Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

ESTRUTURAS PSICANALÍTICAS 
AULA 5 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Juliana Lorenço 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Já analisamos as neuroses e a formação dos sintomas histéricos e 
obsessivos. Agora, em continuidade aos estudos sobre as estruturas clínicas, 
aprofundaremos nossa compreensão sobre a clínica da psicose, examinando 
seus fenômenos elementares e os subtipos clínicos – paranoia, esquizofrenia e 
melancolia. Embora Freud não tenha recomendado o tratamento psicanalítico 
para a psicose, ele nunca deixou de investigá-la. 
Lacan reafirma a importância da clínica da psicose e enfatiza que não 
devemos recuar diante desse campo. Ele redefine os mecanismos que 
caracterizam essa estrutura e propõe uma nova compreensão da transferência, 
por meio do delírio erotomaníaco como um elemento central. Assim, mesmo 
quando o psicótico delira ou alucina, sua fala deve ser ouvida e interpretada 
dentro de uma lógica própria, permitindo que sua subjetividade se manifeste e 
encontre um espaço de expressão. 
Para iniciarmos nossos estudos sobre esse tema, partiremos do principal 
texto freudiano, conhecido como o Caso Schreber, a fim de desbravar o modo 
como os delírios e alucinações se produzem e demonstrar o seu valor clínico, 
pois assim como os sintomas estão para as neuroses, os delírios estão para as 
psicoses. 
TEMA 1 – A PSICOSE 
A Psicanálise teve um papel fundamental para a clínica da psicose, pois 
foi ela que esclareceu seu mecanismo específico, separando-a definitivamente 
da neurose e da perversão. Em Freud, a psicose é um estado extremo de defesa 
do eu contra representações insuportáveis. Diante dessas ideias intoleráveis, o 
eu não as reprime, como ocorre na neurose, mas as rejeita completamente, 
expulsando-as da sua estrutura psíquica. Esse processo de exclusão resulta em 
uma ruptura com a realidade, pois a ideia rejeitada está profundamente vinculada 
a um aspecto do mundo externo. 
O texto de maior tradição psicanalítica é o Caso Schreber, publicado em 
1911, no qual Freud realiza uma análise se baseando na autobiografia de Daniel 
Paul Schreber, um jurista que descreveu detalhadamente sua experiência com 
delírios e alucinações. 
 
 
3 
O curioso é que Freud nunca teve contato direto com Schreber, mas 
utilizou seu relato para desenvolver uma compreensão mais profunda do 
mecanismo da psicose. Dessa forma, cabe-nos iniciarmos por esse texto, para 
extraímos as principais lições deixadas por Freud. 
1.1 Um recorte do caso Schreber 
Histórico 
Daniel Paul Schreber era doutor em Direito e juiz-presidente da Corte de 
Apelação da Saxônia. Ele se destacava por sua brilhante trajetória profissional. 
Sua primeira crise ocorreu aos 42 anos, quando foi diagnosticado com 
"hipocondria grave" e internado por vários meses na clínica do Dr. Flechsig, por 
quem desenvolveu uma profunda gratidão, atribuindo sua recuperação. 
Ao analisar a autobiografia de Schreber, Freud destaca que Schreber 
expressa a frustração de não ter tido filhos, apesar de seu longo casamento e de 
momentos "muito felizes" vividos ao lado de sua esposa. 
Passados oito anos de sua primeira internação, quando Schreber 
completava 51 anos de idade, ele foi nomeado presidente da Corte de Apelação. 
E pouco antes de assumir o cargo, sonhou por diversas noites que estava 
enfermo novamente. Em uma manhã, quando estava semiacordado, surgiu-lhe 
um pensamento: “seria muito bom ser uma mulher submetendo-se ao coito”. 
Essa ideia foi extremamente rejeitada por Schreber. 
Alguns meses após sua nomeação, Schreber começou a sofrer de 
insônia, que foi se intensificando e passou a vir acompanhada pela sensação de 
"amolecimento" cerebral. Em seguida, desenvolveu ideias de perseguição e 
prenúncios de morte, além de uma sensibilidade extrema à luz e ao barulho. 
Com o tempo, passou a ter alucinações visuais e auditivas, nas quais se via 
morto e em decomposição, acometido por doenças como peste e lepra. 
Assim, Schreber passou longos períodos imerso no terror de suas 
alucinações, chegando a desejar a morte e a tentar o suicídio em diversas 
ocasiões. Na última etapa do seu delírio, sua experiência adquiriu um caráter 
místico, levando-o a acreditar que se comunicava diretamente com Deus. 
Delírio 
Freud, em sua análise sobre o delírio de Schreber, distingue dois pontos 
centrais: 
 
