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A motivação para a leitura - Letras Letras

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Adê Fonseca

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26/06/2016 Letras & Letras
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Ensaios
A motivação para a leitura
INTRODUÇÃO
Vivemos um momento social em que as pessoas  têm  imensas solicitações. A vida está de  tal modo
preenchida que são poucos os momentos que cada um tem para se encontrar consigo próprio. Após
um  dia  agitado  de  trabalho,  o  adulto  regressa  a  casa  e  não  tem  já  vontade  senão  para  dar  uma
olhadela rápida para a televisão e deitar­se. Se houver filhos, estes mal vêem os pais. A vida destes
não  é  muito  diversa  da  dos  pais.  Passam  o  dia  na  escola,  amordaçados  numa  sala  de  aula,  com
imensas disciplinas, imensas matérias a estudar ao mesmo tempo, testes, exames, trabalhos, fichas,
visitas de estudo, sendo quase nula a ocasião em que uma criança, um adolescente se encontra com
algum  tempo  livre  para  estar  sozinho.  E  se  isso  acontece,  não  sabe  como  passar  esse  espaço  de
tempo, porque não foi habituado aos momentos de reflexão e de encontro consigo mesmo.
Ora, a desmotivação em  relação à  leitura que cada vez mais se  faz sentir é um sintoma que deriva
exactamente de todo este contexto social. As queixas, as constatações de que as crianças e os jovens
não  lêem são  imensas. Eles realmente não  lêem e é, para si, uma espécie de castigo obrigá­los em
tal  actividade.  Tentaremos,  com  o  nossos  trabalho,  descobrir  algumas  das  causas  dessa
desmotivação, procurando apresentar alguns meios de remediação.
Dividimos o nosso  trabalho em  três partes. Na primeira,  trataremos da desmotivação dos alunos em
geral face à leitura de obras literárias; na segunda proporemos algumas estratégias para a motivação
e  o  desenvolvimento  da  leitura,  quer  na  escola,  quer  em  casa;  na  terceira  falaremos  do
desenvolvimento cognitivo da leitura.
1. A DESMOTIVAÇÃO FACE À LEITURA DE OBRAS LITERÁRIAS
Não são só as crianças que não lêem. A tão falada crise da leitura tem os seus alicerces nos próprios
adultos. Será caso para perguntar aos pais que se queixam de que os seus  filhos não  lêem quantos
livros  eles  próprios  folhearam  durante  um  ano.  Concerteza  a  resposta  seria  desoladora.  Tão
desoladora como  foi  uma sondagem editada pela  revista Ler  nos últimos meses de 1993. Francisco
José Viegas, num artigo da mesma revista, diz­nos que um dos dados essenciais desta sondagem nos
esclarece  bastante  «sobre  o  conhecimento  que  os  portugueses  têm  dos  seus  escritores  e  sobre  o
papel  que a  leitura  desempenha nas  suas  vidas  quase nenhum.»  (1) E  continua:  «Importantíssimos
escritores  portugueses  de  hoje  (nem  é  preciso  enumerar  muitos  Luísa  Costa  Gomes,  Mário  de
Carvalho, Hélia Correia,  Fernando Dacosta  no  campo  da  ficção,  ou Mário Cesariny,  Al  Berto,  Nuno
Júdice, Herberto Hélder, João Miguel Fernandes Jorge, José Agostinho Baptista, etc., etc., na área da
poesia) não figuram nestes dados recolhidos por  todo o País. Nas tintas. Toda a gente sabe que um
escritor  nunca  terá  a mesma  popularidade  que  um  futebolista  e  que  essa  comparação  é  altamente
indesejável e imbecil.» (2) O problema é preocupante: «os Portugueses, de todas as classes sociais e
profissionais,  de  todos  os  clubes  e  partidos  políticos,  desconhecem  os  seus  escritores.»  (3)  Para
Francisco José Viegas, os dados que a Ler publica «não  indiciam a existência de um culpado. Seria
muito  fácil  apontar o dedo e acusar o Estado, as  instituições, a escola, a  família e o que houver aí
para acusar (com toda a  legitimidade). Sabemos como é, em termos de  instituições, das públicas às
familiares: pouco fazem, nada fazem. E  fazem muito bem esses nada fazer. O grau de alfabetização
da  sociedade  portuguesa  é muito  baixo  por  que  razão  teriam  os  escritores  de  ser  populares? E  por
que  razão  teriam  os  Portugueses  de  se  preocupar  com  o  assunto  se  não  ganham  nada  com  isso?
Claro que o livro é isto e aquilo. Claro que a leitura é isto e aquilo. Claro que os livros são a marca da
razoável  eternidade  de  um  século.  Toda  a  gente  sabe  daí,  até,  o  esforço  de  alguns  inquiridos  em
recordar um nome que fosse: Bocage, Camões, Garrett, Pessoa (oh, claro, Pessoa), Eça, Herculano.»
(4)
Com  efeito,  a  «vida  do  livro,  em  Portugal,  é  relativamente  difícil.  Neste momento,  chegam­nos  os
rumores, cada vez mais próximos, de editoras em situação económica difícil. Já sabíamos o que tinha
acontecido com as livrarias basta percorrer o País, as principais cidades, para avaliar o espaço que as
livrarias  perderam  em  benefício  dos  bancos,  das  sapatarias  ou  das  lojas  de  vestuário.  Os  cidadãos
têm  todo  o  direito  de  fazer  o  que  lhes  apetece  de  gostar  mais  de  bancos  do  que  de  livrarias,
evidentemente. E de se vestirem e calçarem. E de não lerem, se é isso que desejam.» (5)
Francisco  José  Viegas  reconhece  que  «todos  somos  um  pouco  culpados:  o  optimismo  histórico
também  é  um  dos  males  que,  periodicamente,  assalta  a  vida  das  sociedades,  criando  ilusões  e
inventando esperanças. Em meados dos anos oitenta, quase todos nós acreditámos numa coisa que
hoje  nos  parece  ridícula,  vista  à  distância  o  boom  editorial.  A  quantidade  de  livros  editados  desde
essa  altura  e  não  comprados  nem  lidos  é  assustadora  o  bastante. Os mais  pessimistas  achavam a
situação absurda, mas os optimistas começaram cedo a franzir o sobrolho. As editoras cresceram por
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situação absurda, mas os optimistas começaram cedo a franzir o sobrolho. As editoras cresceram por
dentro mas, por fora, o mercado não cessou de diminuir. Esse desacordo é fatal, hoje em dia. Basta
ver que, na lista dos livros lidos no último ano apenas um editado nesse período de tempo a verdade
é  que  as  tiragens  diminuíram  nos  últimos  dois  anos,  não  diminuindo  a  quantidade  de  títulos
publicados. Não é preciso ser economista para prever os resultados nada satisfatórios desta situação.»
(6)  E  conclui:  «O  livro  não  é  popular  em Portugal.  Se  calhar,  não  tem  de  ser  popular,  tal  como  os
escritores. O  juízo popular não serve para avaliar  a qualidade dos  livros,  evidentemente,  nem a sua
importância. Mas alguém tem de pensar no assunto, e, aí, o Estado, as escolas e as  famílias  terão,
necessariamente, de ser responsabilizados.» (7)
Augusto Abelaira, num artigo editado no Jornal de Letras,  coloca a  seguinte questão:  «Será que os
Portugueses (a maioria dos portugueses) não gostam de ler porque,embora alfabetizados, não sabem
ler? Será que a escola os ensinou a soletrar, mas não a compreender, para além de cada frase, uma a
uma considerada, a sequência de frases que constituem um todo? (Ainda por cima, só se compreende
um  livro  relacionando­o  com  outros  livros,  os  livros  vivem  em  sustentação  recíproca.)»  (8)  Para
Augusto Abelaira,  «saber  ler,  primeiro passo por  gostar  de  ler. Dizem­me alguns professores  liceais:
muitos alunos chegam aos últimos anos sem compreender o que lêem, sem saber resumir um texto,
se  ele  não  for  uma  simples  notícia  de  jornal.  Logo:  que  estiveram  os  alunos  a  fazer  durante  os
primeiros  anos? Ou:  que  estiveram  os  professores  a  fazer? Ou:  que  espécie  de  ensino  é  o  nosso?
Quero  dizer:  como  classificar  um  ensino  que  não  ensinou  aos  alunos  o  prazer  da  leitura,  pouco
importa  se  leitura  de  romances  ou  de  livros  de  Física? Sem ensinar  o  prazer  da  leitura  não  haverá
leitura, e sem leitura nunca ultrapassaremos a Grécia.» (9) Segundo este escritor, tudo isto é devido à
ausência  de  uma  política  adequada:  «Mas,  ao  que  parece,  isto  tem  preocupado  pouco  os  nossos
governos  para  os  quais  o  ensino  custa muito  dinheiro  (e  até  têm  razão,  custa muito  dinheiro).  Um
ensino  que  não  é  visto  como  investimento  (uso  a  linguagem  a  que  estão  habituados),  mas  como
despesa. Além do mais, as auto­estradas vêem­se mais do que o ensino, muito embora elas também
sejam um produto do ensino,  produto de  leituras,  somente possíveis  se derem prazer. Valha­nos ao
menos isso, ainda há engenheiros que sabem ler.» (10)
No  Jornal  do  Fundão,  um  Fernando  Paulouro  Neves  escreveu  o  seguinte  acerca  do  problema  da
leitura:  «As  escolas  não  são motivadoras,  os  autores  contemporâneos  são  colocados  à  margem,  a
leitura é um ritual triste e, na maior parte das vezes, uma obrigação pesada.» (11) Fernando Venâncio
analisa desta forma tal afirmação: «Se assim for, se realmente são colocados à margem "os autores
contemporâneos", quando os outros,  com Camilo à  frente,  já de  lado  foram  ficando que nos sobra?
