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Planejamento Urbano e Regional Responsável pelo Conteúdo: Prof. Me. Altimar Cypriano Revisão Textual: Prof.ª M.ª Sandra Regina Fonseca Moreira Morfologia Urbana Morfologia Urbana • Entender a estrutura morfológica e a ocupação do espaço urbano. OBJETIVO DE APRENDIZADO • Análise e Identificação de Elementos Morfológicos; • A Forma Urbana e a Ocupação do Território (Uso e Ocupação do Solo). UNIDADE Morfologia Urbana Análise e Identificação de Elementos Morfológicos De acordo com o dicionário online Dicio a palavra Morfologia tem, dentre outros, o seguinte significado: “Estudo do aspecto, da forma e da aparência externa da matéria”, enquanto a palavra urbana, de acordo com o mesmo dicionário, significa: “Que pertence à cidade; próprio da cidade; ...”, portanto, resumidamente, Morfolo- gia urbana se refere ao estudo da forma da cidade. De acordo com Scopel (2020, p. 43), morfologia urbana “se dedica ao estudo tanto das formas como das estruturas e trans- formações dos centros urbanos”, ou seja, se estabelece uma relação de tempo e espaço ao se estudar as formas das cidades. Com relação às formas da cidade, a autora afirma: As formas das cidades podem ser o resultado de um planejamento ou de uma organização prévia ou, ainda, da ocupação dos seus colonizadores e do desenvolvimento das famílias ao longo do tempo. A cidade é fruto das relações, transformações, interações e apropriações, e sua forma atual é consequência de diferentes momentos. Essa forma é produzida tanto por condições econômicas, sociais, políticas e históricas de uma sociedade como também pelas teorias, estudos e posicionamentos culturais e es- téticos dos agentes que idealizam, constroem e transformam as cidades. Portanto, uma cidade pode ser considerada um organismo vivo, além de um artefato de caráter humano e arquitetônico que cresce sobre si e, por isso, está sempre em transformação. (SCOPEL, 2020, p. 43, 44) Segundo Lamas, (2014, p. 37) “a morfologia urbana estudará essencialmente os aspectos exteriores do meio urbano [...], definindo e explicando a paisagem urbana e a sua estrutura”, o autor ainda afirma que “o conhecimento do meio urbano implica [...] instrumentos de leitura [...] e uma relação objeto-observador”, também observando que o “meio urbano pode ser objeto de múltiplas leituras” (LAMAS, 2014, p. 37). Scopel (2020, p. 45), explora esses enunciados, alertando que além da necessidade da identifi- cação dos elementos morfológicos, “deve-se perceber sua gênese e suas transformações durante o tempo”, reforçando as afirmações de Secchi (2016, p. 16), apresentadas em outra unidade: de que “os territórios e as cidades que observamos são os resultados de um longo processo de seleção cumulativa”, ou seja, há uma sobreposição de camadas, que nem sempre estão expostas ou nem sempre são percebidas rápida ou facilmente, sendo que a escolha dos elementos inseridos ou eliminados da paisagem das cidades ocorre em um processo contínuo. Benevolo (2014, p. 13) afirma que “a forma física” de uma cidade “corresponde à organização social e contém numerosas informações sobre as características da sociedade”, o autor explica que a estrutura física “de uma sociedade é mais durável do que a própria sociedade”, desta maneira, pode-se conhecer essas ci- dades vivenciando esses espaços, ou de acordo com Benevolo, “movendo-se no cenário da cidade” (BENEVOLO, 2014, p. 13). Lamas (2014, p. 38) posiciona a morfologia urbana inserida nos campos do urbanismo, da arquitetura e do desenho urbano, e considera necessário o esclarecimento de três pontos: 8 9 A morfologia (urbana) é o estudo da forma do meio urbano nas suas partes físicas exteriores, ou elementos morfológicos, e na sua produção e transformação no tempo. Todavia, é necessário sublinhar que um