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31 
 
 RAÍZES DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO 
 
 
 
 FERNANDO PEDRÃO 
 
 
 
 
 
 1994 
 
 
 
 
 
32 
 
 
 
 Sumário 
 
 
 Introdução 
 
I Parte: Aspectos Essenciais do Capitalismo 
 
1. As características da sociedade econômica 
1.1. Privilégios e interesses nas sociedades econômicas; 1.2. O controle de capital e da 
formação de capital 1.3. O controle do consumo; 1.4. O controle do trabalho; 1.5. O 
controle de recursos naturais; 1.6. Experiências e valores. 
 
2. Aspectos de método e interpretação 
2.1. Objeto e método de estudo; 2.2. Interesse, privilégio, tradição; 2.3. O componente 
histórico e o psicológico. 
 
3. Os modos operacionais do capitalismo 
3.1. Práticas e instituições da produção;3.2.A mercantilização e os usos do tempo;3.3. O 
tratamento do risco; 3.4. A especulação; 3.5. A diversificação do consumo; 3.6. A 
universalização do crédito. 
 
 
II Parte: A Formação Antiga 
 
 
4. Os modos antigos do capitalismo 
4.1. Profundidade histórica e atualidade; 3.2. A perspectiva secular da interpretação; 3.3. 
Uma possível periodização; 4.4. A antiguidade mercantil; 3.5. Os grandes movimentos da 
Idade Média. 
 
5. Unificação e expansão do mercado mundial 
5.1. A expansão do horizonte mercantil; 5.2. O escravismo e as demais formas de 
servidão;5.3. Os efeitos da estruturação da produção. 
 
6. A transição ao capitalismo moderno 
6.1. Os significados de modernidade;6.2. Modernidade, racionalidade e capitalismo; 
6.3.Controle social e dominação; 6.4. As contradições da transição. 
 
 
 
 
 
33 
 
 
7. O colonialismo escravista e as economias de fronteira 
7.1. A composição do sistema periférioco; 7.2. O sistema de produção transformador das 
colonias; 7.3. A formação de regiões e de Estados nacionais; 7.4. O papel das economias de 
fronteira. 
 
III Parte: A Formação do Quadro Atual 
 
 
8. A formação da sociedade econômica moderna 
8.1. A identificação dos interesses econômicos nos tempos modernos; 8.2. As 
transformações econômicas e políticas do século XVIII. 
 
9. Os agentes econômicos e as classes sociais 
9.1. Os novos protagonistas: as empresas, os trabalhadores e o Estado; 9.2. A formação das 
classes sociais e a produção; 9.3. A formação social extra classes. 
 
10. A ascensão do capital industrial no século XIX. 
10.1. A articulação industrial da produção; 10.2. O modo fabril e o inter-setorial de 
produção; 10.3. Expansionismo e concentração de capital; 10.4. A divisão internacional do 
trabalho; 10.5. A divisão inter-regional do trabalho. 
 
11. As transformações no século XX 
11.1. O capital financeiro e o controle dos mercados; 11.2. Transformações políticas, 
revoluções e autoritarismo; 11.3. Os custos da tecnificação e da qualificação; 11.4. A 
concentração bancária e a centralização financeira; 11.5. Informações, comunicação e 
redução dos tempos das decisões. 
 
12. O capitalismo na periferia latino-americana. 
12.1. Os resultados da formação colonial e mercantil; 12.2. O período de 1870 a 1914; 12.2. 
Da primeira guerra mundial à crise de 1930;12.3. Da crise de 1930 à segunda guerra 
mundial;12.4. O panorama após a segunda guerra mundial; 12.5.Internacionalização e 
expansão das fronteiras internas. 
 
13. Os modos colaterais de produção 
13.1. O panorama da produção subordinada;13.2. A produção primitiva; 13.3. A produção 
camponesa; 13.4. A informalidade. 
 
14. As estruturações sociais do trabalho 
 
 
 
 
 
34 
 
14.1. Concentração e associação de trabalhadores; 14.2. Classe, estamento e organização 
local; 14.3. Mecanismos de proteção e de discriminação; 14.4. Horizontes de inserção na 
produção e no consumo; 14.5. Mobilidade e exclusão. 
 
15. Os novos dilemas 
15.1. Aspectos superficiais e profundos da crise; 15.2. Os novos perfís dos interesses 
privados; 15.3. A esfera pública; 15.4. As pressões sociais. 
 
 
Bibliografia selecionada 
 
 
 
 
 
35 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
 Para entender a organização e as transformações atuais da sociedade econômica, 
torna-se necessário enfrentar complexos problemas de método, bem como rever a 
compreensão do objeto de estudo. Principalmente, é preciso distinguir o que é significativo 
em cada ponto-momento; e aquilo cuja importância transcende aquele ponto-momento; e 
influi nas progressões dos acontecimentos. Assim, é necessário trabalhar com os 
acontecimentos que foram, em algum momento, relevantes para a transformação 
econômica, fossem grandes eventos - como batalhas e tratados - que sempre ocuparam os 
estudiosos, ou fossem mudanças de hábito, ou ainda, modificações no horizonte de 
conhecimento de cada sociedade e de grupos sociais. 
 
 
 A análise histórica da produção tem, como principal função, a de expor os 
deslocamentos e ajustes entre a estruturação social e a estruturação técnica da economia; e 
deste modo, mostrar o significado desses processos nas condições de vida de grupos e de 
pessoas. A formação histórica da produção é o trajeto de um conjunto de experiências 
desigualmente comunicadas umas com as outras, que se tornam progressivamente mais 
conhecidas ao longo do tempo - embora com perdas consideráveis, de experiências que se 
perdem, ou que não chegam a ser conhecidas. 
 
 O conhecimento da história, portanto, a capacidade de interpretala, decorre dessa 
capacidade de apreender o acontecido; e transforma-lo em diferenciação, em relação com 
todos aqueles que não têm os meios para interpretar. Assim, o conhecimento da história é 
diferenciador. E as interpretações históricas revelam pontos de vista dos que estudam e dos 
que são estudados; e põem em contacto os diversos pontos de vista e as experiências em 
que eles se apoiam, avaliando as conseqüências do desenvolvimento dos pontos de vista na 
modulação da realidade social. Do registro da pluralidade de pontos de vista dependem as 
possibilidades de divergência e de contestação dos pontos de vista predominantes. Esta, a 
principal razão para apoiar a análise crítica da gênese do sistema de produção. 
 
