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Unidade I ESCOLA JUDICIAL DESEMBARGADOR EDÉSIO FERNANDES (EJEF) Curso ―Proteção e tratamento de dados pessoais‖ / 2024 Unidade I ▪ Curadoria: Giovanni Galvão Vilaça Gregório1 & Victor Moreira Mulin Leal2 1 Gerente do CEGINP 2 Coordenador da COTRAD SUMÁRIO RETROSPECTO E CONTEXTO SOCIAL, ECONÔMICO E POLÍTICO QUE ORIGINARAM AS LEIS DE PROTEÇÃO DE .................................................................................... 1 DADOS PESSOAIS LEI 13.709/18 (LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS ............................................................... 4 PESSOAIS): APRESENTAÇÃO PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO ................................................................................................... 8 DE DADOS FUNDAMENTOS .............................................................................................. 8 PRINCÍPIOS .................................................................................................... 9 APLICABILIDADE: ÂMBITOS TERRITORIAL, MATERIAL E ............................................................................................... 13 SUBJETIVO ................ 16 CATEGORIAS DE DADOS PESSOAIS E TRATAMENTO DADO PESSOAL “GERAL” ............................................................................... 17 DADO PESSOAL SENSÍVEL ............................................................................. 17 DADOS ANONIMIZADOS E PSEUDONIMIZAÇÃO .................................................. 18 .......................... 20 CONTROLADOR, OPERADOR E ENCARREGADO CONTROLADOR ............................................................................................ 20 OPERADOR .................................................................................................. 21 ENCARREGADO ............................................................................................ 22 TRATAMENTO DE DADOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E .......................................................................................... 23 VULNERÁVEIS TRATAMENTO DE DADOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES ................................. 23 TRATAMENTO DE DADOS DE VULNERÁVEIS (IDOSOS) ........................................ 25 HIPÓTESES LEGAIS PARA O TRATAMENTO DE DADOS ................................................................................................. 26 PESSOAIS CONSENTIMENTO DO TITULAR ........................................................................ 27 SEM NECESSIDADE DE CONSENTIMENTO DO TITULAR ....................................... 27 Cumprimento de obrigação legal ou regulatória ..................................... 27 Execução de políticas públicas............................................................... 28 Execução de contrato ............................................................................. 28 1 RETROSPECTO E CONTEXTO SOCIAL, ECONÔMICO E POLÍTICO QUE ORIGINARAM AS LEIS DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS 3 Embora a privacidade e a proteção de dados pessoais sejam atualmente direitos reconhecidos tanto no ordenamento jurídico nacional 4 quanto no internacional5, as discussões sobre sua relevância não são tão novas. Destaca- se que em 1890, nos Estados Unidos, Samuel Warren e Louis Brandeis publicaram o artigo intitulado The Right To Privacy, defendendo ser a privacidade um direito jurídico 6 . Naquela época, rápidas inovações tecnológicas, como a fotografia e a imprensa de grande circulação, permitiam a disseminação sem precedentes de informações pessoais. Nesse cenário, a imprensa sensacionalista passou a expor detalhes íntimos da vida de figuras públicas e da elite social sem seu consentimento ou autorização, o que gerou preocupações com a proteção da dignidade e da privacidade dos indivíduos. Outro fator que contribuiu para a criação de leis de proteção de dados pessoais está atrelado ao tratamento de dados realizado pelo próprio Poder Público, que, se realizado de forma incorreta, pode acarretar grande ou irreparável prejuízo a grupos específicos de pessoas. 3 Redação: Débora Eduarda Ribeiro Barbosa 4 Conforme prevê o artigo 5º, incisos X e LXXIX, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: ―são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação‖ e ―é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais‖. 5 Conforme prevê o artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, adotada e proclamada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas: ―Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques‖. 6 WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The righttoprivacy. Harvard Law Review, v. 4, n. 5, p. 193-220, 1890. Unidade I Tópico 1 2 A esse respeito, o contexto histórico do nazismo teve um impacto significativo no desenvolvimento de leis de proteção de dados, especialmente na Europa. Durante a Segunda Guerra Mundial, o regime nazista na Alemanha usou registros detalhados de informações pessoais para identificar e perseguir judeus, opositores políticos e outros grupos7. A utilização de dados pessoais para fins de discriminação gerou, posteriormente, uma conscientização profunda sobre os perigos do abuso de informações pessoais e a necessidade de proteger a privacidade dos cidadãos. Após a guerra, essa conscientização resultou na criação de leis e diretrizes para proteger dados pessoais e prevenir abusos. A Alemanha aprovou a primeira lei de proteção de dados do mundo na década de 19708. Esse movimento inspirou regulamentações mais amplas na União Europeia, como a Diretiva de Proteção de Dados de 1995 e o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) de 20189. Por fim, outros fatores que contribuíram para a criação e fortalecimento das leis de proteção de dados foram a globalização e a digitalização da economia. As empresas começaram a perceber o valor econômico dos dados pessoais, e o comércio dessas informações se tornou comum, o que gerou preocupação com a segurança dos dados e os direitos dos consumidores. O caso da Cambridge Analytica, que ocorreu ao longo das eleições presidenciais nos Estados Unidos da América, em 2016, demonstrou bem o que o uso indevido de dados pode causar10. Essa empresa de consultoria política coletou dados de milhões de usuários do Facebook, sem o consentimento ou autorização deles, utilizando esses dados para criar perfis psicográficos e direcionar anúncios políticos personalizados durante o período eleitoral americano, buscando influenciar votos e manipular a opinião pública11. 