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SOCIOLOGIA 
RURAL E URBANA 
 
 
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INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 4 
AULA 1. FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA RURAL ......................................................................... 9 
AULA 2. MODERNIZAÇÃO DO CAMPO E CONFLITOS AGRÁRIOS ................................................ 14 
AULA 3. FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA URBANA .................................................................... 19 
AULA 4. PROBLEMAS SOCIAIS URBANOS .................................................................................... 25 
AULA 5. INTER-RELAÇÕES ENTRE O RURAL E O URBANO ........................................................... 30 
AULA 6 . DESAFIOS E PERSPECTIVAS DA SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA SOBRE OS TERRITÓRIOS
 ..................................................................................................................................................... 38 
AULA 7. BNCC E SOCIOLOGIA RURAL E URBANA ......................................................................... 43 
AULA 8. REFERENCIAIS TEÓRICOS ............................................................................................... 47 
José de Souza Martins ............................................................................................................. 47 
Henri Lefebvre ......................................................................................................................... 49 
Milton Santos .......................................................................................................................... 50 
CONCLUSÃO ................................................................................................................................. 54 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................... 59 
 
 
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4 
 
INTRODUÇÃO 
 
A sociologia, enquanto ciência voltada à compreensão da vida em sociedade, 
encontra na análise dos espaços rurais e urbanos um campo privilegiado para observar as 
transformações sociais, econômicas, políticas e culturais que moldam o comportamento 
humano. A sociologia rural e urbana busca, nesse sentido, compreender os modos de 
vida, as relações sociais, as dinâmicas de poder e os desafios enfrentados pelas 
populações que habitam esses diferentes contextos territoriais. Ao longo da história, as 
sociedades passaram por processos significativos de urbanização, com impacto direto nas 
formas de trabalho, na estrutura familiar, na organização das comunidades e nas políticas 
públicas voltadas ao bem-estar social. 
As áreas rurais foram historicamente associadas à produção agrícola, à vida 
comunitária, à religiosidade e a uma menor complexidade nas relações sociais. Por outro 
lado, os espaços urbanos sempre foram vistos como centros de inovação, diversidade 
cultural, disputas políticas e dinâmicas econômicas aceleradas. No entanto, essa divisão 
entre rural e urbano não pode ser entendida de maneira simplista ou excludente. Ambos 
os contextos se influenciam mutuamente e apresentam uma série de interconexões no 
mundo contemporâneo globalizado. A expansão das redes de transporte, a difusão da 
tecnologia e as migrações internas e internacionais contribuem para o surgimento de 
novas realidades híbridas. 
A sociologia rural, nesse contexto, não se limita à análise do campo como um 
espaço isolado, mas busca compreender os processos de transformação do mundo rural 
frente à modernização agrícola, à expansão do agronegócio, ao êxodo rural e às lutas dos 
pequenos agricultores. Da mesma forma, a sociologia urbana se debruça sobre as 
dinâmicas das grandes cidades, abordando temas como desigualdade social, habitação, 
mobilidade urbana, violência, exclusão e políticas públicas. Ambas as vertentes da 
sociologia compartilham o objetivo de analisar criticamente os processos sociais e 
apontar caminhos para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. 
Nas últimas décadas, o avanço da urbanização em países da América Latina, 
como o Brasil, impôs novos desafios às políticas públicas e à atuação de movimentos 
sociais. O crescimento desordenado das cidades, a favelização, a gentrificação e o colapso 
 
 
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dos sistemas de mobilidade e saneamento refletem problemas estruturais que precisam 
ser compreendidos sociologicamente. Por outro lado, as áreas rurais enfrentam o 
esvaziamento populacional, a precarização do trabalho no campo e o conflito entre 
diferentes modelos de uso da terra. A interdependência entre cidade e campo se torna 
cada vez mais evidente, exigindo análises sociológicas integradas. 
A perspectiva sociológica permite ainda compreender como as identidades e os 
laços sociais se constituem de forma distinta nos contextos urbanos e rurais. Enquanto 
nas cidades prevalecem relações mais individualizadas, mediadas por instituições e 
serviços, no meio rural persiste, em muitos casos, uma forte vinculação entre família, 
território e trabalho. Essas diferenças impactam na forma como os sujeitos percebem a si 
mesmos, se organizam politicamente e constroem suas redes de apoio e solidariedade. A 
compreensão desses aspectos é fundamental para o desenvolvimento de políticas 
públicas sensíveis às especificidades territoriais. 
As transformações tecnológicas também provocam alterações nos modos de 
vida rural e urbano. O acesso à internet, a mecanização do campo, o surgimento de 
startups no agronegócio e a digitalização dos serviços urbanos são apenas alguns 
exemplos de como as fronteiras entre rural e urbano se tornam mais tênues. A 
globalização, por sua vez, insere tanto o campo quanto a cidade em uma lógica de 
mercado mundial, gerando tensões entre as dinâmicas locais e as pressões internacionais. 
O papel da sociologia é justamente analisar essas transformações e propor alternativas 
de desenvolvimento sustentável e equitativo. 
A seguir, a apostila será estruturada em seis tópicos centrais. No primeiro tópico, 
discutiremos os fundamentos teóricos da sociologia rural, abordando seus principais 
autores e conceitos. No segundo, trataremos da modernização do campo, suas 
implicações sociais e os conflitos agrários. O terceiro tópico será dedicado à sociologia 
urbana, com destaque para as teorias clássicas e contemporâneas sobre a vida nas 
cidades. No quarto, analisaremos os problemas sociais urbanos, como habitação, 
violência e transporte. O quinto tópico tratará das inter-relações entre o rural e o urbano, 
mostrando como essas realidades se entrelaçam na contemporaneidade. Por fim, o sexto 
tópico abordará os desafios e perspectivas da sociologia diante das transformações 
territoriais do século XXI. 
 
 
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Cada um desses temas será explorado com profundidade, a fim de oferecer ao 
estudante uma visão crítica e contextualizada das principais questões que envolvem o 
espaço rural e urbano. O objetivo é estimular a reflexão, promover o pensamento 
sociológico e contribuir para a formação de profissionais comprometidos com a 
transformação social. A abordagem adotada busca articular teoria e prática, valorizando 
tanto os grandes paradigmas da sociologia quanto as realidades vividas pelas 
comunidades rurais e urbanas em diferentes partes do Brasil e do mundo. 
A investigação sociológica sobre os espaços rurais e urbanos exige, desde o 
início, uma compreensão crítica da maneira como as sociedades organizam seus 
territórios e estabelecem diferentes modos de convivência, produção e reprodução 
social. A cidade e o campo são mais do que categorias geográficas: são espaços 
construídos histórica e socialmente, cuja configuração reflete projetos políticos, relações 
de poder e modelos econômicos que disputam a hegemonia em diferentes momentos 
históricos. Por isso, o estudo desses territórios não podecomplexidade, 
enquanto surtos de doenças rurais, como as zoonoses e endemias, podem impactar a 
saúde urbana. A pandemia da COVID-19 escancarou essas conexões, ao demonstrar que 
a circulação de pessoas e produtos entre diferentes territórios exige uma abordagem 
integrada das políticas sanitárias e de prevenção. 
A segurança alimentar e nutricional é mais um tema que exige uma perspectiva 
integrada. O fortalecimento da agricultura familiar e dos circuitos curtos de 
comercialização pode contribuir para o abastecimento das cidades com alimentos 
saudáveis, acessíveis e sustentáveis. Programas como o PAA e o PNAE promovem essa 
articulação, ao adquirir produtos da agricultura familiar para escolas e instituições 
públicas. Essas iniciativas aproximam campo e cidade por meio de políticas que valorizam 
o território e a cidadania. 
Do ponto de vista político, as inter-relações entre rural e urbano se refletem na 
atuação de movimentos sociais, conselhos populares e redes de resistência. Agricultores 
familiares, assentados da reforma agrária, indígenas e quilombolas articulam-se com 
organizações urbanas em defesa de direitos comuns, como acesso à terra, moradia, saúde 
e cultura. Essa aliança entre campo e cidade fortalece a luta por justiça social, 
democratização do espaço e soberania popular. 
As questões ambientais reforçam a necessidade de pensar campo e cidade de 
forma articulada. A degradação ambiental nas áreas rurais, como o desmatamento e o 
uso excessivo de agrotóxicos, afeta a qualidade da água, do ar e dos alimentos 
consumidos nas cidades. Por outro lado, a poluição urbana, o descarte inadequado de 
resíduos e a pressão por expansão urbana ameaçam os ecossistemas rurais e áreas de 
preservação. A sustentabilidade exige uma abordagem integrada que reconheça a 
interdependência entre os territórios. 
 
 
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A valorização dos produtos da agroecologia e da economia solidária representa 
uma estratégia de aproximação entre produtores rurais e consumidores urbanos. As feiras 
agroecológicas, os grupos de consumo responsável, os cestos de alimentos orgânicos e 
os sistemas participativos de garantia criam circuitos de confiança e cooperação entre 
campo e cidade. Essa reconfiguração dos mercados alimentares representa uma mudança 
paradigmática na relação entre produção e consumo. 
O turismo rural e o ecoturismo também estabelecem pontes entre os dois 
mundos. Moradores urbanos procuram no campo experiências de descanso, contato com 
a natureza e valorização da cultura local. Esse tipo de turismo, quando bem conduzido, 
pode gerar renda para as comunidades, promover a educação ambiental e fortalecer o 
sentimento de pertencimento ao território. Contudo, é preciso evitar a exploração 
predatória e o desrespeito às identidades locais. 
A arquitetura e o urbanismo também se beneficiam de uma leitura integrada. 
Projetos de desenvolvimento territorial, habitação rural e infraestrutura comunitária 
precisam considerar tanto as especificidades locais quanto as dinâmicas regionais. O 
desafio está em pensar políticas públicas que reconheçam os saberes vernaculares, as 
formas tradicionais de ocupação do solo e as demandas contemporâneas por qualidade 
de vida, acessibilidade e sustentabilidade. 
No plano simbólico, o campo e a cidade coexistem nas representações sociais, 
nos discursos midiáticos e nas práticas cotidianas. O rural é muitas vezes idealizado como 
espaço de pureza, tranquilidade e valores tradicionais, enquanto o urbano é associado ao 
progresso, à liberdade e à modernidade. Essas representações influenciam as escolhas 
individuais, as políticas públicas e os projetos de vida das pessoas, muitas vezes 
reforçando estigmas e estereótipos que dificultam a construção de um olhar mais crítico 
e dialógico. 
Por fim, as inter-relações entre o rural e o urbano apontam para a necessidade 
de um novo paradigma de desenvolvimento territorial. Em vez de pensar o progresso 
como sinônimo de urbanização e consumo, é preciso promover formas de vida mais 
sustentáveis, solidárias e integradas. A sociologia tem papel fundamental nesse processo, 
ao fornecer ferramentas para compreender a complexidade das relações sociais, 
denunciar as desigualdades e inspirar ações transformadoras. 
 
 
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As relações entre o rural e o urbano se intensificaram ao longo do século XX, 
especialmente com a ampliação dos sistemas de transporte e comunicação, a 
industrialização do campo e a crescente interdependência econômica. Esse fenômeno 
tornou obsoletas as antigas oposições rígidas entre campo e cidade, mostrando que os 
dois espaços estão intrinsecamente conectados em múltiplas dimensões, que vão da 
produção de alimentos à circulação de saberes, culturas e práticas sociais. 
A interdependência entre rural e urbano pode ser observada nos circuitos de 
abastecimento alimentar. A maior parte dos alimentos consumidos nas cidades tem 
origem em áreas rurais, especialmente na agricultura familiar. Esses fluxos contínuos de 
bens e serviços demonstram que, embora as populações estejam territorialmente 
separadas, suas existências estão profundamente entrelaçadas. Essa relação é marcada 
por tensões, mas também por complementaridades que desafiam os planejamentos 
urbanos e rurais tradicionais. 
Além dos alimentos, outros recursos naturais, como água, madeira, energia 
elétrica e minérios, extraídos de zonas rurais ou florestais, são essenciais para o 
funcionamento das cidades. A pressão urbana sobre os territórios rurais se dá, portanto, 
também por meio da demanda por insumos estratégicos, o que frequentemente gera 
conflitos socioambientais, desmatamento e desapropriação de comunidades tradicionais. 
Esse processo expõe a assimetria nas relações campo-cidade, muitas vezes mediadas por 
interesses corporativos. 
No plano cultural, os elementos rurais estão presentes nas festas populares, na 
culinária, na música e na religiosidade das cidades. A migração rural-urbana transportou 
consigo práticas e valores que se misturaram com as dinâmicas urbanas, produzindo 
expressões culturais híbridas. Essa mescla pode ser observada nos mercados, nas feiras 
livres, nas celebrações religiosas, nas músicas regionais e na oralidade que compõe a 
identidade urbana de muitas cidades brasileiras. 
Ao mesmo tempo, os meios urbanos também influenciam a vida rural. O acesso 
à internet, a presença de aparelhos eletrônicos, as escolas conectadas, o consumo de 
produtos industrializados e a difusão da cultura midiática são exemplos de como o rural 
contemporâneo está longe de ser isolado ou alheio às transformações globais. Essa 
penetração de elementos urbanos no campo, muitas vezes, provoca mudanças nos 
modos de vida e nos valores das comunidades rurais. 
 
 
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Do ponto de vista da mobilidade humana, os fluxos de ida e volta entre campo e 
cidade tornaram-se frequentes. Muitos trabalhadores rurais passam parte do ano na 
cidade, buscando emprego temporário ou acesso a serviços de saúde e educação. Outros, 
mesmo morando na cidade, mantêm vínculos afetivos e econômicos com suas 
comunidades de origem no interior. Essa circulação permanente constrói redes familiares 
e sociais que integram os dois territórios. 
A noção de “rural urbano” ou “rurbano” surgiu para dar conta dessas zonas de 
transição, onde coexistem características dos dois mundos. Bairros periféricos com 
plantações, cidades pequenas com feições rurais, municípios conurbados a áreas 
metropolitanas, vilarejos atravessados por rodovias ou zonas industriais: todos são 
exemplos de espaços híbridos que desafiam as categorias tradicionais de análise. A 
sociologia contemporânea tem buscado construir novos conceitos para compreender 
essas realidades. 
Os impactos ambientais também evidenciam as interações entre rural e urbano. 
O avanço das cidades sobre áreas de preservação, o uso intensivo de recursos naturais, a 
geração de resíduos sólidos e a poluiçãodos rios afetam diretamente os territórios rurais. 
Por outro lado, a preservação das nascentes, das florestas e da biodiversidade rural é 
fundamental para a sobrevivência urbana. A gestão ambiental precisa, portanto, de uma 
abordagem integrada, que considere o ecossistema como um todo. 
A educação e a saúde são áreas onde se observa claramente a dependência 
mútua. Muitas escolas rurais são precarizadas ou encerradas, obrigando os estudantes a 
percorrer longas distâncias até a cidade. Da mesma forma, hospitais e postos de saúde 
urbanos recebem demandas de moradores das zonas rurais, que não dispõem de 
atendimento local. Esse desequilíbrio revela a falta de políticas públicas territorializadas 
e o descaso com as populações do campo. 
Do ponto de vista político, as alianças entre movimentos sociais urbanos e rurais 
têm fortalecido lutas comuns, como o direito à moradia, à terra, ao saneamento e à 
alimentação saudável. A atuação conjunta de movimentos como o MST, MTST, 
movimentos por alimentação orgânica, redes de economia solidária e coletivos culturais 
promove uma nova perspectiva de justiça territorial, baseada na solidariedade entre os 
diferentes sujeitos sociais. 
 