 Mas, para chegar a ela, há um problema, relativo ao aumento das informações 
necessárias para alcançar uma compreensão relevante do universo econômico atual, assim 
como, para garantir comparações adequadas com épocas anteriores, em que o sistema de 
produção era menor; e era muito menor o conhecimento entre os integrantes dos diferentes 
sistemas nacionais ou regionais de produção. 
 
 
 
 
 
36 
 
 
 Paralelamente, há outro problema, relativo à crescente dificuldade de contar com 
informações comparáveis sobre os diversos aspectos do processo econômico, na atualidade 
ou para comparações entre fenômenos de diversas épocas. Assim, é preciso trabalhar, 
assumidamente, com um saber desigual; e manejar a questão da cientificidade da análise do 
mesmo modo como se maneja a relação atual entre o conhecimento demonstrado e o não 
demonstrável. A incorporação de conhecimento implica, sempre, em manejar mais fatos 
que os já arquivados, e problemas desiguais de demonstração. Qualquer pretensão 
adicional, de garantir um mesmo nível de rigor de toda a análise, significa uma distorção 
deliberada da realidade. 
 
 Nesta tentativa de interpretação histórica, inclui-se uma primeira parte com os 
principais traços da produção de tipo capitalista da antiguidade até a Idade Média; e 
reúnem-se alguns elementos essenciais da transição entre a Idade Média e os Tempos 
Modernos. A segunda parte abrange a ascensão do capitalismo industrial até o período de 
rupturas do funcionamento da economia mundial entre as duas guerras mundiais. A terceira 
parte concentra-se no funcionamento da produção capitalista mundial a partirda década de 
1950, focalizando na formação da empresa e na do Estado; e entre essas transformações e 
as mudanças no quadro da tecnologia e do financiamento. 
 
 
 
 
 
 
 
 
37 
 
 
I Parte: ASPECTOS ESSENCIAIS DO CAPITALISMO 
 
 
 
1. As Características da Sociedade Econômica 
 
 
1.1. Privilégios e interesses nas sociedades econômicas 
 
 A sociedade econômica contemporânea funciona sobre combinações de interesses 
atuais e privilégios adquiridos, que são o resultado de trajetórias de experiências, onde se 
combinam o controle de capital ativo e de patrimônio com o controle legal e político da 
produção. A expressão sociedade econômica designa o modo de estruturação das 
sociedades, determinado pela perspectiva da atividade econômica, entendendo-se, 
entretanto, que a organização da economia é inseparável da cultural e da política; e que a 
própria atividade econômica está penetrada de institucionalidade, que se revela no modo 
como se conjugam as práticas no cotidiano, com as instituições em cujo âmbito elas se 
realizam. 
 
 Assim, de fato, a expressão sociedade econômica é genérica, e abrange as diversas 
sociedades históricas concretas, desde as mais simples até as mais complexas. Essas 
sociedades complexas têm elementos de controle igualmente complexos, que resultam do 
modo como nelas se realizou a composição dos movimentos de transformação com os de 
estabilização, respectivamente, no meio urbano e no rural; e de como essas composições 
permitiram que as formas pretéritas de estruturação - tais como aquelas claramente tribais, e 
aquelas outras mais ou menos de castas - se desdobrassem nos modos industriais urbanos. 
Isto, obviamente, varia muito, entre as experiências dos países que conduziram a 
modernização e que realizaram a colonização; e os países que emergiram, depois de 
avançada a industrialização. O fato de que o primeiro desses grupos de países dirigiu a 
literatura sobre o tema, e produziu a maior parte dela, fez com que as interpretações 
ficassem ancoradas em suas experiências, de tal modo que elas se tornassem uma referência 
histórica dominante e, em alguns aspectos, exclusiva. O desenvolvimento da reflexão das 
ciências sociais nos países mais recentemente modernizados, bem como uma compreensão 
mais clara da pluralidade de situações e percepções em que consiste o universo dos países 
mais velhos, desloca, de volta, essa compreensão da representatividade histórica das teorias 
sociais. 
 
 
 
 
 
 
38 
 
 Ao longo do século XX, a teoria social teve que conviver com uma crescente 
pluralidade de experiências, que obriga a ampliar o horizonte espaço-temporal de 
referências históricas, ao tempo em que, relativizar as observações que se acumularam nos 
dois séculos anteriores. A ampliação do horizonte de referências históricas significa a 
incorporação de observações próprias de pontos de vista diferentes daqueles legitimados 
pela ciência oficial, e em todo caso, o reconhecimento de processos sociais essencialmente 
divergentes daqueles que sustentaram a formação de teoria. 
 
 Nesse sentido, é fundamental substituir a concepção de que a expansão do 
capitalismo corresponde à superação de sociedades guiadas por critérios de privilégio, por 
outras sociedades conduzidas por critérios de interesse; pelo entendimento de que a 
acumulação (1) é realizada mediante uma progressão de deslocamentos na combinação de 
privilégios e interesses. Por extensão, reconhecer que modernização não significa superação 
de privilégios, mas mudança de forma e de modo de manifestação dos privilégios. 
 
 Os privilégios assumem novas formas e os interesses são canalizados, para que se 
aproveitem os sistemas de privilégios. Diminuem aqueles explicitamente atribuídos a 
posições de casta e família; mas aumentam os privilégios implícitos, bem como os 
atribuídos aos detentores de capital, ou aos que detêm a representação de capital. É o que se 
observa na estrutura da propriedade do capital nas grandes empresas de hoje, em que há um 
elevado componente de reprodução dinástica dos interesses; e em muitas outras, em que os 
privilégios continuam garantidos; e onde garantem a lucratividade, tal como ocorreu na 
formação do capital rural e do mercantil, auspiciada pelas monarquias do século XVI e 
XVII (2). 
 
 Essa revisão da relação entre interesse e privilégio se faz, especialmente, a partir de 
dados da atualidade, observando, como se conjugam movimentos de transformação da 
economia e de perpetuação de formas estabelecidas. A leitura histórica da atualidade 
mostra a permanência de diferenças de posição e de velocidade, na transição das etapas da 
industrialização na produção de bens e na de serviços. Assim, a compreensão da atualidade 
está ligada ao conhecimento da formação do sistema de produção, quando se tornam 
visíveis os significados desses deslocamentos de posição e de forma dos privilégios e dos 
interesses. 
 
 O estudo das sociedades econômicas latino-americanas, desenvolvido em seqüência 
capaz de captar a experiência concomitante dos Estados Unidos, mostra fenômenos jamais 
conhecidos nas experiências européias, por isto ausentes das teorizações elaboradas naquela 
parte do mundo. O contraste com as experiências da Rússia e da União Soviética, da India e 
da China, permite estabelecer algumas comparações entre grandes, médias e pequenas 
 
 
 
 
 
39 
 
sociedades econômicas, bem como estabelecer as peculiaridades de cada uma delas, 
segundo as condições em que aconteceram suas transformações. 
 