 
4 
1. Perseguição: inicialmente, Schreber acredita estar sendo perseguido por 
Deus, pois este estaria conduzindo uma conspiração para destruir sua 
integridade física e mental. Para isso, Deus utilizaria tudo ao seu redor, 
incluindo o Dr. Flechsig, seu médico, que aparece como um “agente 
divino”, realizando em seu corpo manipulação de ligações nervosas que 
permitiam a comunicação direta em sua mente. Dessa forma, Schreber 
denominou o Dr. Flechsig de “assassinato de alma”. 
Nasio (2001) acrescenta que nenhuma parte do corpo de Schreber foi 
poupada em seu delírio. Schreber acreditava que seus intestinos haviam sido 
retirados, seu esôfago reduzido a pedaços, suas costelas quebradas e parte de 
sua laringe engolida. Além disso, afirmava que seu estômago havia sido 
substituído por um judeu e que os nervos de sua cabeça haviam sido arrancados. 
Essas sensações aterrorizantes estavam ligadas à ação dos chamados 
"raios de Deus", que, segundo Schreber, atravessavam seu corpo e tentavam 
escapar sempre que ele se descuidava. Para evitar que isso acontecesse e 
provar a Deus que ainda estava vivo, Schreber emitia uivos, demonstrando, 
assim, que não havia “perdido a cabeça”. 
2. Transformação em mulher: no segundo estágio de seu delírio, Schreber 
aceita a ideia de tornar-se a mulher de Deus, marcando um ponto decisivo 
em sua experiência psicótica. Esse momento é caracterizado por sua 
transformação, que ocorre por meio da emasculação. Nasio (2001) 
destaca que, no auge do delírio de perseguição, Schreber percebia a 
emasculação como uma forma de humilhação extrema, destinada a 
reduzi-lo à condição de uma prostituta, sujeita a abusos sexuais. Como 
evidência desse processo, ele relata que os “raios de Deus” passaram a 
chamá-lo de “Miss Schreber”. Entretanto, nessa segunda fase do delírio, 
há uma mudança na sua percepção, pois agora ele passa a aceitar sua 
transformação em mulher como um sacrifício necessário para o “bem da 
humanidade”. Segundo Nasio (2001), Schreber se reconcilia com essa 
ideia de se transforma em mulher como um desígnio divino. Ele acredita 
que Deus exige essa transformação para salvar a humanidade, 
assumindo, então, um papel passivo diante dos “raios divinos”, que 
buscam prazer em seu corpo. Essa concepção é evidenciada em sua 
própria declaração: “É meu dever oferecer aos raios divinos a volúpia e o 
 
 
5 
gozo que eles buscam em meu corpo” (Schreber, citado por Nasio, 2001, 
p. 51). 
Portanto, o que antes era inaceitável e extremamente rejeitado passa a 
ser concebido, pois deixa de ser um conflito e ganha a proporção de ser uma 
missão divina, criar uma nova humanidade (de raça “schreberiana”), sendo essa 
construção delirante a solução de seu conflito. 
TEMA 2 – AS LIÇÕES DO CASO SCHREBER 
É interessante observar que Freud manteve sua abordagem no Caso 
Schreber, interpretando os sintomas e restabelecendo a função da doença. Pois, 
assim como o inconsciente segue uma lógica específica em suas manifestações 
clínicas, ele buscou identificar a lógica coerente e específica para o delírio de 
Schreber, rompendo com a tradição psiquiátrica da época. 
Freud observou a evolução sistemática e projetiva dos delírios do 
paciente, classificando seu caso como paranoia e distinguindo-o 
nosograficamente da esquizofrenia. Portanto, do ponto de vista teórico, Freud 
fundamentou sua análise na teoria da libido. 
Freud (1911) descreve que na paranoia ocorre uma retirada da libido 
investida no mundo externo, que passa, então, a ser reinvestida no próprio eu. 
Em Schreber, esse mecanismo tornou-seevidente quando seu mundo interno 
entrou em colapso, levando-o a reconstruí-lo por meio do delírio. 
Segundo Freud, o conflito que desencadeou a psicose de Schreber surgiu 
quando ele foi tomado por uma ideia inassimilável: "como seria bom ser mulher 
submetendo-se ao coito". Esse pensamento, intolerável para sua estrutura 
psíquica, gerou um impasse que levou ao rompimento com a realidade. A 
psicose, portanto, emergiu como um mecanismo para lidar com esse conflito. 
Essa passagem nos remete à ideia de que, na psicose, o encontro com o 
sexo, diferentemente da neurose, que o coloca diante de uma convocação pela 
qual deixará o sujeito sempre em busca de um significante que dê conta daquilo 
que ele afirmou (homem/mulher), não tem uma resposta. 
Assim, para Schreber, diante de ideias que lhe eram incompatíveis, 
constrói um sistema delirante no qual múltiplos elementos, aparentemente 
aleatórios, se interligam. 
 