 
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Essas articulações têm dado origem a experiências inovadoras, como as feiras de 
agricultura familiar em zonas urbanas, os grupos de consumo responsável, os sistemas de 
comercialização direta (como CSA – Comunidade que Sustenta a Agricultura), as hortas 
comunitárias em periferias e os programas de compras públicas da agricultura familiar. 
Essas iniciativas aproximam produtores e consumidores, reduzem os intermediários e 
valorizam práticas sustentáveis. 
A cultura alimentar urbana tem sido diretamente influenciada pelas práticas e 
saberes do campo. O interesse crescente por alimentos agroecológicos, sem agrotóxicos, 
produzidos localmente e com base em práticas justas e sustentáveis, demonstra uma 
valorização dos modos de produção rural alternativos. Esse fenômeno também desafia o 
modelo agroindustrial e estimula políticas públicas voltadas para circuitos curtos de 
comercialização. 
As festas populares são outro exemplo de interação entre o rural e o urbano. 
Eventos como festas juninas, romarias, cavalgadas, feiras de artesanato e gastronomia 
tradicional são formas de trazer o campo para a cidade e de reafirmar identidades que 
ultrapassam as fronteiras territoriais. Essas expressões culturais ressignificam os espaços 
urbanos, abrindo brechas para encontros simbólicos entre tradições distintas. 
No plano simbólico, a valorização do campo como lugar de pureza, tranquilidade 
e autenticidade tem levado muitos moradores urbanos a buscar experiências rurais. O 
turismo rural, a permacultura, o voluntariado em ecovilas, a busca por refúgio longe da 
cidade e a idealização da vida simples refletem essa tendência. No entanto, é preciso 
cuidado para que essas práticas não resultem em processos de gentrificação do campo 
ou de apropriação cultural indevida. 
A pandemia da COVID-19 reforçou a percepção da interdependência entre os 
territórios. O abastecimento das cidades com alimentos, o isolamento social em áreas 
rurais e a crise sanitária nas periferias urbanas revelaram as fragilidades de um modelo 
baseado na separação entre campo e cidade. A necessidade de fortalecer sistemas locais 
de produção, transporte, saúde e educação se tornou evidente, assim como a importância 
de políticas articuladas e solidárias. 
A produção acadêmica também tem avançado na análise dessas inter-relações. 
Estudos sobre metropolização, ruralidades emergentes, ecossistemas alimentares, 
migrações internas e redes socioterritoriais têm contribuído para enriquecer o campo da 
 
 
37 
sociologia dos territórios. A abordagem interterritorial tem se mostrado fecunda para 
compreender a complexidade do Brasil contemporâneo. 
O espaço rural também abriga novas formas de urbanização, como loteamentos, 
condomínios de luxo, hotéis-fazenda e centros logísticos. Esses empreendimentos 
alteram profundamente a paisagem, o modo de vida das comunidades locais e o acesso 
à terra. A expansão urbana sobre áreas rurais precisa ser regulada com base em princípios 
de justiça ambiental, direito à moradia, proteção do patrimônio cultural e respeito às 
populações tradicionais. 
As cidades, por sua vez, têm incorporado práticas agroecológicas inspiradas no 
campo. Hortas urbanas, telhados verdes, compostagem, coleta seletiva e ocupações 
sustentáveis são formas de recriar o vínculo com a terra dentro do espaço urbano. Essas 
práticas apontam para a possibilidade de uma nova ruralidade urbana, onde o cultivo e o 
cuidado com o ambiente se tornam parte da vida nas cidades. 
A juventude é um ator fundamental na construção de pontes entre campo e 
cidade. Jovens rurais conectados à internet compartilham saberes, mobilizam redes e 
defendem seus modos de vida. Jovens urbanos se engajam em coletivos agroecológicos, 
movimentos ambientais e redes de consumo consciente. Essa nova geração tem 
promovido uma reaproximação entre territórios, baseada na ética do cuidado, na justiça 
socioambiental e na valorização das culturas locais. 
A articulação entre territórios também exige uma nova abordagem na 
formulação de políticas públicas. O planejamento regional, a gestão compartilhada dos 
recursos naturais, a territorialização das políticas sociais e a governança democrática do 
território são caminhos para promover a equidade. O Estado deve agir com sensibilidade 
territorial, escutando as demandas locais e respeitando a diversidade. 
Por fim, compreender as inter-relações entre o rural e o urbano é reconhecer 
que não há futuro possível para as cidades se o campo for destruído, e vice-versa. A 
sustentabilidade dos territórios depende de sua integração, de sua capacidade de 
coexistência e de sua articulação em torno de projetos coletivos. A sociologia, ao iluminar 
essas conexões, nos ajuda a enxergar o território como espaço de vida, de conflito e de 
transformação. 
 
 
 
 
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AULA 6 . DESAFIOS E PERSPECTIVAS DA SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA 
SOBRE OS TERRITÓRIOS 
 
A sociologia contemporânea enfrenta o desafio de compreender os territórios a 
partir de uma abordagem multidimensional, que considere as transformações 
econômicas, políticas, culturais, tecnológicas e ambientais que redesenham 
continuamente os espaços sociais. O conceito de território deixou de ser meramente 
geográfico ou físico, passando a englobar disputas simbólicas, relações de poder e 
práticas cotidianas que atribuem significados aos lugares. Nesse sentido, entender os 
territórios rurais e urbanos requer uma análise crítica e integrada, que reconheça suas 
especificidades e interdependências. 
No mundo globalizado, os territórios são impactados por fluxos transnacionais 
de capital, informação, pessoas e mercadorias. Cidades tornam-se hubs financeiros e 
logísticos, enquanto áreas rurais são incorporadas à lógica de produção em larga escala 
para atender demandas globais. Essa integração internacional produz dinâmicas 
contraditórias: de um lado, oportunidades de desenvolvimento econômico; de outro, 
perda de autonomia, esvaziamento cultural e concentração de riqueza. A sociologia busca 
desvendar essas tensões, desnaturalizando o discurso do progresso linear e questionando 
os efeitos da globalização nos territórios locais. 
A urbanização acelerada é um dos grandes fenômenos do século XXI. Mais de 
metade da população mundial já vive em áreas urbanas, e esse número tende a crescer. 
Contudo, a urbanização nem sempre significa melhoria nas condições de vida. Muitas 
cidades enfrentam desigualdades extremas, precarização do trabalho, segregação 
socioespacial e violência. A sociologia urbana contemporânea propõe uma leitura crítica 
dessas contradições, analisando os processos de exclusão, os mecanismos de resistência 
e as formas de governança que moldam os espaços urbanos.Paralelamente, os territórios rurais passam por transformações significativas. O 
avanço do agronegócio, a modernização tecnológica e as políticas de infraestrutura 
impactam diretamente a vida das populações rurais. Comunidades tradicionais, 
agricultores familiares e povos originários veem seus modos de vida ameaçados por 
interesses econômicos e pela pressão por produtividade. A sociologia rural 
 
 
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contemporânea concentra-se em denunciar essas ameaças e propor alternativas 
baseadas na agroecologia, na economia solidária e na valorização dos saberes locais. 
A sustentabilidade emerge como eixo central nas análises territoriais 
contemporâneas. O esgotamento dos recursos naturais, a crise climática e a degradação 
ambiental impõem limites ao modelo de desenvolvimento dominante. A sociologia, nesse 
contexto, contribui com uma leitura crítica das políticas ambientais, apontando os 
conflitos socioambientais e propondo caminhos para uma gestão participativa e 
ecologicamente responsável dos territórios. A justiça ambiental, que relaciona 
desigualdade social e degradação ambiental, torna-se um conceito-chave. 
O crescimento das metrópoles e a emergência de megacidades também 
demandam novas abordagens sociológicas. Esses centros urbanos, marcados por 
complexidade e diversidade, apresentam múltiplas centralidades, redes de mobilidade 
complexas e alta concentração populacional. Ao mesmo tempo, abrigam profundas 
desigualdades e tensões. A sociologia urbana contemporânea busca interpretar esses 
espaços, identificando como se formam as novas periferias, como se estabelecem os 
vínculos sociais e como se manifesta o direito à cidade em contextos tão densos e 
fragmentados. 
As tecnologias digitais representam uma das mais significativas transformações 
na configuração dos territórios. A conectividade, os aplicativos de mobilidade, os sistemas 
de geolocalização e as redes sociais modificam a forma como os sujeitos habitam e 
percebem o espaço. As cidades tornam-se “inteligentes”, mas também vigiadas, e os 
dados se transformam em mercadorias. A sociologia contemporânea investiga os 
impactos da digitalização sobre os modos de vida, denunciando a exclusão digital, a 
vigilância algorítmica e os novos formatos de desigualdade territorial. 
Outro desafio sociológico contemporâneo é compreender o papel dos 
movimentos sociais na reconfiguração dos territórios. Em resposta às desigualdades e às 
exclusões, surgem coletivos urbanos e rurais que reivindicam terra, moradia, saúde, 
cultura, mobilidade e dignidade. Esses movimentos ressignificam o espaço ao ocupar 
praças, edifícios abandonados, lotes urbanos e terras improdutivas. A sociologia dá 
visibilidade a essas lutas, reconhecendo-as como formas legítimas de ação política e de 
construção de novas territorialidades. 
 
 
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As migrações também impõem desafios sociológicos na análise dos territórios. 
Milhões de pessoas se deslocam anualmente entre países, regiões e cidades, seja por 
motivos econômicos, políticos ou ambientais. Esses fluxos alteram as dinâmicas 
territoriais, transformando culturas, economias e estruturas urbanas. A sociologia 
contemporânea estuda as redes migratórias, os processos de adaptação, os conflitos 
interculturais e as políticas de acolhimento, propondo abordagens sensíveis à diversidade 
e aos direitos humanos. 
A questão da moradia continua a ser um dos grandes temas da sociologia dos 
territórios. O acesso à moradia digna é negado a milhões de pessoas, especialmente nas 
grandes cidades, onde a especulação imobiliária e a ausência de políticas habitacionais 
efetivas criam cenários de exclusão. A informalidade, os despejos forçados e a 
gentrificação revelam a mercantilização do solo urbano. A sociologia denuncia essas 
práticas e apoia iniciativas de moradia autogestionada, urbanismo popular e reforma 
urbana. 
A governança dos territórios representa outro eixo de análise importante. As 
formas como o poder público, o setor privado e a sociedade civil se articulam na gestão 
das cidades e do campo definem os rumos do desenvolvimento. Modelos autoritários, 
tecnocráticos ou participativos coexistem em diferentes escalas e territórios. A sociologia 
analisa essas dinâmicas, destacando a importância do controle social, da transparência e 
da participação cidadã como pilares de uma democracia territorial efetiva. 
No campo da educação, a territorialização das políticas educacionais é uma 
perspectiva crescente. Ela considera as especificidades dos territórios na formulação de 
estratégias pedagógicas, no planejamento das redes escolares e na valorização dos 
saberes locais. A sociologia da educação contribui para essa perspectiva ao evidenciar as 
desigualdades territoriais e propor práticas pedagógicas contextualizadas e 
transformadoras. 
A cultura, enquanto dimensão estruturante dos territórios, também ganha 
destaque nas abordagens sociológicas contemporâneas. A produção simbólica dos 
lugares, a identidade coletiva, as práticas culturais e os rituais de pertencimento são 
elementos que moldam as relações sociais no espaço. A sociologia investiga como essas 
expressões culturais são apropriadas, invisibilizadas ou potencializadas nos territórios, e 
como podem contribuir para a emancipação dos sujeitos. 
 
 
41 
A violência nos territórios é outro aspecto central nas análises sociológicas. 
Conflitos fundiários, repressão policial, milícias, narcotráfico e violência de gênero são 
realidades que configuram o cotidiano de muitos espaços. A sociologia contemporânea 
busca compreender os fatores estruturais que geram essa violência, bem como as formas 
de resistência e enfrentamento desenvolvidas pelas comunidades afetadas. 
A pandemia da COVID-19 revelou de maneira trágica as desigualdades 
territoriais e a importância de políticas públicas integradas. Os territórios mais vulneráveis 
foram os mais atingidos pela doença e pela crise econômica, evidenciando a fragilidade 
das redes de proteção social e a centralidade da sociologia na formulação de respostas 
sociais e políticas. A pandemia impulsionou debates sobre resiliência urbana, saúde 
pública territorializada e justiça social. 
As juventudes também representam um campo prioritário de estudo. Os jovens 
vivem e experimentam os territórios de formas singulares, com práticas culturais próprias, 
modos de ocupação do espaço e participação política. A sociologia contemporânea 
reconhece essa diversidade e propõe olhares interseccionais sobre juventude, território 
e cidadania, valorizando o protagonismo juvenil nas lutas urbanas e rurais. 
A interseccionalidade, aliás, torna-se ferramenta teórica indispensável para 
compreender os territórios. Gênero, raça, classe, geração, sexualidade e deficiência se 
entrecruzam na produção das desigualdades espaciais. A sociologia contemporânea 
investiga essas articulações, denunciando as opressões múltiplas e construindo 
alternativas emancipadoras que levem em conta as experiências concretas dos sujeitos 
nos espaços que habitam. 
A espiritualidade e as expressões religiosas também exercem influência 
significativa na configuração dos territórios. Igrejas, terreiros, centros espirituais e 
celebrações religiosas são parte da paisagem urbana e rural, moldando relações sociais, 
valores e formas de organização comunitária. A sociologia da religião contribui para o 
entendimento de como a fé influencia o pertencimento territorial e a resistência frente 
às adversidades. 
A produção acadêmica sobre territórios enfrenta, porém, seus próprios desafios. 
A fragmentação do conhecimento, a desvalorização das pesquisas locais e a hegemonia 
de paradigmas do Norte Global dificultam a construção de saberes comprometidos com 
a realidade dos povos do Sul. A sociologia brasileira tem avançado na produção de 
 
 
42 
epistemologias situadas, que partem da experiência concreta dos territórios e dialogam 
com os saberespopulares e ancestrais. 
A universidade, enquanto território de conhecimento, também é chamada a 
rever seus vínculos com a sociedade. É necessário construir pontes entre a academia e os 
movimentos sociais, entre o saber científico e o saber popular. A extensão universitária, 
os projetos de pesquisa participativa e a formação crítica dos estudantes são caminhos 
para aproximar a sociologia das lutas sociais e territoriais. 
A perspectiva decolonial contribui para o repensar da sociologia dos territórios, 
ao questionar a centralidade eurocêntrica, a lógica do progresso e a colonialidade do 
saber. Ela propõe uma valorização das cosmologias indígenas, afrodescendentes e 
camponesas, e a construção de alternativas de desenvolvimento que respeitem a 
diversidade cultural, a natureza e os modos de vida tradicionais. 
Diante de tantas transformações, a sociologia contemporânea reafirma seu 
compromisso com a justiça social, a democracia e a sustentabilidade. Analisar os 
territórios é também lutar por eles, reconhecer os sujeitos que os constroem e resistem, 
e propor formas mais justas de organização social. Os territórios não são neutros; são 
produtos históricos, arenas de disputa e espaços de vida. 
Nesse horizonte, a sociologia rural e urbana devem dialogar cada vez mais. As 
fronteiras entre campo e cidade se dissolvem, dando lugar a novos desafios e 
possibilidades analíticas. O pensamento sociológico precisa ser flexível, interdisciplinar e 
comprometido com a transformação social, superando dicotomias e integrando múltiplas 
vozes e perspectivas. 
A formação de novos sociólogos exige uma educação que estimule o 
pensamento crítico, a escuta sensível e o engajamento ético com os territórios e suas 
populações. A pesquisa sociológica deve ser orientada por perguntas relevantes, 
metodologias plurais e compromisso com o bem comum. Só assim será possível contribuir 
para a construção de um mundo mais justo, habitável e plural. 
 