 O modo como se resolveram os problemas sociais e e econômicos do controle da 
terra, a relação entre a problemática agrária e a da produção agrícola, as bases internas e 
externas da industrialização, entram, necessariamente, na constituição dessas novas 
sociedades econômicas. O controle da produção de matérias primas foi parte essencial do 
controle da produção de mercadorias, e, por esse meio, da margem de poder representada 
pelas relações com o exterior. Daí que o controle sobre a base rural se projetou na formação 
do capital industrial e de seus elementos colaterais de produção. 
 
 Os interesses têm mudado de eixo ao longo do tempo, obrigando a observar sua 
relação com a preservação de posições na sociedade econômica pré-industrial e na 
industrial. Tradicionalmente, a principal fonte da estruturação econômica dos interesses foi 
o controle direto do capital mercantil e o indireto da terra; enquanto o controle direto da 
terra tinha uma expressão política mais explícita. Mas o controle do sistema fundiário deu 
lugar a diversas outras modalidades de controle sobre a produção, no próprio plano 
econômico e no político, em que os componentes indiretos geralmente superam os diretos. 
A capacidade de manter e reproduzir interesses revelou-se essencial no controle do 
processo de acumulação de capital e no de controle da inclusão e exclusão de pessoas e 
grupos na produção e no consumo, obrigando a levar em conta quantos puderam - e podem 
- participar efetivamente do sistema de produção. 
 
 A América Latina tem diversos exemplos de oligarquias rurais cujo poder foi 
erosionado antes do aparecimento de movimentos de industrialização que criassem novos 
polos de interesse; e de outras que conseguiram manter posições e se reorganizarem durante 
a formação da indústria. Assim como há uma dinâmica de poder em cada sistema 
econômico em seu conjunto, há uma dinâmica localizada de poder, no âmbito do controle 
da terra, que distingue os que perdem posição dos que utilizam o controle da terra para 
alcançar participação na indústria, no comércio e nos bancos. 
 
 Essa diferenciação acentuou-se ao longo das transformações da indústria, 
interagindo com ela, tornando-se um dos fios condutores que explicam as interrelações 
entre os movimentos de estabilidade e de mudançano plano econômico e no político; que, 
adiante, explicam algumas das razões para o retorno ao campo de capital acumulado em 
setores modernizados da economia em contratos com os governos. 
 
 Mas, a experiência latino-americana simplesmente ilustra um aspecto dominante do 
capitalismo é a do controle de capital, isto é, de acervo efetivamente produtivo. A 
 
 
 
 
 
40 
 
acumulação de patrimônio não modifica a capacidade de acumular das sociedades. Seu 
patrimônio - constituído dos que elas entesouraram - não as ajuda a acumular. Para isso, 
dependeram sempre de sua energía militar e de seu comércio. Enquanto ganharam guerras, 
puderam prosseguir com seu enriquecimento; mas a própria falta de uma expansão 
econômica separada da militar, como no apogeu de Roma, significou que o impulso militar 
não gerava outros meios de produção que adiante o realimentassem, mesmo tendo efeitos 
de estímulo na produção de metais, ou na armamentos e munições, como aconteceu com as 
potências mercantís no século XVIII. 
 
 Esse tipo de trajetória poz as sociedades mercantís em contradição com os objetivos 
do capitalismo. A acumulação capitalista desenvolve-se mediante a expansão e 
transformação da base econômica: precisa garantir a continuidade da acumulação. O 
essencial dela é que os resultados alcançados alteram as quantidades e os modos de 
produzir. Há uma controvérsia nesse ponto, que tem sido lida por muitos como de uma 
relação entre o funcionamento do comércio e o da produção. Trata-se, de fato, de 
confrontar a realização do lucro com as fontes das quais ele deriva. O comércio regular 
traduz-se em demandas de quantidades e de especificações de produtos, que exercem um 
efeito regulador sobre os produtores, para selecionar quais produtos podem ser revendidos e 
quais de suas características influem no seu preço. Mais ainda, o estabelecimento de 
algumas linhas regulares de comércio tem efeitos indiretos na determinação dos preços de 
outros produtos que aparecem de modo esporádico, mediante a associação entre uns e 
outros. Pelo contrário, a falta de regularidade do comércio significa uma correspondente 
ausência de estímulo para alterações na produção. 
 
 Historicamente, a relação entre o comércio e a produção foi sempre gradual e 
progressiva, mesmo nas oportunidades em que se abriram bruscamente novas rotas de 
comunicação, como no acesso à Índia e na conquista da América. Isso se deve à 
identificação e adequação de novas mercadorías às demandas que podiam ampliar-se, que 
obviamente compreende um aspecto cultural e outro tecnológico, de adaptação do consumo 
e de aperfeiçoamento da produção. O sistema de produção reage, a partir de uma 
pluralidade de situações específicas de produção para um número muito menor de situações 
de comércio. Os condutores da acumulação mercantil têm, sempre, a vantagem de maior 
visibilidade dos diversos focos de produção, que os produtores situados em cada um desses 
focos. Daí, que a disputa pelo comércio tem efeitos indiretos maiores sobre a produção em 
seu conjunto, que as diversas disputas por pontos específicos de produção. Isso quer dizer 
que o capital mercantil teve, sempre, a opção de colocar-se, direta ou indiretamente, em 
atividades de comércio ou de produção, segundo seja circunstancialmente mais importante 
estimular a produção de uma ou de outra mercadoría, numa ou noutra localização; e de 
fomentar uma ou outra tendência de crescimento da produção. 
 
 
 
 
 
41 
 
 
 O comércio tem exercido esse tipo de influência desde os tempos dos gregos e dos 
fenícios; e a regularidade e a ampliação das trocas comerciais teve sempre um efeito 
indutor na produção. Frente à argüição de Marx, de que o capital mercantil só se torna 
capital propriamente dito, quanto se transfere ao processo produtivo, há a observar que a 
atitude capitalista típica de rejeição de risco faz com que o capital mercantil deseje 
continuar em sua forma comercial; e que somente se transfira ao âmbito da produção 
quando alcança garantias de rentabilidade. Tais garantias, entretanto, nunca são apenas 
econômicas, senão compreendem pressões políticas sobre concorrentes e sobre colônias, 
preferências de contratos etc. 
 