 
6 
No entanto, a complexidade dessa construção demonstra que se trata de 
uma produção psíquica que visa restabelecer, de forma própria, um novo vínculo 
com a realidade. 
Freud sugere, então, que o delírio não deve ser visto apenas como um 
sintoma patológico, mas como um mecanismo psíquico que busca reorganizar a 
realidade do sujeito. No caso de Schreber, o surto inicial representa a retirada 
da libido dos objetos externos, resultando na desintegração de seu mundo. A 
reconstrução desse mundo se dá justamente por meio do delírio, que funciona 
como uma tentativa de reinvestimento da libido e de recuperação de um 
equilíbrio psíquico. Essa perspectiva permite compreender que, longe de ser um 
simples caos, o delírio tem uma lógica interna e uma função específica: restaurar, 
dentro dos limites da psicose, uma forma de relação com a realidade. 
Podemos dizer, então, que o processo da repressão propriamente dita 
consiste num desligamento da libido em relação às pessoas – e coisas 
– que foram anteriormente amadas. Acontece silenciosamente; dele 
não recebemos informação, só podemos inferi-los dos acontecimentos 
subsequentes. O que se impõe tão ruidosamente à nossa atenção é o 
processo de restabelecimento [...]. Foi incorreto dizer que a percepção 
suprimida internamente é projetada para o exterior; na verdade é, pelo 
contrário, como agora percebemos, que aquilo que foi internamente 
abolido retorna desde fora. (Freud, 1911, p. 78) 
O trabalho do delírio tem por finalidade, dirá Lacan (1956), a construção 
da metáfora delirante, ou seja, por conta da falta da metáfora paterna, na 
psicose, o delírio visa estabelecer o lugar do falo – significante que norteia a 
lógica subjetiva, que para Schreber se constitui como sendo a mulher de Deus, 
que foi de uma ameaça insuportável a uma saída benéfica –m redenção do 
mundo, sendo essa a via pela qual Schreber restabelece a ligação com os 
outros. 
2.1 Fenômenos elementares 
Em Lacan, veremos que, assim como os sintomas estão como metáfora 
nas neuroses, nas psicoses, os fenômenos elementares ocupam essa função, 
representando a manifestação mais radical da passagem do simbólico para o 
real. Esses fenômenos estão diretamente ligados ao significante foracluído, ou 
seja, àquilo que foi excluído da estrutura do discurso inconsciente, retornando 
no real sob a forma de alucinações, delírios ou outras expressões psicóticas. 
 
 
 
7 
No Seminário 3 (1956), Lacan esclarece que os fenômenos elementares 
não são meros elementos subjacentes à construção do delírio, mas, sim, 
componentes estruturais com força própria. Eles desempenham um papel ativo 
na organização do delírio, podendo se apresentar tanto de forma fragmentada 
quanto em sua totalidade. 
Ele enfatiza essa ideia ao afirmar: “Isso quer dizer que a noção de 
elemento não deve ser tomada aí de modo diferente da de estrutura, estrutura 
diferenciada, irredutível à outra que não ela mesma” (p. 30). Em outras palavras, 
a psicose não é apenas um efeito da ausência de um significante fundamental, 
mas a construção de uma nova lógica subjetiva, na qual os fenômenos 
elementares desempenham um papel estruturante. 
Assim, Lacan (1956) evidência psicose e seus fenômenos como uma 
estrutura de linguagem, ao lado das neuroses, sendo que os sintomas 
psicóticos não são os de metáfora, e sim os que surgem pela falta da 
metáfora, sendo eles os fenômenos elementares que estão ao nível do 
fenômeno e da causa da psicose. 
Colette Soler (2003) enfatizar que, na psicose, o significante rejeitado no 
simbólico retorna no real de maneira irredutível à cadeia significante habitual. 
Alguns desses fenômenos podem acompanhar o sujeito ao longo de toda a vida, 
enquanto outros emergem no momento do desencadeamento da psicose. 
No nível dessas manifestações, Lacan (1956) ressalta a alucinação verbal 
como um exemplo do “significante no real”, ou seja, um significante que, em 
vez de integrar a estrutura simbólica do sujeito, reaparece diretamente no real. 
Essa ruptura compromete a continuidade da cadeia significante, fazendo com 
que ela deixe de produzir significação de maneira ordenada. Essa abordagem 
permite compreender que, na psicose, o significante opera fora da subjetividade 
do sujeito, mantendo uma autonomia estrutural que influencia diretamente sua 
experiência da realidade. 
Lacan ilustra o efeito da alucinação relacionado ao mecanismo de 
foraclusão e ao retorno do significante rejeitado, com o caso de uma paciente: 
uma jovem que vivia uma relação dual, complexa e conflitante com a mãe, tendo 
ainda uma vizinha considerada invasiva. A situação se intensificou quando, no 
caminho de casa, ela se encontra com o amante dessa vizinha, que a ouve 
chamar de "porca". 
 