 
 
 
43 
AULA 7. BNCC E SOCIOLOGIA RURAL E URBANA 
 
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), homologada em 2018, representa 
um marco na organização do currículo escolar brasileiro, definindo as competências e 
habilidades essenciais a serem desenvolvidas ao longo da educação básica. No ensino 
médio, a área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas – na qual a Sociologia está inserida 
– tem como objetivo formar sujeitos críticos, autônomos, solidários e conscientes de seu 
papel na sociedade. A sociologia rural e urbana, dentro desse escopo, é um eixo 
fundamental para compreender as relações sociais nos territórios e promover uma 
educação contextualizada e transformadora. 
A BNCC propõe uma formação integral, articulando conhecimentos cognitivos, 
socioemocionais e éticos. Ao tratar das realidades rurais e urbanas, a Sociologia possibilita 
que o estudante compreenda as estruturas sociais, as desigualdades territoriais, os 
processos históricos de urbanização e ruralização, bem como os desafios 
contemporâneos da vida nas cidades e no campo. Essa abordagem contribui diretamente 
para o desenvolvimento de competências como a empatia, a argumentação, o 
pensamento crítico e a responsabilidade cidadã. 
Um dos principais focos da BNCC na área das Ciências Humanas é a valorização 
dos diferentes modos de vida e das identidades culturais. Ao trabalhar temas ligados à 
Sociologia Rural e Urbana, o docente promove a reflexão sobre a pluralidade dos 
territórios, reconhecendo as especificidades das populações do campo, das periferias 
urbanas, dos povos tradicionais e das comunidades indígenas. Isso contribui para a 
formação de uma postura ética e respeitosa frente à diversidade. 
A BNCC valoriza a construção de conhecimentos a partir de problemas reais e 
situações do cotidiano. Ao analisar as dinâmicas rurais e urbanas, o estudante é 
convidado a investigar temas como o acesso à terra, o direito à cidade, os impactos do 
agronegócio, a mobilidade urbana, a gentrificação, a violência territorial, a migração 
campo-cidade e as políticas públicas. Esse processo investigativo favorece o protagonismo 
juvenil, estimula a autonomia intelectual e fortalece o vínculo entre escola e comunidade. 
Entre as competências gerais da BNCC, destaca-se a Competência 6, que orienta 
o estudante a “valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e reconhecer a 
identidade cultural como parte da identidade individual e coletiva.” A Sociologia Rural e 
 
 
44 
Urbana, ao abordar os modos de vida camponeses, a cultura popular das periferias 
urbanas e as transformações territoriais, contribui diretamente para o desenvolvimento 
dessa competência, promovendo a valorização dos múltiplos saberes sociais. 
A Competência 7 da BNCC, que propõe o exercício da argumentação baseada em 
dados, fatos e evidências, encontra terreno fértil na análise sociológica dos territórios. Ao 
comparar estatísticas de desigualdade urbana, índices de violência no campo, dados 
sobre mobilidade, saneamento, moradia ou escolarização, os alunos aprendem a 
interpretar criticamente a realidade, desenvolver argumentos sólidos e participar de 
debates fundamentados. 
A sociologia, no contexto da BNCC, também contribui para a Competência 10, 
que destaca a importância da ação pessoal e coletiva para a transformação da realidade. 
Os temas rurais e urbanos estimulam a identificação de problemas locais e a proposição 
de soluções que valorizem o protagonismo estudantil. Projetos de intervenção, ações 
comunitárias, pesquisas escolares e iniciativas de educação popular são práticas 
pedagógicas que consolidam o vínculo entre teoria e prática. 
A abordagem territorial proposta pela Sociologia Rural e Urbana também 
favorece o desenvolvimento da Consciência Socioespacial, prevista nas competências 
específicas da área de Geografia, mas transversais à Sociologia. O reconhecimento de que 
os espaços são construídos socialmente, que refletem relações de poder e que 
influenciam diretamente a vida das pessoas é uma base comum que permite o trabalho 
interdisciplinar entre as áreas das Ciências Humanas. 
A BNCC incentiva a articulação entre os componentes curriculares por meio dos 
temas contemporâneos transversais. A sociologia dos territórios permite o diálogo com 
temas como sustentabilidade, cidadania, ética, direitos humanos, educação para o 
trânsito, saúde, cultura e trabalho. Ao abordar, por exemplo, o êxodo rural ou a falta de 
mobilidade nas cidades, é possível integrar conteúdos de Sociologia, Geografia, História 
e Filosofia em projetos interdisciplinares. 
A educação contextualizada, prevista na BNCC, exige que os currículos escolares 
considerem a realidade dos estudantes. Em regiões rurais, torna-se fundamental abordar 
os desafios enfrentados pelos pequenos agricultores, o acesso à terra, a educação do 
campo, as políticas de incentivo à agricultura familiar e os direitos dos povos tradicionais. 
Em contextos urbanos, temas como desigualdade socioespacial, violência, acesso aos 
 
 
45 
serviços públicos e movimentos sociais urbanos ganham centralidade. Essa 
contextualização amplia o sentido da aprendizagem. 
Outro aspecto relevante da BNCC é a promoção da cidadania ativa. A sociologia 
dos territórios oferece ferramentas para que os estudantes se reconheçam como sujeitos 
históricos, capazes de agir coletivamente na transformação do espaço em que vivem. A 
leitura crítica da cidade e do campo, aliada ao conhecimento das estruturas sociais e 
políticas, fortalece a capacidade de reivindicação de direitos e de construção de propostas 
democráticas e inclusivas. 
A BNCC também prevê o uso de metodologias ativas, como investigação, 
resolução de problemas, projetos integradores e uso das tecnologias da informação. A 
análise dos territórios pode ser realizada por meio de saídas de campo, observação 
participante, produção de mapas mentais, construção de documentários e entrevistas 
com moradoresda comunidade. Essas práticas favorecem o envolvimento dos estudantes 
e estimulam a aprendizagem significativa. 
A inclusão da Sociologia no currículo do ensino médio, conforme indicado na 
BNCC, está associada à formação ética, política e científica. Os temas relacionados ao 
campo e à cidade envolvem questões de justiça social, distribuição de recursos, 
participação política e organização coletiva. Por isso, devem ser tratados de forma crítica, 
dialógica e emancipadora, respeitando a pluralidade de visões e promovendo o diálogo 
entre os diferentes saberes presentes na escola. 
A discussão sobre os direitos humanos também é central no trabalho com a 
Sociologia Rural e Urbana. Os conflitos agrários, os despejos forçados, a violência policial 
nas periferias, a negação do direito à moradia ou à terra são violações que atingem 
diretamente a dignidade humana. Ao abordar essas temáticas, a escola se torna um 
espaço de resistência, de formação cidadã e de defesa da democracia. 
A BNCC estimula a valorização da memória social e cultural. Os territórios são 
repositórios de histórias, lutas, tradições e significados. Ao estudar as dinâmicas rurais e 
urbanas, os estudantes têm a oportunidade de conhecer e valorizar o patrimônio cultural 
material e imaterial de suas comunidades, fortalecendo o sentimento de pertencimento 
e a identidade coletiva. 
Além disso, o enfoque na pluralidade dos territórios contribui para combater 
estigmas e preconceitos. A escola pode desconstruir representações negativas sobre o 
 
 
46 
campo e a cidade, como a ideia de que o rural é atrasado ou que as favelas são sinônimo 
de violência. Ao valorizar a diversidade e promover o respeito, a sociologia contribui para 
a construção de uma cultura de paz e de convivência solidária. 
As transformações tecnológicas e as mudanças no mundo do trabalho, temas da 
BNCC, também são abordadas na Sociologia Rural e Urbana. O impacto da mecanização 
na agricultura, a automação nas cidades, o desemprego estrutural e a informalidade são 
questões que afetam profundamente os territórios e precisam ser discutidas com os 
estudantes, relacionando teoria e realidade concreta. 
A BNCC também valoriza o desenvolvimento de projetos de vida. Ao 
compreender as dinâmicas territoriais, os estudantes podem refletir sobre seus próprios 
trajetos, desejos e possibilidades de atuação profissional e cidadã. Essa reflexão amplia 
os horizontes e permite a construção de trajetórias significativas, que dialoguem com os 
desafios e potencialidades de seus territórios. 
A abordagem territorial promove ainda o desenvolvimento da leitura crítica do 
espaço, fundamental para compreender os processos de exclusão e inclusão. Por que 
certas áreas têm mais acesso a serviços públicos? Quais interesses determinam o uso do 
solo urbano? Por que há tanta concentração fundiária no campo? Essas perguntas 
instigam a investigação e o engajamento. 
A escola deve ser um espaço de articulação entre teoria e prática. A BNCC 
reconhece essa necessidade ao propor o desenvolvimento de competências aplicadas à 
vida real. O estudo das relações sociais nos territórios é uma excelente oportunidade para 
que os alunos se envolvam em projetos sociais, debates, rodas de conversa, produções 
textuais e ações transformadoras. 
A valorização das juventudes também está presente na BNCC. A Sociologia Rural 
e Urbana pode explorar as experiências juvenis nos territórios, suas formas de expressão, 
seus conflitos e suas formas de organização política. O protagonismo juvenil é essencial 
para a construção de sociedades mais justas e democráticas. 
 
 
 
47 
AULA 8. REFERENCIAIS TEÓRICOS 
 
José de Souza Martins 
 
“O latifúndio não é apenas a grande propriedade da terra: é também 
uma forma de dominação social” 
A citação de José de Souza Martins revela uma das teses centrais de sua obra: a 
compreensão do latifúndio não se limita à sua dimensão fundiária, mas se estende à 
esfera das relações sociais, econômicas e políticas que ele sustenta. Ao propor essa leitura 
ampliada, o autor denuncia que a posse da terra em larga escala constitui um instrumento 
de controle e subordinação dos trabalhadores rurais e camponeses. O latifúndio, nesse 
sentido, é mais que estrutura agrária: é também um sistema de poder e uma expressão 
da desigualdade social. 
Essa perspectiva permite entender que a concentração fundiária no Brasil não é 
apenas resultado de fatores econômicos, mas de uma lógica de dominação histórica, que 
remonta ao período colonial. A terra, desde o início, foi apropriada por elites econômicas 
e políticas que a utilizaram como base para a reprodução de privilégios e o exercício da 
autoridade sobre populações subalternas. O latifúndio é, portanto, uma instituição social 
que organiza a vida rural de forma desigual e hierarquizada. 
O controle sobre a terra garante, ao proprietário, o controle sobre os meios de 
produção, o trabalho e, frequentemente, sobre as formas de organização comunitária. 
Isso implica em um tipo de dependência estrutural dos trabalhadores em relação aos 
donos da terra, o que dificulta a autonomia dos camponeses e a consolidação de 
alternativas produtivas. A dominação não se dá apenas na exploração do trabalho, mas 
também na imposição de valores, normas e formas de viver. 
Martins destaca que a permanência do latifúndio no Brasil contemporâneo 
revela a força das estruturas arcaicas que coexistem com a modernização. Enquanto os 
discursos oficiais celebram a produtividade e a inovação no campo, milhões de 
trabalhadores continuam submetidos a relações sociais marcadas pelo autoritarismo, 
pelo clientelismo e pela violência simbólica e física. Essa convivência entre o moderno e 
o arcaico é um dos traços característicos do rural brasileiro. 
 
 
48 
Ao afirmar que o latifúndio é uma forma de dominação social, Martins chama 
atenção para os aspectos ideológicos que sustentam sua legitimidade. A imagem do 
grande proprietário como benfeitor da comunidade, o discurso da ordem e da tradição e 
a invisibilização das lutas camponesas compõem um imaginário que naturaliza a 
desigualdade. A sociologia, nesse cenário, deve exercer um papel desmistificador, 
revelando as estruturas de poder ocultas sob o véu da normalidade. 
A citação escolhida nos convida a pensar o campo como um espaço de conflito 
e disputa. A propriedade da terra não é apenas um bem econômico, mas um símbolo de 
status, de pertencimento e de autoridade. A exclusão do acesso à terra implica também 
na exclusão da cidadania plena, pois impede o exercício de direitos fundamentais como a 
moradia, a produção de alimentos, a participação política e a construção da identidade 
coletiva. 
A luta pela terra, como mostra Martins, é uma luta por dignidade e 
reconhecimento. Os movimentos sociais que enfrentam o latifúndio, como o MST, não 
estão apenas reivindicando hectares para cultivo, mas exigindo a superação de uma 
estrutura de dominação profundamente enraizada. O autor contribui, assim, para 
legitimar sociologicamente essas lutas e para oferecer uma leitura crítica da realidade 
agrária brasileira. 
A citação revela também o caráter estrutural da desigualdade rural. Não se trata 
de uma questão localizada ou pontual, mas de um modo de organização social que afeta 
milhões de brasileiros. A dominação exercida pelo latifúndio não se limita ao campo: ela 
repercute na política, na economia e na cultura nacional, moldando a estrutura de classes 
e os limites da democracia. 
O autor ainda mostra que, mesmo quando o latifúndio se transforma em 
empresa moderna, com uso de tecnologia e inserção no mercado global, suas bases de 
dominação permanecem. A modernização produtiva não se traduziu necessariamente em 
modernização social. Ao contrário, muitas vezes serviu para consolidar ainda mais o 
controle sobre a terra e sobre o trabalho rural, ampliando as formas de exploração e 
expropriação.Portanto, a leitura de Martins é essencial para compreender que o problema 
fundiário no Brasil não se resume à distribuição da terra, mas envolve a reconfiguração 
das relações de poder. O combate ao latifúndio exige não apenas reforma agrária, mas 
 
 
49 
mudanças profundas nas estruturas sociais, políticas e culturais que o sustentam. Trata-
se de uma luta por justiça social, por democracia e por um modelo de desenvolvimento 
verdadeiramente inclusivo. 
 
Henri Lefebvre 
 
“O direito à cidade não é simplesmente o direito ao que já existe na 
cidade, mas o direito de transformá-la segundo os desejos coletivos” 
Henri Lefebvre, ao enunciar o conceito de direito à cidade, propõe uma mudança 
radical na forma como pensamos o espaço urbano. Para ele, a cidade não é apenas um 
lugar físico onde ocorrem relações econômicas e sociais, mas uma obra coletiva, 
continuamente produzida pelos seus habitantes. O direito à cidade, então, não é apenas 
o direito de estar na cidade, mas o direito de transformá-la, de participar de sua criação, 
de decidir seus rumos e de compartilhá-la de forma democrática. 
A citação sublinha a dimensão política do espaço urbano. Lefebvre rompe com a 
ideia da cidade como produto técnico-administrativo, mostrando que ela é, acima de 
tudo, espaço de conflito e de negociação. O direito à cidade implica o direito de todas as 
pessoas – e não apenas das elites – de se apropriar do espaço, de usá-lo conforme suas 
necessidades, desejos e aspirações. É uma forma de reivindicar a cidade como bem 
comum. 
Esse direito é, segundo Lefebvre, um direito coletivo, pois a cidade é uma 
construção coletiva. Isso significa que ele não pode ser individualizado ou mercantilizado. 
Quando os espaços públicos são privatizados, quando os bairros populares são expulsos 
em nome da valorização imobiliária, quando o transporte público se torna inacessível, o 
direito à cidade é negado. A citação, portanto, é um chamado à resistência e à construção 
de alternativas urbanas. 
A transformação desejada por Lefebvre é orientada pelos desejos e necessidades 
das classes populares. Trata-se de uma transformação contra-hegemônica, que desafia o 
urbanismo tecnocrático e o planejamento subordinado ao capital. A cidade deve ser 
pensada a partir da vida cotidiana, da cultura, da sensibilidade e da criatividade dos seus 
habitantes. É uma proposta de urbanismo radical, que coloca as pessoas no centro do 
planejamento urbano. 
 
 
50 
Ao afirmar que o direito à cidade é o direito de transformá-la, Lefebvre nos 
lembra que a cidade não está pronta: ela é sempre inacabada, aberta à invenção e à ação 
política. Isso confere aos cidadãos o papel de coautores da cidade, e não apenas de 
consumidores ou espectadores. A cidade viva é aquela que se reinventa constantemente, 
que acolhe a diversidade e que permite a emergência de novas formas de convivência. 
Essa citação também aponta para a centralidade da participação. O direito à 
cidade pressupõe o envolvimento ativo dos cidadãos nos processos decisórios que afetam 
seu cotidiano. Significa decidir sobre o transporte, a habitação, o uso do solo, a cultura, o 
meio ambiente. É, portanto, uma radicalização da democracia, uma ampliação dos 
espaços de escuta e deliberação. 
Lefebvre convida a pensar a cidade como um espaço de realização da utopia 
concreta. A transformação da cidade segundo os desejos coletivos não é um sonho 
inalcançável, mas uma possibilidade política baseada na ação popular. As ocupações 
urbanas, os movimentos por moradia, as intervenções artísticas e culturais nos espaços 
públicos são formas legítimas de reivindicação desse direito. 
A crítica de Lefebvre ao urbanismo mercantilizado revela a lógica de exclusão e 
expropriação que caracteriza as cidades contemporâneas. Os processos de gentrificação, 
expulsão das periferias, elitização dos centros e financeirização do espaço urbano são 
estratégias de negação do direito à cidade. A citação escolhida é, portanto, uma denúncia 
e uma proposta. 
Sua obra nos leva a compreender que o espaço urbano é campo de disputa entre 
diferentes projetos de cidade: um voltado ao lucro e outro voltado à vida. A sociologia 
urbana encontra, em Lefebvre, um referencial potente para analisar essas tensões e para 
construir análises comprometidas com os sujeitos populares. 
 
