência é benéfica ao mercado e aos consumidores, pois impulsiona a eficiência do mercado e permite aos consumidores a possibilidade de escolher comprar aquilo que melhor lhes convém. Defesa do consumidor Esse princípio impõe ao Estado a ampla defesa do consumidor, que compre- ende a base do ciclo econômico. Durante o ciclo econômico, as empresas só promoverão a produção ou a circulação de mercadorias e serviços se houver na base alguém para consumir. Dessa forma, faz-se necessáriaa proteção daquele que sustenta todo o ciclo econômico no mercado. Moura (2012) acrescenta que o aumento das relações de consumo induziu a necessidade de se criar um regime jurídico que estabelece normas de proteção e defesa do indivíduo. 11Princípios da atividade econômica C01_Teoria_Geral_da_Empresa.indd 11 04/04/2018 11:18:07 Defesa do meio ambiente O princípio de defesa do meio ambiente apresenta-se como um importante limitador à livre iniciativa, pois nenhum agente poderá explorar atividade econômica que degrade os fatores de produção naturais. Diante desse prin- cípio, o Estado deverá impor legislação que garanta a utilização racional dos recursos naturais, minimizando os efeitos da poluição na natureza, como qualquer alteração física, química ou biológica que tenda a desiquilibrar o ciclo natural da fauna e da fl ora do meio ambiente. Redução das desigualdades regionais e sociais Por esse princípio, o Estado deve reconhecer em seu ordenamento jurídico- -econômico as diferenças regionais presentes em seu território. Como você sabe, esse território apresenta regiões privilegiadas e desenvolvidas, mas também regiões com baixo desenvolvimento e qualidade de vida. Figueiredo (2014) destaca que esse princípio trata da integração nacional com base em um conceito de federalismo, cooperativo e assimétrico. Além disso, acrescenta: Fundamenta-se no princípio geral de direito do solidarismo que consubstancia todo o intervencionismo social, bem como num conceito de justiça distributiva, visto sob uma perspectiva macro, no qual o desenvolvimento da Nação deve ser por todos compartilhado, adotando-se políticas efetivas de repartição de rendas e receitas, com o fito de favorecer as regiões e as classes sociais que se encontram em desnível e em posição de hipossuficiência em relação às demais (FIGUEIREDO, 2014, p. 101). Busca do pleno emprego O princípio do pleno emprego incumbe o Estado da formação de uma legislação econômica que privilegie a criação de empregos e não comprometa os empre- gos já existentes, considerando que o desemprego se caracteriza como uma das situações de desigualdade social mais importantes (DEL MASSO, 2013). A busca pelo pleno emprego levaria a economia ao pleno funcionamento, determinando níveis maiores de renda per capta do País, aumento na arre- cadação de impostos e diminuição em gastos com a seguridade social e a previdência (FIGUEIREDO, 2014). Princípios da atividade econômica12 C01_Teoria_Geral_da_Empresa.indd 12 04/04/2018 11:18:07 Tratamento favorecido às empresas nacionais de pequeno porte Trata-se de uma proteção às empresas de pequeno porte do país. Individual- mente, essas empresas possuem menor parcela de participação no mercado diante de seus rivais com poderio econômico e atuação global. Em conjunto, contudo, formam uma grande parcela do capital gerador de renda e de empregos. Dessa forma, o Estado deverá envidar esforços para protegê-las de eventuais práticas abusivas por parte de grandes empresas. BARROSO, L. R. A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de preços. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n. 14, jun.-ago. 2002. Disponível em: . Acesso em: 27 fev. 2018. BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934). Rio de Janeiro, 1934. Disponível em: . Acesso em: 27 fev. 2018. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível em: . Acesso em: 27 fev. 2018. DEL MASSO, F. Direito econômico: esquematizado. 2. ed. São Paulo: Método, 2013. FIGUEIREDO, L. V. Lições de direito econômico. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. KEYNES, J. M. The general theory of employment, interest and money. Lexington: [s.n.], 2012. MOURA, C. F. Princípios constitucionais da ordem econômica. WebArtigos, 02 jun. 2012. Disponível em: . Acesso em: 03 mar. 2018. Leitura recomendada CERVO, F. A. S. Ordem econômica na constituição federal: análise dos fundamentos, fins e princípios. Conteúdo Jurídico, Brasília, DF, 10 fev. 2014. Disponível em: . Acesso em: 07 mar. 2018. 13Princípios da atividade econômica C01_Teoria_Geral_da_Empresa.indd 13 04/04/2018 11:18:08 fferreira Oval P caixa alta fferreira Oval vírgula sem bold