7 WHITMAN, James Q. The Two Western Cultures of Privacy: Dignity versus Liberty. Yale Law Journal, v. 113, n. 6, p. 1151-1221, 2004. 8 DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais: elementos da formação da Lei geral de proteção de dados. 2ª ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2019, p. 191. 9 Ibid. p. 167-202. 10 BBC. (2018). Entenda o escândalo de uso político de dados que derrubou valor do Facebook e o colocou na mira de autoridades. BBC Brasil. 20 de março de 2018. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-43461751. Acesso em: 14 jun. 2024. 11 TEIXEIRA, Isabela Vieira. Inteligência Artificial, Big Data e Democracia: o caso Cambridge Analyticae a regulação de novas tecnologias no ordenamento jurídico brasileiro. 2021. Artigo Científico (Graduação em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de Goiás, 3 Manchete e ilustração da notícia publicada em jornal internacional de grande circulação (disponivel em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional- 43461751. Acesso em: 29 ago. 2024) Esse caso foi o estopim para mudanças legislativas, especialmente na Europa. Antes do escândalo da Cambridge Analytica, a União Europeia já possuía uma diretiva de proteção de dados, mencionada acima, mas o incidente revelou a insuficiência das regras existentes para lidar com as novas realidades tecnológicas. Isso levou à criação do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) em 2018 12 , que estabeleceu normas rigorosas para coleta, processamento e armazenamento de dados pessoais, aumentando a responsabilidade das empresas em relação à proteção de dados. A criação do RGPD teve impacto em todo o mundo, influenciando outras nações a adotar regulamentações similares, inclusive servindo como modelo para muitos países que reconheceram a necessidade de proteger a privacidade dos dados de seus cidadãos. Por fim, tudo isso culminou na criação da Lei nº 13.709/2018 ― a Lei Geral de Proteção de Dados ― no contexto brasileiro, o que demonstra a importância de proteger os dados pessoais e garantir a privacidade em um mundo cada vez mais conectado. Escola de Direito, Negócios e Comunicação, Núcleo de Prática Jurídica, Coordenação Adjunta de Trabalho de Curso, Goiânia, 2021. Disponível em: https://repositorio.pucgoias.edu.br/jspui/bitstream/123456789/6400/1/ISABELA%20VIEIRA%20 TEIXEIRA.pdf. 2024.p. 11-14. Acesso em: 09 jun.2024. 12 DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais: fundamentos da Lei Geral de Proteção de Dados. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 167-202. 4 LEI 13.709/18 (LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS): APRESENTAÇÃO13 No Brasil, as discussões sobre a edição de uma lei específica relativa à proteção de dados pessoais começaram a se materializar a partir de 2010, quando o Ministério da Justiça divulgou e disponibilizou o primeiro Anteprojeto de Lei de Proteção de Dados (LGPD) para debate público14. A LGPD é fortemente inspirada na redação do RGPD (Regulamento Geral sobre Proteção de Dados), lei de igual escopo elaborada pela União Europeia. O RGPD não apenas antecedeu a lei brasileira, mas também foi responsável por acelerar sua edição. Isso se deu porque a lei europeia, publicada em 2016, estabeleceu em seu art. 45 15 que a transferência internacional de dados para países fora da União Europeia somente seria possível se a Comissão Europeia16 considerasse que tal país possuía nível adequado de proteção de dados – nível inadequado representaria entraves a transações comerciais entre o Brasil e países da União Europeia. Desse modo, as discussões sobre o texto da LGPD se estenderam de 2010 a 2018, vindo a ser publicada em 14 de agosto de 2018. Contudo, a LGPD somente passou a ter vigência a partir de agosto de 2020, enquanto as sanções administrativas nela previstas somente entraram em vigência a partir de agosto de 2021. 13 Redação: Amanda Lage Perez 14 DONEDA, Danilo Cesar Maganhoto. Da privacidade à proteção de dados pessoais: elementos da formação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. [livro eletrônico] 15 ―Art. 45. Pode ser realizada uma transferência de dados pessoais para um país terceiro ou uma organização internacional se a Comissão tiver decidido que o país terceiro, um território ou um ou mais setores específicos desse país terceiro, ou a organização internacional em causa, assegura um nível de proteção adequado. Esta transferência não exige autorização específica.‖ (RGPD) 16 A Comissão Europeia é instituição politicamente independente que representa e defende os interesses da União Europeia na sua globalidade. Propõe legislação, política e programas de ação, sendo responsável por aplicar as decisões do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia. Unidade I Tópico 2 5 Manchete e ilustração da notícia publicada em jornal nacional de grande circulação (disponivel em: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2024/03/07/lei-da-uniao-europeia-que- regula-big-techs-entra-em-vigor-entenda.ghtml. Acesso em: 29 ago. 2024) A publicação da LGPD representou um marco importante que ajudou a amadurecer as discussões sobre a proteção de dados no Brasil, o que foi reforçado pela Emenda Constitucional nº 115/2022, que incluiu a proteção de dados pessoais como um direito fundamental (art. 5º, LXXIX, da Constituição da República de 1988)17. A LGPD constitui instrumento legal que prevê: princípios e fundamentos a nortear o tratamento de dados pessoais (artigos 2º e 6º); abrangência material, territorial e subjetiva de suas disposições (artigos 1º, 3º e 4º); definição dos conceitos relacionados à privacidade e à proteção de dados (art. 5º); hipóteses legais para o tratamento de dados pessoais em geral (art. 7º ao 10), de dados sensíveis (art. 11 ao 13) e de dados de crianças e adolescentes (art. 14); término do ciclo do tratamento dos dados pessoais (artigos 15 e 16); direitos a que os titulares de dados fazem jus (artigos 17 ao 22); 17 FRAZÃO, Ana; CARVALHO, Angelo Prata de; MILANEZ, Giovanna. Curso de proteção da dados pessoais: fundamentos da LGPD. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. 6 regras a serem observadas pelo Poder Público no tratamento de dados (artigos 23 a 32); regras sobre a transferência internacional de dados (artigos 33 a 36); deveres dos agentes de tratamento e do encarregado de dados (artigos 37 a 45); medidas de segurança e boas práticas a serem observadas no tratamento de dados pessoais (artigos 46 a 51); sanções administrativas a serem aplicadas em casos de infrações relacionadas a tratamento de dados (artigos 52 a 54); e finalmente, instituição da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e previsão de suas atribuições (art. 55-A a 55-M). Os regramentos sobre a proteção de dados não se restringem à LGPD, uma vez que a ANPD, no exercício de suas atribuições, também é responsável por editar guias orientativos, resoluções e enunciados com instruções sobre tratamento de dados em aspectos específicos, emitindo direcionamentos voltados a determinados setores e temas. Você pode acessar a página eletrônica da ANPD 18 e conhecer as publicações e guias editados, dentre os quais recomendamos especialmente que leia o ―Glossário de Proteção de Dados Pessoais e Privacidade‖19. O intuito da LGPD é estabelecer princípios e diretrizes a serem observados no tratamento de dados pessoais, a fim de assegurar que esses tratamentos respeitem sempre uma base legal e se deem em conformidade 18 Acesse: https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-e-publicacoes. 19 Acesse: Glossário ANPD — Autoridade Nacional de Proteção de Dados (www.gov.br) 7 com parâmetros mínimos de segurança que garantam a proteção dos dados pessoais e o respeito aos direitos fundamentais de liberdade e de privacidade dos titulares dos dados, além do livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, conforme prevê o art. 1º da LGPD. Por outro lado, é importante destacar que a LGPD não alcança questões relacionadas ao sigilo de informações, confidencialidade nem mesmo à publicidade de determinadosdados, o que emana de legislações próprias. Além disso, a LGPD não tem o propósito de restringir ou ampliar as disposições já existentes em outros normativos, como a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), ou de normas que versem sobre o sigilo ou publicidade de informações processuais. Por fim, ressalta-se que a LGPD abrange exclusivamente dados pessoais e, por isso, não se aplica a dados de pessoas jurídicas nem abrange questões relacionadas ao sigilo comercial, propriedade intelectual, propriedade industrial ou a informações a não ser aquelas relacionadas a pessoais naturais – como veremos adiante. 8 PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS 20 A LGPD possui fundamentos e principiologia próprios, mas que se comunicam e se harmonizam com as demais normas que, de alguma maneira, trazem proteção aos dados pessoais, a exemplo da Lei de Acesso a Informação (Lei nº 12.527/2011) e do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). No art. 2º da LGPD, você encontrará os fundamentos nos quais a lei se baseia. Iremos conceituar alguns de maior destaque, mas sugerimos que você também consulte o referido dispositivo e as referências bibliográficas que indicamos ao longo deste material, que propiciarão maior aprofundamento na matéria. FUNDAMENTOS Dentre os fundamentos da LGPD, encontramos o respeito à privacidade (art. 2º, I). Ao longo da história, o conceito de privacidade foi se modificando até alcançarmos a noção atual, que pode ser traduzida como o direito a: proteção do segredo, do sigilo ou de informações atinentes unicamente à vida privada de um indivíduo (...)21. A LGPD também prevê como fundamento a autodeterminação informativa (art. 2º, II), que indica o direito que o indivíduo tem, ainda que não 20 Redação: Amanda Lage Perez 21 FRAZÃO, Ana; CARVALHO, Angelo Prata de; MILANEZ, Giovanna. Curso de proteção de dados pessoais: fundamentos da LGPD. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. Unidade I Tópico 3 9 de modo absoluto, de controlar e determinar o acesso a seus dados pessoais e o uso que se fará deles22. Dentre os fundamentos da LGPD, também é interessante notar a previsão sobre o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação (art. 2º, V) bem como sobre a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor (art. 2º, VI). Com esses fundamentos, a LGPD demonstra que, apesar de trazer novos parâmetros ao tratamento de dados pessoais, o intuito da norma é possibilitar o desenvolvimento econômico e tecnológico, ao mesmo tempo que se observa o regular e adequado tratamento de dados pessoais que estarão envolvidos nesse processo evolutivo da sociedade. PRINCÍPIOS Por outro lado, o art. 6º da LGPD estabelece os princípios que deverão nortear o tratamento de dados pessoais, a começar pela boa-fé: o agente de tratamento, ao realizar sua atividade, deverá observar a lealdade e a 22 DONEDA, Danilo. et al. Tratado de proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Forense, 2021. 10 transparência, portando-se conforme as justas expectativas do titular a partir do que lhe foi informado acerca do tratamento dos seus dados23. Em seus incisos, o art. 6º também estabelece outros 10 princípios, sendo eles: finalidade; adequação; necessidade; livre acesso; qualidade dos dados; transparência; segurança; prevenção; não discriminação; e responsabilização e prestação de contas. O princípio da finalidade (art. 6º, I) possui relação direta com o princípio da adequação (art. 6º, II), pois, enquanto o primeiro informa que os dados pessoais devem ser tratados para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, o segundo estabelece que o tratamento deve ser compatível com as finalidades que foram indicadas. Já a partir do princípio da necessidade (art. 6º, III), a LGPD inaugura o conceito da minimização de dados, uma vez que estabelece que o tratamento deve ser limitado ao mínimo necessário para realizar as finalidades que foram informadas ao titular, assim como deve abranger o mínimo de dados necessários para alcançar essas finalidades. 