Milton Santos 
 
“O espaço não é um palco neutro da ação social, mas uma instância 
ativa que participa da constituição da sociedade” 
A citação de Milton Santos propõe uma ruptura definitiva com a ideia de que o 
espaço é apenas o cenário onde os acontecimentos sociais se desenrolam. Ao afirmar que 
o espaço participa da constituição da sociedade, o autor atribui-lhe uma dimensão ativa, 
 
 
51 
configurando-o como elemento que interfere, condiciona e, ao mesmo tempo, é moldado 
pelas relações sociais. Essa concepção inaugura uma leitura dialética do espaço, essencial 
para compreender as contradições territoriais do mundo contemporâneo. 
Essa ideia desloca o foco da análise do espaço como mera localização geográfica 
ou suporte físico para o reconhecimento de sua centralidade nas relações sociais. O 
espaço, segundo Santos, tem materialidade, mas também tem intencionalidade e 
historicidade. Ele é produzido por sujeitos sociais inseridos em um contexto de conflitos, 
interesses e estratégias de dominação ou resistência. Assim, o espaço é produto e 
produtor da sociedade. 
O espaço do cidadão, como Milton Santos propõe, é um espaço plural, onde 
convivem diferentes racionalidades: a racionalidade do mercado e a racionalidade da 
vida. A primeira busca a eficiência, o lucro, a produtividade. A segunda, a solidariedade, a 
dignidade, o bem comum. Essa convivência é conflituosa e tende a ser desigual, pois o 
espaço é frequentemente apropriado pelas forças econômicas que determinam quem 
pode ou não estar em determinados lugares. 
Essa leitura crítica do espaço permite compreender os mecanismos de exclusão 
territorial. A segregação urbana, o deslocamento de comunidades, a concentração de 
infraestrutura em zonas privilegiadas e a invisibilidade dos pobres nos mapas oficiais são 
estratégias de organização do espaço que beneficiam certos grupos em detrimento de 
outros. Assim, o espaço não é apenas reflexo da desigualdade social – ele também a 
reproduz e a acentua. 
Milton Santos enfatiza que o espaço é o lócus da vida cotidiana, onde se 
materializam os direitos e as ausências de direitos. O acesso à água, à mobilidade, à 
moradia, à saúde e à educação depende de onde o sujeito está inserido no território. As 
diferenças espaciais condicionam a qualidade de vida e moldam as oportunidades de 
desenvolvimento individual e coletivo. A citação, nesse sentido, é um alerta para a 
importância da justiça territorial. 
O espaço também é mediado pelas relações de poder. Quem detém o controle 
sobre o espaço – seja pelo capital imobiliário, pelo planejamento urbano ou pelas políticas 
públicas – detém, em parte, o controle sobre a vida das pessoas. O autor denuncia a 
colonização dos territórios pela lógica empresarial e propõe uma outra forma de organizar 
o espaço, baseada na cidadania, na inclusão e na centralidade da vida. 
 
 
52 
A produção do espaço envolve, portanto, uma dimensão técnica, uma dimensão 
política e uma dimensão ética. Milton Santos articula essas três dimensões para 
demonstrar que toda intervenção no território implica escolhas que favorecem ou 
desfavorecem grupos sociais. Não existe neutralidade na organização espacial: há sempre 
projetos em disputa. O urbanismo, as políticas fundiárias e os investimentos em 
infraestrutura expressam interesses e visões de mundo. 
Para o autor, a cidade moderna é marcada por uma fragmentação que distancia 
os cidadãos da totalidade urbana. A compartimentalização do espaço – em bairros 
fechados, zonas industriais, áreas comerciais e favelas isoladas – reforça o individualismo,enfraquece o sentimento de pertencimento e compromete a cidadania plena. Reverter 
esse processo exige políticas que integrem os territórios e valorizem a convivência e o uso 
comum dos espaços. 
A citação também nos leva a repensar a forma como ensinamos e 
compreendemos o espaço nas escolas. Milton Santos propõe uma pedagogia do 
território, que valorize o lugar de vida dos estudantes, suas experiências, memórias e 
relações cotidianas. O espaço vivido deve ser ponto de partida para a construção do 
conhecimento, rompendo com abstrações e discursos distantes da realidade. Essa 
proposta está em plena sintonia com os princípios da BNCC e da educação 
contextualizada. 
Outro ponto fundamental na obra do autor é a crítica à globalização perversa. 
Para ele, a globalização organiza o espaço de maneira seletiva, priorizando fluxos de 
capital e mercadorias, enquanto restringe o movimento de pessoas e ignora as 
necessidades locais. A cidade torna-se vitrine do consumo global, mas exclui seus 
habitantes reais. A produção do espaço, nesse cenário, é orientada por lógicas exógenas, 
que ignoram as singularidades dos territórios. 
A resistência a esse modelo passa por uma reapropriação do espaço pelos 
cidadãos. Milton Santos aposta na possibilidade de construir outro espaço – o espaço da 
solidariedade, da cooperação e da justiça. Ele não idealiza os territórios populares, mas 
reconhece seu potencial de invenção, organização e produção de alternativas ao modelo 
dominante. O espaço do cidadão é o espaço da esperança concreta. 
A citação nos instiga a ver o território como construção histórica. Os bairros, as 
comunidades, as regiões não são dados naturais, mas frutos de escolhas, lutas e 
 
 
53 
processos sociais. Por isso, conhecer o espaço é também conhecer as histórias que ele 
carrega, os conflitos que o moldaram, as vozes que o compõem. O mapa não é apenas 
representação, mas narrativa política e instrumento de ação. 
A dimensão simbólica do espaço também é destacada pelo autor. Os lugares são 
carregados de significados, afetos, memórias e identidades. Negar o direito à 
permanência no território é negar o direito à identidade, à ancestralidade e à 
continuidade da vida. Por isso, o espaço é também um bem cultural e espiritual. A luta 
pelo território é, muitas vezes, uma luta pela dignidade e pela memória. 
Milton Santos nos ensina que a sociologia deve dialogar com a geografia crítica 
para compreender plenamente a realidade social. O espaço não pode ser tratado como 
um elemento acessório, mas como categoria central da análise. A interdisciplinaridade 
entre as ciências humanas é essencial para enfrentar os desafios territoriais do século XXI. 
Ao afirmar que o espaço participa da constituição da sociedade, o autor nos 
convida a pensar políticas públicas que levem em conta as especificidades territoriais. A 
padronização das ações governamentais ignora as particularidades locais e reproduz 
injustiças. A territorialização das políticas é condição para a construção de equidade e 
efetividade. 
A citação também nos leva a valorizar os saberes locais e as práticas 
comunitárias. As populações pobres, camponesas, indígenas e periféricas não são apenas 
objetos das políticas urbanas e rurais: são sujeitos ativos na produção do espaço. Sua 
experiência deve ser reconhecida, escutada e incorporada nas decisões que afetam o 
território. 
Por fim, Milton Santos nos oferece um horizonte de transformação. Se o espaço 
é produto da sociedade, ele pode ser reconstruído. A construção de territórios mais justos 
exige consciência crítica, ação política e solidariedade. A cidade e o campo podem ser 
reinventados como espaços de vida digna, cultura viva e cidadania ativa. 
O espaço do cidadão é o espaço onde se afirma o direito à cidade e ao campo, 
onde se rompe com a lógica da exclusão e se promove o bem comum. É o espaço da 
democracia territorial, do planejamento participativo e da emancipação social. Essa é a 
utopia concreta que Milton Santos nos convida a construir. 
 
 
 
54 
CONCLUSÃO 
 
A Sociologia, ao eleger os territórios rurais e urbanos como objeto de reflexão, nos 
oferece uma chave poderosa para compreender as dinâmicas sociais que estruturam a 
vida coletiva. Ao longo desta apostila, procuramos evidenciar como a análise dos espaços 
onde vivemos, produzimos, nos relacionamos e resistimos é indispensável para a 
formação crítica dos sujeitos e para o fortalecimento da cidadania. O rural e o urbano não 
são apenas cenários da ação humana; são expressões das relações de poder, das 
desigualdades históricas, das formas de dominação e também das potências de 
transformação social. 
Compreender o campo e a cidade requer muito mais do que observar suas 
aparências geográficas. Exige investigar como foram historicamente constituídos, como 
as estruturas sociais influenciam seus modos de organização e como sujeitos diversos, ao 
longo do tempo, resistem, inventam e reivindicam novos sentidos para o território. Essa 
perspectiva foi central em nossa abordagem, que buscou superar as dicotomias simplistas 
e construir uma leitura crítica, complexa e plural dos espaços sociais. 
Partimos da análise da sociologia rural, reconhecendo que o campo brasileiro não 
pode ser entendido fora do contexto da concentração fundiária, da herança escravocrata 
e da permanência de formas arcaicas de exploração. Com o suporte teórico de José de 
Souza Martins, discutimos como o latifúndio é mais do que uma estrutura agrária: é uma 
instituição de dominação social, sustentada por ideologias conservadoras e práticas 
excludentes. A luta pela terra, nesse contexto, aparece como uma disputa por dignidade, 
memória e pertencimento. 
No campo, a modernização produtiva nem sempre significou emancipação. Muitas 
vezes, serviu para aprofundar desigualdades, expulsar populações tradicionais e destruir 
vínculos comunitários. O avanço do agronegócio, embora promova altos índices de 
produtividade, está frequentemente associado à degradação ambiental, à precarização 
do trabalho e à violência contra camponeses. A sociologia rural, ao trazer esses elementos 
à luz, cumpre um papel fundamental ao desmistificar os discursos dominantes e valorizar 
as formas alternativas de produção e organização social. 
A resistência camponesa, os saberes tradicionais, a agroecologia, a cultura popular 
e os movimentos sociais do campo foram destacados como expressões vivas de uma luta 
 
 
55 
cotidiana pela construção de outro modelo de sociedade. Longe de serem resquícios do 
passado, esses sujeitos sociais são protagonistas na reinvenção do rural, mostrando que 
é possível articular desenvolvimento com justiça social e sustentabilidade. 
No mundo urbano, por sua vez, as transformações ocorridas ao longo do século XX 
e início do XXI revelam um processo de urbanização desigual e excludente. A cidade 
brasileira, marcada pela segregação socioespacial, pela concentração de serviços em 
áreas privilegiadas e pela precariedade nas periferias, expressa as contradições do 
desenvolvimento capitalista. A análise da sociologia urbana nos ajuda a compreender que 
a cidade é fruto de disputas, onde se enfrentam interesses do capital e os direitos da 
população. 
Com base no pensamento de Henri Lefebvre, discutimos o conceito de direito à 
cidade como forma de reivindicar a participação ativa dos cidadãos na construção dos 
espaços urbanos. A cidade não pode ser mercadoria, nem vitrine para o consumo e a 
especulação imobiliária; ela deve ser obra coletiva, lugar de encontro, de convivência e 
de expressão da diversidade. Lefebvre nos ensina que transformar a cidade é uma ação 
política que precisa ser impulsionada pelos desejos coletivos e não pelas imposições do 
mercado. 
Os problemas sociais urbanos, como a gentrificação, o déficit habitacional, a 
violência, a exclusão e a privatização dos espaços públicos, foram analisados à luz dasdesigualdades estruturais. A lógica de produção da cidade neoliberal reforça a 
fragmentação, a vigilância, a elitização dos centros e a criminalização da pobreza. Contra 
essa lógica, surgem movimentos urbanos que reivindicam moradia, cultura, mobilidade, 
segurança e dignidade. Essas experiências revelam a potência dos sujeitos urbanos na 
luta por justiça territorial. 
A inter-relação entre o rural e o urbano foi abordada como um aspecto 
indispensável para compreender a totalidade social. Mostramos como há uma 
circularidade de fluxos, práticas e sentidos entre campo e cidade, e como essas relações 
se expressam na produção de alimentos, na mobilidade, na cultura, no trabalho e nas 
políticas públicas. Superar a fragmentação entre esses dois mundos é tarefa urgente para 
planejar o desenvolvimento de forma integrada, respeitosa e cooperativa. 
O pensamento de Milton Santos nos ajudou a compreender o espaço como 
instância ativa na constituição da sociedade. O espaço não é neutro; ele interfere nas 
 
 
56 
relações sociais, molda comportamentos, distribui ou nega oportunidades e reflete os 
projetos hegemônicos de sociedade. O autor propõe o conceito de espaço do cidadão 
como horizonte ético e político, no qual a cidade e o campo devem ser apropriados pelos 
sujeitos sociais, a partir de seus direitos, suas necessidades e suas experiências. 
A concepção de território como construção social foi central em todo o nosso 
percurso. Os territórios são produzidos, apropriados, disputados e significados por 
diferentes grupos. São espaços de conflito, mas também de pertencimento e identidade. 
Reconhecer os sujeitos do território – sejam camponeses, favelados, indígenas, 
quilombolas ou moradores de bairros urbanos – é condição para a construção de políticas 
públicas verdadeiramente democráticas e emancipatórias. 
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), discutida em tópico específico, nos 
ofereceu uma moldura institucional para compreender a importância da sociologia rural 
e urbana na formação escolar. A BNCC valoriza competências como o pensamento crítico, 
a argumentação, a empatia, o trabalho em equipe e o protagonismo juvenil – todos 
aspectos que são diretamente fortalecidos pela análise das dinâmicas territoriais. A 
escola, nesse contexto, deve ser espaço de leitura do mundo e de ação transformadora. 
O trabalho com territórios na sala de aula permite que os estudantes investiguem 
seus bairros, suas comunidades, suas realidades locais. A partir de metodologias ativas, 
eles podem desenvolver projetos que relacionem teoria e prática, promovendo o diálogo 
entre saberes acadêmicos e saberes populares. A educação territorializada fortalece a 
identidade, o pertencimento e a cidadania. 
A BNCC propõe ainda uma abordagem interdisciplinar, o que torna a sociologia um 
campo privilegiado de articulação entre diferentes áreas do conhecimento. Ao tratar de 
temas como moradia, transporte, meio ambiente, cultura e trabalho, a sociologia dos 
territórios dialoga com a geografia, a história, a filosofia, a matemática, a biologia, a 
literatura e a arte. Essa perspectiva amplia as possibilidades de aprendizagem e enriquece 
a formação integral dos estudantes. 
Os conteúdos abordados nesta apostila não têm apenas valor acadêmico ou 
didático. Eles constituem uma proposta de formação ética, política e emancipadora. 
Estudar a realidade rural e urbana é estudar a própria sociedade, suas contradições, suas 
esperanças e seus desafios. É compreender que as desigualdades não são naturais, mas 
historicamente construídas – e, portanto, passíveis de transformação. 
 