 
8 
Quando Lacan a examinou, ele questionou a paciente sobre o que ela 
pensava imediatamente antes de ouvir a palavra "porca". Ela respondeu: "Eu 
venho do salsicheiro". Essa resposta aparentemente desconexa revelou a chave 
para o fenômeno psíquico. O termo "salsicheiro" sugere uma associação com 
algo "impuro" ou "sujinho", conectando-se simbolicamente ao insulto "porca", 
mas de forma distorcida. 
Assim, no processo psíquico da paciente, a palavra "porca" não era 
apenas um insulto direto, mas, sim, um significante que evocava uma cadeia de 
associações ligadas à experiência de sujeira, desvalor e humilhação. A 
alucinação, nesse contexto, ocorre como uma expressão da reemergência de 
um significante rejeitado que, ao não ser adequadamente simbolizado, retorna 
como um fenômeno que rompe a continuidade da cadeia significante e se faz 
emergindo no real, de forma distorcida e insustentável dentro da lógica psíquica 
da paciente. 
Com esse exemplo, Lacan explica que, no nível simbólico, a alucinação 
verbal está ligada à foraclusão do Nome-do-Pai. Quando o Nome-do-Pai está 
foracluído, o sujeito fica em um estado de oscilação, já que o eu não recebeu o 
designo simbólico que o estabiliza e o articula na ordem do significante. Desse 
modo, o termo "porca" representa um significante que aparece de forma 
disruptiva, fora da cadeia significante estabelecida no registro imaginário e se 
insere no real, sem passar pelo filtro simbólico. Esse significante traz à tona os 
paradoxos de uma percepção singular do sujeito, que não consegue integrar 
esse signo de forma lógica ou coerente com sua estrutura psíquica. 
Nesse contexto, quando o amante da vizinha aparece, ele vai 
corresponder ao chamado do Nome-do-Pai, o terceiro elemento, visto que ele 
faz emergir um novo significante que descontrói a sua relação dual, mãe-filha, 
desestabilizando o par imaginário (a – a’) da relação especular da paciente. 
Passemos ao esquema L para situar a posição do significante na alucinação: 
Figura 1 – Esquema L 
 
 
 
9 
O Nome-do-Pai é vazio, por isso, o sujeito, em S, não consegue responder 
desde o lugar simbólico, em A. Quando surge uma situação que abala a relação 
especular imaginária com o outro (Eu-mãe), surge um significantedesconhecido 
para o sujeito “porca”, mas que designa o sujeito da frase “eu venho do 
salsicheiro”, lugar que o sujeito não consegue sustentar na realidade. 
No caso, “porca” é o significante que aponta para o ser de objeto do 
sujeito. Lacan (1956) propôs que se busquem no romance da vida do sujeito as 
evidências que sustentam o seu delírio. 
Nessa paciente, foi possível encontrar em seu histórico o relato de que, 
um dia, ela fugiu de seu ex-marido, pois pensava que ele e sua família queriam 
esquartejá-la como uma porca: “cortá-la em rodelas”. Portanto, o significante 
“porca” é o seu nome de gozo, pois desvela sua posição enquanto sujeito 
psicótico, no registro imaginário. 
TEMA 3 – PARANOIA 
A paranoia, a esquizofrenia e a melancolia são subestruturas da psicose 
que estão todas submetidas ao mecanismo da foraclusão do Nome-do-Pai. Esse 
conceito é essencial para o diagnóstico na clínica psicanalítica, pois a foraclusão 
determina a estrutura psíquica que condiciona a psicose de maneira 
fundamental. 
 No caso da paranoia, Freud fez uma aproximação com as neuroses, uma 
vez que ela compartilhava características com os mecanismos de defesa, ao 
lado da histeria e da neurose obsessiva. Essa relação entre paranoia e neuroses 
foi aprofundada por Antonio Quinet (2009), que explicou o fenômeno por meio 
do conceito de Verhaltung, que pode ser traduzido como "retenção". 
A Verhaltung refere-se a um mecanismo específico da paranoia, no qual 
o sujeito se identifica diretamente com um significante mestre, criando um ponto 
fixo de identificação que impede a circulação livre de significantes. Para Lacan, 
a teoria psicanalítica, por meio do conceito da libido, ajuda a compreender esse 
ponto de fixação psíquica, que se manifesta na paranoia como uma tentativa de 
estabilizar a psique diante da falta de um ponto simbólico externo que organize 
o sujeito. 
A retenção, portanto, revela a maneira pela qual o paranoico organiza e 
interpreta sua realidade a partir de um significante mestre, de forma rígida e 
isolada. 
 