 Nesse particular, são especialmente importantes aquelas análises dos processos 
econômicos do capitalismo que comparam os eventos do século XVI com os do século 
XVIII, quando os capitalistas dos países europeus realizaram a associação com o Estado 
para transferir e obter privilégios diferentes daqueles já retidos pela aristocracia rural; 
quando a própria aristocracia entrou a participar de empreendimentos capitalistas; e quando 
os capitalistas em geral, aristocratas e burgueses, tomaram suas primeiras decisões 
importantes, de absorver riscos da produção industrial. A empresa, no sentido moderno 
dessa expressão, é conseqüente desse processo de ampliação do horizonte territorial de 
mercado, que compreendeu a inclusão da América, as reconquistas da África e as lutas pelo 
controle da Ásia. Os estudos mais recentes da história da empresa mostram, em suas linhas 
gerais, que seu desenvolvimento nos países condutores da acumulação de capital, se fez 
abrangendo a utilização dos recursos humanos e físicos não europeus. 
 
 A constituição da empresa tornou-se uma necessidade dos capitalistas, que 
precisavam dar um caráter de permanência aos seus empreendimentos, bem como criar uma 
instância institucional capaz de negociar com o Estado e atrair outros capitais individuais. 
Esse processo foi melhor relatado por fontes literárias que pelas fontes de história 
econômica e social. Autores como Émile Zola, Charles Dickens, Nikolai Gogol, Fedor 
Dostoievski, mostraram os processos de substituição das manifestações de interesses 
individualizados pelas de interesses institucionalizados do capital privado (3). 
 
 
1.3. O controle do consumo 
 
 A produção capitalista funciona frente a uma perspectiva de demanda fundamentada 
em experiência, isto é, numa combinação de dados da realidade com suposições baseadas 
em anteriores tentativas de antecipação. O risco de erro é, progressivamente, menor com a 
acumulação de experiência. Mas nada garante que ele sempre diminua, nem que diminua de 
 
 
 
 
 
42 
 
modo constante. Isto quer dizer que a produção capitalista precisa de informações sobre a 
demanda; e tende a interferir no consumo, para adequar o desenvolvimento da demanda aos 
interesses da obtenção de lucro. Significa, ainda, que os produtores têm que pressionar 
outros produtores a usar as tecnologias que vendem, já que as próprias tecnologias, uma 
vez conhecidas, são mercadorias como quaisquer outras. 
 
 Historicamente, os produtores capitalistas usaram o poder de convencimento do 
comércio para alcançar esses objetivos. Isso sempre se fez de diversos modos. O primeiro 
deles é observar as comunidades e procurar distinguir o que e como consomem; e logo, 
verificar as possibilidades, seja de aumentar as quantidades consumidas de alguns bens, 
seja de substitui-los por outros. A industrialização teve um efeito irreversível sobre esse 
consumo possível, de um lado estabelecendo uma pauta de bens que a indústria pode, 
preferencialmente, realizar com vantagem; e de outro lado, tornando comparativamente 
mais caros quaisquer produtos que não estejam no escopo tecnológico do sistema de 
produção. Para expandir-se, a produção industrial precisa, portanto, estimular o consumo 
naquele horizonte de possibilidades que pode atender, desde os que pode atender hoje aos 
que pode planejar atender no futuro. O segundo modo de forçar a criação - ou abertura - 
mercados foi a força, um método vigente até hoje. Esse uso da força conduziu as invasões 
da América no século XVI, da África nos séculos XVI, XVII e XIX e da Ásia desde o 
século XVI até o século XIX (4). 
 
 Os modos específicosde interferir no consumo variam, em escala, em uso de capital 
e em capacidade dos capitalistas para utilizarem os recursos institucionais e financeiros do 
Estado para sustentar suas pretensões. Desde o apoio de Henrique VIII da Inglaterra, de 
Henrique IV da França e de Carlos V no século XVI, à expansão de atividades privadas, às 
atuais políticas de subsídio, direto e indireto, ao capital nas empresas, e a gestão do Estado, 
que leva a distinguir o favorecimento direto de empreendimentos e a proteção do padrão de 
acumulação, há um encadeamento de ações públicas e expansão das empresas, que atuou, 
progressivamente, definindo os mercados. 
 
 Ao longo da história, o capital mercantil procurou desenvolver mercadorías que lhe 
permitissem vender mais, valendo-se, para isso, de referências dos desejos e da capacidade 
de compra dos diversos grupos sociais. Adiantar-se a esses desejos, encontrar respostas 
possíveis para eles, significou, entre outras coisas, condicionar a progressão do consumo, 
estabelecendo a legitimidade dos seus diversos componentes, regulando os leques de 
opções com que se movem os consumidores potenciais. A difusão do uso de produtos como 
café e chá, precederam a difusão de refrigerantes e marcas de cerveja, bem como de comida 
industrializada e a popularização de modelos de vestuário e calçado. À medida que aumenta 
 
 
 
 
 
43 
 
o capital imobilizado na produção desses produtos, aprofundam-se as ligações entre o 
estímulo ao consumo e a sustentação dos investimentos. 
 
 Assim, a visão histórica da formação do consumo contrapõe-se à premissa da teoria 
marginalista de uma suposta soberania do consumidor, que se exerceria num direito de 
escolha dentro de um dado conjunto de bens e serviços com que satisfaz suas necessidades. 
Suas escolhas são pré-determinadas por aqueles que estabelecem o conjunto de bens e 
serviços. 
 
 
 
1.4. O controle do trabalho. 
 
 No relativo ao tratamento do trabalho, a produção capitalista conjuga uma tendência 
a reduzir ao mínimo a permanência de trabalhadores em cada empresa, com outra 
tendência, a aumentar o controle do mercado de trabalho. Uma e outra levam a pressionar 
pela substituição de trabalhadores por capital. 
 
 A primeira dessas tendências resulta em diversas estratégias de tratamento do 
emprego, que vão desde a substituição de trabalhadores por máquinas, ao desestímulo da 
permanência de trabalhadores além de certa duração em cada emprego, ao fomento de 
competitividade entre os trabalhadores - e mesmo entre os representantes do capital - que 
permite ao capital obter sobre-trabalho, al'em do contratado; e à destruição prematura, 
parcial ou total, de sua capacidade de decidir entre empregos e entre salários. A primeira 
dessas três formas tem sido genérica da produção capitalista. A segunda corresponde ao 
comportamento da maioría das grandes empresas. A terceira tem caracterizado, em diversas 
circunstâncias, alguns centros do capitalismo periférico e do capitalismo asiático moderno. 
A segunda tendência manifesta-se em modos de associação entre empresas; e das empresas 
com o poder constituído, do Estado, das igrejas e das forças armadas, que regula as 
condições de acesso a emprego, que exerce pressão sobre os trabalhadores empregados e 
estabelece requisitos ideológicos de ingresso a emprego. 
 