 
57 
A educação crítica não se limita a transmitir conteúdos: ela forma sujeitos capazes 
de intervir em sua realidade. A sociologia rural e urbana oferece os instrumentos 
analíticos para que estudantes compreendam seu papel na sociedade, leiam o território 
em que vivem e assumam sua responsabilidade na construção de um mundo mais justo. 
Essa formação é a base de uma democracia ativa e consciente. 
A valorização dos autores clássicos e contemporâneos discutidos ao longo da 
apostila reforça a importância de construir um repertório teórico sólido e comprometido. 
Martins, Lefebvre e Santos não são apenas referências acadêmicas; são vozes que 
desafiam o conformismo, denunciam as estruturas de dominação e apontam caminhos 
de resistência. Seus escritos iluminam as lutas sociais e inspiram novas práticas de justiça 
territorial. 
A educação sociológica deve ser, também, uma educação para o engajamento. É 
preciso ir além da análise crítica e cultivar o envolvimento com as causas sociais. A cidade 
e o campo são construídos todos os dias por ações individuais e coletivas. Participar 
dessas construções é tarefa que exige consciência, solidariedade, coragem e 
compromisso. 
A juventude, em especial, tem papel central nesse processo. Jovens de diferentes 
territórios são protagonistas de mudanças significativas em suas comunidades. Por meio 
da arte, da cultura, da organização política, da comunicação e da educação popular, eles 
transformam o espaço que habitam e criam novas formas de viver em coletivo. Valorizar 
essas experiências é fortalecer o direito à cidade e ao campo como direito à vida digna. 
Ao final deste percurso, reafirmamos que a sociologia rural e urbana não são 
campos estanques, mas complementares. A cidade está no campo e o campo está na 
cidade. A migração, o abastecimento, a cultura, os afetos e as memórias conectam os 
territórios de forma profunda. Reconhecer essa interdependência é passo fundamental 
para construir políticas integradas, planejamento territorial participativo e justiça 
socioespacial. 
O espaço social é, ao mesmo tempo, campo de dominação e de possibilidade. Ele 
pode ser usado para excluir, vigiar, controlar – mas também para acolher, proteger, cuidar. 
O tipo de espaço que queremos depende das escolhas políticas que fazemos. E essas 
escolhas devem ser orientadas pelo compromisso com a equidade, a democracia, a 
diversidade e a vida. 
 
 
58 
A cidade e o campo não são apenas estruturas físicas. São lugares de encontro, de 
cultura, de trabalho, de festa, de luta e de esperança. A transformação desses espaços 
exige que deixemos de ser apenas observadores e nos tornemos sujeitos ativos. Como 
dizia Lefebvre, o direito à cidade é o direito de reinventá-la. E esse direito precisa ser 
estendido ao campo, às florestas, às margens e às periferias. 
A luta por territórios justos não é apenas uma luta por infraestrutura ou serviços. É 
uma luta por reconhecimento, por visibilidade e por respeito. É uma luta contra o racismo 
ambiental, contra o machismo territorializado, contra a homofobia urbana, contra todas 
as formas de opressão que se expressam no espaço. 
Educar para o território é educar para a justiça. É ensinar a ver o que está escondido, 
a ouvir o que foi silenciado, a caminhar por onde nos disseram que não era possível. É 
reconstruir os laços entre as pessoas e os lugares. É reconectar o presente à história e o 
futuro à esperança. 
Por isso, encerramos esta apostila com um convite: que cada estudante, educador 
e leitor continue esse percurso fora das páginas, nas ruas, nas comunidades, nas escolas, 
nas terras, nos bairros e nas praças. Que cada um contribua, à sua maneira, para construir 
um território onde todos e todas possam viver com dignidade, liberdade e 
pertencimento. 
Esse é o verdadeiro sentido da sociologia: entender o mundo para transformá-lo. 
 
 
 
59 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
HARVEY, David. Condição pós-moderna. 21. ed. São Paulo: Loyola, 2020. 
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001. 
MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2010. 
SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 6. ed. São Paulo: Edusp, 2006. 
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência 
universal. 19. ed.Rio de Janeiro: Record, 2019. 
SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do 
século XXI. 16. ed. Rio de Janeiro: Record, 2010. 
WIRTH, Louis. O urbanismo como modo de vida. In: VELHO, Otávio Guilherme (Org.). O 
fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. p. 89–104. 
 
 
 
60se limitar à observação das 
paisagens ou ao registro das diferenças entre estilos de vida. É preciso compreender as 
estruturas que os constituem e os sujeitos que os disputam. 
Os processos de urbanização e ruralização não se deram de forma homogênea 
em todas as partes do mundo. No Brasil, em particular, a urbanização acelerada do século 
XX ocorreu de maneira desigual, com pouca ou nenhuma infraestrutura planejada para 
atender à crescente população que migrava do campo para os centros urbanos. Ao 
mesmo tempo, o campo foi sendo esvaziado de sua população ativa, mas não de sua 
importância econômica, principalmente com o avanço do agronegócio. Essas 
transformações impuseram novos desafios à sociologia brasileira, que passou a se 
debruçar com mais intensidade sobre os conflitos fundiários, os problemas habitacionais, 
a segregação urbana e a crise da vida comunitária. 
Outro aspecto relevante é o modo como o campo e a cidade têm sido 
imaginados no discurso público e nos meios de comunicação. Muitas vezes, o campo é 
idealizado como espaço de pureza, tradição e ordem, ao passo que a cidade é associada 
à modernidade, diversidade e dinamismo. Essa oposição simbólica, embora simplista, 
influencia políticas públicas, projetos educacionais e estratégias de desenvolvimento. A 
sociologia se propõe a romper com essas idealizações, mostrando que ambos os espaços 
são atravessados por conflitos, exclusões e possibilidades de emancipação. 
 
 
7 
O campo, longe de ser homogêneo, abriga uma pluralidade de sujeitos: 
agricultores familiares, comunidades quilombolas, povos indígenas, assentados da 
reforma agrária, ribeirinhos, entre outros. Essas populações vivem tensões constantes 
entre a preservação de suas formas de vida e as pressões do capital agrário, das grandes 
obras de infraestrutura e das políticas de Estado. Compreender essa diversidade é 
fundamental para evitar generalizações e promover uma abordagem sensível às 
especificidades locais. 
As cidades, por sua vez, não podem ser vistas apenas como centros 
administrativos e produtivos. Elas são territórios de vida, de cultura e de luta. Em suas 
periferias, surgem experiências inovadoras de organização social, práticas culturais ricas 
e redes de solidariedade que muitas vezes escapam às análises convencionais. A 
sociologia urbana contemporânea tem se dedicado a resgatar essas experiências, 
valorizando o saber local e as resistências cotidianas às formas de exclusão. 
A interdependência entre rural e urbano tornou-se ainda mais evidente com a 
globalização e os avanços das tecnologias da informação e da comunicação. Produtos 
agrícolas abastecem mercados urbanos, trabalhadores do campo dependem de políticas 
formuladas nas cidades, e habitantes urbanos encontram no campo uma alternativa de 
refúgio e reconexão com formas de vida mais sustentáveis. Essa inter-relação exige um 
olhar que ultrapasse os limites disciplinares tradicionais, integrando sociologia, geografia, 
antropologia, economia e outras áreas do saber. 
Do ponto de vista metodológico, o estudo da sociologia rural e urbana exige o 
uso combinado de instrumentos quantitativos e qualitativos. As estatísticas sobre 
mobilidade, habitação, produção agrícola e renda são fundamentais, mas precisam ser 
complementadas por estudos de caso, entrevistas, observações de campo e análises 
culturais. Somente assim é possível captar a complexidade das relações sociais que 
estruturam os territórios e dar visibilidade às vozes muitas vezes silenciadas. 
A escolha dos autores referenciais desta apostila se deu justamente pela 
capacidade que têm de iluminar, a partir de distintas perspectivas, as tensões que 
atravessam o campo e a cidade. José de Souza Martins nos oferece uma leitura crítica das 
estruturas agrárias brasileiras e do papel do latifúndio na reprodução das desigualdades 
rurais. Henri Lefebvre propõe uma teoria do espaço urbano como campo de disputa, 
introduzindo o conceito de direito à cidade como horizonte político de transformação. 
 
 
8 
Milton Santos, por sua vez, articula espaço, cidadania e justiça social numa abordagem 
inovadora e profundamente comprometida com os territórios populares. 
O trabalho com a sociologia rural e urbana, especialmente em contexto 
educacional, fortalece a consciência crítica dos estudantes e amplia sua capacidade de 
leitura do mundo. Ao analisar a realidade que os cerca, os jovens compreendem que os 
problemas que enfrentam – como o acesso ao transporte, à moradia, à terra e aos 
serviços – são resultado de escolhas políticas e de processos históricos. Essa compreensão 
os transforma em sujeitos ativos, capazes de intervir em suas comunidades e propor 
mudanças. 
A educação voltada para os territórios também estimula o protagonismo 
estudantil e o vínculo entre escola e comunidade. Projetos de mapeamento social, visitas 
de campo, entrevistas com moradores, feiras culturais e ações solidárias são exemplos de 
práticas pedagógicas que conectam o conteúdo escolar à realidade vivida pelos alunos. 
Essas atividades valorizam o saber local, fortalecem o sentimento de pertencimento e 
promovem a aprendizagem significativa. 
Os territórios, como espaços de produção da vida social, são também lugares de 
disputa simbólica. A forma como são nomeados, representados e narrados interfere nas 
políticas públicas e na autoestima dos grupos que neles habitam. Por isso, é fundamental 
desenvolver nos estudantes a capacidade de questionar as representações dominantes 
sobre os territórios rurais e urbanos, promovendo uma leitura crítica das mídias, dos 
discursos oficiais e dos currículos escolares. 
O desenvolvimento sustentável, um dos temas transversais presentes na BNCC, 
ganha novo sentido quando articulado às realidades territoriais. A sustentabilidade não 
pode ser pensada apenas em termos ambientais ou econômicos, mas deve incluir a 
dimensão social e cultural. Isso significa respeitar os modos de vida locais, garantir o 
acesso equitativo aos recursos e fortalecer a capacidade das comunidades de decidir 
sobre seus próprios destinos. 
Ao iniciar a jornada de estudo da sociologia rural e urbana, é essencial que o 
estudante se posicione não apenas como observador, mas como sujeito envolvido. Os 
conhecimentos aqui sistematizados não devem ser vistos como verdades distantes, mas 
como ferramentas para compreender e transformar o cotidiano. 
 
 
 
9 
AULA 1. FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA RURAL 
 
A sociologia rural é uma subárea da sociologia que se dedica ao estudo das 
estruturas sociais, das dinâmicas culturais e econômicas, e dos modos de vida existentes 
nas zonas rurais. Surgida no final do século XIX, especialmente nos Estados Unidos e na 
Europa, ela tem como propósito compreender como as relações sociais se configuram no 
campo, e de que maneira essas relações são influenciadas por fatores como a posse da 
terra, os sistemas de produção agrícola, a tradição cultural e os processos de 
modernização. O campo é visto, nesse contexto, não apenas como espaço geográfico, 
mas como território social marcado por interações simbólicas, econômicas e políticas 
específicas. 
Um dos aspectos centrais da sociologia rural é a análise da estrutura fundiária. A 
distribuição desigual da terra tem sido historicamente um dos principais fatores de 
conflito no meio rural, gerando tensões entre grandes proprietários, pequenos 
agricultores, camponeses sem-terra e comunidades tradicionais. O latifúndio, por 
exemplo, é uma forma concentrada de propriedade fundiária que favorece a monocultura 
e a exportação agrícola, enquanto o minifúndio é caracterizado por pequenas parcelas de 
terra que, muitas vezes, não garantem a subsistência da família rural. A compreensão 
dessas formas de propriedade é fundamental para o entendimento das desigualdades 
sociais no campo. 
Autores como Karl Marx e Max Weber forneceram importantes contribuições 
teóricaspara a compreensão das relações sociais rurais. Marx, ao analisar a questão 
agrária, destacou a exploração da força de trabalho camponesa, o papel do capital na 
agricultura e a alienação do trabalhador rural. Já Weber, por sua vez, trouxe elementos 
da ação social e da racionalidade que ajudam a entender como os agricultores tomam 
decisões em contextos de modernização. Outro nome importante é Emile Durkheim, que 
analisou a coesão social em comunidades tradicionais, muitas vezes presentes no meio 
rural, onde predomina a solidariedade mecânica. 
No Brasil, a sociologia rural teve grande impulso a partir da década de 1950, com 
os estudos desenvolvidos por sociólogos como Alberto Passos Guimarães, Octavio Ianni 
e Maria Isaura Pereira de Queiroz. Esses autores buscaram compreender as 
especificidades do mundo rural brasileiro, marcado por uma combinação de estruturas 
 
 
10 
arcaicas com processos modernos. Guimarães analisou o campesinato como classe social 
em luta pela reforma agrária, enquanto Ianni investigou a articulação entre o agronegócio 
e a política nacional. Já Maria Isaura trouxe importantes reflexões sobre a cultura rural e 
as festas populares como elementos de identidade camponesa. 
A sociologia rural também se debruça sobre os modos de produção 
predominantes no campo. Entre eles, destaca-se o modo de produção camponês, 
baseado na propriedade familiar, na autossuficiência e na cooperação entre membros da 
comunidade. Em contraposição, o modo de produção capitalista prioriza a lógica do lucro, 
a mecanização, a divisão do trabalho e a inserção no mercado global. As tensões entre 
esses dois modelos geram conflitos que afetam diretamente a organização do trabalho, a 
sustentabilidade ambiental e a qualidade de vida das populações rurais. 
A modernização agrícola, impulsionada pela chamada Revolução Verde, 
transformou radicalmente o cenário rural em muitos países. Com a introdução de 
tecnologias como sementes geneticamente modificadas, fertilizantes químicos e 
maquinário pesado, houve um aumento significativo na produtividade agrícola. No 
entanto, esse processo também trouxe consequências negativas, como a degradação 
ambiental, o endividamento dos pequenos produtores e o êxodo rural. A sociologia rural 
analisa criticamente essas mudanças, buscando entender seus impactos nas 
comunidades e nas relações sociais no campo. 
Outro campo de interesse da sociologia rural é a análise dos movimentos sociais 
do campo, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), as organizações 
de agricultores familiares, as comunidades quilombolas e os povos indígenas. Esses 
movimentos lutam por direitos territoriais, reconhecimento cultural, acesso à educação, 
saúde e condições dignas de produção. A atuação desses sujeitos coletivos tem 
contribuído para a construção de uma nova consciência política no meio rural, pautada 
pela justiça social, pela soberania alimentar e pela agroecologia. 
A questão da identidade rural também é um tema relevante. A identidade 
camponesa está profundamente ligada ao território, à tradição familiar, ao modo de vida 
coletivo e à relação simbiótica com a natureza. A globalização e a urbanização crescente 
têm provocado mudanças nesse sentido, levando à descaracterização de algumas práticas 
culturais, mas também à ressignificação de tradições. Muitos jovens, por exemplo, deixam 
 
 
11 
o campo em busca de melhores oportunidades nas cidades, enquanto outros decidem 
permanecer e revalorizar o modo de vida rural com novas perspectivas. 
A relação entre gênero e ruralidade tem sido objeto de crescente atenção na 
sociologia rural. As mulheres camponesas desempenham papel fundamental na 
produção de alimentos, na gestão da economia doméstica e na manutenção das tradições 
culturais. No entanto, enfrentam inúmeras formas de invisibilidade, desigualdade e 
violência. Estudos feministas têm contribuído para evidenciar a importância do 
protagonismo feminino nas lutas sociais do campo, bem como para promover políticas 
públicas voltadas à equidade de gênero nas zonas rurais. 
Do ponto de vista metodológico, a sociologia rural utiliza diferentes técnicas de 
pesquisa para compreender as realidades do campo, como entrevistas, observação 
participante, estudos de caso e levantamento estatístico. A complexidade do mundo rural 
exige abordagens interdisciplinares, que articulem dados quantitativos e qualitativos, 
bem como o diálogo com outras áreas do conhecimento, como a geografia, a economia, 
a antropologia e as ciências ambientais. O trabalho de campo é essencial para captar as 
nuances das relações sociais, os valores culturais e os projetos de vida das comunidades 
rurais. 
Outro conceito fundamental é o de comunidade rural. As comunidades no 
campo são, muitas vezes, organizadas com base em relações de parentesco, vizinhança e 
solidariedade, configurando formas de vida mais coesas e interdependentes do que nas 
cidades. Essa coesão social pode ser um fator de resistência frente às pressões externas, 
mas também pode dificultar a aceitação de mudanças e a inclusão de grupos minoritários. 
A sociologia rural analisa esses aspectos de forma crítica, buscando compreender como 
se dá a reprodução social das comunidades e quais são seus mecanismos de exclusão e 
inclusão. 
A análise das políticas públicas voltadas ao meio rural é também central nos 
estudos sociológicos. Programas como o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento 
da Agricultura Familiar), o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e o PNAE (Programa 
Nacional de Alimentação Escolar) representam iniciativas importantes de apoio aos 
pequenos agricultores, mas sua efetividade depende de diversos fatores, como a atuação 
dos governos locais, o acesso à informação e a organização dos produtores. A sociologia 
 