Concedamos que há contemporâneos garantidamente lidos e estudados. Concedamos, também, que
as  coisas  estão  em  ordem  quanto  a  alguns  antepassados  indiscutíveis  (Eça  de  Queirós,  Fernando
Pessoa). Mesmo assim, o conjunto é desolador. É que, enquanto  for verdade o que a Ler  revelou, o
não terem 74% dos portugueses lido um só livro nos últimos doze meses, só um pensamento parece
razoável:  acabamos metidos  por  muito maus  caminhos.»  (12)  E  acrescenta:  «O  designar  dos mais
prestigiados autores é um exercício curioso, averiguador do discernimento colectivo. Mas tem apenas
um valor histórico.  Isto é, valor contingente. Ou, para dizer  tudo,  folclórico. Há outras boas maneiras
de  prestigiar,  e  agora  perduravelmente,  a  nossa  época.  É  conseguirmos  aquilo  que  os  nossos  tão
ilustres  avós  e  pais  não  conseguiram:  pôr  nas  mãos  dos  portugueses  a  sua  literatura.  Isso  poderá
implicar novas concepções da edição, do ensino, da divulgação, da crítica, coisas em que se pode  ir
mexer  com  interesses  instalados.  Há  pelo  País,  julgo  eu,  gente  que  sabe  o  que,  nesses  diversos
terrenos,  tem  de  ser  feito.  Importava,  sim,  que  andasse  menos  alheada.  Até  certo  ponto,  há  que
compreendê­la.  É  que,  quando  desafiados,  os  editores  literários  sabem  rosnar,  e  metem  algum
respeito.  Mas,  se  bem  repararmos,  depois  nunca  mordem.  E,  um  dia,  teremos  neles  os  mais
agradecidos.» (13)
Francisco  José  Viegas,  num  outro  artigo  da  revista  Ler,  entende  que  a  escola  é  um  das  principais
responsáveis da crise da leitura: «A responsabilidade da escola na crise actual da leitura, em Portugal
como no resto da Europa, é grande. Em primeiro lugar, as escolas não têm livros disponíveis para que
os  alunos  consumam,  destruam,  roubem,  leiam,  detestem  (as  suas  bibliotecas  são  geralmente
miseráveis vivem do entusiasmo de alguns professores, de pedidos de  livros a que as casas editoras
correspondem de vez em quando, mas nunca de um plano, de um trabalho continuado). Depois, uma
parte dos professores não gosta de ler são funcionários do Estado, que também não se preocupa com
o assunto.» (14) De facto, «a escola continuará a ser a grande responsável pelo défice. Os vícios vão
passando  de  geração  para  geração  apesar  dos  que  vão  rompendo  alguns  desses  vícios. As  escolas
continuam sem livros, sem espaço para que os estudantes possam ler, entusiasmar­se, alegrar­se no
contacto com um livro que seja.» (15)
Jaume  Cela  e  F.  Mercé,  na  sua  obra  Libros  de  Aliorna,  Sugerencias  para  uma  lectura  creadora,
apresentam as múltiplas maneiras de ensinar a criança a odiar a leitura: 1. Apresentando o livro como
uma  alternativa  à  televisão:  «Lê,  em  vez  de  olhares  para  a  televisão!»;  «Que  eu  não  te  veja  a  ler
vendo televisão!»; «Pega nos  livros da escola, em vez de perderes tempo com essa estupidez!» (16)
Ora,  as  crianças  sabem  que  a  televisão  não  é  uma  «estupidez»:  acham­na  divertida  e  útil.  Pode
suceder que lhe dediquem mais tempo do que o necessário, ou que se refugiem naquele semi­estado
de  semi­inconsciência  no  qual  o  telespectador  habitual,  seja  criança  ou  adulto,  cai  depois  de  certo
tempo, e de que é sintoma a  total passividade com que aceita qualquer programa do pequeno ecrã,
sem  escolher  e  sem  raciocinar. Os méritos  educativos  da  televisão  superam  os  seus  desméritos. O
pequeno  ecrã  enriquece  o  ponto  de  vista,  desenvolve  o  vocabulário,  põe  em  circulação  uma
quantidade inverosímil de informações, introduz as crianças e os jovens num circuito mais vasto que o
familiar. Quase se poderia afirmar que a televisão diminui a dificuldade da leitura. 2. Apresentando o
livro  como  a  alternativa  às  histórias  em  banda­desenhada:  «Queimo­te  todas  as  revistas  se  não  te
vejo ler!»; «Dois a Português, eh? A partir de amanhã acabaram­se os livros de quadradinhos!». Ora,
as  crianças  nem  sempre  precisam  de  boas  leituras.  Começar  com  a  banda­desenhada  é  como
começar a saltar um metro para aprender a saltar vinte. 3. As Crianças têm demasiadas distracções:
essa  é  a  razão  por  que  lêem  pouco.  4.  Transformando  o  livro  em  instrumento  de  tortura.  5.  Não
oferecer uma selecção das  leituras convenientes: nós, os adultos, não  lemos  tudo o que nos cai nas
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oferecer uma selecção das  leituras convenientes: nós, os adultos, não  lemos  tudo o que nos cai nas
mãos. Gostamos de escolher. (17)
Daniel Pennac,  no  seu  livro Como um Romance,  transcreve  o  seguinte  diálogo  acerca  do  pouco  ou
nenhum entusiasmo dos alunos face à leitura:
Em resumo, não lêem. 
Não. 
Têm muitas solicitações. 
Pois é. (18) 
As solicitações são  imensas,  rodeando os adolescentes num círculo onde nem o  tempo para pensar
se lhes é oferecido. A culpa? Morreu solteira: «E se não é a televisão ou o consumismo universal, é a
invasão  electrónica;  e  se  a  culpa  não  é  dos  joguinhos  electrónicos,  é  da  escola:  a  aprendizagem
aberrante da  leitura,  o anacronismo dos programas, a  incompetência dos professores, a decrepitude
das instalações escolares, a falta de bibliotecas.» (19) Os alunos, «evidentemente, não gostam de ler.
Há  demasiado  vocabulário  nos  livros.  E  também  demasiadas  páginas.  Em  resumo,  há  demasiados
livros.» (20) Daniel Pennac descreve um caso concreto passado entre si e os seus alunos: «No início
do ano, costumo pedir aos meus alunos que descrevam uma biblioteca. Não uma biblioteca municipal,
mas o móvel. O sítio onde se arrumam os  livros. E eles descrevem­me uma parede. Uma falésia do
Saber,  rigorosamente  ordenada,  absolutamente  impenetrável,  um  muro  intransponível.»  (21)
Consideraque «o dever de educar consiste em ensinar as crianças a ler, iniciando­as na Literatura, em
dar­lhes os meios de  julgarem correctamente  se  sentem ou não a  "necessidade de  livros".»  (22) No
entanto, avisa que «Ler, aprende­se na escola. Amar a leitura...». (23) E o mais que está implícito nas
reticências.
2. ESTRATÉGIAS PARA A MOTIVAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DA LEITURA
Os Novos Programas apresentam os domínios OUVIR  / FALAR, LER e ESCREVER em três blocos
distintos  mas  pressupondo  uma  prática  integrada.  Segundo  os  seus  formuladores,  «os  conteúdos
actualizam  os  diferentes  domínios,  operacionalizando­se  num  processo  pedagógico  centrado  nos
alunos que, em interacção na turma, com o professor, constroem as suas aprendizagens.» (24)
No  domínio  do  LER,  são  apresentados  os  seguintes  objectivos  gerais: Aprofundar  o  gosto pessoal
pela  leitura. Contactar  com  textos  de  géneros  e  temas  variados  da  literatura  nacional  e  universal.
Desenvolver a competência da leitura: interagir com o universo textual, a partir da sua experiência e
conhecimento  do  mundo  e  da  sua  competência  linguística;  apropriar­se  de  estratégias  para  a
construção  de  sentidos.  Os  tipos  de  leitura  propostos  são  três:  leitura  recreativa;  leitura  orientada
(obras literárias dos diferentes géneros, outros textos); e leitura para informação e estudo.