 O controle do trabalho tem conotações espaciais, determinadas pela organização da 
produção no território. Há diferenças decisivas entre os mercados de trabalho de regiões, 
que não foram superadas por migrações compensatórias de trabalhadores, nem por 
transferência de capitais individuais, como se tem visto no Brasil. Há diferenças, 
igualmente profundas, entre o mercado de trabalho urbano e o rural; assim como entre as 
condições de trabalho rural entre diferentes regiões, que em alguns casos se atenuam, mas 
que têm perdurado ao longo de séculos. 
 
 
 
 
 
44 
 
 
 Mas, o principal controle do trabalho consiste em deter capacidade de empregar. A 
insuficiência de empregos e a dos salários, mantêm uma pressão constante de demanda de 
emprego, que favorece aos que demandam trabalhadores. O reconhecimento geral na 
sociedade, de que essa situação não se reverte, condiciona a educação e mantém um clima 
de subordinação aos interesses predominantes do capital, de diversos modos, que 
contrapões a defesa de alguns interesses individuais de trabalhadores empregados aos 
interesses gerais dos trabalhadores como classe. 
 
 
 
1.4. O controle de recursos naturais 
 
 
 
 As análises da expansão do capitalismo que focalizaram na formação da indústria de 
transformação na Europa, centraram suas atenções nos mecanismos internos de formação 
de capital das economias européias, mostrando a emergência das indústrias como um 
elemento dinamizador do sistema de produção. No entanto, a progressão dos movimentos 
de controle de terras e de ampliação da base territorial dos sistemas nacionais de produção 
na Europa, e a subseqüente ampliação da base de recursos, própria do expansionismo 
mercantil dos séculos XVI e XVII, obrigam a rever esse pressuposto. 
 
 Tomar o processo a partir do movimento da indústria, é reduzi-lo aos movimentos 
de transformação do artesanato e da manufatura. Mas não explica de onde surgiram os 
capitais que alimentaram essa transformação. Falar genericamente de uma acumulação 
primitiva, que antecedeu ou coincidiu com o início da industrialização, significa reconhecer 
que a indústria surgiu de injeções de capital externas à produção. Mas não explica como 
essa indústria tornou-se possível em alguns países e em algumas épocas determinadas. 
 
 No entanto, a indústria surgiu onde e quando houve capital disponível; e condições 
adequadas para reunir equipamento, organização tecnológica e comercial e para mobilizar 
trabalho e recursos naturais. A mobilização de recursos naturais e de trabalho fez-se, 
primeiro na Europa, depois nos territórios conquistados pelos europeus. Em ambos 
momentos ela se fez a partir de um poder político constituído no interior das lutas feudais, 
que desembocou em absolutismo, mas que em muitos casos funcionou de modo absolutista 
antes que houvesse um Estado nacional absolutista. Braudel relata os processos de 
concentração de poder no norte da Itália e no sul da França que resultaram em prolongadas 
obras de drenagem e construção de canais, ao longo do século XV, que ampliaram as áreas 
 
 
 
 
 
45 
 
habitáveis e as terras cultiváveis (5). Dobb conta os processos de cercamento de terras na 
Europa ocidental, bem como a transformação da produção agrícola conseqüente do 
aumento da grande propriedade (6). le Goff descreve os processos de reestruturação da 
produção e de incorporação de tecnologia, conseqüentes daquela redução da população 
rural, que facilitou o aumento da grande propriedade (7). 
 
 Todos esses processos aconteceram nos tempos e lugares em que houve uma 
concentração de poder, de príncipes ou da Igreja, que permitiram determinar uma 
canalização de esforços, geralmente em torno de obras de infra-estrutura, que viabilizaram 
a exploração de trabalho. A concentração de poder gestou-se, gradualmente, na última parte 
da Idade Média e concluiu-se, primeiro na Inglaterra com Henrique VIII e logo na França 
como Henrique IV. Mas na Inglaterra teve a continuidade do período de Elizabete I, com a 
ampliação do poder naval e os ingressos da pirataria. Na França o confronto com o poder 
da aristocracia feudal continuou até a luta de Richelieu com a Fronda, isto é, ficou atrasado 
em relação com a corrida da Inglaterra pelos ganhos da expansão do mercantilismo. 
 
 A expansão ibérica significou uma ampliação do controle direto de recursos 
naturais, que transferiu para a estrutura dos impérios os elementos feudais do poder na 
Espanha e em Portugal, que no caso da Espanhaaproveitou estruturas feudais incaicas e 
aztecas. O controle de recursos deu-se, principalmente, pelo da exploração de terras e de 
minas, integrando-se à constituição de novos modos de servidão e com a expansão e 
organização comercial da escravidão. Paralelamente, a expansão poder da Inglaterra teve 
um crescente componente de controle indireto, aí compreendidas as vantagens de comércio 
com Portugal, as rendas da pirataria, e desde o século XVIII, os ganhos da exploração da 
Índia mediante a criação de um comércio desigual dirigido, como relata Strachey (8). 
 
 O controle de recursos naturais aprofundou-se durante todo o processo do capital 
até hoje; e tem que ser revisto à luz dos deslocamentos na estruturação de poder político 
que conduzem a formação de capital. 
 
 
1.5. Experiências, valores e interesses. 
 
 No século XX, a teoria social teve que se adaptar ao fato de conviver com uma 
pluralidade de experiências, agora melhor conhecidas, que obrigam a ampliar o horizonte 
espaço-temporal de referências empíricas, ao tempo em que levam a relativizar as 
observações que se acumularam sobre o quadro de referências dos séculos XVIII e XIX. 
Para analisar os aspectos essenciais do funcionamento econômico do capitalismo convém, 
por isso, rever os traços básicos de comportamento que o distinguem. 
 
 
 
 
 
46 
 
 Por capitalismo, aqui, entende-se o sistema de produção conduzido pelo objetivo 
central de acumulação de capital, independentemente do regime político prevalecente, 
fundado em relações contratuais de trabalho, onde portanto predomina os interesses 
representados na relação capital/trabalho, mesmo quando organizados de modo diferente 
dessa objetivização das relações de produção. Pode-se falar de sistemas capitalísticos, para 
designar sistemas de produção, comercialização e consumo que funcionam com as 
características básicas do capitalismo, mas que se distanciam dele em alguns de seus 
aspectos. Pela mesma razão,não tem sentido procurar sistemas capitalistas puros, ou 
contrastá-los com sistemas em princípio classificados como não capitalistas. O 
reconhecimento da reprodução dos esquemas de dominação colonial obriga a revisar o 
significado da seqüencialidade da capitalização que conduz a modernização. 
 