 
12 
rural avalia os impactos dessas políticas na melhoria das condições de vida e na promoção 
da justiça agrária. 
A questão ambiental é uma preocupação crescente nos estudos sobre o campo. 
A expansão do agronegócio tem provocado desmatamento, uso intensivo de agrotóxicos, 
contaminação dos rios e perda da biodiversidade. Em contrapartida, movimentos ligados 
à agroecologia propõem modelos sustentáveis de produção, baseados na diversidade, no 
respeito ao meio ambiente e na valorização dos saberes tradicionais. A sociologia rural 
contribui para essa discussão ao analisar as práticas socioambientais dos agricultores e os 
desafios para a transição agroecológica. 
A migração rural-urbana é outro fenômeno que desafia a sociologia rural. 
Historicamente, a busca por melhores condições de vida, emprego e acesso a serviços 
básicos tem levado milhares de pessoas a deixarem o campo em direção às cidades. Esse 
movimento provoca o esvaziamento das áreas rurais, a concentração fundiária e o 
envelhecimento da população do campo. Por outro lado, também há movimentos de 
retorno ao campo, motivados por projetos de vida alternativos, busca por qualidade de 
vida ou novas formas de produção. A sociologia rural investiga essas dinâmicas e suas 
implicações sociais. 
Além disso, o campo brasileiro é marcado por uma enorme diversidade cultural 
e étnica. Povos indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhos, sertanejos e caiçaras 
compartilham modos de vida únicos, saberes ancestrais e relações distintas com o 
território. A sociologia rural reconhece a importância de valorizar essa diversidade, 
rompendo com visões homogêneas e estigmatizantes sobre o meio rural. A valorização 
da pluralidade cultural é essencial para a construção de políticas públicas inclusivas e 
respeitosas às especificidades locais. 
A educação no campo é outro tema crucial. Historicamente marginalizadas, as 
populações rurais enfrentam dificuldades de acesso à educação de qualidade, 
infraestrutura escolar precária e currículos descontextualizados. Movimentos sociais e 
educadores têm lutado por uma educaçãodo campo que respeite os saberes locais, 
promova a cidadania e fortaleça os vínculos comunitários. A sociologia rural analisa essas 
demandas e contribui para a formulação de práticas pedagógicas que dialoguem com a 
realidade dos estudantes do campo. 
 
 
13 
A religiosidade também exerce papel significativo na vida das comunidades 
rurais. Igrejas católicas, evangélicas e manifestações religiosas afro-brasileiras ou 
indígenas são parte integrante da identidade das populações do campo. As práticas 
religiosas influenciam os ritos de passagem, as relações de poder e as formas de 
organização comunitária. A sociologia rural estuda essas expressões de fé não apenas 
como fenômenos espirituais, mas como componentes sociais e culturais que estruturam 
a vida coletiva. 
Por fim, a sociologia rural se coloca como um instrumento de análise crítica e de 
transformação social. Ao investigar as relações de poder, as desigualdades estruturais e 
os processos de resistência no campo, ela oferece subsídios para o fortalecimento das 
comunidades rurais, a promoção da justiça agrária e a construção de um modelo de 
desenvolvimento mais equitativo e sustentável. Trata-se de uma área do conhecimento 
que articula teoria, pesquisa e ação social, contribuindo para a construção de uma 
sociedade mais justa, plural e democrática. 
Além disso, é fundamental compreender que o rural brasileiro não é 
homogêneo, tampouco estático. As transformações provocadas pelas políticas públicas, 
pelos avanços tecnológicos e pelas lutas sociais produzem novas territorialidades, que 
combinam elementos tradicionais com práticas modernas. Por isso, a sociologia rural 
contemporânea precisa ser capaz de captar essas dinâmicas emergentes, sem perder de 
vista os processos históricos que moldaram a estrutura fundiária, a cultura camponesa e 
as formas de resistência. O rural não é apenas o que resta da tradição, mas também o 
espaço onde se constroem alternativas de futuro, como as experiências de produção 
agroecológica, de educação do campo e de economia solidária. 
Outro ponto relevante diz respeito à presença do Estado nas áreas rurais. A sua 
atuação, marcada por contradições, revela tanto momentos de ausência como de 
presença seletiva. Em muitos casos, o Estado atua para proteger os interesses do 
agronegócio, financiar grandes projetos ou reprimir movimentos sociais, enquanto 
negligencia os direitos básicos das populações camponesas, como acesso à saúde, à 
educação e à terra. A sociologia rural, ao analisar criticamente essas intervenções, 
contribui para a formulação de políticas públicas mais justas e inclusivas, que considerem 
a diversidade dos sujeitos do campo e suas múltiplas formas de organização e existência. 
 
 
 
14 
AULA 2. MODERNIZAÇÃO DO CAMPO E CONFLITOS AGRÁRIOS 
 
A modernização do campo foi um processo histórico que transformou 
profundamente as formas de produção agrícola e as relações sociais no meio rural. 
Iniciada com maior intensidade a partir da segunda metade do século XX, especialmente 
com a chamada Revolução Verde, essa modernização teve como objetivo aumentar a 
produtividade agrícola por meio da introdução de novas tecnologias, insumos industriais 
e práticas de gestão empresarial. No entanto, as consequências desse processo foram 
ambíguas, gerando tanto ganhos econômicos quanto sérias desigualdades sociais e 
impactos ambientais. 
A Revolução Verde, termo utilizado para descrever o conjunto de inovações 
tecnológicas aplicadas à agricultura, foi implementada em diversos países como 
estratégia para combater a fome e aumentar a produção de alimentos. Entre as principais 
tecnologias introduzidas estão as sementes híbridas de alto rendimento, os fertilizantes 
químicos, os defensivos agrícolas (agrotóxicos), a mecanização do campo e o uso intensivo 
da irrigação. Esse modelo foi incentivado por instituições internacionais como o Banco 
Mundial e a FAO, e contou com a adesão de governos nacionais que viam na 
modernização agrícola uma forma de impulsionar o crescimento econômico. 
No entanto, os benefícios da modernização agrícola não foram distribuídos de 
maneira equitativa. Os grandes proprietários de terra e empresas do agronegócio foram 
os principais beneficiados, pois tinham acesso ao crédito, à assistência técnica e aos 
mercados consumidores. Já os pequenos agricultores, camponeses e trabalhadores rurais 
enfrentaram sérias dificuldades para competir nesse novo cenário. Muitos foram 
obrigados a vender suas terras, migrar para as cidades ou se tornar mão de obra 
assalariada em condições precárias. O resultado foi a intensificação da concentração 
fundiária e a exclusão social no campo. 
A modernização também impactou as relações de trabalho no meio rural. O uso 
de máquinas agrícolas reduziu a demanda por mão de obra, o que contribuiu para o 
desemprego e a precarização das condições de vida dos trabalhadores rurais. A lógica da 
produtividade passou a dominar o ambiente agrícola, substituindo práticas tradicionais 
de cultivo por métodos padronizados e intensivos. Com isso, muitas comunidades 
 
 
15 
perderam sua autonomia produtiva e se tornaram dependentes de grandes empresas 
fornecedoras de sementes, insumos e equipamentos. 
O modelo de produção baseado na Revolução Verde também gerou importantes 
consequências ambientais. A utilização intensiva de fertilizantes e agrotóxicos 
contaminou o solo, os rios e os alimentos, comprometendo a saúde dos trabalhadores e 
das populações vizinhas. A monocultura, característica do agronegócio, levou à perda da 
biodiversidade, à degradação dos ecossistemas e ao esgotamento dos recursos naturais. 
A expansão das fronteiras agrícolas, especialmente na Amazônia e no Cerrado brasileiros, 
resultou em desmatamento em larga escala, contribuindo para as mudanças climáticas 
globais. 
Diante dessas contradições, surgiram no Brasil diversos movimentos sociais do 
campo que passaram a lutar por reforma agrária, soberania alimentar, justiça ambiental 
e reconhecimento dos direitos dos povos tradicionais. O Movimento dos Trabalhadores 
Rurais Sem Terra (MST) é um dos mais emblemáticos exemplos dessa resistência. 
Fundado em 1984, o MST articula ocupações de terra improdutiva, criação de 
assentamentos, produção agroecológica e educação popular como formas de 
enfrentamento às desigualdades estruturais do campo. 
A reforma agrária é, nesse sentido, uma das principais bandeiras dos 
movimentos sociais rurais. Ela visa redistribuir a terra de forma mais equitativa, 
garantindo acesso a meios de produção para famílias camponesas e promovendo a justiça 
social no campo. No entanto, a reforma agrária enfrenta forte resistência de setores 
conservadores, principalmente do agronegócio e do sistema político que o representa. As 
políticas públicas voltadas para a reforma agrária têm oscilado ao longo dos governos, ora 
sendo incentivadas, ora sendo paralisadas ou desestruturadas. 
A disputa pela terra no Brasil é marcada por uma longa história de violência. 
Conflitos agrários envolvem desde ocupações de terra e despejos forçados até 
assassinatos de lideranças rurais, intimidações e destruição de plantações. A Comissão 
Pastoral da Terra (CPT) é uma das instituições que documenta esses conflitos, 
denunciando a impunidade e a conivência de agentes públicos com interesses privados. 
Muitas vezes, empresas do agronegócio, madeireiras, mineradoras e grileiros se 
apropriam ilegalmente de terras públicas ou tradicionais, colocando em risco 
comunidades inteiras. 
 
 
16 
Além das disputas por terra, a modernização do campo também gerou conflitos 
em torno do modelo de desenvolvimento adotado. O agronegócio, voltado para a 
exportação de commodities como soja, milho, algodão e carne, prioriza grandes 
extensões de terra, uso intensivo de insumos químicos e mecanização. Em contrapartida, 
a agricultura familiar, que responde por grande parte daprodução de alimentos 
consumidos no mercado interno, adota práticas mais diversificadas, sustentáveis e 
voltadas ao consumo local. A tensão entre esses dois modelos expressa diferentes visões 
de sociedade, natureza e economia. 
A agroecologia emerge como alternativa ao modelo do agronegócio. Baseada na 
diversidade de culturas, na reciclagem de nutrientes, no respeito aos saberes tradicionais 
e na valorização da produção local, a agroecologia propõe um modelo de agricultura 
sustentável do ponto de vista social, econômico e ambiental. Experiências agroecológicas 
vêm sendo desenvolvidas por assentamentos da reforma agrária, cooperativas de 
agricultores familiares, quilombolas, povos indígenas e ONGs. A sociologia rural estuda 
essas experiências como formas de resistência e inovação no campo. 
Outro aspecto importante é a relação entre a modernização agrícola e a 
segurança alimentar. Embora a produtividade tenha aumentado, isso não se traduziu 
necessariamente em melhor alimentação para todos. Muitos países, inclusive o Brasil, 
enfrentam paradoxos como a coexistência de produção em larga escala com fome e 
desnutrição. A produção voltada para exportação reduz a disponibilidade de alimentos 
saudáveis no mercado interno, e o uso de agrotóxicos compromete a qualidade dos 
produtos consumidos pela população. A sociologia rural critica esse modelo e propõe 
alternativas baseadas na soberania alimentar. 
A educação no campo também foi profundamente afetada pela modernização 
agrícola. A lógica do agronegócio contribuiu para a marginalização das escolas rurais, o 
fechamento de unidades escolares e a migração de jovens para as cidades. Em resposta, 
movimentos sociais passaram a defender uma educação do campo que respeite as 
especificidades territoriais, valorize os saberes locais e forme sujeitos críticos e 
comprometidos com suas comunidades. O Programa Nacional de Educação na Reforma 
Agrária (Pronera) é um exemplo de iniciativa que busca garantir o direito à educação para 
as populações rurais. 
 
 
17 
O papel do Estado na mediação dos conflitos agrários é outro ponto crucial. Por 
um lado, o Estado pode atuar como promotor de políticas públicas que garantam direitos, 
redistribuam a terra e incentivem a agricultura familiar. Por outro, muitas vezes o Estado 
age como aliado dos grandes interesses econômicos, criminalizando os movimentos 
sociais, privatizando terras públicas e negligenciando denúncias de violência. A atuação 
estatal reflete os embates de forças políticas e econômicas presentes na sociedade 
brasileira e é objeto de constante análise da sociologia rural. 
As relações internacionais também influenciam a modernização do campo. A 
demanda global por alimentos e biocombustíveis, a atuação de empresas multinacionais 
e os acordos comerciais moldam as políticas agrícolas dos países e afetam diretamente 
os produtores locais. O Brasil, como grande exportador agrícola, está inserido em uma 
cadeia global de produção e consumo que impacta suas políticas ambientais, sociais e 
econômicas. A sociologia rural busca compreender essas conexões globais e suas 
implicações locais. 
A atuação das empresas transnacionais no campo brasileiro representa uma 
nova etapa da modernização agrícola. Empresas de sementes, fertilizantes, agroquímicos 
e maquinário têm grande influência sobre o modelo de produção adotado pelos 
agricultores. Além disso, empresas do setor financeiro e de tecnologia também passaram 
a investir no agronegócio, promovendo a chamada agricultura 4.0. Essa nova fase da 
modernização traz desafios quanto à concentração de poder, à dependência tecnológica 
e à exclusão de pequenos produtores que não conseguem acompanhar as inovações. 
A tecnocracia no campo – ou seja, a gestão agrícola baseada em dados, 
algoritmos e plataformas digitais – redefine as formas de produzir, comercializar e 
controlar a atividade agrícola. Embora possa trazer ganhos de eficiência, essa lógica 
tecnológica tende a favorecer os grandes produtores e dificultar a autonomia dos 
pequenos agricultores. O controle da informação, a propriedade intelectual sobre 
sementes e a regulação dos dados agrícolas são temas cada vez mais relevantes nos 
estudos da sociologia rural. 
A crescente urbanização do campo é outra face da modernização. Com a 
instalação de fábricas, usinas, rodovias e centros logísticos, o espaço rural vem se 
urbanizando, alterando as formas de habitar, trabalhar e se relacionar com o território. 
Esse fenômeno, conhecido como ruralização da cidade e urbanização do campo, aponta 
 
 
18 
para a superação de dicotomias clássicas e para a emergência de novas formas de 
sociabilidade rural. A sociologia rural analisa essas mudanças e propõe novas categorias 
analíticas para compreender as zonas de transição rural-urbana. 
A participação política das populações rurais também se transformou com a 
modernização do campo. A organização em sindicatos, cooperativas, associações e 
movimentos sociais fortaleceu a capacidade de mobilização e incidência política dos 
camponeses. No entanto, a representação política ainda é limitada, e os interesses do 
agronegócio costumam prevalecer nas agendas governamentais. A disputa por narrativas, 
recursos e reconhecimento é permanente e exige a ampliação do debate público sobre a 
função social da terra e o papel do campesinato na sociedade contemporânea. 
Um aspecto frequentemente negligenciado na análise da modernização do 
campo é o impacto sobre as relações culturais e simbólicas dos trabalhadores rurais com 
a terra. A terra, para muitos camponeses, não é apenas um bem produtivo ou mercadoria: 
ela representa ancestralidade, identidade e pertencimento. Quando os processos de 
modernização impõem uma lógica estritamente econômica e utilitária, há uma ruptura 
com esses significados profundos, o que provoca não apenas deslocamentos geográficos, 
mas também desestruturações subjetivas e comunitárias. A perda da terra, nesse 
contexto, é também a perda de uma forma de vida, de uma memória coletiva e de uma 
relação específica com o território. 
Por fim, a modernização do campo não deve ser vista como processo 
homogêneo ou inevitável. Há múltiplas experiências em curso, com diferentes graus de 
resistência, adaptação e inovação. A sociologia rural desempenha um papel fundamental 
ao revelar essas complexidades, dar voz aos sujeitos históricos do campo e propor 
alternativas ao modelo dominante. É preciso pensar em formas de desenvolvimento rural 
que sejam justas, solidárias e sustentáveis, respeitando as pessoas, os territórios e a 
natureza. Esse é um dos grandes desafios sociológicos do nosso tempo. 
 