estudo morfológico não se ocupa do processo de urbanização, quer dizer, do conjunto de fenômenos sociais, econômicos e outros, motores da urbani- zação. Estes convergem na morfologia como explicação da produção da forma, mas não como objeto de estudo. Um estudo de morfologia urbana ocupa-se da divisão do meio urbano em partes (elementos morfológicos) e da articulação destes entre si e com o conjunto que definem – os lugares que constituem o espaço urbano. O que remete de imediato para a necessidade de identificação e clarificação dos elementos morfológicos, quer em ordem à leitura ou análise do espaço quer em ordem à sua concepção ou produção. Um estudo morfológico deve necessariamente tomar em consideração os níveis ou momentos de produção do espaço urbano. Níveis esses que possuem, dentro da disciplina urbanístico-arquitetônica, a sua lógica pró- pria, articulada sobre estratégias político-sociais. Um estudo morfológico deve também identificar os níveis de produção da forma urbana e as suas inter-relações (LAMAS, 2014, p. 38, 39). Para Le Corbusier (1977, p. 13), “o urbanista quase não se distingue do arquiteto”, Lamas (2014, p. 79) afirma que a “leitura e composição urbanas” são “essencialmente arquitetônicas”, ou seja, os métodos interpretativos da arquitetura podem ser aplicados ao espaço urbano (LAMAS, 2014, p. 79), entretanto, devemos, para o entendimento e iden- tificação dos elementos morfológicos, contextualizá-los, estabelecendo a escala de análise. Na escala do edifício, os elementos morfológicos são aqueles que o conformam: “ele- mentos construtivos e espaciais” e também como estão organizados compositivamente, atendendo a diversas condicionantes e exigências (LAMAS, 2014, p. 79). De acordo com Lamas (2014), na arquitetura, os elementos mais genéricos são: “paredes, janelas, vãos, portas, escadas, rampas e tantos outros” apesar de “relativamente constantes [...] suas características e aspecto exterior [...] variam de época para época ou de autor para autor” (LAMAS, 2014, p. 79). Na escala da cidade, o autor elenca outros elementos morfológicos que possibilitarão o entendimento da morfologia urbana, devendo ainda serem circunstan- ciados: o solo | o pavimento; os edifícios | o elemento mínimo; o lote | a parcela fundiá- ria; o quarteirão; a fachada | o plano marginal; o logradouro; o traçado | a rua; a praça; o monumento; a árvore e a vegetação e o mobiliário urbano (LAMAS, 2014, p. 80, 108). Para o espaço urbano, o solo-pavimento é um elemento fundamental (LAMAS, 2014, p. 80). É a partir do território e de sua topografia que a cidade será desenhada ou cons- truída, o solo-pavimento apresenta grande fragilidade e mutabilidade, é o suporte para implementação de diversas infraestruturas e registra os conflitos urbanos decorrentes dessas ações (LAMAS, 2014, p. 80), as diretrizes definidas pelos gestores do espaço público refletirão nas dimensões e mediação desses conflitos. Atualmente, as cidades debatem, no âmbito da mobilidade urbana, a prioridade de circulação dos veículos de transporte público, ciclistas e pedestres, invertendo a lógica imposta pela visão expansionista. O espaço urbano é constituído pelos edifícios, que também organizam outros diferen- tes espaços, como a rua, a praça, a avenida (LAMAS, 2014, p. 84). Ao explanar sobre a 9 UNIDADE Morfologia Urbana descrição da cidade, Rossi (1995, p. 13) o faz pela sua forma, que “se resume na arqui- tetura da cidade” e segundo o autor, entende-se por arquitetura da cidade dois diferentes aspectos, sendo um deles “o grande artefato”, resultado da obra de engenharia e arqui- tetura com complexidade e dimensão específicas, e o outro se refere aos “entornos mais limitados da cidade inteira”, de acordo com Rossi, “fatos urbanos caracterizados por uma arquitetura própria [..] e forma