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PARTE GERAL DO CÓDIGO PENAL
 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PENAL
1) Princípio da legalidade:
A CF/88 o consagrou no art. 5º, XXXIX, de modo que no Brasil, constitui cláusula pétrea; não pode ser suprimido sequer por emenda à Constituição.
Somente alguns países não o preveem, como é o caso da China e da Coreia do Norte.
Esse princípio é de extrema importância no que se refere à segurança jurídica, pois salvaguarda o cidadão contra punições criminais sem base em lei escrita, de conteúdo determinado e anterior à conduta. 
Exige também que haja uma perfeita e total correspondência entre o ato do agente e a lei penal para fins de caracterização da infração e imposição da sanção respectiva.
O efetivo respeito ao princípio da legalidade demanda não só a existência de uma lei definindo a conduta criminosa, mas exige, também, que a lei seja anterior ao ato, que se trate de lei em sentido formal interpretada restritivamente e, por fim, que a lei tenha conteúdo determinado.
Por esse motivo, se diz que o princípio da legalidade se desdobra em quatro outros subprincípios, quais sejam, anterioridade da lei (lege praevia); reserva legal (lege scripta); proibição da analogia in malam partem (lege stricta) e taxatividade da lei (lege certa).
a) Princípio da anterioridade da lei - art. 5º, XXXIX, CF e art. 1º do CP: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal" 
Para que haja crime e seja imposta pena é necessário que, além da existência de lei escrita, o fato tenha sido cometido depois dessa lei entrar em vigor.
De nada adianta assegurar que o direito penal se fundamenta na lei, caso esta lei pudesse ser elaborada depois do cometimento do fato.
Por essa razão não há legalidade sem a correlata anterioridade.
b) Princípio da reserva legal – a incriminação deve se basear em lei no sentido formal.
Não se admite que o direito consuetudinário ou o emprego de analogia, por exemplo, possa embasar a punição criminal de um ato, ou mesmo agravar as consequências penais de uma infração definida em lei. 
Portanto, os usos e costumes não podem embasar a existência de um crime.
c) Princípio da proibição da analogia in malam partem – 
A analogia constitui método de integração do ordenamento jurídico, em que se aplica uma regra existente para solucionar caso concreto semelhante, para o qual não haja expressa regulamentação legal (exemplo, art. 22 do CP)
É importante lembrar que a vedação atinge somente a analogia in malam partem, ou seja, aquela prejudicial ao agente.
Reconhece-se como plenamente admissível, contudo, a analogia in bonam partem (benéfica ao agente).
d) Princípio da Taxatividade (ou determinação) – diz respeito à técnica de elaboração da lei, que deve ser clara e precisa para gerar segurança jurídica e evitar o arbítrio judicial.
Assim, a lei penal deve ser determinada em seu conteúdo, não se admitindo tipos penais excessivamente genéricos, os quais são denominados tipos penais vagos.
O indivíduo não teria como saber o que é certo ou errado se a lei não fosse clara o suficiente.
Como exemplo histórico de ofensa à taxatividade da lei penal, podemos citar o Código Alemão de 1935, quando ressalvava a possibilidade de punição de atos contrários ao ‘sentimento sadio do povo alemão”.
2) Princípio da culpabilidade – nullum crimen sine culpa – traduz-se na vedação da responsabilidade objetiva. Ou seja, a pena só pode ser imposta a quem age com dolo ou culpa e, merecendo um juízo de reprovação, comete um fato típico e antijurídico.
Atualmente, compreende-se que o princípio possui três importantes dimensões:
a) a proibição de responsabilização penal sem dolo ou culpa;
b) a vedação da aplicação da pena desprovida de imputabilidade, potencial conhecimento da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa;
c) a gravidade da pena deve ser proporcional à gravidade do fato cometido.
3) Princípio da dignidade da pessoa humana:
A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF).
Muito embora não se trate de princípio tipicamente penal, deve plasmar todo o ordenamento jurídico, tendo relevância também na esfera penal.
Com as experiências que a história nos mostra de aniquilação do ser humano, esse princípio coloca o indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República. 
Entre outras coisas, ele justifica a proibição da pena de morte, das penas cruéis e da prisão perpétua.