 
 
19 
AULA 3. FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA URBANA 
 
A sociologia urbana é o ramo da sociologia que se ocupa do estudo das 
dinâmicas sociais, políticas, culturais e econômicas nos espaços urbanos. Seu surgimento 
está profundamente ligado à consolidação da sociedade industrial e à rápida urbanização 
iniciada no século XIX, especialmente na Europa. Com o crescimento das cidades, 
emergiram novos desafios e formas de organização social, que passaram a ser objeto de 
análise dos primeiros sociólogos. Esses estudiosos procuraram compreender como o 
ambiente urbano molda as interações humanas, os conflitos sociais e as formas de 
pertencimento e exclusão. 
Entre os principais teóricos da sociologia urbana, destaca-se Georg Simmel, que 
em seu ensaio “As Grandes Cidades e a Vida do Espírito” analisou como a vida nas 
metrópoles influencia a percepção do tempo, o ritmo das relações sociais e o 
comportamento individual. Para Simmel, o ambiente urbano estimula uma atitude de 
reserva e racionalidade, pois o excesso de estímulos sensoriais exige uma espécie de 
autoproteção psíquica. Essa análise revelou a dimensão subjetiva da vida urbana e abriu 
caminho para estudos sobre alienação, anonimato e individualismo nas cidades. 
Outro autor fundamentalé Louis Wirth, sociólogo da Escola de Chicago, que 
definiu a urbanização como um “modo de vida”. Para Wirth, as cidades são caracterizadas 
por três elementos centrais: grande densidade populacional, heterogeneidade social e 
impessoalidade nas relações. Essas características geram novos padrões de convivência, 
ruptura de laços comunitários e maior complexidade organizacional. A partir dessas 
ideias, a sociologia urbana passou a investigar como a configuração física das cidades 
afeta os comportamentos sociais e institucionais. 
A Escola de Chicago teve papel decisivo no desenvolvimento da sociologia 
urbana, especialmente entre as décadas de 1920 e 1940. Seus pesquisadores realizaram 
estudos empíricos em bairros de Chicago, utilizando métodos como a observação 
participante e os mapas sociais. Investigaram temas como segregação étnica, 
delinquência juvenil, pobreza, processos de assimilação cultural e organização espacial. A 
cidade foi compreendida como um ecossistema social, no qual diferentes grupos 
competem por espaço e recursos, criando zonas urbanas com características próprias. 
 
 
20 
A perspectiva ecológica da Escola de Chicago propôs que as cidades se organizam 
de forma análoga a ecossistemas naturais, com áreas centrais, zonas de transição e 
bairros residenciais periféricos. Embora essa abordagem tenha sido criticada por 
simplificar a complexidade urbana e ignorar os fatores históricos e políticos, ela foi 
importante para a criação de modelos analíticos e para a consolidação da sociologia 
urbana como campo científico. A partir dessa base, novas correntes teóricas buscaram 
aprofundar a compreensão crítica dos processos urbanos. 
Com o avanço do capitalismo e da globalização, as cidades passaram a ser vistas 
não apenas como lugares de residência e trabalho, mas como centros de consumo, 
produção simbólica e controle social. A sociologia urbana contemporânea analisa as 
cidades como arenas de conflito entre interesses econômicos, sociais e culturais distintos. 
O espaço urbano é constantemente disputado, seja por empresas, governos, movimentos 
sociais ou populações marginalizadas. Essa disputa se expressa na gentrificação, na 
privatização de espaços públicos e na segregação socioespacial. 
Henri Lefebvre, sociólogo francês, foi um dos principais pensadores da cidade 
moderna. Em sua obra “O Direito à Cidade”, ele argumenta que o espaço urbano é uma 
construção social e política, e que todos os cidadãos devem ter o direito de participar 
ativamente de sua produção e uso. Para Lefebvre, o urbanismo não pode ser reduzido à 
lógica mercantil, pois o espaço urbano é também lugar de encontros, criatividade e 
experimentação. Suas ideias inspiraram movimentos urbanos em diversas partes do 
mundo e continuam influentes nas reflexões sobre justiça espacial e cidadania. 
David Harvey, outro autor central, propõe uma leitura crítica do espaço urbano 
a partir do marxismo. Em suas análises, Harvey destaca como o capital molda as cidades, 
produzindo desigualdades estruturais e exclusões sistemáticas. As cidades são, segundo 
ele, mecanismos de reprodução do capital, nos quais o espaço é mercantilizado e os 
pobres são constantemente deslocados. Para Harvey, lutar por cidades mais justas implica 
transformar as relações econômicas que sustentam a desigualdade urbana. Essa 
abordagem fortalece a perspectiva crítica da sociologia urbana. 
No Brasil, a sociologia urbana ganhou força nas décadas de 1960 e 1970, com 
estudos voltados para as periferias, os cortiços, os movimentos de favelas e os impactos 
do crescimento urbano desordenado. Autores como Florestan Fernandes, Erminia 
Maricato, Milton Santos e Raquel Rolnik contribuíram para uma compreensão mais 
 
 
21 
abrangente da cidade brasileira, marcada pela segregação, pela ausência do Estado nas 
áreas populares e pela violência estrutural. Esses estudiosos mostraram como a 
urbanização no país ocorreu sem planejamento adequado, aprofundando desigualdades 
e violações de direitos. 
Milton Santos, geógrafo e sociólogo, desenvolveu uma visão crítica da 
urbanização brasileira a partir da noção de “meio técnico-científico-informacional”. Para 
ele, as cidades são construídas por lógicas distintas: uma voltada ao mercado e outra às 
necessidades populares. Santos denunciava a dualidade urbana, na qual coexistem uma 
cidade legal, bem servida de infraestrutura, e uma cidade marginalizada, excluída das 
políticas públicas. Essa leitura é essencial para compreender os processos de exclusão e 
resistência nos centros urbanos. 
A sociologia urbana brasileira também se debruça sobre as formas de moradia 
popular, como as favelas, os loteamentos informais e as ocupações urbanas. Esses 
espaços não são apenas marcados pela carência de infraestrutura, mas também por 
intensa vida comunitária, redes de solidariedade e criatividade urbana. As populações das 
periferias constroem cotidianamente sua cidade, muitas vezes em confronto com 
políticas excludentes e práticas violentas de urbanismo. A compreensão sociológica 
dessas realidades exige sensibilidade, escuta e valorização dos saberes populares. 
A mobilidade urbana é outro tema fundamental na sociologia urbana. O acesso 
ao transporte público, a qualidade das vias, a segurança no deslocamento e a distribuição 
dos equipamentos urbanos determinam a possibilidade de participação social dos 
indivíduos. Em muitas cidades brasileiras, a mobilidade é um dos principais fatores de 
exclusão, pois os trabalhadores da periferia enfrentam longas jornadas diárias, gastos 
elevados e insegurança no transporte. A luta por transporte público de qualidade tem 
mobilizado movimentos sociais, como o Passe Livre, que denunciam a lógica privatista da 
mobilidade. 
A violência urbana também é objeto central da sociologia urbana. A 
concentração de pobreza, a ausência de políticas públicas, o racismo estrutural e a 
militarização das periferias criam um cenário de constante tensão e insegurança. A 
criminalização da pobreza e a atuação seletiva das forças policiais aprofundam as 
desigualdades e violam os direitos humanos. A sociologia urbana busca entender essas 
 
 
22 
dinâmicas, questionar as políticas de segurança pública e propor alternativas baseadas 
em justiça social e direitos. 
As cidades também são palco de resistência, criatividade e cultura. Movimentos 
culturais urbanos, como o hip hop, o grafite, o funk, os saraus periféricos e as ocupações 
culturais, expressam formas de enfrentamento à exclusão e à opressão. A cidade é vivida 
e reinventada diariamente pelos seus habitantes, que criam espaços de convivência, lazer 
e expressão política. A sociologia urbana reconhece esses fenômenos como elementos 
centrais para compreender a vitalidade urbana e a luta por dignidade e pertencimento. 
A diversidade urbana é uma característica fundamental das grandes cidades. Elas 
reúnem pessoas de diferentes origens, etnias, religiões, classes sociais e orientações 
sexuais. Essa heterogeneidade pode gerar tanto conflitos quanto oportunidades de 
diálogo e convivência. A sociologia urbana estuda os processos de inclusão e exclusão, de 
construção de identidades e de formação de redes de solidariedade em contextos 
urbanos diversos. A luta por reconhecimento, visibilidade e direito à cidade é parte 
constitutiva das dinâmicas urbanas contemporâneas. 
A globalização também afeta profundamente as cidades. Muitas se tornaram 
“cidades globais”, concentrando serviços financeiros, centros de decisão e infraestrutura 
de ponta. No entanto, essa centralidade global convive com profundas desigualdades 
internas, com bolsões de miséria e precariedade. A sociologia urbana busca compreender 
essa dualidade, analisando como o capital global reorganiza o espaço urbano, desloca 
populações e redefine as prioridades de investimento público. 
A sociologia urbana também contribui para o debate sobre políticas públicasurbanas. Planejamento urbano, habitação, saneamento, cultura, meio ambiente e 
participação cidadã são temas centrais para pensar cidades mais justas. A atuação dos 
conselhos municipais, dos fóruns populares e das conferências urbanas revela a 
importância da democracia participativa na construção de políticas inclusivas. A sociologia 
oferece ferramentas analíticas para avaliar essas políticas, identificar seus limites e 
apontar caminhos de transformação. 
O direito à cidade, conceito central na sociologia urbana crítica, implica garantir 
o acesso universal aos bens urbanos, à moradia digna, à mobilidade, à cultura, à saúde e 
à educação. Mais do que o direito de estar na cidade, trata-se do direito de transformá-
la, de decidir coletivamente seus rumos e de usufruir de seus benefícios. A luta pelo 
 
 
23 
direito à cidade mobiliza movimentos sociais, acadêmicos e cidadãos que desejam 
construir cidades menos desiguais e mais humanas. 
Em síntese, a sociologia urbana é um campo fértil de investigação e ação social. 
Ao analisar as contradições, os conflitos e as potencialidades das cidades, ela contribui 
para a construção de sociedades mais justas, democráticas e sustentáveis. O espaço 
urbano é palco de disputas, mas também de esperança e reinvenção. Compreender suas 
dinâmicas é essencial para quem deseja atuar de forma crítica e transformadora no 
mundo contemporâneo. A consolidação da sociologia urbana como campo de estudo 
específico ocorre em um contexto de transformações profundas nas cidades industriais, 
especialmente a partir do final do século XIX. A emergência de novos modos de produção, 
o crescimento demográfico, a ampliação dos transportes e das comunicações e a 
mudança nos padrões de moradia exigiram novos marcos teóricos capazes de 
compreender as especificidades da vida urbana. A cidade passou a ser percebida não 
apenas como palco dos fenômenos sociais, mas como elemento ativo na constituição das 
relações humanas, moldando comportamentos, valores e estruturas de poder. 
A cidade moderna torna-se o lugar privilegiado da diversidade, da multiplicidade 
de experiências e do entrecruzamento de culturas. Ao mesmo tempo, é também o espaço 
da desigualdade mais visível, onde a pobreza e a opulência convivem lado a lado, ainda 
que segregadas por muros simbólicos e físicos. A sociologia urbana nasce, assim, como 
uma ferramenta para compreender essas contradições, estudando como os sujeitos 
produzem e são produzidos pelos espaços que habitam. 
A ideia de que a cidade é fruto de disputas territoriais e simbólicas aparece com 
força nos estudos críticos da urbanização. A lógica da acumulação capitalista reconfigura 
constantemente o espaço urbano, transformando-o em ativo financeiro e instrumento de 
valorização. Com isso, surge uma cidade cada vez mais funcional ao mercado, mas cada 
vez menos habitável para os setores populares. A expansão dos condomínios fechados, a 
verticalização desordenada e a especulação imobiliária são manifestações concretas 
dessa lógica excludente. 
As periferias urbanas tornam-se, nesse cenário, espaços de resistência e de 
criação. Apesar da ausência sistemática do Estado e das carências de infraestrutura, saúde 
e educação, as populações periféricas constroem formas alternativas de organização 
social, cultural e política. A sociologia urbana deve valorizar essas experiências como 
 
 
24 
saberes e práticas legítimas, que desafiam a ordem dominante e apontam para novas 
possibilidades de viver a cidade. 
A análise da violência urbana, por sua vez, exige uma leitura que vá além da 
criminalização da pobreza. A violência não pode ser entendida apenas como fenômeno 
isolado, mas como resultado das desigualdades estruturais, da omissão do poder público 
e da atuação seletiva dos aparelhos repressivos. A sociologia urbana, nesse contexto, 
denuncia a militarização dos territórios populares e os processos de criminalização racial 
e territorial que afetam, em especial, a juventude negra e periférica. 
A cidade também é território de luta por direitos e por reconhecimento. 
Movimentos por moradia, ocupações urbanas, coletivos culturais, fóruns populares e 
iniciativas de urbanismo participativo têm ganhado força nos últimos anos. Essas ações 
coletivas reivindicam não apenas melhorias materiais, mas o direito de decidir sobre o 
espaço urbano, de participar da vida pública e de romper com a invisibilidade imposta às 
periferias. A cidade é, portanto, também campo de disputa política. 
O conceito de direito à cidade, formulado por Henri Lefebvre, tem sido 
apropriado por diversos movimentos e políticas públicas como princípio orientador de 
uma urbanização mais justa. Ele pressupõe o acesso universal aos bens e serviços 
urbanos, mas também o poder de transformar a cidade conforme os desejos e 
necessidades de seus habitantes. O direito à cidade envolve, portanto, uma nova ética 
urbana, baseada na solidariedade, na equidade e na participação democrática. 
Do ponto de vista cultural, a cidade é palco de múltiplas expressões artísticas e 
linguagens simbólicas. A arte de rua, os saraus, as batalhas de rima, o grafite e as festas 
populares representam formas de ocupação do espaço e de afirmação identitária. A 
sociologia urbana precisa considerar essas manifestações como práticas políticas e 
culturais de resistência, que disputam os sentidos da cidade e reafirmam o pertencimento 
dos sujeitos marginalizados. 
Outro ponto relevante é o debate sobre acessibilidade e mobilidade urbana. As 
cidades brasileiras, em sua maioria, foram planejadas para os automóveis e não para as 
pessoas. Essa escolha política tem consequências diretas sobre a qualidade de vida, o 
meio ambiente e a inclusão social. A sociologia urbana contribui com propostas que 
defendem a mobilidade como direito, promovendo o transporte público acessível, a 
mobilidade ativa e o planejamento territorial integrado. 
 