própria” (ROSSI, 1995, p. 13). O autor ainda alerta que o todo é mais importante do que a parte, ou seja, “a cidade como obra de arte” não é redutível a um “episódio artístico”, embora a análise da arquitetura total deva ser reali- zada por partes (ROSSI, 1995, p. 24). Para isso, ele parte para a definição da tipologia dos edifícios e da suarelação coma cidade, considerando “os edifícios como momentos e partes de um todo que é a cidade” (ROSSI, 1995, p. 24), ainda, citando a definição de Quatremère, de Quincy “modelo é um objeto que se deve repetir tal como é”, enquanto, segundo Rossi, “o tipo é a própria ideia da arquitetura, aquilo que está próximo da sua essência” (ROSSI, 1995, p. 27). Essa distinção é importante não apenas para estabele- cer em que base se dá as premissas da arquitetura moderna, mas também porque Lamas (2014, p. 84, 85) convoca esses conceitos para explanar a relação tipologia-morfologia, evidenciando que “o espaço urbano depende dos tipos edificados e do modo como estes se agrupam (LAMAS, 2014, p. 86). O lote está intrinsecamente associado ao edifício, ou “superfície de solo que ocupa”, sendo “também a gênese e fundamento do edificado” (LAMAS, 2014, p. 86). O processo de urbanização vai determinar o partilhamento do território, implicando a definição dos domínios público e privado. A estrutura viária também contribui para essa compartimen- tação, havendo uma interdependência desses elementos, segundo o autor “a forma do lote é condicionante da forma do edifício e, consequentemente, da forma da cidade (LAMAS, 2014, p. 86), segundo o autor, os pressupostos modernos, a partir da “unidade de habi- tação de Le Corbusier”, ampliaram a discussão dos limites entre o público e o privado, conferindo uma “coletivização do espaço urbano” (LAMAS, 2014, p. 86). Como desdobramento do conceito do lote e de sua vinculação ao edifício, temos o quar- teirão como “um contínuo de edifícios agrupados entre si” (LAMAS, 2014, p. 88), podendo caracterizar um “sistema fechado”, e ainda ser o “espaço delimitado pelo cruzamento de três ou mais vias” (LAMAS, 2014, p. 88). Segundo Lamas (2014, p. 88), o sistema do quarteirão é antigo, deriva da geometria como processo elementar e, com o tempo, “adquiriu estatuto de unidade na produção da cidade”, entretanto, segundo o autor, “o quarteirão não é au- tônomo dos demais elementos do espaço urbano”, ou seja, também se interrelaciona com “os traçados, ou as vias, os espaços públicos, os lotes e os edifícios” (LAMAS, 2014, p. 88). O quarteirão agrega e organiza também os outros elementos da estrutura urbana: o lote e o edifício, o traçado e a rua, e as relações que estabele- cem com os espaços públicos, semipúblicos e privados. O quarteirão foi (e é) um instrumento de trabalho urbanístico na pro- dução da cidade tradicional [...]. Foi um elemento morfológico sempre presente nas cidades até ao período moderno, constituindo elemento da estética urbana. O movimento moderno imprimiu ao quarteirão um processo de transfor- mações sucessivas que culminaram no seu abandono [...] O quarteirão durou até ao pós-guerra, altura em que cedeu o lugar a ou- tras formas urbanas [...]. (LAMAS, 2014, p. 94) 10 11 De acordo com Lamas (2014, p. 94), “na cidade tradicional, a relação do edifício com o espaço urbano vai processar-se pela fachada”, o apinhamento de construções e a con- tinuidade de edificações farão com que a fachada seja o único elemento de “comunicação com o espaço urbano” (LAMAS, 2014, p. 94). Segundo o autor, serão as fachadas os elementos de expressão das “características distributivas (programas, funções, organi- zação), o tipo edificado”, assim como as “características e linguagens arquitetônicas (o estilo, a expressão estética, a época)” (LAMAS, 2014, p. 94, 96). As fachadas terão a capacidade de “moldar a