 A produção capitalista realiza-se em sociedades onde predominam relações 
determinadas por interesses imediatos, comparado com sociedades onde esses interesses 
estão regulados ou subordinados a privilégios antes adquiridos. A rigor, os privilégios são 
interesses protegidos por regras impostas ou consentidas, mas que funcionam como modo 
de garantir determinadas participações na distribuição atual da renda. 
 
 Em seu cotidiano, a organização capitalista da produção está baseada na compra de 
tempo-trabalho e no consumo de mercadorias. Os dois termos se completam: a compra de 
tempo-trabalho significa que alguém - o capitalista - detém o controle dos meios com que 
se realiza a produção, que é possível visualizar de antemão a qualificação dos 
trabalhadores, bem como é possível estabelecer procedimentos regulares de produção. A 
produção capitalista existe quando estão socialmente identificados o capitalista e o 
trabalhador; e quando os interesses privados, na produção e no consumo, tornam-se 
claramente identificados por contraste com o interesse público e comunitário. Ao 
identificar a mercadoria como elemento essencial do funcionamento de uma produção 
organizada em mercado, Marx destacava um aspecto essencial do comportamento 
econômico, que é de vincular a solução dos problemas de sobrevivência a mecanismos de 
associação que têm características próprias de reprodução 
 
 A produção capitalista só pode ser realizada quando o trabalhador se identifica 
como proprietário de sua força de trabalho, seja, quando ele é legalmente livre. Isto o 
diferencia do trabalho escravo, em que ele não tem a propriedade de seu tempo; e do 
trabalho servil, em que o uso da força de trabalho está condicionado pela ligação do 
trabalhador ao solo. Na produção capitalista, presume-se que os trabalhadores têm o 
controle do seu potencial de tempo de trabalho, que supostamente pode ser transferido entre 
diferentes tipos de atividade e em diferentes lugares. O pressuposto de mobilidade do 
trabalhador deve, entretanto, ser revisado, já que a mobilidade entre atividades, portanto, 
 
 
 
 
 
47 
 
entre lugares, está ligada à mobilidade social, seja, à capacidade para escolher entre 
atividades. 
 
 Na medida em que o trabalhador funciona com margens definidas de mobilidade 
entre tipos de ocupação e níveis de renda, em que, portanto, seus deslocamentos no espaço 
estão ligados a sua prévia inserção no sistema de produção, seja, a um tempo de vinculação, 
o pressuposto de liberdade de escolha entre ocupações torna-se apenas um referencial, que 
deve ser qualificado no caso de cada trabalhador. Mais ainda, as margens de mobilidade 
dos diferentes trabalhadores, entre empregos e entre locais de residência, são qualificações 
de sua situação no relativo a consumo, material e de cultura, com possibilidades que 
diferem daquelas indicadas por sua participação na produção. O horizonte de 
relacionamentos distingue, por exemplo, os trabalhadores urbanos dos rurais; e os 
trabalhadores das grandes cidades dos das pequenas cidades. 
 
 Ao contratar trabalho, os capitalistas introduzem substituições nos usos do tempo 
das pessoas que eles contratam; e, por meio desses contratos, induzem alterações nos usos 
do tempo daquelas outras pessoas que estão ligadas aos trabalhadores por outros meios de 
organização da produção e do consumo. Essas alterações atingem outros aspectos da 
organização social, criando novos hábitos e preferências, que inclusive afetam os 
comportamentos dos diversos agentes da produção e do consumo no relativo a trabalho e 
renda. A substituição nos usos do tempo pode traduzir-se em substituição de lazer por 
trabalho , bem como pode significar a troca de alguns tipos de trabalho por outros. Alguns 
dos novos usos não têm conseqüências adicionais, mas outros refletem-se, adiante, no 
aparecimento de novas formas de participação na produção e no consumo. À medida que as 
pessoas se integram numa sociedade que valoriza renda mais que outros sinais de 
resultados, e que associa renda aos modos de inserção no sistema de produção e de 
consumo, individualmente, elas tendem a operar substituições entre formas de trabalho; a 
dar prioridade à substituição de trabalho por trabalho, ou em todo caso, à substituição entre 
formas de uso do tempo no sistema de produção. Há, portanto, uma progressão de 
comprometimento das pessoas com a ideologia do sistema de produção, que lhes impede de 
conceber situações alternativas de engajamento na estruturação da sociedade. 
 
 Assim, junto com a organização da produção, entram os elementos de uma visão de 
mundo que valoriza resultados concretos imediatos, mas que não necessariamente os liga 
com usos finais; e que avalia a produção e o consumo, respectivamente, com critérios que 
não são completamente explicáveis um pelo outro. Noutras palavras, a explicação do fato 
da acumulação é o processo de acumulação, pelo que ele cria interesses que tendem a 
reproduzir-se; assim como a explicação dos fatos atuais de consumo é a própria trajetória 
do consumo, no que ela reflete condições de renda e culturais. 
 
 
 
 
 
48 
 
 
 Ao reconhecer a pluralidade de modos de funcionamento da economia mundial, 
bem como a combinação de seus aspectos de heterogeneidade e de homogeneidade, é 
preciso levar em conta que o capitalista se identifica, essencialmente, por sua posição no 
processo social de produção, mediante o controle econômico de informações de mercado, 
culturais e tecnológicas, sendo que estas últimas funcionam como sua ligação com o 
conhecimento científico.Há uma relação entre o manejo da tecnologia e a constituição de 
relações de trabalho, que se manifesta em dois níveis: no que separa os que organizam a 
produção daqueles que a realizam; e no que distingue os que realizam trabalho manual dos 
que realizam trabalho não manual. Esses dois cortes são essenciais, primeiro, na 
determinação da distribuição da renda entre o capital e o trabalho, e entre os grupos melhor 
e pior pagos de trabalhadores e de capitalistas; e a seguir, na mobilidade dos trabalhadores, 
entre diferentes perspectivas de remuneração. A lógica que ordena sua participação na 
sociedade em geral, é guiada pela perspectiva da produção. 
 
 Sua presença no sistema de produção assume várias formas, que no essencial se 
dividem em dois grandes grupos: as diversas formas de produção organizadas em empresas 
e as formas de produção em que não há separação clara entre o controle do trabalho e a 
realização de trabalho. Não há, na prática, como traçar um limite rígido entre os dois 
grupos, já que muitos capitalistas participam, alternativamente, de modo simultâneo, em 
atividades que são parte dos dois. Mas é a lógica da produção organizada em empresas que 
hoje cria as pautas que, direta ou indiretamente, conduzem a produção não empresarial. 
Assim, é preciso identificar os comportamentos básicos que orientam a produção capitalista 
organizada nas empresas. 
 