Os  pressupostos  pedagógicos  são  interessantes,  mas  um  pouco  desfasados  da  realidade,  pois  não
são  apresentadas  formas  de  conseguir  os  resultados  idealizados:  «Ler  é  um  processo  universal  de
obtenção de significados. Cada leitor, a partir da sua experiência e conhecimento do mundo, interage
com  o  universo  textual,  desencadeia  estratégias  várias  para  elaborar  sentidos,  confirma  e  controla
pela leitura a justeza das estratégias que utilizou. Em grupo, a construção de sentidos pode alargar­se
pela expressão e negociação de interpretações que respeitem as características próprias de cada obra
e que valorizem aspectos contextuais. A escola deve ajudar o aluno a apropriar­se de estratégias que
lhe  permitam  aprofundar  a  relação  afectiva  e  intelectual  com  as  obras,  a  fim  de  que  possa  traçar,
progressivamente,  o  seu  próprio  percurso  enquanto  leitor  e  construir  a  sua  autonomia  face  ao
conhecimento.  Favorecer  o  gosto  de  ler  implica  que  a  instituição  escolar  proporcione  ocasiões  e
ambientes  favoráveis  à  leitura  silenciosa  e  individual  e  que  promova  a  leitura  de  obras  variadas  em
que  os  alunos  encontrem  respostas  para  as  suas  inquietações,  interesses  e  expectativas.  Ler  não
pode,  pois,  restringir­se  à  prática  exaustiva  da  análise,  quer  de  excertos,  quer  mesmo  de  obras
completas. O prazer de ler, a afirmação da identidade e o alargamento das experiências resultam das
projecções múltiplas do leitor nos universos textuais.» (25)
Maria  Victoria  Reyzábal  e  Pedro  Tenorio  entendem  que  compreender  textos,  reter  parcial  ou
completamente  a  sua  informação,  resumi­los,  relacioná­los  com outros,  aplicar  os  seus  conteúdos  a
diferentes situações, valorizá­los...,  são  requisitos que a nossa sociedade exige.  (26) Na  língua e na
literatura não se  têm só objectivos  receptivo/reprodutivos  (compreender, memorizar,  imitar, etc), mas
também produtivos  (relacionar,  transferir, valorizar, criar...). Haverá que demonstrar aos alunos que a
leitura  de  textos  literários  é  não  só  agradável, mas  útil.  A  capacidade  de  comunicar­se  plenamente
(isto é, ser bom emissor e bom receptor) vale tanto como um ou vários amigos. (27)
Em  geral,  nem  o  aluno  do  ensino  básico  nem  o  do  secundário,  nem  o  universitário  está
suficientemente motivado para a  leitura. Por que  razão? As grandes causas, segundo Maria Victoria
Reyzábal  e Pedro Tenorio  são:  1. A  sociedade actual  oferece outros produtos para os  tempos  livres
que requerem menos esforço. 2. As obras recomendadas e as técnicas de acesso não são adequadas
para a idade e interesses dos alunos (ora pela sua extensão, tema, estilo, ou complexidade).
Então, porquê e para quê será importante a inclusão da leitura nos currículos escolares? Segundo os
mesmos  autores,  a  leitura  contribui  para  a  formação  da  personalidade  e  promove  e  facilita  a
interacção  e  a  participação,  preparando  para  a  vida  em  constante  mudança,  ajudando  a  clarificar
crenças  e  valores,  desenvolvendo  a  sensibilidade  estética,  enriquecendo  a  capacidade  crítica,
aumentando a capacidade criadora, etc. Por  isso,  será necessário  fazer  com que a  leitura signifique
«escutar» com os olhos quando se quer, conseguir que o receptor se converta em co­autor,  já que «a
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«escutar» com os olhos quando se quer, conseguir que o receptor se converta em co­autor,  já que «a
arte liberta a recepção estética da sua passividade contemplativa» (Jauss, H.R.: 1986, 108); ou, como
assinalou Valéry, implica passar de observador contemplativo a observador poético. (28)
Na  verdade,  a  leitura  de  diferentes  textos  ajuda  a  corrigir  a  tentação  da  verdade  absoluta,  tão
empobrecedora  para  o  conhecimento.  Tendemos  a  viver  num mundo  de  certezas,  de  solidez,  onde
temos  a  convicção  de  que  as  coisas  são  da  maneira  que  as  vemos.  Os  leitores  põem  em  jogo
processos  de  compreensão  diferentes  quando  lêem  distintos  tipos  de  texto.  Assim,  um  aspecto
importante  de  qualquer  aprendizagem  da  língua  consiste  em  adquirir  estratégias  para  ler  distintos
tipos  de  texto,  pois  a  compreensão  de  um  texto  exige  pelo menos  dois  processos  fundamentais:  a
decodificação do significado e a decodificação do significante. (29)
Maria Victoria Reyzábal e Pedro Tenorio perguntam­se se será conveniente dar a ler aos alunos obras
mestras  da  literatura.  Inicialmente,  crêem  que  não,  pois  primeiro  as  crianças  terão  que  adquirir  o
hábito da  leitura,  para o que é  imprescindível  que gostem do que  lêem. Pouco a pouco, poder­se­á
guiá­las  até  outras  obras,  sem  esquecer  que  educar  não  é  unicamente  dar  aos  alunos  o  que  eles
gostam, mas  guiá­los  para  que  avancem e  progridam,  com o  fim  de  que  cheguem a  ser  indivíduos
responsáveis, capazes de realizar bem uma tarefa. Por outro lado, um salto na aprendizagem infantil
se  produz  quando  a  criança  deixa  de  acreditar  na  história,  porque  compreendeu  que  é  apenas  uma
história. Diferenciar ficção e realidade permite a aprendizagem mediante a exploração vital simulada e
evita a evasão em que caem certos leitores ingénuos, por exemplo, de novelas sentimentais, eróticas
ou de aventuras. (30)
Para  fomentar  o  hábito  e  o  gosto  pela  leitura,  convém  que  esta  comece  antes  de  que  a  criança
saibam  ler.  Aos mais  pequenos  há  que  ler­lhes  e  comentar­lhes  obras  adequadas  para  a  sua  idade
(seleccionadas quanto ao que dizem e como dizem) para que conheçam a tradição popular, fantasiem,
sonhem  com  lugares  remotos  ou  aventuras  utópicas  e  constatem  realidades  próximas.  Ler  implica
realizar uma actividade criadora, é conversar com outros. Uma boa obra diverte­nos, humaniza­nos; há
que  recordar,  neste  sentido,  que múltiplos  estudos  corroboram que  a  capacidade  da  leitura  redunda
em benefício da faculdade global de aprender. (31)
No 1º e 2º  ciclo do ensino básico  (dos 6 aos 12 anos) é  fácil  assumir que poucas das consideradas
obras mestras poderão ser compreendidas e apreciadas pelas crianças. A criança deve viver a leitura,
meter­se  na  história,  identificar­se  com  as  personagens,  sentir­se  implicado  na  intriga  (se  a  tiver).
Pouco a pouco, na adolescência e na juventude (etapas secundária e universitária), enquanto ampliam
os  seus  conhecimentos  linguísticos  e  aprofundam  a  sua  observação  ereflexão  sobre  a  língua,  os
alunos poderão reconhecer e valorizar os aspectos literários. O que os professores devem conseguir é
que eles estabeleçam um diálogo emotivo, compreensivo, crítico e criativo com as obras literárias para
que leiam com proveito e gosto. A selecção que se faz dos livros deveria ter em conta a qualidade dos
mesmos,  inclusivamente  como  objectos  materiais.  Também  há  que  cuidar  das  adaptações  dos
clássicos  ou  as  traduções,  se  se  trabalhar  com  algum  texto  escrito  originalmente  noutra  língua.
Convém que  os  textos  sejam  variados,  tanto  realistas  como  fantásticos,  clássicos  ou  vanguardistas.
(32)
A  leitura  exige,  pelo  menos  no  início,  solidão,  concentração,  silêncio,  mas  mais  tarde  pode  ser
compartilhada e debatida com os companheiros. As preferências variam com a idade, o sexo, o meio,
o nível educativo e as características sócio­culturais. A  literatura contemporânea garante a existência
de  múltiplas  possibilidades  como  opção.  O  professor  deve  realizar  a  selecção  das  obras  tendo  em
conta os interesses e as capacidades dos estudantes, e mostrar que qualquer grande obra é formada
por  um  entrelaçado  subtil  de  registos  linguísticos  e  literários,  em  que  cabem  paixões,  gostos,
ideologias, esperanças, contradições, etc, e que portanto  resume o pior e o melhor  de uma época e
de um povo. (33)
Os docentes devem ter em conta a ideologia implícita ou explícita das obras que se vão trabalhar na
aula.  Não  educaremos  no  respeito,  na  tolerância,  na  desmitificação  de  preconceitos  racistas  ou
sexistas,  se  elegemos  textos  com heróis  solitários  e  violentos,  ou  onde  o  homem branco  e  rico  é  o
bom, enquanto a mulher realiza exclusivamente as tarefas de casa; nas que os negros ou os ciganos
são  delinquentes,  analfabetos,  ou  nas  que  se  castiga  insensivelmente  os  animais,  se  destrói  a
natureza, etc. Este  tipo de  leituras exige uma análise crítica séria e nunca manipuladora, que  tenha
em conta que os valores de uma pessoa são o resultado de uma soma de experiências. (34)
Na aula há que procurar estratégias motivadoras de conduzir para a leitura. Seria interessante que, às
vezes,  os  professores,  narrassem  contos  oralmente  e  lessem  sempre  com  o  ritmo  e  a  entoação
adequados,  dinamizassem  dramatizações  na  sala,  promovessem  debates.  Para  desenvolver  as
destrezas  relacionadas  com  a  leitura  compreensiva  continua  a  ser  imprescindível  a  técnica  do
comentário do texto. (35)
Ler traz consigo descoberta, comunicação com um amigo, possibilidade de nos conhecermos melhor a
nós mesmos e enriquecimento intelectual. Hoje, o livro é um objecto economicamente mais acessível
do  que noutras  épocas,  é  agradável,  atraente  e,  ainda que  tenha  competidores  poderosos  (revistas,
jornais,  rádio,  televisão,  vídeo,  jogos  de  computador,  música,  desporto...),  mantém  ainda  um
reconhecido lugar de privilégio em aspectos fundamentais. (36)
Maria  Victoria  Reyzábal  e  Pedro  Tenorio  colocam  as  seguintes  questões:  Os  alunos  sabem  ler?