imagem da cidade”, sendo o “invólucro visível da massa cons- truída [...] o cenário que define o espaço urbano” (LAMAS, 2014, p. 96). Lamas (2014, p. 96) atribui também à fachada, em situações específicas, o poder de realizar a “transição entre o mundo coletivo do espaço urbano e o mundo privado das edificações”. Para o autor, no urbanismo moderno, o edifício e sua fachada, uma vez ao se caracterizar como objeto isolado, “deixa de ocupar no espaço urbano a posição que detinha na cidade tra- dicional”, passando a se constituir como um objeto visto não apenas pelo plano frontal (LAMAS, 2014, p. 96), portanto, afirma, há uma diferença de importância e significado da fachada “na morfologia urbana da cidade tradicional e na cidade moderna” (LAMAS, 2014, p. 98). Lamas (2014) considera o logradouro como “o espaço privado do lote não ocupado por construção, as traseiras, o espaço privado, separado do espaço público pelos con- tínuos edificados” (LAMAS, 2014, p. 98). Ele explica que o logradouro, apesar de sua característica de espaço residual, na cidade tradicional, teve diversas utilizações como “horta ou quintal”, e a partir da utilização do logradouro “se torna possível a evolução das malhas urbanas: densificação, reconstrução, ocupação” (LAMAS, 2014, p. 98). Com relação ao traçado / a rua, Lamas afirma ser “um dos elementos mais claramente iden- tificáveis tanto na forma de uma cidade como no gesto de a projetar” (LAMAS, 2014, p. 98). É estruturado sobre o território e suas características geológicas pré-existentes, tendo a potência de “regular a disposição dos edifícios e quarteirões”, além de conectar “os vários espaços e partes da cidade, e confunde-se com o gesto criador” (LAMAS, 2014, p. 99, 100). É o traçado, segundo Lamas (2014, p. 100), que “estabelece a relação mais direta de assentamento entre a cidade e o território”. Lamas (2014, p. 100) enfatiza que “o traçado, a rua, existem como elementos morfológicos nos vários níveis ou escalas da forma urbana”, encontrando “correspondência” entre “os traçados e a hierarquia das escalas da forma urbana”, desde a rua de pedestres, travessa, avenidas ou vias rápidas (LAMAS, 2014, p. 100). 11 UNIDADE Morfologia Urbana Figura 1 – Rua de Pedestres – Madri | Espanha Fonte: Getty Images “A praça é um elemento morfológico das cidades ocidentais” (LAMAS, 2014, p. 100) e, a partir dessa afirmação, o autor também a caracteriza como um elemento intencional para a organização espacial, ou seja, não se trata de espaço acidental ou residual, mas par- ticipa como elemento ordenador, segundo ele, “ a praça pressupõe a vontade e o desenho de uma forma e de um programa” (LAMAS, 2014, p. 100), e ainda define “a praça como “lugar intencional do encontro, da permanência, dos acontecimentos”, diferenciando-a dos elementos largo e terreiro, que, segundo o autor, são “espaços acidentais” residuais, re- sultados de alargamentos da estrutura urbana. Entretanto, os três elementos morfológicos são identificáveis e utilizáveis no desenho urbano (LAMAS, 2014, p. 102). Para Lamas (2014, p. 102), na cidade tradicional, a praça, assim como a rua, implicam a “relação do vazio [...] com os edifícios”, contemplando os espaços de permanência e os planos margi- nais e as fachadas dos objetos arquitetônicos edificados (LAMAS, 2014, p. 102). Figura 2 – Praça Monastiraki, Atenas, Grécia Fonte: Getty Images Segundo Rossi (1995, p. 142), os monumentos são pontos de referência da dinâmica urbana, e, de acordo com o dicionário online Dicio, entre os significados do termo monumento estão: “obra de arquitetura ou de escultura destinada a transmitir ou a 12 13 perpetuar para a posteridade a lembrança de um grande vulto ou de um acontecimento”. Lamas (2014, p. 104), simetricamente ao conceito de Rossi, entende monumento como um “fato urbano singular”, para