 
10 
No Rascunho K, Freud (1896), sob a perspectiva de uma psiconeurose 
de defesa, estabelece uma comparação entre a neurose obsessiva e a paranoia, 
focando principalmente na maneira como cada uma delas lida com a experiência 
do primeiro encontro com o sexo. Em ambos os casos, esse encontro inicial é 
associado a uma experiência de prazer excessivo. No entanto, a diferença 
crucial surge quando essa recordação é evocada. No caso da neurose 
obsessiva, o prazer inicial é posteriormente acompanhado por uma 
recriminação, resultando em desprazer onde antes havia prazer, o que reflete o 
conflito intrapsíquico característico da neurose obsessiva. Por outro lado, na 
paranoia, o sujeito paranoico não acredita nessa recriminação, e no lugar da 
culpa ou conflito com o prazer experimentado, o paranoico tende a distorcer ou 
negar a possibilidade de qualquer recriminação. 
Antonio Quinet (2009) aponta que, na paranoia, a estrutura defensiva do 
sujeito é diferente da neurose obsessiva. Enquanto o neurótico obsessivo reage 
à recordação do prazer com um sentimento de culpa e autopunição, o paranoico 
não internaliza essa recriminação, pois ele projeta a culpa ou a responsabilidade 
para o outro, mantendo-se fora do campo da autoacusação. Essa dinâmica cria 
a base para o delírio persecutória, no qual o sujeito se vê constantemente 
ameaçado por forças externas, mas sem a mesma experiência de culpa que 
caracteriza as neuroses obsessivas. 
A crença ou a descrença na recriminação primária (que acompanha o 
gozo) determina a “escolha da neurose”, expressão de Freud para 
designar em que tipo de “psiconeurose” se situará o sujeito. A 
recriminação, na medida em que marca a Coisa gozosa como proibida, 
é índice do Nome-do-Pai, é a expressão da lei ao nível do fenômeno. 
A crença na recriminação promove o recalque desta, assim como da 
cena de gozo recriminada. Deste recalque resultará o sintoma. a 
descrença na recriminação corresponde a foraclusão do Nome-do-Pai. 
A recriminação foracluída do simbólico retorna no real sob forma 
frequente de injuria alucinatória. (Quinet, 2009, p. 98) 
 O significante do gozo, ao ser evocado na memória, transforma-se no 
significante traumático (St), e o significante da lei provoca a recriminação e 
equivale ao Nome-do-Pai (Sl). Na neurose obsessiva, os dois significantes (Sl – 
St) serão recalcados, e na paranoia, o significante da lei é foracluído, enquanto 
o significante do trauma é retido. Assim, o destino do significante da lei e do 
significante do trauma na paranoia seguem o caminho descrito a seguir: 
 
 
 
11 
Figura 2 – Encontro com o sexo 
 
Na paranoia, o sujeito se encontra alienado ao significante que o 
representa em relação aos outros significantes, o que significa que ele se 
identifica completamente com esse significante-mestre. Esse significante, que 
se inscreve como "Um", torna-se a chave para a estrutura paranoica. 
O paranoico se identifica com esse significante de maneira rígida, 
estabelecendo uma referência fixa que determina sua percepção do mundo e 
das relações. Ele torna-se "o Um" da referência, ou seja, ele se vê como o 
ponto central de uma rede de significantes, e é a partir dessa posição que se 
origina o principal fenômeno característico da paranoia. Esse fenômeno está 
ligado à ideia de que o paranoico se vê como o alvo de uma perseguição ou uma 
ameaça externa, interpretando qualquer situação ou interação como parte de 
uma trama que gira em torno dele. Sua realidade é estruturada a partir dessa 
identificação com o significante-mestre, o que impede uma flexibilidade ou 
fluidez nas suas representações e relações com o mundo. 
TEMA 4 – ESQUIZOFRENIA 
Tanto a paranoia quanto a esquizofrenia se desenvolvem dentro do 
registro imaginário, que está diretamente relacionado ao campo do narcisismo, 
no qual a imagem do eu se constitui numa relação dual com o outro. Porém, 
Freud (1911) situa que, na esquizofrenia, há uma fixação no estádio do 
autoerotismo, ou seja, uma regressão ao ponto de gozo mais primitivo do 
desenvolvimento psíquico, pelo qual a imagem corporal ainda se encontra 
fragmentada. 
 