Extraem as ideias principais de um texto ou captam apenas a intriga? Reconhecem recursos, técnicas,
partes da obra? A leitura rápida de periódicos e a contemplação passiva da televisão pode acostumá­
los  a  uma  visão  superficial  que  os  desvia  da  atenção  consciente  que  exige  um  livro.  Junto  ao
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los  a  uma  visão  superficial  que  os  desvia  da  atenção  consciente  que  exige  um  livro.  Junto  ao
comentário  do  texto  e  através  da  utilização  sistemática  e  rigorosa  de  técnicas  de  escrita,  os  alunos
recriarão as obras do autor ou criarão as próprias, para não ficarem em meros receptores, recordando
que,  se  não  se  é  bom  emissor,  também  não  se  é  bom  receptor,  pois  sem  esta  prática  nunca  se
chegaria a constatar certas dificuldades nem a poder imitar o melhor dos outros. O código de um texto
literário  será  inacessível  e  a  sua  mensagem  estética  fica  velada  para  um  receptor  que  não  tenha
aprendido a decodificar a complexidade deste sistema especial de signos. A decodificação da obra de
arte enquanto unicidade assemelha­se ao decifrar de um código secreto. (37)
Maria Victoria Reyzábal e Pedro Tenorio  vêem a  leitura «como  fuente enriquecedora que expande y
profundiza la personalidad de los jóvenes cuando se la reelabora y se la hace propia. Leer literatura es
una manera de jugar seriamente, pues los mundos de ficción que propone implican un juicio sobre el
real,  mostrando,  además,  otras  posibilidades  y  diferentes  alternativas,  sin  necesidad  de  recitar
moralejas  o  declinar  apologías.  El  que  lee  participa  cognitiva,  emotiva  e  imaginativamente  del
discurso de la humanidad». (38)
Os  professores  têm  um  papel  fundamental  ao  longo  deste  processo,  programando,  seleccionando,
dialogando,  orientando,  explicando  e  assumindo  as  condutas  como  falantes,  ouvintes,  leitores  e
inclusivamente como humildes escritores. A aula de Língua e Literatura deve ser activa, significativa
(todos os assuntos de interesse cabem nela), criativa, lúdica, formativa, sempre teórico­prática, o que
a converterá numa aula atractiva e proveitosa para os alunos. (39)
Tanto  a  leitura  como  a  escrita  implicam  actividades  cognitivas  complexas.  Em  ambos  os  casos  o
estudante deve assumir um papel participativo, crítico e criador. Para  ler compreensivamente há que
relacionar  o  que diz  o  texto  com o que  já  se  sabe,  avaliar  os novos dados  segundo aqueles que  se
possui, considerar o conjunto, reformular os conteúdos anteriores. Por isso, há que indicar aos alunos
os objectivos a perseguir com cada  tarefa concreta, aplanar­lhes obstáculos sem evitar que superem
por si as dificuldades, orientá­los para que se fixem nos aspectos oportunos, dado que a leitura não é
um mero  decifrar  de  grafias,  mas  exige  pôr  em  jogo  todos  os  conhecimentos.  Quanto  maior  for  a
formação e a sensibilidade, melhor e mais rica será a compreensão. Ler ajuda a falar, a escrever e a
viver melhor. A leitura serve para enriquecer o léxico, colabora na melhor compreensão da cultura em
geral  e  das  artes  em  particular;  fomenta  a  fantasia,  agudiza  a  visão  crítica,  desenvolve  o  gosto
estético,  motiva  para  outros  saberes,  resultando  especialmente  adequada  para  a  aquisição  de
capacidades e reconhecimento de normas. (40)
Ler implica uma técnica. É uma aptidão, mas também uma arte. O seu encanto não se extingue com
os anos, mas aumenta e, se é verdade que o pensamento e a linguagem se desenvolvem juntos, e na
medida em que esse desenvolvimento facilita a regulação da conduta, a leitura e a escrita podem ser
uma  escola  de  civismo,  de  tolerância,  de  participação,  de  compromisso  com  a  natureza,  com  o
património cultural e, fundamentalmente, com uma vida melhor, de maneira que façamos realidade as
palavras de Flaubert:  «Lede para viver».  (41) A  leitura pode  funcionar  como prazer  lúdico:  se a arte
cumpre uma função social e pessoal, é porque não pode impor­se como obrigatória, nem defender­se
com dogmas ou rebater­se através da lógica. Não satisfaz necessidades materiais, mas as mais altas
exigências lúdicas enquanto estéticas. (42)
É necessária a competência  textual, a qual supõe  também a competência  intertextual. Todo o  leitor,
ao  ler  ou  ouvir  um  texto,  tem  sempre  em  conta  a  experiência  que,  enquanto  leitor,  tem  de  outros
textos.  (43)  Entender  o  que  diz  um  texto,  o  que  implica  uma  leitura  compreensiva  do  conteúdo,  é
fundamental mas não é suficiente, e sem dúvida isto é o que se tem vindo a fazer até agora. Há que
saber  ler  a  forma  do  texto  para  que  este  sirva  como  modelo  a  imitar,  o  qual  implica  uma  análise
significativa, não só do significado, mas também do significanteno sentido amplo. (44)
É  importante que o aluno faça o  intercâmbio entre o papel de emissor e receptor,  isto é, que não só
aprenda  a  ler  textos,  mas  também  que  aprenda  a  produzir  textos  (orais  e  escritos,  literários  e  não
literários) e que o estudo da língua e da literatura não seja meramente gramatical ou historicista. Pois
estas opções baseiam­se geralmente na memorização de dados ou regras prescritivas, apoiadas num
modelo  de  língua  ideal,  isto  é,  não  real  (correcção  em  ortografia,  léxico,  morfo­sintaxe...)  e,  na
prática, a aula converte­se numa explicação da norma, com exemplo correspondente e os exercícios
mais ou menos mecânicos necessários para a sua fixação. (45)
Ler  compreensivamente  e  escrever  adequadamente  serve  como  aprendizagem  linguístico­literária,
mas também como ferramenta básica para a aquisição dos conteúdos das outras disciplinas (aplicável
não só na leitura de qualquer tipo de enunciados, mas também na elaboração de resumos, resenhas,
notas, fichas, esquemas, registos, etc). (46)
Mediante as interpretações e as produções, ajudamos a que os sujeitos confirmem ou modifiquem os
seus  próprios  pontos  de  vista  pessoais  e  sociais.  Há  que  ter  em  conta  que  para  a  compreensão  /
recepção  de  textos  se  põem em  jogo  aspectos  tão  complexos  como:  as  experiências  vitais  de  cada
emissor  e  receptor;  a  intenção  comunicativa  do  falante;  o  caudal  linguístico  de  cada  emissor  e
receptor; a adaptação da mensagem ao receptor. (47)
Cada  professor  consegue  que  os  alunos  acedam  à  literatura  de  diferentes maneiras.  Cada  docente
tem uma história pessoal e profissional distinta e  também preferências próprias. Mas  todos estamos
de acordo em que o ensino / aprendizagem da literatura não pode consistir num processo passivo. As
investigações mais  recentes  revelam  a  importância  de  correlacionar  o  ensino  da  leitura  e  da  escrita
para que se reforcem entre si. Estes processos não devem ensinar­se como questões independentes.