23 FRAZÃO, Ana; CARVALHO, Angelo Prata de; MILANEZ, Giovanna. Curso de proteção de dados pessoais: fundamentos da LGPD. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. 11 Também podemos destacar a importância do princípio do livre acesso (art. 6º, IV) e do princípio da transparência (art. 6º, VI). Ambos os princípios se traduzem em garantias e direitos do titular de dados, visto que o livre acesso se consubstancia no direito do titular de obter informações e realizar solicitações gratuitamente sobre o tratamento dos seus dados pessoais, enquanto a transparência revela o dever do agente de tratamento de oferecer ao titular informações claras, precisas e acessíveis sobre a realização do tratamento e sobre quais são os agentes de tratamento envolvidos no processo. Destacamos também o princípio da não discriminação, que veda que o tratamento de dados pessoais seja realizado para fins ilícitos, abusivos ou discriminatórios em face do titular dos dados. Manchete e ilustração da notícia publicada em jornal especializado (disponivel em: https://www.migalhas.com.br/quentes/282013/decolar-com-e-multada-em-r--7-5- milhoes-por-diferenciar-preco-de-acordo-com-regiao. Acesso em: 29 ago. 2024) Para conhecer um exemplo prático do indesejável uso discriminatório dos dados pessoais, convidamos você à leitura da Nota Técnica nº 92/201824, emitida pelo Departamento de Proteção do Direito do Consumidor (DPCP) do Ministério da Justiça, que trata sobre empresa intermediária do mercado de hospedagens multada por realizar as práticas discriminatórias de geo blocking 24 DEPARTAMENTO DE PROTEÇÃO DO DIREITO DO CONSUMIDOR. Nota Técnica n.º 92/2018/CSA-SENACON/CGCTSA/GAB-DPDC/DPDC/SENACON/MJ. Disponível em: https://www.cmlagoasanta.mg.gov.br/abrir_arquivo.aspx/PRATICAS_ABUSIVAS_DECOLARC OM?cdLocal=2&arquivo=%7BBCA8E2AD-DBCA-866A-C8AA-BDC2BDEC3DAD%7D.pdf. Acesso em: 09 jun. 2022. 12 (bloqueio de ofertas em virtude da informação sobre a localização geográfica do usuário) e geo pricing (prática de preços diferentes conforme a localização do usuário). Você também poderá conhecer os outros princípios da LGPD a partir da cartilha do TJMG sobre o Programa de Proteção de Dados Pessoais25 desenvolvido no âmbito do Tribunal. 25 Acesse em: https://www.tjmg.jus.br/data/files/CC/56/60/AB/68BA28101BEA95285ECB08A8/cartilha%20LG PD_v6%20-%20SEM%20QUIS.pdf 13 APLICABILIDADE: ÂMBITOS TERRITORIAL, MATERIAL E SUBJETIVO 26 Iremos agora entender os parâmetros da aplicabilidade territorial, material e subjetiva da LGPD, isto é, os limites sobre em quais locais se aplica a LGPD, sobre quais situações ela é aplicável e a quem se aplica. Conforme dispõe seu art. 3º, a LGPD é aplicável a operações de tratamento realizadas por pessoas naturais ou por pessoas jurídicas de direito público ou privado. Aplica-se, portanto, a operações de tratamento realizadas por órgãos públicos, tais como o Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Sob o aspecto material – em quais situações é aplicável –, temos que a LGPD se aplica a qualquer operação de tratamento de dados pessoais. Conforme você poderá verificar na leitura do art. 5º, X, da LGPD, o termo ―tratamento‖ deve ser entendido como toda operação realizada com dados pessoais – como coleta, recepção, classificação, utilização, acesso, transmissão, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, bem como qualquer outra atividadeque se possa realizar com esses dados. Isso quer dizer que a LGPD deve ser observada sempre que uma atividade envolvendo dados pessoais é realizada, seja a coleta de dados pessoais, seja a eliminação, seja o arquivamento ou um simples acesso a dados pessoais. Além disso, a LGPD se aplica a operações de tratamento de dados realizadas por qualquer meio – seja digital (on-line ou off-line), seja físico (materiais impressos ou produzidos manualmente). Para entender a aplicabilidade da LGPD sob o aspecto subjetivo – ou seja, a quem se aplica a LGPD – é importante esclarecermos alguns conceitos. O art. 1º da LGPD informa que esta se aplica aos dados pessoais, e a lei define ―dados pessoais‖ (art. 5º, inc. I, da LGPD), como a “informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável”. Aqui, é importante 26 Redação: Amanda Lage Perez Unidade I Tópico 4 14 lembrarmos que, conforme dispõe o art. 6º do Código Civil, a existência da ―pessoa natural‖ se extingue com a morte. Portanto, isso nos leva a concluir que a LGPD se aplica a operações de tratamento de dados de pessoas vivas27. Além disso, a lei não faz distinção quanto à origem ou à nacionalidade do titular dos dados, sendo, por isso, aplicável a qualquer titular que se enquadre nas hipóteses da lei, ainda que não seja brasileiro. Ainda quanto a quem se aplica a LGPD, temos que ela vai ser aplicada: (1) quando o tratamento dos dados pessoais tiver por intuito a oferta de bens ou serviços a qualquer titular de dados que esteja em território brasileiro (art. 3º, II); e (2) a titulares cujos dados tenham sido coletados no Brasil, ainda que o titular não mais se encontre em território brasileiro (art. 3º, III). Sob o aspecto territorial, temos que a aplicação da LGPD independe da localização do agente de tratamento, que pode inclusive ter sua sede em país estrangeiro. Isso porque essa lei se aplica: a tratamentos realizados em território nacional; a tratamentos realizados para oferta ou fornecimento de bens e serviços a titulares localizados em território nacional; e ainda, quando a coleta dos dados ocorrer no território nacional. Sobre o aspecto territorial, os seguintes esclarecimentos são importantes. (1) Tratamento de dados realizados em território nacional (art. 3º, I): mesmo que o controlador tenha sede em território estrangeiro e os titulares sejam estrangeiros, se o tratamento dos dados pessoais ocorrer em território brasileiro, a LGPD será aplicada. (2) Tratamento realizado para oferta ou fornecimento de bens e serviços a titulares localizados em território nacional (art. 3º, II): aqui, podemos perceber que a LGPD também vai ser aplicada quando o tratamento tiver o objetivo de oferta ou fornecimento de bens e serviços a titulares localizados em território brasileiro, ainda que o tratamento dos dados (por exemplo, o 27 AUTORIDADE NACIONAL DE PROTEÇÃO DE DADOS (ANPD). Nota Técnica nº 3/2023/CGF/ANPD. Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-e- publicacoes/nota-tecnica-no-3-2023-cgf-anpd.pdf. Acesso em: 13 jun. 2024. 15 armazenamento, processamento etc.) ocorra em território estrangeiro. (3) Coleta dos dados ocorrer no território nacional (art. 3º, III): nesse caso, a LGPD será aplicável a qualquer situação em que a coleta de dados tenha se dado no Brasil, mesmo se o titular for estrangeiro e o tratamento dos dados pessoais for realizado em território estrangeiro. Para melhor ilustrar, considere o seguinte exemplo: “uma empresa americana trata dados de cidadãos europeus residentes na Itália. No entanto, no momento da coleta de tais dados, os indivíduos estão viajando pelo Brasil”28. Por fim, importante também esclarecer as situações a que a LGPD não se aplica. Para isso, convidamos você a ler o art. 4º da LGPD, que afirma que essa lei não será aplicada, em síntese, quando se tratar de: tratamento de dados por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos (por exemplo, uma lista telefônica doméstica, uma lista de convidados para um aniversário etc.); tratamentos realizados para fins exclusivamente jornalísticos e artísticos ou para fins acadêmicos; tratamentos realizados para fins exclusivos de segurança pública, defesa nacional, segurança do Estado e atividades de investigação e repressão de infrações penais; tratamento de dados pessoais provenientes de fora do território brasileiro e que não sejam objeto de comunicação, uso compartilhado de dados com agentes de tratamento brasileiros ou objeto de transferência internacional de dados com outro país que não o de proveniência, desde que o país de proveniência proporcione grau de proteção de dados pessoais adequado ao previsto na lei brasileira. 28 FRAZÃO, Ana; CARVALHO, Angelo Prata de; MILANEZ, Giovanna. Curso de proteção de dados pessoais: fundamentos da LGPD. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 36. 16 CATEGORIAS DE DADOS PESSOAIS E TRATAMENTO29 Tratamento de dados pessoais refere-se a qualquer ação realizada com dados pessoais, seja ela manual ou automatizada, em âmbito físico ou digital. Considerando as inúmeras possibilidades como um dado pessoal pode ser ―tratado‖, a LGPD optou por apresentar sua definição por meio de um rol aberto e exemplificativo de ações, como: coleta, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação, controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração de dados pessoais (art. 5º, X, LGPD30). Diante disso, e para fins de exemplificação, se você abrir um e-mail com documentos em anexo e ali houver informações sobre uma pessoa natural viva, como número de processo judicial e cópias de documentos, você estará tratando esses dados, pois o simples acesso a dados pessoais já é considerado uma forma de tratamento. Superada essa questão, você pode se perguntar neste momento: ―Mas o que, de fato, são dados pessoais?‖. Bem, a LGPD apresenta diferentes categorias de dados, sendo elas: I. dados pessoais, que podemos chamar de ―gerais‖; 29 Redação: Débora Eduarda Ribeiro Barbosa 30 BRASIL. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Brasília, DF: Presidência da República, 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em: 2 jun. 2024. Atenção Unidade I Tópico 5 17 II. dados pessoais sensíveis; III. dados anonimizados. Iremos lhe apresentar, a seguir, cada uma delas. DADO PESSOAL “GERAL” Com base no artigo 5º, inciso I, da LGPD, podemos definir dado pessoal como toda e qualquer informação relacionada a uma pessoa natural identificada ou identificável. A esse respeito, dados pessoais relacionados a uma pessoa natural identificada são informações específicas sobre uma pessoa que já é conhecida e pode ser identificada de forma direta, sem a necessidade de outras informações. Exemplos: nome completo; número de RG; número de CPF; número de passaporte; número de telefone fixo ou celular; entre outras. Por outro lado, dados pessoais relacionados a uma pessoa natural identificável são informações que, sozinhas, não identificam diretamente uma pessoa, mas que, em combinação com outras informações disponíveis, podem permitir a sua identificação. Exemplos: endereço de e-mail; endereço IP (internet protocol) de um dispositivo eletrônico; placa de veículo; número de matrícula em uma instituição de ensino; número de registro em um sistema de saúde; número de cartão de créditoou débito; entre outros. DADO PESSOAL SENSÍVEL Sensíveis são aqueles dados aos quais a LGPD conferiu uma proteção ainda maior por estarem diretamente relacionados aos aspectos mais íntimos da personalidade de um indivíduo31. 31 BRASIL. Autoridade Nacional De Proteção De Dados (ANPD). Perguntas Frequentes - ANPD. Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas- frequentes-2013-anpd#b1. Acesso em: 13 jun. 2024. 