A doutrina tende a vislumbrar dois aspectos ligados ao princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito do Direito Penal: a proibição de incriminação de conduta socialmente inofensiva e a vedação de penas que contêm tratamento degradante, cruel e de caráter vexatório.
4) Princípio da irretroatividade da lei penal mais severa – art. 5º, XL, da CF e art. 2º e parágrafo único do CP: 
Segundo esse princípio, a lei posterior mais severa é irretroativa; a posterior mais benéfica é retroativa; a anterior mais benéfica é ultra-ativa (exemplo de ultra-atividade: quando o juiz vai decidir, a lei em vigor à época dos fatos não é mais a mesma, porém, se mais benéfica ela é que será aplicada).
Esse princípio é decorrência do princípio da legalidade, afinal de nada adiantaria estabelecer que a norma penal deve se basear numa lei escrita se fosse possível elaborá-la depois da conduta, punindo fatos anteriores à vigência da lei ou agravando as consequências de tais fatos.
5) Princípio da intervenção mínima – significa que o Direito Penal só deve cuidar de situações graves, de modo que o juiz criminal só venha a ser acionado para solucionar fatos relevantes para a coletividade.
A princípio, portanto, deve-se deixar aos demais ramos do Direito a disciplina das relações jurídicas, só havendo a interferência do Direito Penal quando estritamente necessário.
No Brasil deriva do princípio da dignidade da pessoa humana e do fato do art. 5º, caput, da CF declarar a inviolabilidade da liberdade, da vida, da segurança e da propriedade.
6) Princípio da alteridade ou transcendentalidade – proíbe a incriminação de atitude meramente subjetiva, que não ofenda a nenhum bem jurídico, não sendo suficiente que seja imoral ou pecaminosa.
Por esse motivo não se pune a autolesão (desde que não se pretenda prejudicar terceiros); a tentativa de suicídio; o uso pretérito de droga etc.
7) Princípio da ofensividade:
Não há crime sem lesão efetiva ou ameaça concreta ao bem jurídico tutelado.
Daí resulta serem considerados inconstitucionais os crimes de perigo abstrato (presumido), nos quais o tipo penal descreve determinada conduta sem exigir ameaça concreta ao bem jurídico tutelado.
Note-se, entretanto, que a jurisprudência dominante tende a admitir como válidos os delitos de perigo abstrato, por constituírem uma forma legítima de punição de infrações penais em sua fase embrionária.
8) Princípio da insignificância – está ligado aos crimes de bagatela; ele considera atípico o fato quando a lesão ao bem jurídico tutelado pela lei penal é de tal forma irrisória que não justifica a movimentação da máquina judiciária. Exemplo: furto de um doce; lesão corporal com uma alfinetada etc.
9) Princípio da humanidade – o réu deve ser tratado como pessoa humana.
A CF reconhece esse princípio em vários dispositivos (art. 1º, III; 5º, III, XLVI, XLVII). 
Deve ser observado antes e durante o processo e na execução da pena (proibição de penas degradantes, cruéis, de trabalho forçado, de banimento e da pena de morte).
Este princípio que deriva da dignidade da pessoa humana constitui parâmetro indispensável no cumprimento da pena privativa de liberdade.
10) Princípio da proporcionalidade da pena – determina que a pena não pode ser superior ao grau de responsabilidade pela prática do fato. Significa que a pena deve ser medida pela culpabilidade do autor.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, dispõe que: “ a lei não deve estabelecer outras penas que não as estrita e evidentemente necessárias”(art. 8º).
11) Princípio da presunção de inocência – Art. 5º, LVII da CF: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
12) Princípio da igualdade – todos são iguais perante a lei (CF, art. 5º, caput).
13) Princípio do “ne bis in idem” – Ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato (não pode sofrer duas penas, nem ser processado e julgado duas vezes pelo mesmo fato).
14) Princípio da confiança – consiste na realização da conduta de uma determinada forma, na confiança de que o outro agente atuará de um modo já esperado, ou seja, de acordo com o que normalmente acontece.