Muitos professores ainda crêem que se aprende a escrever lendo apenas e isso não é correcto. (48)
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Muitos professores ainda crêem que se aprende a escrever lendo apenas e isso não é correcto. (48)
Jacinto do Prado Coelho, no capítulo intitulado «Como ensinar literatura» da sua obra Ao Contrário de
Penélope, apresenta uma forma menos pesada de orientar a leitura nas escolas: «Em vez de forçar o
aluno  (quantas vezes, ainda por  cima,  culpando­o dos maus  resultados!) a  subordinar­se à  rotina do
ensino,  devemos  adjectivar  este  ao  aluno,  adaptá­lo  às  virtualidades  do  aluno,  às  suas  íntimas
ambições  e  às  suas  carências.  Parece­me  saudável  voltarmos  a  perguntar,  de  quando  em  quando:
Para que  lhe  serve  a  literatura? Quais  as  obras  que melhor  correspondem à  sua  inteligência,  à  sua
sensibilidade, às suas interrogações profundas, aos seus anseios? Será imperioso ensinar­lhe (?) toda
a  literatura  portuguesa,  todos  os  autores  de  uma  tradição  de  barbas  brancas  considerada
indispensável (...)?» (49)
Para  este  ensaísta  português,  as  disciplinas  literárias  «devem,  acima  de  tudo,  ensinar  a  ler  e
despertar  nos  alunos  a  fome  da  leitura.  Ler  com  inteligência  e  finura,  ler  criticamente  é  uma  arte
difícil.» (50) «Uma leitura vagarosa, atenta, repetida, uma impregnação e depois um distanciamento,
numa  tentativa de  juízo global quando possível  fundamentado eis o exemplo a  inculcar.»  (51) «Uma
obra literária existe para ser lida e ler é interpretar, o bom leitor é como um bom executante. Não será
por  incapacidade de ler que alguns professores de literatura falham na missão primacial de ensinar a
ler e fomentar o gosto da leitura?» (52)
Será que um professor poderá ensinar os alunos a  lerem? Jacinto Prado Coelho considera que sim,
embora entenda o ensinar a ler de uma forma não condizente com o que normalmente se pensa e se
faz: «Ensinar a ler (a ler integralmente e em profundidade) eis, repito, em qualquer grau de ensino, o
objectivo fundamental das disciplinas literárias. Mas, sendo a leitura condicionada pela subjectividade
de cada  leitor, poderá efectivamente o professor ensinar a  ler? Até  que  ponto  e  sob  que  reservas?»
(53)  E  procura  dar  uma  resposta:  «ensinar  a  ler  consiste  em  facultar  instrumentos  mentais  para  a
análise de textos e em exercícios de análise». (54)
No entanto,  a  interpretação pessoal  e  quase  sempre  subjectiva  dos  textos  não  se  pode ensinar:  «A
partir  de  certo momento,  quando  da  análise  se  transita  para  a  crítica,  o  professor  não  ensina  a  ler
porque  as  leituras  possíveis,  legítimas,  são  em  número  indefinido;  falha  a  sua missão  de  professor
que impõe a sua leitura como padrão irrevogável. Então, a actividade docente consistirá em ajudar a
aprender a ler, sendo a aprendizagem tarefa de cada um, na continuidade de experiências e tentativas
pessoais.  A  leitura  do  professor  funcionará  apenas  como  exemplo  duma  leitura  possível,  estímulo
para outras leituras em que cada aluno ponha em acção inteligência, memória, sensibilidade. O apelo
à  personalidade  radical  e  intransmissível  irrompe  do  texto  literário  e  prolonga­se  no  diálogo
pedagógico,  pelo  confronto  de  reacções.  Daí  as  virtualidades  formativas  do  estudo  da  literatura
devidamente  orientado  convite  incessante  para  uma  autognose,  um  enriquecimento  interior  e  o
exercício dum espírito independente.» (55)
Maria Vitalina Leal de Matos entende que «o ensino da literatura é, em rigor, impossível, pela simples
razão  de  que  a  experiência  não  se  ensina.  Faz­se. Mas  podem e  devem criar­se  as  condições  para
essa experiência:  removendo obstáculos e proporcionando ocasiões. Neste sentido, um programa de
alguma extensão ou  com certa  variedade  tem vantagem sobre  outro  de  índole monográfica,  porque
proporciona mais  ocasiões de encontro. Não  se  sobrevaloriza a quantidade; mas o aluno que não é
sensibilizado  por  uma  obra  pode  sintonizar  com  outra,  ser  por  ela  interrogado  ou  comovido».  (56)
Maria Andersen  de  Sousa  Tavares  aconselha  que,  «quem  vai  iniciar  crianças  na  prática  e  gosto  da
leitura, deve ser alguém que  tem esse gosto e hábito. Aliás só poderá discernir o que no âmbito do
literário  convém  às  crianças  com  quem  trabalha  quem  da  Literatura  tenha  uma  viva  experiência  de
leitor». (57)
3. O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DA LEITURA
As crianças geralmente não aprendem a ler antes do início da escolaridade obrigatória, isto é, a partir
dos seis anos de idade. A forma como será iniciada essa aprendizagem é de sobremaneira importante
para se tornar ou não num leitor competente e motivado. Exporemos agora algumas particularidades
a ter em conta quando da iniciação dessa actividade.
Segundo Fátima Sequeira, «a  leitura é um processo activo, auto­dirigido por um  leitor que extrai do
texto  (considerado  aqui  não  só  como  página  escrita, mas  também  como  combinações  de  imagens,
diagramas,  gráficos,  etc.)  um  significado  que  foi  previamente  codificado  por  um  emissor.»  (58)  E
acrescenta:  «Visto  que  o  objectivo  final  da  leitura  é  a  comunicação  e  esta  só  se  faz  através  da
compreensão, é sobre esta que devem incidir todas as estratégias usadas pelo leitor.» (59)
A principal estratégia a utilizar «é a que consiste em predizer ou antecipar o significado de um texto.
Segundo Kenneth Goodman ler "is a psycholinguistic guessing game" (1967), visto que o pensamento
e a  linguagem estão envolvidos em transacções negociadas em termos de adaptações mútuas. Para
Frank  Smith  (1978),  a  base  de  toda  a  compreensão  é  a  previsão  ou  antecipação.»  (60)  De  facto,
«num processo de leitura, o  leitor,  tendo em conta a sua experiência cultural e  linguística, antecipa otexto  do  ponto  de  vista  fonológico,  lexical  e  semântico.  É  evidente  que  quanto  maior  for  o  seu
domínio da língua falada, quanto maior for o conhecimento e o interesse do texto, mais sinais o leitor
possui para poder antecipar significados de letras e palavras conducentes a uma leitura mais rápida e
compreensiva. Ao predizer palavras e ideias, o leitor experimenta algumas dificuldades ou obstáculos
que tentará resolver  formulando hipóteses sobre o que o  texto dirá nas palavras ou  frases seguintes.
Ao  verificar  o  significado  do  texto,  pela  compreensão  da  leitura  subsequente,  as  hipóteses  serão
confirmadas ou rejeitadas.» (61)
Diz­nos  ainda  Fátima  Sequeira  que  «uma  das  componentes  essenciais  no  processo  de  leitura  é  o
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Diz­nos  ainda  Fátima  Sequeira  que  «uma  das  componentes  essenciais  no  processo  de  leitura  é  o
símbolo gráfico. O modo como o  leitor o vê e como ele vai extrair significado desses símbolos, que,
no  início de uma aprendizagem da  leitura, não têm referente e apresentam­se por  isso mais difíceis,
são  problemas  que  a  criança  precisa  de  solucionar  e  para  os  quais  necessita  de  maturidade
intelectual.» (62) A orientação é uma das capacidades «que é importante dominar para o sucesso no
desenvolvimento cognitivo e na leitura. A criança necessita de saber que na página impressa o código
se deve ler da esquerda para a direita e desde o topo da página.» (63) Isto porque «esta capacidade
está  relacionada  com  conceitos  de  direcção  e  de  ordem,  representando  esta  última  uma  das
capacidades  cognitivas mais  importantes  no  processo  da  leitura.»  (64)  «O  conceito  de  ordenação  é
necessário para a sequência de letras, palavras, ideias. Para um adulto a palavra mala não representa
o mesmo que a palavra  lama, mas  se  uma  criança  não  possui  o  conceito  de  ordenação,  é  possível
que  para  ela  as  duas  palavras  signifiquem  o  mesmo  uma  vez  que  nos  dois  conjuntos  existem  as
mesmas  letras.»  (65)  Tanto  a  orientação  como  a  ordenação  «têm  sido  estudadas  como  requisitos
fundamentais para a decifração e compreensão na  leitura. As duas tarefas estão relacionadas com a
organização do pensamento espacial, que se desenrola em  três  fases: a)  tipológica  (os objectos são
observados como idênticos se puderem ser decalcados uns nos outros); b) projectiva (os objectos são
interpretados  segundo  a  orientação:  frente,  atrás,  direita,  esquerda);  c)  euclideana  (os  objectos  são
interpretados segundo um sistema coordenado e abstracto, vertical e horizontal), (Ternes, l974).» (66)
Kenneth S. Goodman diz que «aprender a ler começa com o desenvolvimento do sentido das funções
da linguagem escrita. Ler é buscar significado, e o leitor deve ter um propósito para buscar significado
num texto.» (67) Para este autor, «aprender a ler implica o desenvolvimento de estratégias para obter
sentido do  texto.  Implica o desenvolvimento de esquemas acerca da  informação que é  representada
nos  textos.  Isto  somente  pode  ocorrer  se  os  leitores  principiantes  estiverem  respondendo  a  textos
significativos que se mostram interessantes e têm sentido para eles.» (68)
A leitura é apresentada como sendo composta de quatro ciclos, «começando com um ciclo óptico, que
passa  a  um  ciclo  perceptual,  daí  a  um  ciclo  gramatical,  e  termina,  finalmente,  com  um  ciclo  de
significado. Mas à medida que a leitura progride, segue­se outra série de ciclos, e logo outra e outra.