18 De acordo com o art. 5º, II, da LGPD, são dados pessoais sensíveis aqueles relativos à origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dados referentes à saúde ou à vida sexual, dados genéticos ou biométricos, quando vinculados a uma pessoa natural. Importante destacar que o tratamento dessa categoria de dados merece grandes cuidados, pois o uso, o acesso ou a divulgação irregular dessas informações possuem potencial de causar danos significativos ao seu titular, como discriminação, preconceito, estigmatização ou violação da intimidade da pessoa. Por conta disso, a LGPD impõe restrições adicionais ao tratamento desses dados, exigindo requisitos específicos para o seu tratamento. Você irá conhecer esses requisitos no tópico 8 desta apostila, cujo título é ―Hipóteses legais de tratamento de dados pessoais. DADOS ANONIMIZADOS E PSEUDONIMIZAÇÃO A anonimização de dados pessoais é um processo em que se remove a ligação entre a informação e a pessoa a quem a informação se refere, garantindo a proteção da privacidade. Essa técnica é usada para reduzir os riscos associados ao tratamento de dados pessoais, pois não é mais possível saber a quem os dados pertencem, mesmo que sejam combinados com outras informações32. Exemplo de anonimização seria uma pesquisa de satisfação de um restaurante, na qual os nomes e contatos dos clientes são removidos, deixando apenas as opiniões anônimas sobre a comida ou serviço. 32 BRASIL. Autoridade Nacional De Proteção De Dados (ANPD). Estudo técnico sobre anonimização de dados na LGPD: uma visão de processo baseado em risco e técnicas computacionais. Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-e- publicacoes/documentos- depublicacoes/estudo_tecnico_sobre_anonimizacao_de_dados_na_lgpd_uma_visao_de_proce sso_baseado_em_risco_e_tecnicas_computacionais.pdf. Acesso em: 13 jun. 2024. 19 Perceba então que, uma vez anonimizado, o dado não será mais considerado pessoal, já que não mais faz referência a uma pessoa natural. Por isso, dados anonimizados não estão sujeitos às regras da LGPD. A pseudonimização, por sua vez, é um processo que substitui informações identificáveis por pseudônimos, ou seja, apelidos que não revelam diretamente a identidade da pessoa33. Diferente da anonimização, em que a ligação com a pessoa é completamente removida, a pseudonimização ainda permite que a identidade da pessoa seja recuperada mediante utilização de informações adicionais (chave ou código), que são mantidas separadamente e em segurança. Por isso, dados pseudonimizados ainda devem respeitar as regras da LGPD. Exemplo seria um hospital que substitui os nomes dos pacientes por números em um estudo médico, dificultando a identificação dos pacientes, que não têm a chave de acesso para correlacionar os números aos nomes reais. 33 EUROPEIA, União. Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados - RGPD). Artigo 4, inciso 5. Jornal Oficial da União Europeia, 4 mai. 2016. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A32016R0679. Acesso em: 12 jun. 2024. 20 CONTROLADOR, OPERADOR E ENCARREGADO34 A LGPD define claramente os papéis dos agentes de tratamento, categorizando-os em controlador e operador. Além disso, ela apresenta a figura do encarregado pelo tratamento de dados pessoais. Como você irá ver, esses atores desempenham funções distintas, porém inter-relacionadas. A seguir você encontrará a explicação sobre cada um deles. CONTROLADOR É a figura central no tratamento de dados pessoais. Conforme o artigo 5º, VI, da LGPD35, ele é quem toma as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais. Em outras palavras, ele define como e por que os dados pessoais serão tratados. Um exemplo concreto de controlador é o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que coleta, armazena, disponibiliza e utiliza dados pessoais das partes envolvidas em processos judiciais. Observe que o gestor máximo da organização (por exemplo, o Presidente do TJMG) não é o controlador, mas sim a própria organização. Para mais, vale ressaltar que, além da figura do controlador pessoa jurídica, de direito público ou privada, existe o controlador pessoa natural. Isso ocorre quando a pessoa natural é responsável pelas principais decisões em 34 Redação: Débora Eduarda Ribeiro Barbosa 35 BRASIL. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Brasília, DF: Presidência da República, 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em: 2 jun. 2024. Unidade I Tópico 6 21 relação ao tratamento de dados36. Por exemplo, os profissionais liberais (como advogados, contadores e médicos), entre outros, desde que para fins econômicos. OPERADOR O operador, por sua vez, é a pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, que realiza o tratamento de dados pessoais em nome do controlador (art. 5º, IV, LGPD). Perceba que o operador segue as instruções do controlador e não toma decisões sobre como os dados serão utilizados. Um exemplo de operador seria uma empresa de serviços de armazenamento em nuvem (Oracle, Google Drive, One Drive, etc.) contratada pelo TJMG para armazenar e processar as informações e os dados pessoais cadastrados no sistema de processo eletrônico. Nesse caso, a empresa de serviços em nuvem atua como operador, pois realiza o tratamento desses dados conforme as instruções e finalidades determinadas pelo TJMG, que é o controlador dos dados. É comum pensar que o operador é quem lida com os dados diretamente; por exemplo, os servidores do TJMG. Contudo, essa interpretação está incorreta. Os servidores do TJMG não são considerados operadores porque, ao desempenhar suas funções dentro da organização, eles agem em nome do próprio controlador dos dados, integram o controlador, que é o TJMG37. 36 BRASIL. Guia Orientativo para Definições dos Agentes de Tratamento de Dados Pessoais e do Encarregado. Brasília, DF: Autoridade Nacional de Proteção de Dados, versão 2.0, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-e- publicacoes/guia_agentes_de_tratamento_e_encarregado___defeso_eleitoral.pdf. Acesso em: 02 jun. 2024. 