 
 
12 
Essa fragmentação do corpo leva à dispersão do sentido, o que significa 
que o sujeito esquizofrênico tem dificuldade em integrar as diversas partes de 
sua experiência e percepção, levando a uma distorção na percepção de si 
mesmo e da realidade. 
Dessa forma, podemos diferenciar a esquizofrenia da paranoia por esse 
ponto de fixação da fase do psicodesenvolvimento infantil. Enquanto a 
esquizofrenia envolve uma quebra na coesão do eu, produzindo um retorno a 
um estágio primitivo de prazer autoerótico, a paranoia é caracterizada por uma 
fixação narcísica, em que seu eu é super investido. 
Portanto, o esquizofrênico goza de um corpo, mas de forma fragmentada, 
pois seu corpo não superou a fase autoerótica, de modo que ele não foi 
unificado. 
Nesse sentido, toda as suas experiências se manifestam de forma 
anarquista. É diferete da paranoia, na qual o gozo não está disperso, mas, sim, 
concentrado no Outro, que assume a figura de um perseguidor. Com base 
nessas distinções, Quinet (2009) apresenta um quadro comparativo entre a 
paranoia e a esquizofrenia, destacando como cada uma dessas estruturas 
psíquicas se manifesta nos registros do real, simbólico e imaginário. 
Tabela 1 – Quadro comparativo 
Na esquizofrenia, há uma ausência do S1, que é o significante mestre, 
responsável por organizar e hierarquizar os demais significantes na estrutura 
psíquica. 
O S1 funciona como o suporte das representações-meta do pensamento 
inconsciente e consciente, permitindo a construção de um discurso coerente. 
Sem esse significante estruturante, o sujeito esquizofrênico experimenta uma 
Registro Paranoia Esquizofrenia 
Imaginário Retorno ao narcisismo 
Fixação da imagem e sentido 
Um corpo preso na imagemdo outro 
Eu megalomaníaco 
Retorno ao autoerotismo 
Dispersão da imagem e sentido 
Imagem do corpo despedaçado 
Eu fragmentado 
Real J(A) gozo do Outro Dispersão do gozo 
Simbólico Verhaltung (retenção) do Um 
NP° 
Outro consistente 
Dispersão, não há Um significante 
NPº 
Outro fragmentado 
 
 
13 
dispersão de significantes, ou seja, sua linguagem e seu pensamento não 
seguem uma lógica organizada. 
Em vez de uma cadeia significante que se articula hierarquicamente, 
como ocorre na neurose e na paranoia, na esquizofrenia há uma multiplicidade 
de S1, todos soltos, sem um princípio ordenador. Essa multiplicidade tende ao 
infinito, sem que haja um eixo central para organizar o fluxo do pensamento e da 
linguagem. 
Para representar essa dispersão característica da esquizofrenia, Quinet 
(2009) propõe o seguinte mátema: 
(S1(S1(S1(S1→∅)))) 
Esse mátema expressa o encadeamento infinito de significantes sem uma 
organização estruturada, apontando para um vazio (∅) que indica a ausência de 
um ponto fixo que estabilize o discurso e a experiência subjetiva do 
esquizofrênico. 
TEMA 5 – MELANCOLIA 
Na clínica psicanalítica, a melancolia é considerada um terceiro tipo 
clínico da psicose, ao lado da paranoia e da esquizofrenia. No entanto, na 
psiquiatria, ela costuma ser classificada dentro dos transtornos do humor, 
especialmente no espectro do transtorno bipolar. Já no senso comum, a 
melancolia é frequentemente confundida com a depressão, embora existam 
diferenças fundamentais entre essas condições. 
 Ao contrário da depressão neurótica, que pode ser transitória e estar 
associada a eventos específicos da vida do sujeito, a melancolia é uma tristeza 
estrutural. Isso significa que ela não se reduz a um estado passageiro ou a uma 
resposta emocional a uma perda, mas faz parte da constituição psíquica do 
sujeito. 
Outro aspecto essencial para diferenciá-la do luto, que é um estado 
depressivo natural e esperado diante de uma perda, é que, na melancolia, o 
sujeito se identifica radicalmente com a dor de existir. 
Em vez de lamentar a perda de um objeto amado, como ocorre no luto, o 
melancólico se percebe como o próprio objeto perdido, o que pode levá-lo a 
sentimentos profundos de culpa, autodepreciação e, em casos extremos, ao 
desejo de aniquilação de si mesmo. 
 