o autor, o monumento participa significativamente no desenho da cidade, caracterizando a área ou o bairro como elemento polo estruturador da cidade (LAMAS, 2014, p. 104). No que diz respeito às estruturas verdes, Lamas (2014, p. 106) afirma que, independentemente das suas dimensões, são elementos identificáveis na estrutura urbana, de um canteiro a um parque, possuem individualidade, participam como elementos de composição e do desenho urbano na organização, definição e contenção dos espaços (LAMAS, 2014, p. 106). Por fim, o autor se refere ao mobiliário urbano, “constituído por elementos móveis” que “equipam a cidade”; esses elementos são deliberadamenteinstalados para atender a diversas funções, como sinalização, abrigo para parada de veículo de transportes, entre outros. O autor delimita o mobiliário à escala da rua, ressaltando sua importância para o desenho e organização da cidade, alertando que nas sociedades de consumo assumem um caráter de elementos “parasitários”, como “elementos postiços e móveis”, como os anúncios, ilumina- ção etc. (LAMAS, 2014, p. 108). É necessário, entretanto, que se esclareça a relação entre os “elementos morfológicos” identificáveis e “as dimensões ou escalas do desenho urbano” (LAMAS, 2014, p. 110). Lamas (2014) expõe três categorias: “na dimensão setorial”, referin- do-se à escala da rua, estão “os edifícios com suas fachadas e planos marginais, o traçado [...] a árvore ou a estrutura verde, o desenho do solo e o mobiliário urbano”; a próxima categoria citada pelo autor é a que se refere à “dimensão urbana ”, ampliando para a escala do bairro, onde ele elenca “os traçados e praças, os quarteirões e monumentos, os jardins e áreas verdes”; e, por fim, na “dimensão territorial, ou escala urbana” estão os “bairros, as grandes infraestruturas viárias e as grandes zonas verdes” (LAMAS, 2014, p. 110). Figura 3 – Arco na Rua Augusta, Lisboa, Portugal Fonte: Getty Images 13 UNIDADE Morfologia Urbana Leia mais sobre Morfologia Urbana: • Artigo de Renata Baesso Pereira “Tipologia arquitetônica e morfologia urbana uma abordagem histórica de conceitos e métodos”. Disponível em: https://bit.ly/3AcYQr5 • Diversos artigos – Revista de Morfologia Urbana. Disponível em: https://bit.ly/2URPW2g A Forma Urbana e a Ocupação do Território (Uso e Ocupação do Solo) A palavra forma, segundo o dicionário online Dicio, significa: aspecto físico pró- prio dos objetos e seres, como resultado da configuração de suas partes; feitio [...], como vimos urbana, de acordo com o mesmo dicionário significa: “Que pertence à cidade; próprio da cidade; ...”, Lamas (2014, p. 41) entende que a “noção de forma urbana” está vinculada aos instrumentos de leitura que permitem o conhecimento dos objetos e suas formas, portanto, para o autor, partindo do princípio que a forma urbana corresponderia a “um conjunto de objetos arquitetônicos ligados entre si por relações es- paciais”, uma vez que a “ concepção do espaço” possui instrumentos próprios: “a leitura da cidade como fato arquitetural”, afirma que a “forma da cidade corresponde à maneira como se organiza e se articula a sua arquitetura” (LAMAS, 2014, p. 41). A cidade é um produto exclusivamente humano, resultado de ações coletivas. Para Lamas (2014, p. 26), “a produção da cidade não pode ser entendida como um mero processo de distribuir edifícios no território”, as ações sobre o território são invariavelmente intencionais. Segundo Secchi (2016, p. 17), mesmo na cidade medieval, a periferia foi “determinada por um grande número de normas e regras”, ou seja, a “espontaneidade” deve ser relativizada. A forma, para Lamas (2014), é “uma resposta a um problema espacial”, portanto, esse re- sultado é o “produto de uma ação” (LAMAS, 2014, p. 41). Assim, as marcas deixadas nesse “imenso arquivo de signos” que