37 BRASIL. Autoridade Nacional de Proteção de Dados (Brasil) - ANPD. Guia de Orientações sobre o Papel de Agentes de Tratamento de Dados Pessoais. Página 17 – item 58. Disponível em:https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-e- publicacoes/2021.05.27GuiaAgentesdeTratamento_Final.pdf. Acesso em: 12 jun. 2024. Atenção 22 ENCARREGADO O encarregado é uma figura importante para a governança de dados pessoais em uma organização, sendo ele a pessoa indicada pelo agente de tratamento (controlador e operador) para atuar como um canal de comunicação entrea sua organização, os titulares dos dados e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), segundo o art. 41 da LGPD. Isso significa dizer que o encarregado será responsável por receber reclamações ou requisições dos direitos dos titulares dos dados ― e responder a elas (tema que será trabalhado no Tópico 3 da Unidade 2) ―, bem como dar prosseguimento às comunicações da ANPD. No caso do TJMG, o encarregado é indicado pelo Presidente do Tribunal e recebe a missão de propor orientações ao quadro interno de magistrados, servidores e colaboradores sobre as práticas de proteção de dados. Por fim, existem outras situações que fogem às classificações indicadas na LGPD, como os co-controladores (controladoria conjunta) e os suboperadores38. Assim, convido você a entender mais sobre esses pontos no: Guia Orientativo para Definições dos Agentes de Tratamento de Dados Pessoais e do Encarregado. Brasília, DF: Autoridade Nacional de Proteção de Dados, versão 2.0 de 2022. 38 BRASIL. Guia Orientativo para Definições dos Agentes de Tratamento de Dados Pessoais e do Encarregado. Brasília, DF: Autoridade Nacional de Proteção de Dados, versão 2.0, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-e- publicacoes/guia_agentes_de_tratamento_e_encarregado___defeso_eleitoral.pdf. Acesso em: 02 jun. 2024. 23 TRATAMENTO DE DADOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E VULNERÁVEIS 39 O tratamento de dados pessoais, quando realizado de forma irregular, pode causar sérios impactos aos titulares. Essa preocupação, contudo, é ainda mais evidente quando o tratamento está relacionado a grupos de titulares vulneráveis, como é o caso de crianças e adolescentes e de idosos. Neste tópico entenderemos como a LGPD aborda esses temas. TRATAMENTO DE DADOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES A legislação brasileira confere proteção integral, especial e prioritária às crianças e aos adolescentes, que são indivíduos em desenvolvimento. Esse cuidado se estende ao tratamento de seus dados pessoais, uma vez que esses titulares, em sua jornada de crescimento, estão especialmente suscetíveis a riscos e vulnerabilidades, tanto no mundo físico quanto no digital40. Por conta do contexto digital atual, a LGPD reconhece que os direitos e liberdades de crianças e adolescentes estão ainda mais expostos a riscos devido à grande facilidade de acesso a serviços e aplicações de internet. Por isso, em seu art. 14, a LGPD estipula que o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes deve sempre ser realizado no seu melhor interesse41. ―O melhor interesse‖ é um princípio que remete à reflexão sobre a vulnerabilidade e à necessidade de cuidado das crianças e adolescentes por 39 Redação: Débora Eduarda Ribeiro Barbosa 40 FGV. Crianças e adolescentes e o tratamento de seus dados pessoais na Lei Geral de Proteção de Dados. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2021. Disponível em: https://portal.fgv.br/sites/portal.fgv.br/files/criancas_e_adolescentes.pdf. p. 11. Acesso em: 12 jun. 2024. 41 BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Brasília, DF: Presidência da República, 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em: 2 jun. 2024. Unidade I Tópico 7 24 parte da família, sociedade e Estado (art. 227, caput, da Constituição Federal42 de 1988 e art. 4º do ECA43). Nesse sentido, esse princípio assegura que as necessidades e direitos das crianças e adolescentes sejam colocados em primeiro lugar em qualquer processo de coleta, armazenamento, uso, compartilhamento ou eliminação de seus dados pessoais. Assim, qualquer atividade que compreenda o tratamento de dados de crianças e adolescentes deve sempre priorizar a sua proteção, o seu bem-estar e a sua segurança física, emocional e mental44. Diante dessa exigência, bem como dos princípios gerais da LGPD ― tema abordado no tópico 3 desta unidade ―, podemos concluir que, para que o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes seja realizado em seu melhor interesse, o agente de tratamento deverá sempre observar as finalidades específicas, explícitas e informadas para o titular (art. 6º, I, LGPD), limitando a coleta e uso de dados pessoais ao mínimo necessário, ou seja, abrangendo apenas dados proporcionais e não excessivos (art. 6º, II e III, LGPD). Além disso, o agente de tratamento deverá sempre observar os mais adequados controles de segurança, prevenindo, assim, qualquer possibilidade de exposição indevida dos dados pessoais desse grupo vulnerável (art. 6º, VII e VIII, LGPD). No que se refere ao nosso dia a dia de trabalho, é importante destacar que o TJMG realiza uma quantidade imensurável de atividades de tratamento de dados de crianças e adolescentes. A título de ilustração, na atividade jurisdicional, o TJMG julga diariamente incontáveis processos judiciais que envolvem crianças e adolescentes como parte, vítima ou testemunha. Por outro lado, em suas atividades administrativas, o TJMG coleta, armazena e utiliza 42 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 12 jun. 2024. 43 BRASIL. Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 12 jun. 2024. 44 FGV. Crianças e adolescentes e o tratamento de seus dados pessoais na Lei Geral de Proteção de Dados. Disponível em: https://portal.fgv.br/sites/portal.fgv.br/files/criancas_e_adolescentes.pdf. p. 13. Acesso em: 12 jun. 2024. 25 dados desses titulares quando estes figuram como dependentes de magistrados e servidores, entre outras diversas situações. TRATAMENTO DE DADOS DE VULNERÁVEIS (IDOSOS) Apesar de não haver menção explícita na LGPD, a ANPD reconhece que os idosos também são considerados titulares vulneráveis45 e, portanto, o tratamento de seus dados pessoais merece atenção especial. A vulnerabilidade dos idosos pode estar relacionada a várias questões, como menor familiaridade com tecnologias digitais e saúde frágil. Por conta disso, a proteção e o tratamento adequado dos dados pessoais desse grupo são essenciais para garantir sua dignidade e privacidade. A esse respeito, extrai-se do artigo 55-J, XIX, da LGPD que o tratamento de dados de idosos deve ser claro e compreensível para eles, conforme o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) 46 . Desse modo, é importante a aplicação correta dos princípios da LGPD, combinada com uma abordagem sensível às necessidades específicas dos idosos, medida essencial para proteger seus direitos. 