 
14 
No clássico texto Luto e melancolia (1915), Freud compara o trabalho do 
luto à dor, enfatizando como a perda de um objeto amado desencadeia um 
processo psíquico de elaboração. No entanto, mais tarde, quando desenvolve 
os conceitos de pulsão de morte e masoquismo primordial, Freud formula a ideia 
da economia da dor. 
Nessa perspectiva, a dor não é apenas um efeito colateral do luto, mas 
pode também representar uma forma de satisfação da pulsão de morte, 
manifestando-se em fenômenos como a perversão masoquista, o gozo do 
sintoma e, especialmente, a melancolia. 
Quinet (2009) sublinha que, no luto, a dor está relacionada a um tipo de 
gozo paradoxal, que envolve tanto sofrimento quanto prazer, e surge com a 
perda de um ideal. 
Essa experiência está diretamente ligada à castração, ou seja, à falta 
estrutural que marca o sujeito. Assim, no luto, a perda está associada ao objeto 
que velava essa castração, com a sua perda evidenciando sua falta. 
“A dor da depressão é a dor constitutiva da castração, que, em vez de 
aparecer como angústia, deixa triste o sujeito com a nostalgia do Ideal, saudade 
do Um que encobria a falta” (Quinet, 2009, p. 173). 
No Rascunho G (1885), Freud já esboçava uma compreensão da 
melancolia, identificando quatro características principais que sustentou em toda 
a sua obra: 
• Relação entre melancolia e anestesia sexual: o melancólico apresenta 
uma perda total do desejo, não apenas no âmbito da vida cotidiana, mas 
principalmente no campo da sexualidade. Seu desejo se reduz a zero, 
resultando em uma apatia generalizada; 
• Melancolia e neurastenia: a melancolia está associada a uma intensa 
perda de vitalidade, acompanhada de um cansaço extremo e um 
esgotamento físico e psíquico persistente; 
• Melancolia e angústia: diferentemente das neuroses de transferência, na 
melancolia não há um mecanismo de economia da angústia. Isso significa 
que a angústia não é deslocada ou atenuada por meio de sintomas 
neuróticos, mas se manifesta de maneira crua e direta; 
• Melancolia e mania: a melancolia pode se transformar em mania, mas 
essa transformação não significa uma mudança estrutural. Segundo 
Quinet (2009), Freud não propõe uma visão de bipolaridade no sentido 
 
 
15 
moderno do termo, mas aponta para a possibilidade de uma “passagem” 
da melancolia para a mania, sem que o sujeito deixe de ser 
essencialmente melancólico. 
Freud (1885) caracteriza a melancolia como um luto decorrente da perda 
da libido. No entanto, diferentemente do luto comum, em que o sujeito elabora 
gradativamente a perda do objeto amado, na melancolia, essa perda se 
manifesta de forma muito mais profunda e desestruturante. Lacan amplia essa 
ideia ao sugerir que, na melancolia, ocorre um “furo no psiquismo”, isto é, uma 
falha estrutural que interrompe o encadeamento das associações psíquicas. 
Esse vazio provoca uma dissolução dos laços significantes, levando ao 
esvaziamento da libido e à consequente sensação de aniquilação subjetiva. 
A hemorragia (da libido) é descrita como uma excitação escorrendo por 
um furo, que funciona como um ralo. Esse furo no psiquismo é 
equivalente ao furo no simbólico, à foraclusão do Nome-do-Pai. Lá 
onde deveria estar o Nome-do-Pai não se encontra nada, só um furo, 
um ralo aberto por onde toda a libido escoa. Para Freud, é isso que 
explica a anestesia sexual, pois “todos os neurônios devem abandonar 
a excitação”. É essa perda hemorrágica que é dolorosa. Em outras 
palavras, é a dor do furo, do que é foracluído do simbólico, que é 
desvelada na melancolia – dor que corresponde à anestesia sexual, à 
abolição do desejo. (Quinet 2009, p. 198) 
Portanto, é justamente a partir desse furo psíquico que emergem os 
delírios melancólicos de ruína, nos quais o sujeito sente que tudo está perdido, 
destruído ou sem sentido. Essa experiência pode se manifestar como uma 
sensação extrema de culpa, uma crença de que ele próprio é responsável por 
essa devastação, ou até mesmo como um delírio de inexistência. 
NA PRÁTICA 
Neste “Na Prática”, tomaremos como referência o filme Melancolia (2011), 
do diretor Lars Von Trier. Não nos aprofundaremos nos detalhes complexos da 
trama, mas focaremos em um aspecto específico para ilustrar um caso de 
melancolia. Faremos, assim, alguns recortes no personagem de Justine. 
O filme se inicia com o casamento de Justine, em uma festa luxuosa 
organizada por sua irmã mais velha, Claire. O perfil de Claire é, sem dúvida, 
digno de análise: ela cuida do marido e do filho e constantemente se preocupa 
com Justine. O pai das irmãs é um homem fraco, sem autoridade, enquanto a 
mãe é uma mulher hostil, indiferente às filhas e à celebração, demonstrando 
claramente que não queria estar ali. 
 