são as cidades, podem ser apreendidas, lidas e compreendi- das, assim como as “intenções, projetos e ações concretas” (SECCHI, 2016, p. 15). Rossi (1995), citando a Hans Bernouilli, apresenta duas importantes questões para o desenvolvimento da cidade: “a primeira, concerne [...] ao caráter negativo da proprie- dade privada do solo [...] os motivos históricos dessa situação”, o autor sugere que essas questões implicam a forma da cidade (ROSSI, 1995, p. 233). Rossi (1995) resgata que o processo de desmembramento do solo urbano remonta à “Revolução Francesa, quando, em 1789, o solo se torna livre”, a aristocracia e o clero vendem grandes propriedades permitindo o acesso da burguesia e de camponeses ao solo urbano. Além disso, o solo, de propriedade privada, passa a ser comercializado como qualquer outra mercadoria (ROSSI, 1995, p. 233). Esse processo de mercantilização do solo acabou por permitir a especulação, entretanto, Rossi (1995, p. 238) argumenta que o parcelamento do solo era “de um lado uma degeneração da cidade”, enquanto, por outro, “promove o seu desenvolvimento” (ROSSI, 1995, p. 238). O argumento do autor se relaciona ao fato de que “as grandes propriedades da nobreza e do clero” deveriam ter sido confiscadas ou os “terrenos municipais deveriam ser mantidos como propriedade coletiva” (ROSSI, 1995, p. 234). 14 15 Quanto à ocupação do solo, durante as Unidades desta disciplina, convocamos di- versos autores que possibilitaram a construção de um ideário sobre a ocupação e sua implicação nas formas da cidade. Anteriormente, foi abordado que sobre a estrutura física da cidade se sobrepõe uma organização social, e que essa relação é determinan- te de como se dará a ocupação do território, também apresentamos como as estra- tégias de planejamento, ou a falta delas, implicam na ocupação e consequentemente na forma urbana. Na cidade antiga, não havia um padrão estabelecido, como afirma Benevolo (2003 p. 382) “estas cidades têm todas as formas possíveis” e com diver- sas tipologias, como lineares, circulares, radiocêntricos, em tabuleiro etc. Discutimos como ficam evidentes na cidade contemporânea as contradições demonstradas por Secchi (2016, p. 92), que a cidade “é o lugar da contínua e tendencial destruição” de “valores posicionais”, provocando a exclusão e, consequentemente, um deslocamento de grande parte da população para as franjas da cidade, impondo quais áreas essa população poderá ocupar. Destacamos também o papel importante da Constituição Federal de 1988, que transfere as decisões das políticas públicas de desenvolvimento urbano e gestão para o âmbito municipal, consolidadas pela Lei Federal n° 10.257 – Estatuto da Cidade de 2001, que define o Plano Diretor como o instrumento possível de concretização dessas ações. Colocando o Estado como mediador entre as forças desiguais dos diversos setores e procurando, por meio da gestão participativa, encon- trar convergência dos atores envolvidos nas disputas pelo território urbano. Posterior- mente, o Estatuto da Metrópole foi instituído com o objetivo de fomentar o desenvolvi- mento metropolitano e possibilitar a interação entre União, estados e municípios para a gestão do planejamento urbano. Vimos, portanto, que esse arcabouço legal formado pelas diversas leis municiais, como o Planos Diretor e a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, específicas de cada município, devem responder por demandas e anseios da população específica, devendo também estabelecer índices urbanísticos compatíveis, assim como restrições específicas para cada contexto. Anteriormente nós também debatemos como essas relações sociais e de poder deter- minam o uso dos espaços das cidades, influenciando diretamente a forma e estruturas urbanas, processo visto desde a pólis grega – espacialmente caracterizada