De  tal modo  que  cada  ciclo  segue  e  precede  outro  ciclo,  até  que  o  leitor  se  detenha  ou  até  que  a
leitura tenha chegado ao final.» (69)
O  objectivo  principal  do  leitor  é  o  de  «obter  o  sentido  do  texto.  A  atenção  está  focalizada  no
significado, e tudo o que há além disso (tal como letras palavras ou gramática) apenas recebe atenção
plena quando o leitor encontra dificuldade na obtenção do significado. Cada ciclo é uma sondagem e
pode  não  ser  completado  se  o  leitor  for  directamente  ao  encontro  do  significado.  Em  uma  leitura
realmente  eficiente,  necessitam­se  poucos  ciclos  para  completá­la  antes  que  o  leitor  obtenha
significado.  Porém,  retrospectivamente,  o  leitor  saberá  qual  é  a  estrutura  da  oração  e  quais  são  as
palavras  e  letras,  porque  terá  conhecido  o  significado,  e  isto  criará  a  impressão  de  que  as  palavras
foram conhecidas antes do significado. Em um sentido real, o leitor está saltando constantemente em
direcção às conclusões.» (70) A procura do significado é, para Kenneth S. Goodman, «a característica
mais  importante  do  processo  de  leitura,  e  é  no  ciclo  semântico  que  tudo  adquire  seu  valor.  O
significado  é  construído  enquanto  se  lê,  mas  também  é  reconstruído,  uma  vez  que  devemos
acomodar  continuamente  nova  informação e  adaptar  nosso  sentido  de  significado  em  formação. No
decorrer da leitura de um texto, e inclusive logo após a leitura, o leitor está continuamente reavaliando
o  significado  e  reconstruindo­o,  na medida  em  que  obtém  novas  percepções. A  leitura  é,  pois,  um
processo dinâmico muito activo.» (71)
O  meio  social  onde  a  criança  vive  e  se  desenvolve  é  de  grande  importância  para  o  sucesso  da
aprendizagem e do desenvolvimento  leitura. «O  facto de a criança  ler, em primeiro  lugar,  textos que
são significativos para ela,  leva­nos a considerar a motivação e o meio onde a criança se movimenta
como  factores  importantes  no  sucesso  da  leitura.  Os  pais,  a  casa,  a  comunidade,  a  biblioteca,  os
órgãos de comunicação social afectam o sucesso escolar da criança e consequentemente o seu êxito
na  leitura.  As  oportunidades  culturais  que  a  casa  lhe  oferece  com  livros,  revistas,  jornais,  jogos  e
espaços  com alguma privacidade para a  criança,  despertam nesta  a  necessidade e  o  interesse pela
leitura.»  (72) Por outro  lado, «os pais que  lêem,  respondem a perguntas,  estimulam a  resolução de
problemas,  dão  sugestões,  apreciam  as  discussões,  são  pais  que  proporcionam  aos  filhos  um
ambiente ideal para a imersão no livro.» (73) «As comunidades que dinamizam a biblioteca pública e
incentivam  a  sua  frequência,  fazem  feiras  e  exposições  do  livro,  proporcionando  uma  comunicação
social  em  que  o  livro  é  fonte  de  conhecimento  e  de  prazer,  estão  a  legar  às  suas  crianças  a maior
dádiva que poderá fazer delas cidadãos conscientes, cultos e responsáveis.» (74)
John Carroll apresenta a seguinte análise da tarefa da leitura: A leitura requer, da parte do leitor, um
conhecimento  da  língua  que  ele  vai  ler.  A  leitura  requer  a  capacidade  de  entender  que  as  palavras
escritas são análogas às palavras orais. A  leitura requer a capacidade de separar as palavras faladas
nos  sons  que  as  compõem  e  juntá­las  de  novo.  A  leitura  requer  a  competência  para  reconhecer  e
discriminar  letras e grafemas nas suas formas variadas (maiúsculas, minúsculas,  impressas, cursivas,
etc). A leitura requer a capacidade de proceder, num texto, da esquerda para a direita e de cima para
baixo. A leitura requer competência para compreender, inferir, avaliar o texto que se decifra. (75)
Frank Smith pergunta qual será o melhor método de ensinar a ler: «What is the best way to teaching
reading? Tell me what you would do if you had to face thirty – five kids in a reading class on Monday
morning?  (...) The only  reasonable  response  to  such a blanket question  is  rather  Impolite:  "If  I were
really responsible for teaching reading to thirty – five children on Monday morning, I would make sure I
knew enough about reading in general and about those children in particular that I would never have to
ask an outsider such a question.» (76)
No ensino Secundário, o desenvolvimento da leitura implica outras estratégias,na medida em que os
objectivos  a  alcançar  são  mais  complexos.  Maria  de  Lourdes  Sousa  estudou  esta  problemática  e
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objectivos  a  alcançar  são  mais  complexos.  Maria  de  Lourdes  Sousa  estudou  esta  problemática  e
procurou  formular  alguns  pressupostos  que  a  ajudam  a  esclarecer.  Diz  a  autora:  «Falar  da
aprendizagem  da  leitura,  em  um  nível  de  ensino  como  o  Secundário,  pressupõe  considerá­la  como
uma área de conhecimento passível de se dividir em planos constituintes, de se submeter à definição
de  objectivos  operacionais  manifestáveis  em  comportamentos  e,  neste  sentido,  capazes  de  serem
avaliados.»>77 «Por  isso»,  continua, «a definição, para os 7º e 8º anos, de um objectivo,  com uma
designação  tão  genérica,  como  "interpretar",  não  distinguindo  o  que  se  faz  em  cada  ano  de
escolaridade,  bem como o  que  se  faz  de  aula  para  aula,  não  parece  suficiente  enquanto  orientador
das actividades que se desenvolvem à volta de textos, na aula de Português. Se tanto a perspectiva
que  considera  a  compreensão  como  processo  unitário,  como  a  que  a  toma  como  um  derivado
complexo da actuação de capacidades e sub­capacidades distintas, são ainda objecto de discussão e
análise, a adopção, em situação pedagógica, da primeira, levanta alguns problemas.» (78)
Um dos problemas é a de a leitura ser «um processo cujo funcionamento varia, não só de acordo com
a natureza do discurso sobre que se realiza, mas também, em função das características do leitor (dos
seus  objectivos  para  a  actividade,  das  suas  crenças,  valores  e  dos  seus  conhecimentos  prévios).
Depende destes prioritariamente porque, apesar das diferenças estruturais que permitem agrupar os
textos  em  tipologias,  há,  entre  todos  eles  uma  característica  comum:  na  sua  superfície,  na
materialidade  de  palavras  e  espaços  que  se  apresentam  aos  olhos  do  leitor,  os  sentidos  apenas  se
encontram em estado virtual à espera que alguém os actualize. Todo o texto é uma rede complexa de
pressupostos  (referenciais  semânticos,  pragmáticos)  que  funciona,  não  só  por  uma  questão  de
economia,  mas  também,  em  favor  de  uma  relativa  liberdade  interpretativa.  O  estado  de  um  texto,
mesmo daqueles  em que  predomina  uma  função  didascálica,  é,  poderemos dizer,  de  incompletude,
exigindo na  sua  compreensão o  recurso a movimentos de  cooperação que o  encham de  sentido/s.»