 Em sua formação, a produção capitalista começa por mercantilizar o trabalho, isto é, 
institui a compra de tempo-trabalho. No momento seguinte, liga a compra de tempo à dos 
elementos que vão junto com seus usos, seja, os instrumentos de trabalho e a terra. Cria, 
portanto, novos moldes de organização, em que os elementos físicos usados na produção 
são escolhidos em virtude de objetivos gerais de participação no mercado resultando numa 
escolha dos produtos com que ela será alcançada. 
 
 Ao escolher produtos e técnicas de produção, a empresa opta por certos conjuntos 
de riscos, bem como por certas trajetórias de riscos. O risco é inerente à produção 
capitalista. Mas contrasta com os objetivos dos capitalistas, de manter sua renda num 
máximo de resultados positivos , com as perspectivas mais confiáveis de que o crescimento 
da renda se sustente ao longo do tempo. A incerteza sobre os resultados das atividades que 
empreende materializa-se em risco do capital aplicado, cuja valorização pode prosseguir ou 
ser interrompida. 
 
 
 
 
 
49 
 
 
 Isso faz com que o capitalista conviva com o risco e procure evita-lo, seja 
preferindo aplicações de capital comparativamente menos arriscadas, seja transferindo 
riscos, aos trabalhadores, ao Estado e a outros capitalistas. Transferir riscos é um 
comportamento análogo ao de quem identifica os interesses individuais como prioritários 
em relação com quaisquer outros, ou de quem desenvolve relações baseadas em interesse. 
A novidade da produção capitalista em relação com outros sistemas de produção é que nela 
se realiza uma racionalização do interesse privado, que é apresentado como comparável ao 
coletivo. No essencial, é uma falácia: um interesse privado é comparável a outro, como um 
interesse coletivo é comparável a outro de outro coletivo. 
 
 Os aspectos éticos da questão foram, de diversos modos, expurgados da análise 
social,transferidos para o plano de uma explicação da teoria do conhecimento - em vez de 
uma sociologia do conhecimento - pelo utilitarismo de Bentham e pelo empirismo de 
Locke, que se apoiaram, respectivamente, numa restrição da confiabilidade do 
conhecimento à experiência individual; e em restringir o conhecimento ao âmbito de 
experiências que não são transformadas pela constituição dos coletivos. Foram, ainda, 
desqualificados pela visão de Hume, que limitou o conhecimento ao âmbito de sensações, 
desligando-o de antecedentes culturais. Desse modo, a racionalidade no comportamento do 
produtor capitalista seria, portanto, algo que se sobrepõe ao anterior, que funciona como 
ordenador da busca da utilidade. Assim, a teoria do conhecimento incorporada no idealismo 
crítico de Kant foi uma resposta ao empirismo, que ofereceu elementos para uma nova 
compreensão do conhecimento como ligado aos antecedentes psicológicos e culturais do 
sujeito do conhecimento, portanto, mostrando a possibilidade de formação de uma teoria 
social( ). A ligação entre a filosofia da consciência e a teoria social foi dada, adiante, pela 
contribuição de Hegel, que ressaltou a relação inevitável entre o desenvolvimento do 
indivíduo e sua participação num coletivo( ). 
 
 O reconhecimento de que os coletivos são uma instância real, não redutível 
ao plano da individualidade, é a ruptura mais profunda nos encaminhamentos da análise do 
capitalismo. Ao voltar-se para a formação da razão, em vez de toma-la como algo em si, ao 
dirigir a teoria do conhecimento para a explicação do objeto - a dialética é a lógica da 
formação do objeto - Hegel tornou necessária uma ciência social baseada em coletivos e 
não numa pluralidade de indivíduos. 
 
 Assim se demonstra a necessidade de manejar elementos de teoria capazes de 
representar os valores e os interesses próprios das sociedades onde prevalece a produção 
capitalista, comparadas com outras onde prevalecem outras modalidades de produção. A 
tendência a acumular e a rejeição ao risco são os dois traços principais da produção 
 
 
 
 
 
50 
 
capitalística, que se manifestam, plenamente, naquelas condições em que os interesses 
estão, também, plenamente representados, isto é, quando há empresas e assalariamento. 
 
 Mas a rejeição ao risco é comum a todos os produtores capitalistas, individuais e 
coletivos. E é, nitidamente, uma manifestação de interesse. Trata-se do interesse 
incorporado no plano das ações e não no da teoria. A produção capitalista traduz-se em 
sociedades de interesse, naquilo em que os comportamentos dos participantes da produção 
e do consumo estão dirigidos por vantagens específicas em lugar de vantagens genéricas. 
 
 Isso distingue as sociedades capitalistas de outras, regidas por privilégios 
anteriormente conseguidos. Nas sociedades de privilégios, as posições antes conquistadas 
traduzem-se em vantagens quando se realizam ações econômicas; e nas sociedades 
capitalistas é a realização das ações que enseja a formação de privilégios. No entanto, 
sociedade alguma é puramente capitalista; e há muitas sociedades de privilégio onde 
prosperam circuitos capitalistas de relações de produção e de consumo. A distinção entre 
sociedades de interesse e de privilégio, e nestas, a identificação de formação de castas, 
ajuda a perceber a pluralidade real de modalidades de funcionamento que acontece no 
plano econômico no capitalismo. Assim como ajuda a revelar o complicado tecido de 
interdependências entre o modo atual de funcionamento e os modos anteriores. Nessa 
composição, o fundamental são os modos de articulação do núcleo capitalista condutor da 
formação de capital com os diversos circuitos de interesse, seja que eles se estendem ao 
funcionamento do sistema de produção em seu conjunto, ou que estão limitados a alguma 
de suas partes. Por exemplo, os sistemas de interesses que influem na escolha de deputados 
e de líderes do sistema financeiro, comparado com os sistemas de interesse que se 
reproduzem localmente, na escolha de prefeitos e de líderes de comunidades. 
 