45 BRASIL. Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Resolução CD/ANPD nº 2, de 27 de janeiro de 2022. Aprova o Regulamento de aplicação da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), para agentes de tratamento de pequeno porte. Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-e- publicacoes/regulamentacoes-da-anpd/resolucao-cd-anpd-no-2-de-27-de-janeiro-de-2022. Acesso em: 12 jun. 2024; e BRASIL. Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Comunicado de Incidente de Segurança (CIS). Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt- br/canais_atendimento/agente-de-tratamento/comunicado-de-incidente-de-seguranca-cis. Acesso em: 12 jun. 2024. 46 BRASIL. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Lei nº 13.709, de 14 de agostode 2018. Art. 55-J, XIX. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em: 12 jun. 2024. 26 HIPÓTESES LEGAIS PARA O TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS47 Após a publicação da LGPD, todo o tratamento do dado pessoal deve estar amparado em uma hipótese legal prevista na própria LGPD. Por esse motivo, uma das principais providências, antes de iniciar alguma operação com dados pessoais, é identificar qual previsão legal a ampara, a fim de assegurar a regularidade, a adequação e a finalidade do tratamento desses dados ― tudo isso para oferecer a devida transparência ao titular sobre a utilização dos seus dados. A LGPD traz hipóteses especiais para o tratamento de dados pessoais sensíveis48, porque, como vimos no tópico 5 desta unidade 1, se utilizados de maneira irregular, podem causar grave prejuízo aos titulares. Importante ressaltar que a LGPD não estabelece hierarquia entre as hipóteses legais para o tratamento de dados pessoais, atribuindo a todas o mesmo peso jurídico. Na LGPD, as hipóteses legais que autorizam o tratamento de dados pessoais ―gerais‖, encontram-se previstas no art. 7º. Já o art. 11 apresenta hipóteses que legitimam as operações com dados pessoais sensíveis. Vamos 47 Redação: Kelly Marjany Diniz Brandão 48 AUTORIDADE NACIONAL DE PROTEÇÃO DE DADOS. Guia Orientativo da ANPD para Tratamento de dados pessoais pelo Poder Público. Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt- br/documentos-e-publicacoes/documentos-de-publicacoes/guia-poder-publico-anpd-versao- final.pdf. Acesso em: 13 jun.2024. Unidade I Tópico 8 Atenção 27 explicar algumas hipóteses relevantes, mas fica a dica de leitura dos dispositivos citados49 na íntegra. CONSENTIMENTO DO TITULAR Nos termos do art. 7º, I, o consentimento consiste na manifestação livre, expressa e informada pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada, podendo o titular revogar esse consentimento a qualquer momento. Já o art. 11, I, determina que o consentimento deve constar ―de forma específica e destacada‖, isto é, estabelece um critério mais robusto para o tratamento de dados sensíveis. SEM NECESSIDADE DE CONSENTIMENTO DO TITULAR Contudo, nem todo tratamento de dados ocorre mediante o consentimento do titular. Vamos trazer algumas dessas hipóteses. Cumprimento de obrigação legal ou regulatória Nos termos do art. 7º, II, e art. 11, II, a, aplica-se quando necessário para o cumprimento de uma obrigação imposta ao agente de tratamento (controlador ou operador), seja uma obrigação legal específica, cujo eventual descumprimento possa ocasionar uma consequência ou uma penalidade jurídica ou administrativa; seja uma obrigação regulatória, relativa ao cumprimento de normas de conduta internas que regulem os órgãos ou entidades públicas. 49 BRASIL. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Lei nº 13.709, de 17 de agosto de 2018. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em: 18 mai. 2024. 28 Exemplo: em cumprimento ao art. 123, I, da Resolução nº 522/2007 do TJMG, a Diretoria Executiva de Administração de Recursos Humanos (DEARHU) coleta e atualiza o banco de dados relativos a magistrados e servidores que atuam nas comarcas e na Secretaria do Tribunal de Justiça. Execução de políticas públicas Nos casos de dados pessoais ―gerais‖, o art. 7º, III, autoriza a Administração Pública a realizar o tratamento de dados pessoais para a execução de políticas públicas previstas em leis ou regulamentos, ou respaldadas em convênios ou instrumentos similares. Entretanto, nos casos que envolvam dados sensíveis, o tratamento poderá ocorrer somente se a política pública estiver prevista em leis ou regulamentos (art. 11, II, b). Exemplo: execução de campanha pública de vacinação pela Secretaria de Saúde. Execução de contrato O tratamento de dados pessoais ―gerais‖ é permitido pelo art. 7º, V, quando os dados são necessários para a execução de um contrato ou de procedimentos preliminares relacionados a um contrato do qual o titular seja parte. Destacamos que essa hipótese legal de tratamento não encontra previsão semelhante para dados sensíveis. Exemplo: coleta de dados pessoais (nome completo, RG, CPF, endereço residencial e telefone de contato) das partes contratantes para a confecção do contrato. Além da leitura das demais hipóteses legais de tratamento previstas nos arts. 7º e 11 da LGPD, convidamos você a ampliar seus conhecimentos em relação ao tratamento de dados pessoais aplicado ao Poder Público e suas 29 peculiaridades, com a leitura do Guia Orientativo da ANPD para o Tratamento de dados pessoais pelo Poder Público50. As peculiaridades do tratamento de dados pessoais aplicado ao serviço público serão abordadas de maneira detida no tópico 1 da unidade 2. Até lá! 50 AUTORIDADE NACIONAL DE PROTEÇÃO DE DADOS. Guia Orientativo da ANPD para Tratamento de dados pessoais pelo Poder Público. Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt- br/documentos-e-publicacoes/documentos-de-publicacoes/guia-poder-publico-anpd-versao- final.pdf. Acesso em: 13 jun.2024.