Exemplo: o cirurgião que confia na assistência correta de seus auxiliares e, por ocasião de uma cirurgia, a enfermeira lhe passa uma injeção com medicamento trocado vindo o paciente a falecer– não haverá conduta culposa por parte do médico, pois não foi sua a ação, mas sim da enfermeira, que violou o dever objetivo de cuidado.
15) Princípio da adequação social – preconiza que todo comportamento, ainda que considerado criminoso pela lei, mas que não afronta mais o sentimento social de justiça, não pode ser considerado crime.
Não se confunde com a insignificância, onde a conduta é considerada injusta, mas de escassa lesividade. Na adequação social a conduta deixa de ser punida por não ser mais considerada injusta pela sociedade.
Exemplo: a circuncisão praticada na religião judaica, a tatuagem, o furo na orelha para colocação de brinco etc.
Obs:
É certo que tal princípio não é estático, como também não o é a sociedade. 
Assim, é possível que determinadas condutas que já foram entendidas com atípicas deixem de ser toleradas, como tem acontecido com várias atividades envolvendo crueldade com animais. 
É o caso da “ Farra do Boi” no estado de Santa Catarina, que embora associada ao folclore e à cultura do povo local, foi proibida desde 1997, considerada atualmente conduta típica, em razão da intolerável crueldade praticada.
Outras condutas outrora punidas (capoeira, por exemplo), hoje são totalmente atípicas (e socialmente positivas).
FONTES DO DIREITO PENAL
1- Conceito: é o lugar de onde o Direito provém.
2- Espécies:
a) Fonte de produção, material ou substancial – refere-se ao órgão incumbido de sua elaboração.
A União é a fonte de produção do Direito Penal no Brasil (art. 22, I, da CF).
Observação: o parágrafo único do art. 22 da CF dispõe que lei complementar poderá autorizar os Estados-membros a legislarem em matéria penal sobre questões específicas (de interesse meramente local) – trata-se de competência suplementar, que pode ou não ser delegada aos estados.
b) Fonte formal, de cognição ou de conhecimento – é o modo pelo qual o Direito Penal exterioriza-se.
A fonte formal se subdivide-se em:
a) imediata – a lei
b) mediata – costumes e princípios gerais do Direito.
a) Fonte formal imediata – é a lei penal.
A lei penal se classifica em duas espécies: leis incriminadoras e leis não incriminadoras (que podem ser permissivas e finais, complementares ou explicativas).
As leis incriminadoras são as que descrevem crimes e cominam penas.
Ex: art. 121 do CP – “matar alguém” é o chamado preceito primário (descreve a conduta).
A pena – reclusão, de 6 a 20 anos – é o chamado preceito secundário.
As leis penais incriminadoras estão previstas na parte especial do CP e também em leis especiais.
As lei não incriminadoras podem ser: permissivas e finais, complementares ou explicativas.
As leis penais permissivas preveem a licitude ou a impunidade de determinados comportamentos, apesar deles se enquadrarem na descrição típica.
Podem estar na parte geral do Código Penal - artigos 20 a 25, que tratam das excludentes de ilicitude (como a legítima defesa) ou na própria parte especial (ex: art. 128, 142 etc.).
As leis penais complementares ou explicativas – são as que esclarecem o significado de outras leis ou limitam o âmbito de sua aplicação. 
Podem estar na Parte Geral do CP (ex: arts. 4º, 5º, 7, 10, 12 etc.) ou na parte especial do CP (ex: art. 327, que define funcionário público para fins penais).
Características da lei penal:
a) Exclusividade – somente a norma penal define crimes e comina penas (princípio da legalidade);
b) Imperatividade – a norma penal é imposta a todos, independente de sua vontade;
c) Generalidade – a norma penal vale para todos (erga omnes);
d) Impessoalidade – a norma penal é abstrata, sendo elaborada para punir acontecimentos futuros e não para punir pessoa determinada.
Atenção:
Diferença entre norma e lei
Norma: é o mandamento de um comportamento normal, extraído do senso comum de justiça de cada coletividade. 
Exemplo: pertence ao senso comum que não se deve matar, roubar, furtar etc; logo, a ordem normal de conduta é não matar, não roubar, não furtar. 
É regra proibitiva não escrita.