(79)  É  fundamental  que  o  leitor  recorra  «a  todo  um  conjunto  de  conhecimentos,  tanto  de  natureza
linguística, como não linguística, (conhecimentos do mundo, resultados de experiências, etc.).» (80)
Maria de Lourdes Sousa considera que «não há um dia mágico em que passamos de aprendizes de
leitura a  leitores. Aprender a  ler é uma questão de desenvolvimento e, por  isso, quanto mais  lemos,
melhor lemos, porque mais palavras e seus valores se reconhecem, mais pistas contextuais sabemos
usar,  mais  relações  podemos  estabelecer,  em  suma,  porque  mais  sabemos.  A  natureza  complexa
desta  interacção  estratégica  entre  texto  e  leitor  torna­se  evidente  quando  comparamos  "bons"  e
"maus"  leitores.  Os  trabalhos  experimentais  levados  a  cabo  para  os  distinguir  apontam  para  uma
maior capacidade dos primeiros em proceder a antecipações de sentido, a formular e, posteriormente,
confirmar  ou  corrigir  hipóteses,  mais  do  que  em  se  preocuparem  com  a  decodificação  palavra  a
palavra,  numa  linearidade  que  impede  a  integração  e  reconstrução  do  sentido  global.  O  leitor
competente será aquele que é capaz de "ver", de antecipar, relações sintácticas, valores semânticos,
acontecimentos, etc, mesmo antes de completar os ciclos óptico e perceptivo, mas terminando com a
sensação  de  ter  visto  cada  traço  gráfico,  ter  identificado  cada  forma  e  palavra.  Esta  activação  de
estratégias cognitivas, de amostragem e selecção,  inferência, antecipação e confirmação/infirmação,
que  funcionam  numa  sequência  espiralada,  em  que  cada  uma  é  determinada  e  determina  a  outra,
leva  Goodman  (l967)  a  caracterizar  a  leitura  como  "um  jogo  psicolinguístico  de  adivinhação"  (a
psycholinguistic guessing game). (81)
No  entanto,  «a  formulação  de  hipóteses,  as  antecipações  (bases  da  inferência)  não  são  apenas
características  do  leitor  competente.  Qualquer  leitor  possui  para  a  informação  que  processa  um
conjunto  de  alternativas  que  lhe  permite  antecipar  quer  sentidos,  quer  acontecimentos  e  até  a
ocorrência  de  vocábulos. O que  caracteriza  a  leitura  deficiente  é  o  facto  de  não  se  proceder  a  uma
escolha que, à partida, tenha a máxima possibilidade de estar correcta.» (82)
Para Maria de Lourdes Sousa, «o perfil do  leitor competente desenha­se, então, a partir das  tarefas
em que se envolve e estratégias a que recorre no momento de ler. Em primeiro lugar e, em situação
"voluntária" de  leitura, os  indivíduos  têm uma qualquer  intenção para o  fazer; a sua  leitura será, por
isso mesmo, determinada por essa  intenção que pode variar desde o mero entretenimento, até uma
procura  de  informação  específica  com  vista  a  um  enriquecimento  pessoal,  ou  à  resolução  de  um
problema. É esta intenção que determinará o tipo de informação a ser seleccionada (a amostragem),
que  fará  activar  os  conhecimentos  prévios,  dos  quais  resultarão  as  inferências,  as  antecipações  e
permitirão o pleno entendimento do que está no  texto. Por outras palavras, o  leitor  iniciará  já a sua
leitura  de  forma  comprometida.  São  estas  primeiras  hipóteses  (sintácticas,  semânticas  e,
inclusivamente, sobre o género textual) que se vão confrontar com os enunciados seguintes; em caso
de não confirmação, têm lugar movimentos de regressão; se sim, continua­se a leitura em direcção a
uma hipótese cada vez mais próxima do sentido veiculado pelo texto.» (83)
Assim,  os  objectivos  para  a  aprendizagem  da  leitura  consistirão  «no  desenvolvimento  desta
capacidade estratégica, no desenvolvimento de diferentes tipos de leitura (consoante os fins [em] vista
e  os  textos  envolvidos),  mais  especificamente,  no  desenvolvimento  da  capacidade  de  usar  e
transformar,  com  base  no  texto,  os  conhecimentos  anteriores,  uma  vez  que  só  estes  permitirão
proceder  a  correctas  representações  mentais  do  que  se  lê.  Nesta  perspectiva,  não  ocorrerá  uma
representação  do  texto  uniformizada,  para  toda  a  turma.  Cada  aluno,  em  função  das  suas
características  linguísticas  e  experienciais  formará  a  sua  representação.  A  tarefa  do  professor
consistirá em demonstrar quais as  representações  legitimadas pelo  texto e as que não são. De uma
coisa  os  alunos  terão  de  ter  consciência,  é  que  as  interpretações  de  alguns  textos  podem  ser
múltiplas,  mas  devem  repercutir­se  umas  sobre  as  outras  não  se  excluindo,  mas,  pelo  contrário,
reforçando­se.» (84)
Como perseguir tais objectivos ao estudar­se um texto? «Uma abordagem global, como a que propõe
Françoise Grellet  (1984), pode contribuir para alcançar estes objectivos. Num primeiro momento,  far­
se­á  um  estudo  prévio  do  título,  extensão  e  figuras  se  as  houver),  procedendo­se,  de  seguida,  à
formulação de hipóteses sobre os conteúdos e  finalidades comunicativas do  texto; de  igual modo se
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formulação de hipóteses sobre os conteúdos e  finalidades comunicativas do  texto; de  igual modo se
poderá proceder à antecipação sobre onde se encontrará a confirmação dessas hipóteses; o segundo
passo  consiste  numa  primeira  leitura  silenciosa  para  confirmar  e,  se  caso  for,  corrigir  as  hipóteses
formuladas anteriormente; num terceiro momento, os alunos procedema uma outra leitura, agora de
pesquisa  minuciosa,  a  fim  de  encontrar  informação  específica  e  pertinente  para  a  sua  total
compreensão. Será neste momento que tem também lugar uma reflexão sobre o processo de leitura:
a  justificação  de  inferências,  a  distinção  de  informação  explícita,  implícita  e  pressuposta,  o  estudo
sobre a estrutura do texto e o seu valor comunicativo.» (85)
Para Maria de Lourdes Sousa,  «as perguntas  têm a  vantagem de guiar  os alunos para os aspectos
relevantes,  de  lhes  mostrar  onde  e  como  devem  procurar  a  informação,  de  os  manter  envolvidos
enquanto tentam responder, e,  também, de os forçar à utilização de estratégias que, de outro modo,
poderiam  nunca  vir  a  activar­se.  Com  as  suas  perguntas,  se  foram  seleccionadas  em  função  de
objectivos particulares,  o professor  sabe exactamente que movimentos os alunos estão a  fazer  para
compreender,  que  capacidades  têm  necessidade  de  desenvolver,  que  conhecimentos  precisam  para
saber  ler.  No  entanto,  tal  como  as  conhecemos,  após  a  leitura  do  texto,  estes  objectivos  só  com
dificuldade  são  alcançados  e,  fundamentalmente,  por  duas  razões:  em  primeiro  lugar,  os  alunos  já
fizeram a  sua  interpretação  e  as  perguntas  vêm,  sobretudo,  testá­la. Dificilmente  um aluno  que  leu
um  texto  modificará,  pelas  perguntas  que  o  professor  vai  colocando  à  turma  e  não  só  a  ele,  a
interpretação  feita.  Talvez,  por  isso,  não  seja  raro  assistirmos  à  manutenção  de  uma  interpretação
literal,  por  parte  de  um aluno, mesmo depois  de  se  ter  corrigido  uma  resposta  que  a  invalidara. As
abordagens por perguntas  revelam­se produtivas quando obrigam o aluno a envolver­se activamente
na  pesquisa  da  resposta,  se  servirem  de  orientadoras  da  primeira  interpretação. Aliás,  é  com  este
entendimento que encontramos referências aos métodos de questionário.» (86)
As  actividades  que  desenvolvem  tais  capacidades  de  leitura  autónoma  podem  ser  organizadas,
segundo Maria de Lourdes Sousa, à volta de dois grandes tipos:
.exercícios de leitura intensiva
e
. exercícios de leitura extensiva
«Os  primeiros  recorrem,  principalmente,  a  trechos  e  consistem  em  actividades  focalizadas  no
desenvolvimento  de  determinadas  capacidades  como,  por  exemplo,  "reconhecer  os mecanismos  de
coesão  lexical"  (pelo  reconhecimento  das  expressões  que  no  texto  têm  o  mesmo  referente);
"identificar  operadores  que marcam  a  organização  discursiva"  (por  exemplo,  os  que  têm  por  função
especificar, como: nomeadamente, isto é, etc...); ou "inferir sentidos (ou ideias)" (sempre que no texto
há  pressupostos  que  o  autor  espera  que  o  leitor  partilhe,  sempre  que  o  texto  exija  uma  leitura  das
entrelinhas). O objectivo deste tipo de exercícios é chegar a uma compreensão detalhada e profunda
do  texto,  não  só  do  que  ele  significa,  mas  também  do  modo  como  o  sentido  é  organizado.»  (87)
Quanto  aos  exercícios  de  leitura  extensiva,  «envolvendo  textos  de  maior  amplitude,  têm  como
objectivo uma  leitura por prazer, e, neste sentido, não são  tão acompanhados pelo professor ou por
tarefas micro­estruturais, ainda que elas possam e devam ocorrer.» (88)
Maria  de  Lourdes  Sousa  apresenta  uma  listagem  exemplificativa  de  algumas  das  finalidades  da
leitura:  «Usar  diferentes  velocidades  de  leitura  (detalhada  ou  superficial)  consoante  as  finalidades  e
tipos  de  texto;  Adquirir  vocabulário  e  dados  factuais  relacionados  com  o  texto;  Distinguir  entre
vocabulário e conceitos  fundamentais e dispensáveis para a compreensão; Utilizar a  informação não­
verbal  (se  esta  acompanhar  o  texto),  para  melhor  o  compreender;  Identificar,  por  movimentos  de
pesquisa  retrospectiva e prospectiva, o sentido de palavras e expressões explicitadas: por exemplos,
por descrições e definições, por pistas contextuais, como caracterização de personagens, ambientes,
atitudes,  etc.; Reconhecer  e  justificar  o  valor  e  os  usos  de  expressões  retóricas  e  estilísticas;  Inferir
sentidos  pelo  contexto;  Distinguir  entre  informação  implícita  e  explícita,  factos  e  opiniões,  geral  e
particular;  Relacionar  informação  textual  com  a  do  reportório  cognitivo  pessoal;  Identificar  causas,
consequências  e  outros  tipos  de  relações  lógicas  que  se  estabelecem  entre  factos,  estruturas,
resultados, etc.; Formular juízos de valor; Identificar o tópico; Resumir; ...» (89)
Todas  estas  finalidades  partilham  «dos mesmos  princípios  gerais  e  visam: Desenvolver  capacidades
de compreensão; Dar finalidades para a leitura escolar; Promover uma leitura com prazer.» (90) Para
consecução de  tais  intenções, Maria de Lourdes Sousa considera que «as actividades realizadas nas
aulas devem ser variadas, não só como  factor de motivação, mas, sobretudo, para envolver o  treino
de diferentes capacidades.» (91)
CONCLUSÃO
Eduardo Prado Coelho define com estas palavras o acto da leitura: «Ler é um infinitivo pessoal como
morrer  ou  amar:  é  entrar  num  espaço  onde  só  a  releitura  é  leitura.  Perto  de  um  tempo  outro,
destroçados os eixos da cronologia. Igual a uma boca nocturna que nos prenda. Não é apenas alinhar
os signos propostos no  fio mais saliente do discurso. Nem basta que  fiquemos enleados, enlodados,
no laço, lago, que as palavras, muitas, apertaram. Caminhamos para uma leitura em que as mesmas
palavras,  lidas,  abolidas,  delidas,  se  erguem,  no  seu  jogo  de  incidências,  marcas,  incisões,  para
fazerem de nós, aparentes leitores, um certo limiar, uma constelação de traços esboçados». (92)
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A leitura é uma actividade essencial no mundo civilizado. Não chega saber  ler,  isto é, decodificar um
alfabeto em palavras e frases mais ou menos compreensíveis. É necessário gostar de ler. E o gostar
de ler implica, não só obras técnicas e científicas, mas também, e principalmente, obras literárias. Se
uma criança  for, desde o berço, habituada a ouvir historietas  lidas ou contadas pelos pais; se ela  for
motivada e bem acompanhada na escola; se  lhe derem tempo, dentre o oceano das actividades que
lhe  impõem, para se encontrar consigo num quarto à  frente de um  livro,  talvez, quando crescer seja
um  adulto  que  ame  a  leitura.  Doutro  modo,  teremos  cidadãos  alfabetizados,  mas  extremamente
incultos e de uma enorme pobreza de espírito.