 
25 
AULA 4. PROBLEMAS SOCIAIS URBANOS 
 
As cidades contemporâneas, ao mesmo tempo que simbolizam o progresso, a 
diversidade e a inovação, também concentram uma série de problemas sociais que 
afetam diretamente a qualidade de vida de seus habitantes. O crescimento acelerado e 
desordenado dos centros urbanos, impulsionado pela industrialização e pela migração 
em massa, resultou em desafios estruturais como pobreza, desemprego, déficit 
habitacional, violência, exclusão social e precariedade nos serviços públicos. Esses 
problemas não são homogêneos, variando de acordo com o contexto histórico, político e 
econômico de cada sociedade. 
Um dos principais problemas enfrentados pelas cidades é o déficit habitacional. 
A ausência de políticas públicas eficazes de moradia levou milhões de pessoas a ocuparem 
terrenos irregulares, construírem moradias precárias ou se instalarem em favelas e 
cortiços. Essas formas de habitação, muitas vezes localizadas em áreas de risco, são 
resultado da incapacidade do Estado de garantir o direito constitucional à moradia digna. 
O processo de favelização revela a segregação socioespacial e o abismo existente entre o 
centro e a periferia das grandes cidades. 
A segregação urbana é uma manifestação concreta da desigualdade social. 
Cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Cidade do México ou Joanesburgo apresentam 
contrastes visíveis entre bairros ricos, com infraestrutura completa, e bairros pobres, 
onde faltam serviços básicos. Essa separação não é apenas geográfica, mas também 
simbólica e política. A divisão do espaço urbano reproduz e reforça hierarquias sociais, 
limitando o acesso de determinadas populações aos bens públicos e restringindo sua 
participação na vida urbana. 
O transporte urbano constitui outro grande desafio. O modelo rodoviário 
predominante, baseado no uso do automóvel individual, contribui para 
congestionamentos, poluição do ar e exclusão das populações periféricas. A ineficiência 
do transporte públicocompromete o direito à cidade, dificultando o acesso ao trabalho, 
à escola, à saúde e ao lazer. Além disso, o tempo gasto nos deslocamentos afeta o bem-
estar físico e mental dos cidadãos, ampliando as desigualdades sociais e espaciais. 
A violência urbana é um fenômeno multifacetado que envolve desde a 
criminalidade organizada até a violência institucional praticada pelo Estado. Os altos 
 
 
26 
índices de homicídios, especialmente entre jovens negros e periféricos, refletem um 
contexto de vulnerabilidade social, ausência de políticas públicas eficazes e racismo 
estrutural. A militarização das favelas e a repressão policial seletiva agravam a situação, 
criando um ambiente de medo e insegurança que compromete os direitos fundamentais 
dos cidadãos. 
O desemprego e a informalidade são também problemas urbanos centrais. Com 
a concentração de oportunidades econômicas nas cidades, milhões de pessoas migram 
em busca de trabalho, mas encontram mercados saturados e políticas insuficientes de 
inclusão produtiva. O resultado é o crescimento de atividades informais, como 
ambulantes, recicladores e prestadores de serviços autônomos, que atuam à margem da 
legislação trabalhista, sem direitos ou proteção social. Essa realidade evidencia a 
fragilidade do modelo de desenvolvimento urbano vigente. 
A pobreza urbana vai além da insuficiência de renda. Trata-se de um fenômeno 
multidimensional, que inclui a carência de acesso à educação, à saúde, ao saneamento, à 
cultura e à participação política. Nas periferias urbanas, a pobreza se manifesta de forma 
concentrada, criando ciclos intergeracionais de exclusão social. A superação desse quadro 
exige políticas públicas integradas e sensíveis às especificidades territoriais, bem como a 
valorização do protagonismo comunitário e das redes de solidariedade locais. 
A crise ambiental urbana é outro aspecto que merece atenção. A poluição do ar, 
dos rios e do solo, a escassez de áreas verdes, o descarte inadequado de resíduos e os 
eventos climáticos extremos são resultado de um modelo de urbanização que ignora os 
limites ecológicos. A expansão das cidades sobre áreas de preservação, a 
impermeabilização do solo e a verticalização desordenada contribuem para enchentes, 
deslizamentos e ilhas de calor. A população mais vulnerável é a que mais sofre com esses 
impactos, revelando a injustiça ambiental nas metrópoles. 
A saúde pública nas cidades enfrenta inúmeros desafios. A superlotação dos 
hospitais, a falta de profissionais, a distância entre moradia e unidades de saúde e a 
precariedade da atenção básica dificultam o acesso universal e igualitário aos serviços de 
saúde. Nas áreas periféricas, a presença do Estado é limitada, e muitas comunidades 
dependem de práticas de autocuidado e redes solidárias. A pandemia da COVID-19 
evidenciou de forma dramática essas desigualdades, afetando desproporcionalmente as 
populações urbanas pobres. 
 
 
27 
A educação urbana também é marcada por desigualdades estruturais. Escolas 
localizadas em regiões centrais tendem a ter melhor infraestrutura, professores mais 
qualificados e maior acesso a recursos tecnológicos. Já nas periferias, a realidade é outra: 
prédios precários, falta de materiais didáticos, rotatividade docente e violência no 
entorno escolar. Essas disparidades comprometem o direito à educação de qualidade e 
aprofundam as desigualdades sociais. A valorização da escola pública, do professor e da 
comunidade escolar é essencial para reverter esse quadro. 
A falta de acesso à cultura e ao lazer também configura um problema urbano 
relevante. Em muitas regiões periféricas, há escassez de bibliotecas, centros culturais, 
teatros, cinemas e espaços de convivência. O acesso à cultura é um direito fundamental, 
pois permite o exercício da cidadania, a construção de identidades e o fortalecimento do 
tecido social. Iniciativas de ocupação cultural, como saraus, coletivos artísticos e festivais 
comunitários, têm buscado democratizar o acesso à cultura nas periferias urbanas. 
A discriminação racial, de gênero e de orientação sexual nas cidades configura 
formas específicas de exclusão e violência. A população negra, as mulheres, as pessoas 
LGBTQIA+ e os imigrantes enfrentam barreiras no acesso ao trabalho, à moradia, à saúde 
e à educação. Além disso, são frequentemente alvo de discriminação e violência nos 
espaços públicos e privados. A sociologia urbana denuncia essas desigualdades e propõe 
políticas afirmativas que promovam equidade, respeito à diversidade e justiça social. 
As populações em situação de rua representam um drama urbano cada vez mais 
visível. A falta de moradia, combinada à exclusão social, ao desemprego e à ausência de 
políticas integradas, leva milhares de pessoas a viver nas ruas, em condições de extrema 
vulnerabilidade. A presença de moradores de rua nas cidades é frequentemente tratada 
como problema de ordem pública, e não como questão social. É necessário romper com 
essa lógica repressiva e construir políticas de acolhimento, reinserção e dignidade. 
A gentrificação é outro fenômeno urbano que merece atenção. Trata-se de um 
processo de valorização de áreas urbanas que leva à expulsão das populações mais 
pobres, substituídas por grupos de maior poder aquisitivo. A gentrificação é promovida 
por investimentos públicos e privados, e resulta em deslocamento forçado, perda de 
vínculos comunitários e elitização do espaço urbano. Esse processo revela a lógica 
excludente da cidade neoliberal, onde o valor de uso do território é subordinado ao valor 
de troca. 
 
 
28 
A privatização do espaço público é uma tendência crescente nas cidades 
contemporâneas. Shoppings, condomínios fechados, parques administrados por 
empresas e áreas de lazer controladas por regras restritivas limitam o acesso universal 
aos bens urbanos. O espaço público, que deveria ser lugar de encontro, convivência e 
cidadania, transforma-se em mercadoria. A sociologia urbana critica essa mercantilização 
da cidade e defende o direito de todos os cidadãos ao espaço público democrático e 
acessível. 
A fragmentação urbana é um traço marcante das grandes cidades. A expansão 
horizontal, os condomínios de luxo, os bairros murados e os centros empresariais criam 
bolhas de exclusividade que rompem a continuidade do tecido urbano. Essa 
fragmentação compromete a coesão social, dificulta a mobilidade e reforça os processos 
de segregação. Planejar a cidade de forma integrada, conectada e inclusiva é um dos 
grandes desafios da gestão urbana contemporânea. 
A ausência de participação popular nas decisões sobre a cidade é um fator que 
contribui para a persistência dos problemas urbanos. Muitas vezes, as políticas públicas 
são elaboradas de forma tecnocrática, sem diálogo com as comunidades afetadas. A 
construção de uma cidade democrática exige processos de escuta, deliberação e controle 
social. Os conselhos municipais, as audiências públicas e os fóruns territoriais são espaços 
importantes, mas ainda pouco valorizados ou efetivamente implementados. 
A sociologia urbana contribui para a análise crítica desses problemas, ao 
compreender como as estruturas de poder, os interesses econômicos e as relações sociais 
se articulam na produção do espaço urbano. Ela também aponta caminhos para a 
transformação, ao valorizar as experiências de resistência, solidariedade e inovação que 
emergem nas periferias urbanas. A cidade, apesar de seus desafios, é também espaço de 
esperança e reconstrução. 
Diante de tantos desafios, torna-se urgente repensar o modelo de urbanização 
predominante. Cidades mais justas, democráticas e sustentáveis exigem políticas públicas 
inclusivas, investimentos em infraestrutura social, valorização da cultura popular e 
fortalecimento da participação cidadã. A construção de uma nova cidade passa pela 
escuta das vozes silenciadas, pelo reconhecimento das diversidades e pela luta por 
direitos.29 
As soluções para os problemas sociais urbanos não podem ser reduzidas a 
medidas técnicas ou pontuais. Elas exigem uma abordagem sistêmica, intersetorial e 
comprometida com a justiça social. A cidade deve ser pensada como espaço de vida, e 
não apenas de lucro. O planejamento urbano precisa se orientar pelo bem comum, pela 
solidariedade e pelo direito de todos ao espaço urbano. 
Nesse contexto, a educação urbana desempenha papel central na formação de 
cidadãos críticos e atuantes. As escolas, universidades, centros culturais e movimentos 
sociais são espaços de construção do saber urbano. É preciso formar sujeitos capazes de 
compreender a cidade, intervir em seus problemas e construir coletivamente alternativas. 
A sociologia urbana tem muito a contribuir nesse processo. 
Um dos desafios mais complexos no enfrentamento dos problemas sociais 
urbanos está na fragmentação institucional das políticas públicas. Em muitas cidades, há 
sobreposição de ações entre diferentes esferas do poder público, falta de continuidade 
administrativa e ausência de planejamento integrado. Essa desarticulação contribui para 
a perpetuação das desigualdades e para a ineficiência na prestação de serviços essenciais. 
A sociologia urbana, ao identificar essas falhas estruturais, propõe a necessidade de uma 
gestão participativa, territorializada e intersetorial, que envolva a população na 
construção das soluções e que leve em conta as especificidades de cada território. 
Outro aspecto crucial está na democratização da informação e na construção de 
dados confiáveis sobre as realidades urbanas. Muitas comunidades periféricas não são 
devidamente mapeadas ou sequer reconhecidas oficialmente, o que dificulta o acesso a 
direitos básicos e impede a formulação de políticas públicas adequadas. A produção de 
conhecimento sobre as favelas, ocupações, cortiços e zonas populares precisa ser feita 
com participação ativa dos próprios moradores, valorizando seus saberes e suas práticas 
de resistência. A sociologia, ao lado de outras ciências sociais, desempenha papel 
estratégico na escuta qualificada desses territórios e na denúncia das formas sutis de 
exclusão institucional. 
Por fim, é fundamental reafirmar o direito à cidade como horizonte ético e 
político da vida urbana. Isso significa garantir acesso à moradia, ao transporte, à saúde, à 
educação, à cultura, à segurança e à participação. 
 
 
 
30 
AULA 5. INTER-RELAÇÕES ENTRE O RURAL E O URBANO 
 
A tradicional separação entre o mundo rural e o mundo urbano, embora útil para 
fins analíticos, revela-se cada vez mais insuficiente diante das complexas inter-relações 
que caracterizam o mundo contemporâneo. A dicotomia entre campo e cidade vem 
sendo substituída por uma compreensão mais integrada, que reconhece a existência de 
fluxos constantes, trocas materiais e simbólicas, influências recíprocas e territórios 
híbridos onde o rural e o urbano se entrelaçam. Essas inter-relações envolvem dimensões 
econômicas, sociais, culturais e ambientais que desafiam os limites conceituais e políticos 
que historicamente os separaram. 
Historicamente, o campo foi associado à produção agrícola, ao trabalho manual, 
à tradição e à vida em comunidade. A cidade, por outro lado, passou a ser identificada 
com a indústria, o comércio, a modernidade e a diversidade cultural. No entanto, a 
realidade demonstra que essas categorias não são estanques. Muitas atividades urbanas 
dependem diretamente da produção rural, enquanto aspectos do modo de vida urbano 
estão cada vez mais presentes no campo. Essa interdependência exige novas abordagens 
teóricas e metodológicas. 
A agricultura familiar, por exemplo, desempenha papel fundamental no 
abastecimento das cidades com alimentos frescos e diversificados. Frutas, legumes, 
hortaliças, leite e outros produtos provenientes do campo chegam diariamente às feiras, 
mercados e supermercados urbanos. Essa cadeia de produção e consumo evidencia a 
interconexão entre os dois territórios. Sem o campo, a cidade não se alimenta; sem a 
cidade, o campo não encontra escoamento para sua produção. 
Do ponto de vista da mobilidade populacional, é possível observar um fluxo 
constante entre zonas rurais e urbanas. Milhões de trabalhadores rurais migram para as 
cidades em busca de emprego, educação e serviços, enquanto muitos moradores urbanos 
buscam no campo refúgio, lazer ou mesmo novas formas de vida baseadas em valores de 
sustentabilidade e proximidade com a natureza. Esse vai e vem cria redes sociais 
interterritoriais, nas quais os vínculos familiares, econômicos e culturais são mantidos a 
despeito da distância física. 
As tecnologias de comunicação e transporte têm um papel central na 
aproximação entre o rural e o urbano. A internet, os smartphones, as redes sociais e os 
 
 
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aplicativos de comércio permitem que agricultores comercializem diretamente com 
consumidores urbanos, promovam seus produtos e acessem informação. Por sua vez, 
moradores das cidades podem consumir alimentos orgânicos, visitar propriedades rurais, 
participar de redes de consumo solidário e se conectar com iniciativas de base 
comunitária no campo. 
Os territórios rururbanos, isto é, aqueles que apresentam características tanto 
do meio rural quanto do urbano, são exemplos concretos dessa hibridização. Em muitas 
regiões metropolitanas, há bairros ou comunidades que preservam práticas agrícolas, 
relações de vizinhança e paisagens naturais típicas do campo, ao mesmo tempo que estão 
inseridos na lógica urbana. Esses espaços apresentam desafios específicos de gestão, 
planejamento e inclusão social, exigindo políticas públicas adequadas à sua 
complexidade. 
A urbanização do campo é outro fenômeno que reflete essas inter-relações. A 
introdução de infraestrutura urbana como água encanada, eletricidade, telefonia móvel, 
escolas, postos de saúde e centros comunitários modifica os padrões de vida e os valores 
culturais dos habitantes rurais. O acesso a bens de consumo, entretenimento e serviços 
públicos cria novas expectativas e redesenha a sociabilidade rural. Por outro lado, é 
preciso garantir que essas transformações não desrespeitem os saberes tradicionais e os 
vínculos comunitários. 
No campo da cultura, os intercâmbios entre rural e urbano são visíveis nas festas 
populares, nos produtos midiáticos, na música e na arte. As tradições rurais são 
reinterpretadas nos espaços urbanos por meio de manifestações culturais como o forró, 
a quadrilha junina, o repente e a culinária típica. Ao mesmo tempo, os habitantes do 
campo consomem telenovelas, filmes, redes sociais e produtos culturais urbanos, criando 
uma mistura que desafia fronteiras identitárias fixas. 
A educação é outro campo onde se observa a inter-relação entre o rural e o 
urbano. Escolas do campo têm buscado adaptar seus currículos e metodologias para 
dialogar com a realidade local, mas também com os conteúdos universais. O desafio é 
garantir uma educação contextualizada e crítica, que valorize a cultura camponesa sem 
negligenciar o acesso ao conhecimento científico e tecnológico. Iniciativas como a 
pedagogia da alternância, os projetos de extensão universitária e os programas de 
educação do campo são exemplos de articulação entre os dois espaços. 
 
 
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Do ponto de vista econômico, as cadeias produtivas agroindustriais conectam 
diretamente o campo à cidade. A produção rural é processada, embalada, distribuída e 
consumida nos centros urbanos, movimentando um amplo setor de serviços, transporte, 
armazenamento e comércio. Essas relações econômicas envolvem também uma disputa 
de poder entre grandes corporações, produtores independentes e consumidores 
organizados, refletindo assimetrias que a sociologia busca analisar e problematizar. 
A saúde pública também revela essa interdependência. Muitas comunidades 
rurais dependem de hospitais urbanos para tratamento de média e alta

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