Lei: é a regra escrita feita pelo legislador com a finalidade de tornar expresso o comportamento considerado indesejável e perigoso pela coletividade. É o veículo por meio do qual a norma aparece e sua observância torna-se cogente.
Enquanto a norma diz “não mate”, a lei descreve a conduta associando-a a uma pena.
Assim, quem mata alguém age contra a norma (ex: não matar), mas exatamente de acordo com a descrição feita pela lei (ex: matar alguém).
b) Fontes formais mediatas – são os costumes e os princípios gerais do direito.
*Costumes – conjunto de normas de comportamento a que as pessoas obedecem de maneira uniforme e constante pela convicção de sua obrigatoriedade jurídica;
Espécies de costume: 
1- contra legem (a norma deixa de ser aplicada em virtude do desuso);
2- secundum legem (traça regras sobre a aplicação da lei penal);
3- praeter legem (preenche lacunas e especifica o conteúdo da norma)
O costume não revoga a lei, mas serve para integrá-la. 
Em várias partes do CP o legislador se utiliza de expressões que necessitam do costume para alcançar o significado exato do texto. 
Exemplo: reputação (art.139 do CP); dignidade e decoro (art. 140 do CP); ato obsceno (art. 233 do CP).
O costume também não cria delitos, em razão do princípio da reserva legal.
* Princípios Gerais do Direito – são regras que se encontram na consciência dos povos e são universalmente aceitas, mesmo que não escritas.
Essas fontes formais sofrem importante limitação em decorrência do princípio da legalidade e somente incidem na seara da licitude penal, ampliando-as.
Exemplo: no trote acadêmico é comum o calouro ser chamado de “bicho” ou obrigado a realizar cânticos satíricos, sem que com isso configure o crime de injúria ou constrangimento ilegal (à luz do artigo 23, III do CP - exercício regular de direito).
Interpretação da Lei Penal
Tem por finalidade buscar o exato significado da norma penal – a interpretação deve buscar a vontade da lei, desconsiderando a vontade de quem a fez.
Espécies:
1- Quanto ao sujeito que a elabora:
a) autêntica ou legislativa – é dada pela própria lei, que em um de seus dispositivos esclarece determinado assunto. 
Ex: art. 150, parágrafos 4º e 5º, do CP diz o que se considera e o que não se considera como “casa”, no crime de violação de domicílio.
b) doutrinária ou científica – é a interpretação feita pelos estudiosos, professores e autores de obras de direito, através de seus livros, artigos, conferências, palestras etc.
Segundo Capez a Exposição de Motivos é interpretação doutrinária e não autêntica, uma vez que não é lei.
c) jurisprudencial ou judicial – é aquela feita pelos Tribunais e juízes em seus julgamentos (não tem força obrigatória).
2- Quanto ao modo:
a) gramatical, literal ou sintática – leva em conta o sentido literal das palavras contidas na lei.
b) lógica ou teleológica – busca a vontade da lei, através da análise acerca dos fins a que ela se destina.
3- Quanto ao resultado:
a) declarativa – a letra da lei corresponde exatamente àquilo que o legislador quis dizer.
b) restritiva – quando a letraescrita da lei foi além da sua vontade (a lei disse mais do que queria e por isso a interpretação vai restringir o seu significado).
Ex: o art. 44 do CP prevê a proibição de substituição da pena privativa de liberdade (de prisão) por pena restritiva de direito para os crimes praticados com violência – a interpretação restritiva vai limitar, restringir a proibição somente aos crimes praticados com violência real, possibilitando a substituição quando a violência for ficta ou presumida (hoje, praticada contra os chamados “vulneráveis”).
c) extensiva – a letra escrita da lei ficou aquém da sua vontade (a lei disse menos do que queria e, por isso, a interpretação vai ampliar o seu significado).
Ex: art. 159 do CP – o delito de extorsão mediante seqüestro abrange também a extorsão mediante cárcere privado (como pessoa que foi presa em um cubículo acorrentada).
Ps: 
Exemplo de sequestro – quando a vítima fica presa em uma casa, em um sítio, em uma ilha.
Exemplo de cárcere privado – quando a vítima fica presa em local diminuto, como uma cela, um quarto, um banheiro.

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