NOTAS:
1 Francisco José Viegas, «Não acredito em sondagens», Ler, nº24, Outono de 1993, p. 131.
2 Ibidem.
3 Ibidem.
4 Ibidem.
5 Ibidem.
6 Ibidem.
7 Ibidem.
8 Augusto Abelaira, «Saber ler», em Jornal de Letras, nº 602, Janeiro de 1994, p. 28.
9 Ibidem.
10 Ibidem.
11 Apud  Fernando  Venâncio,  «O  discernimento  literário»,  Jornal  de  Letras,  nº  596,  Dezembro  de
1993, p. 11.
12 Fernando Venâncio, op. cit.
13 Ibidem.
14 Francisco José Viegas, «Carta do Editor», revista Ler, nº23, Primavera de 1993, s/nº/p.
15 Ibidem.
16 Cf. Jaume Cela, e F. Mercé, Libros de Aliorna, Sugerencias para uma lectura creadora, Barcelona,
Aliorna, 1988, p. 4.
17 Cf. Ibidem.
18 Daniel Pennac (1992), Como um Romance, Porto, Edições Asa, 2ª ed., 1993, p. 76.
19 Ibidem, p. 28.
20 Ibidem, p. 103.
21 Ibidem, p. 133.
22 Ibidem, pp. 144, 145.
23 Ibidem, p. 76.
24 Novos Programas de Língua Portuguesa, 3º Ciclo do Ensino Básico, p. 49.
25 Ibidem, p. 56 (tirámos o sinal de parágrafo para maior comodidade na redacção).
26 Cf. Maria Victoria Reyzábal e Pedro Tenorio, El Aprendizaje Significativo de  la Literatura, Madrid,
Editorial La Muralla, 1992, p. 16.
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Editorial La Muralla, 1992, p. 16.
27 Cf. Ibidem, p. 17.
28 Cf. Ibidem, pp. 18, 19.
29 Cf. Ibidem, pp. 19, 20.
30 Cf. Ibidem, pp. 20, 21.
31 Cf. Ibidem,pp. 21, 22.
32 Cf. Ibidem, pp. 22, 23.
33 Cf. Ibidem, p. 23.
34 Cf. Ibidem, pp. 23, 24.
35 Cf. Ibidem, p. 24..
36 Cf. Ibidem, p. 25.
37 Cf. Ibidem, pp. 25, 26.
38 Ibidem, pp. 26, 27.
39 Cf. Ibidem, pp. 26, 27.
40 Cf. Ibidem, pp. 27, 28.
41 Cf. Ibidem, p. 28.
42 Cf. Ibidem, p. 30.
43 Cf. Ibidem, p. 39.
44 Cf. Ibidem, p. 41.
45 Cf. Ibidem, p. 43.
46 Cf. Ibidem, p. 44.
47 Cf. Ibidem, p. 50.
48 Cf. Ibidem, p. 54.
49 Jacinto do Prado Coelho, Ao Contrário de Penélope, Amadora, Livraria Bertrand, 1976, p. 58.
50 Ibidem, p. 58.
51 Ibidem, p. 59.
52 Ibidem.
53 Ibidem, p. 63.
54 Ibidem, p. 64.
55 Ibidem, p. 66.
56 Maria Vitalina Leal de Matos: «Reflexões sobre a leitura», em Ler e Escrever. Ensaios, Lisboa, IN­
CM, 1987, p. 20.
57  Maria  Andersen  de  Sousa  Tavares,  «Porquê  o  ensino  da  literatura  nas  escolas  superiores  de
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57  Maria  Andersen  de  Sousa  Tavares,  «Porquê  o  ensino  da  literatura  nas  escolas  superiores  de
educação?», em Palavras, nº 10, Julho de 1987, p. 35.
58 Fátima Sequeira, «Psicolinguística e leitura», em O Ensino / Aprendizagem do Português – Teoria
e Práticas, volume organizado por Fátima Sequeira, Braga, Universidade do Minho, 1989, p. 33.
59 Ibidem, p. 34.
60 Ibidem.
61 Ibidem.
62 Ibidem, p. 37.
63 Ibidem, p. 38.
64 Ibidem.
65 Ibidem.
66 Ibidem.
67  Kenneth  S.  Goodman,  «O  processo  de  leitura:  considerações  a  respeito  das  línguas  e  do
desenvolvimento», em Os Processos de Leitura e Escrita, Porto Alegre, 1987, p. 21.
68 Ibidem.
69 Ibidem, p. 18.
70 Ibidem.
71 Ibidem, p. 19.
72 Fátima Sequeira, op. cit., p. 40.
73 Ibidem, pp. 40, 41.
74 Ibidem, p. 41.
75 John Carroll, The nature of  the Reading Process. Em Think  first,  read  later, Newark:  I.R.A, 1977.
Apud Fátima Sequeira, op. cit., pp. 41, 42.
76 Frank Smith, Reading without nonsense, New York, Teachers College Press,  1978. Apud  Fátima
Sequeira, op. cit., p. 42.
77 Maria de Lourdes Sousa, «Ler na escola», em O Ensino / Aprendizagem do Português – Teoria e
Práticas, volume organizado por Fátima Sequeira, Braga, Universidade do Minho, 1989, p. 45.
78 Ibidem.
79 Ibidem, pp. 45, 46.
80 Ibidem, p. 46.
81 Ibidem, p. 50.
82 Ibidem.
83 Ibidem, p. 51
84 Ibidem, p. 52.
85 Ibidem.
86 Ibidem, p. 53.
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86 Ibidem, p. 53.
87 Ibidem, p. 57.
88 Ibidem.
89 Ibidem, p. 59.
90 Ibidem, p. 58.
91 Ibidem, p. 58.
92 Eduardo Prado Coelho,  «Quando  depois  do  sol  não  vem mais  nada»,  posfácio  à  obra  de David
Mourão­Ferreira Os Amantes e Outros Contos, Lisboa, Presença, 5ª ed., 1992, pp. 117, 118.
BIBLIOGRAFIA
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VENÂNCIO, Fernando (1993), «O discernimento literário», em Jornal de Letras, nº 596, Dezembro de
1993.
VIEGAS, Francisco José (1993), «Carta do Editor», revista Ler, nº23, Primavera de 1993.
VIEGAS, Francisco José (1993), «Não acredito em sondagens», revista Ler, nº24, Outono de 1993.
José Barbosa Machado, 1994
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