 
16 
Justine, apesar de bonita, tem um semblante sombrio e um olhar sem 
vida. Ao chegar atrasada à sua festa de casamento, ela não demonstra interesse 
pelos convidados que a aguardam. 
Embora sorridente e aparentemente feliz no começo, seu comportamento 
vai se desfazendo ao longo da festa, revelando um cansaço e um sofrimento 
evidentes, como se ela não aguentasse mais. Claire, percebendo o estado de 
Justine, a pressiona para que ela não arruíne a festa. Justine então sai, vagando 
sem rumo pelo vasto jardim, tentando encontrar forças para suportar o que, para 
ela, não fazia sentido algum. 
Ao retornar à festa, Justine tenta manter uma fachada de animação, mas 
logo encontra uma desculpa para se ausentar novamente. Ela leva o sobrinho 
para a cama e vai tomar banho, enquanto todos aguardam para cortar o bolo. 
Quando o noivo a acompanha para oquarto de núpcias, Justine pede para 
que ele a espere por um momento. Ela desce para a festa e tem um rápido 
encontro sexual com um convidado no jardim. Após isso, ela retorna ao salão e 
começa a dançar com entusiasmo. No fim da festa, o noivo vai embora e lhe diz: 
“poderia ter sido diferente”. Ela responde: “como?”. Justine sabia que a única 
coisa que poderia fazer era exatamente aquilo. 
Outra fala marcante do filme vem de sua irmã, que diz: “pensei que era 
isso que você queria”. Contudo, Justine demonstra que, na realidade, ela não 
queria nada. No filme, “melancolia” designa o nome de um planeta fictício que 
se aproxima da Terra. Esse elemento é interessante, pois, ao saber da tragédia 
iminente, Justine consegue se recompor, até tomando banho, sinalizando uma 
tentativa de revestimento libidinal em seu próprio corpo. Para Justine, esse 
planeta representa o Outro, algo externo que barra seu gozo. A destruição do 
planeta não a afeta como afeta sua irmã, pois Justine já vivia em um mundo 
destruído e, enfim, ela consegue localizar a sua dor em um objeto externo. 
FINALIZANDO 
Para concluir esta etapa, vimos que O caso Schreber é uma das principais 
análises de Freud sobre a psicose, baseada no livro autobiográfico de Daniel 
Paul Schreber, um juiz e intelectual de destaque. Schreber desenvolveu delírios 
em duas vertentes: perseguição e transformação em mulher. Lacan, em seu 
Seminário 3, destaca que os fenômenos psicóticos, ao contrário das neuroses, 
surgem da falta de metáfora, revelando uma estrutura de linguagem. 
 
 
17 
Freud compara a paranoia à neurose, explicando-a como um mecanismo 
de defesa, e distingue a esquizofrenia da paranoia, pois enquanto a primeira 
envolve regressão no autoerotismo, apresentando uma dispersão de 
significantes, a paranoia trata-se de uma fixação narcísica, na qual o sujeito se 
torna o Um da referência. Já a melancolia, como a terceira modalidade da 
psicose, é posta por Freud como uma tristeza estrutural, em que o sujeito se 
identifica ao objeto perdido, diferentemente do luto. 
 
 
 
18 
REFERÊNCIAS 
FREUD, S. [1895]. Rascunho G, In: Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 
1996. v. 1. 
FREUD, S. [1911]. Caso Schreber. In: Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 
1996. v. 12. 
GUERRA, A. M. C. A psicose. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. 
QUINET, A. Psicose e laço social: esquizofrenia, paranoia e melancolia. Rio de 
Janeiro: Zahar, 2009. 
LACAN, J. [1956]. Livro 3 – As psicoses. Rio de Janeiro: Zahar, 1988. 
NASIO, J. D. Os grandes casos de psicose. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. 
SOLER, C. O inconsciente a céu aberto da psicose. São Paulo: Companhia 
das Letras, 2003. 
	CONVERSA INICIAL
	Na prática
	FINALIZANDO
	REFERÊNCIAS

Mais conteúdos dessa disciplina