pela expressão da organização social na ocupação do território, marcada pela manifestação do cidadão, que se diferencia da cidade medieval murada, mas que expõe, como hoje, que o poder de decisão sobre a ocupação dos espaços da cidade não é estendido à grande parte da população citadina As cidades serem foram o palco de disputas de poder, e, portanto, as ações impos- tas sobre o território das cidades poderão, por exemplo, resultar na densificação ou no espraiamento. Vimos também que os ideais expansionistas promoveram uma ocupação espraiada do território, as infraestruturas ferroviária e rodoviária, facilitadoras dos flu- xos, impulsionaram a ocupação horizontal do território, criando ao longo de seus tra- jetos núcleos de ocupação. Discutimos anteriormente como os Planos Urbanos, desde Haussmann, em Paris, ou de Cerdá, para Barcelona, se estruturam em sistemas viários e malhas definidoras e determinantes da sua forma, mas também procuram estabelecer diretrizes de ocupação.Essas intervenções higienistas ou de embelezamento, demons- tram seu caráter impositivo e segregacionista, mas implementam um novo traçado, expandindo os limites territoriais, possibilitando o crescimento da cidade. Discutimos 15 UNIDADE Morfologia Urbana também que o número de habitantes distribuídos no espaço estabelece a densidade de ocupação, implicando na organização do território e na demanda de infraestrutura ur- bana, e consequentemente, na forma urbana resultante. Em unidades anteriores nós também vimos que a estrutura urbana é influenciada por diversos fatores como as vias de fluxo, o partilhamento ou divisão do território, a densidade, o relevo, entre outros, portanto, o desenho é estruturador e condiciona a forma urbana, mas o suporte geológico também é condicionador, implicando o desenho e a ocupação e estabelecendo uma relação de interdependência. A produção do espaço urbano implica concretamente a ocupação e o uso específico imposto pela sociedade. As dinâmicas, vocações e potencialidades, exploradas nas ações antrópicas também vão determinar como o território será ocupado, assim como serão determinados os usos. Atualmente, as cidades brasileiras possuem ferramentas institucionais para a gestão do território, como o Plano Diretor e demais leis, como a lei de uso e ocupação do solo, podendo organizar e controlar a utilização do espaço e determinar as atividades, criando zonas específicas 16 17 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Formas Urbanas: A Dissolução da Quadra PANERAI, P.; CASTEX, J.; DEPAULE, J. C. Formas urbanas: a dissolução da quadra. Porto Alegre: Bookman, 2013. Leitura Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo do Município de São Paulo https://bit.ly/3h4aDR5 Lei de Uso e Ocupação do Solo de Recife https://bit.ly/2SyuQoG Lei de Uso e Ocupação do Solo de Teresina https://bit.ly/3hmroFY O estudo da forma urbana no Brasil https://bit.ly/3weR5hv Revista de Morfologia Urbana https://bit.ly/2URPW2g Superquadra: vida suspensa https://bit.ly/3x0qwh3 Tipologia arquitetônica e morfologia urbana uma abordagem histórica de conceitos e métodos https://bit.ly/3AcYQr5 17 UNIDADE Morfologia Urbana Referências BENEVOLO, L. A cidade e o arquiteto: método e história na arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 2014. LAMAS, J. M. R. G. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2014. LE CORBUSIER. Maneira de Pensar o Urbanismo. Mira-Sintra: Publicações Europa- -América, 1977. ROSSI, A. A arquitetura da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995. SCOPEL, V; G. Morfologia urbana. In: SCOPEL, V. G.; GALINATTI, A. C. M.; SILVA, M. de F.; GIAMBASTIANI, G. L.; SANTOS, J. C. C. dos. Estudo da cidade. Porto Alegre: SAGAH, 2020. (e-book) SECCHI, B. Primeira Lição de Urbanismo. São Paulo: Perspectiva, 2016. 18