 Subjacente nessa distinção prática, está uma interpretação da formação das 
sociedades, que percebe que as sociedades atuais, diversas e complexas, retêm elementos 
de identificação da individualidade e dos coletivos, que são próprios de sociedades tribais e 
de casta. Também, que leva em conta que as atuais organizações, em que predominam as 
classes, resultam de transformações que se realizam a partir de cada um desses tipos 
básicos. Finalmente, que entende que as sociedades contemporâneascontêm amplas 
margens de pluralidade, já que nelas convivem ingredientes de cada uma dessas 
modalidades. Interesse e privilégio convivem de diversos modos nas sociedades modernas , 
tornando necessário entender como os movimentos dos interesses controlam os privilégios, 
e como os privilégios demarcam as possibilidades de fazer prevalecer interesses. Não há 
fundamento histórico algum que permita supor que as relações contratuais de trabalho, 
especialmente o assalariamento, superem as demais formas de trabalho marcadas pelo 
predomínio de privilégios. Pelo contrário, as evidências empíricas indicam que o 
 
 
 
 
 
51 
 
assalariamento - e com ele as modalidades de competição dos trabalhadores por postos de 
trabalho - é atingido por formas de escolha de pretendentes a emprego que são, claramente, 
parte de sistemas de privilégio na esfera do capital e na do trabalho. 
 
 
 Notas 
 
1. Supor que a expansão do capitalismo significa a superação de privilégios, na prática 
alude apenas à superação daqueles privilégios conseqüentes da posse da terra e derivados 
da institucionalização das monarquias feudais que chegaram até o fim da Idade Média. A 
transformação dessas monarquias feudais em monarquias absolutistas, fez-se com uma 
ampliação das desigualdades no interior da aristocracia, em que os monarcas do oeste da 
Europa aliaram-se à burguesía como parte do mesmo movimento pelo qual se fortaleceram 
alguns poucos potentados aristocráticos, em detrimento do equilíbrio do poder na 
aristocracia. O enfrentamento da chamada Fronda com Richelieu, o de aristocratas 
portugueses contra Pombal, são representativos desses fenômenos. 
 
2. As principais casas reinantes do século XVI na Europa ocidental - os Habsburgo, os 
Tudor, os Bourbon, os Bragança - favoreceram o capital privado emergente, dando-lhe 
apoio político.Destacam-se, sucessivamente, Henrique IV, Felipe II, Henrique VIII e 
D.João II. Essencialmente, foram políticas de tributação que fortaleceram a corôa, ao tempo 
em que, políticas de favorecimento que davam a alguns o poder de enriquecer. 
 
3. É revelador que esses autores, para refletir essa realidade social de transformação de 
condições de vida, de costumes e de diferenças de perspectivas, entre os que enriquecem e 
os que empobrecem, criaram novos estilos e novas formas literárias. Zola, especialmente, 
com a introdução dos personagens sem nome, sumidos em coletivos também anônimos, 
como em " O Germinal", e na composição de uma tragédia burguesa, onde personagens 
anônimos cruzam com os que se destacam, como fez nos "Rougon Macquart", revelou os 
conteúdos psicológicos de uma problemática objetivamente inscrita em determinados 
lugares e períodos. 
 
4. A maré de colonialismo do século XIX começou com a invasão da Tunísia pelos 
franceses em 1847, teve capítulos como o forçamento da baía de Toquio pelos americanos 
em 1848, as três invasões americanas do México, a guerra do ópio na China, quando as 
potências ocidentais se associaram para forçar aquele país a abrir-se aos seus interesses 
comerciais. 
 
5. Fernand Braudel, " O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico". 
 
 
 
 
 
52 
 
 
6. Jacques le Goff, " A Civilização do Ocidente Medieval" 
Ed. Estampa, Lisboa, 1984 
 
7. Maurice Dobb, " Estúdio sobre la Evolución del Capitalismo". Siglo XXI, México, 1971. 
 
8. John Strachey, " El Fin del Imperio" Fondo de Cultura Económica, México, 1962. 
 
9. O confronto de Kant com as idéias do empirismo ressurge, hoje, como a base de uma 
argumentação entre a percepção histórica do social e a proposta de reduzi-lo a fatos, 
portanto, a mera atualidade, como queria Wittgenstein. 
 
10. A matriz hegeliana da teoria social foi estudada por Marcuse, em seu "Razão e 
Revolução", onde mostra a impossibilidade de que a consciência individual seja concebida 
fora de um contexto coletivo. 
 
 
 
 
 
53 
 
 
 
3. Os modos operacionais do capitalismo 
 
3.1. Práticas e instituições da produção 
 
 Ao ver a produção como uma atividade inerente à reprodução social, convém 
lembrar que ela é uma expressão cultural, que em cada oportunidade revela uma 
experiência acumulada. A atividade de produzir se repete e modifica, desde as sociedades 
antigas às contemporâneas, com variadas formas de organização. A cultura da produção 
compreende práticas e instituições, que interagem na repetição e nas alterações do modo de 
produzir. Concretiza-se em modos de fazer as coisas, que incorporam as experiências, 
compreendendo os erros e os acertos, a perpetuação de algumas práticas junto com as 
3inovações, além disso, incorporando parte das experiências e descartando outras. O modo 
de produzir objetos de troca - as mercadorias - é o modo operacional da produção 
capitalista. 
 
 Na trajetória da formação do capitalismo, nos lugares onde ele se desenvolveu, a 
produção e o consumo foram, progressivamente, organizados de certos modos compatíveis 
com o movimento de acumulação de capital. A acumulação significa a valorização 
progressiva do capital acumulado, mas compreende movimentos negativos de 
desvalorização de certas partes dele, bem como só se mantém mercê de uma 
correspondente e progressiva educação da população, que em termos mais imediatos 
aparece como qualificação do trabalho. 
 
 Os modos operacionais que distinguem a produção capitalista dos demais modos de 
organização da produção, são, sempre, os de canalizar os recursos para produzir 
mercadorias, de administrar essa produção do modo mais rentável possível, procurando que 
ela possa continuar. Por isso, a gestão do capital procura evitar riscos, para poder aproveitar 
ao máximo o capital acumulado, inclusive além dos usos finais para que ela foi prevista. 
Por essa mesma razão, o modo capitalista de produzir leva a incitar ao aumento dos usos 
das mercadorias que se produz,inclusive, além das necessidades dos possíveis 
demandantes. 
 
 Em seu conjunto, esses modos de operar revelam ações que se dirigem a estabelecer 
margens de controle sobre a sociedade, que se manifestam em manter a iniciativa da 
realização de transações, e de determinar quais mercadorias são trocadas. São, às vezes, 
ações empreendidas isoladamente, e outras vezes, são parte de estratégias dos grupos e das 
 
 
 
 
 
54 
 
pessoas que conduzem o processo de acumulação. Em todo caso, refletem a consciência 
desses grupos que representam interesses voltados para a produção. 
 
 Esse perfil cultural do processo econômico torna necessária uma explicação de cada 
um desses aspectos operacionais, que em seu conjunto compõem a praxis da produção; e 
que, no transcurso da experiência dos grupos envolvidos na produção, passa por 
modificações, produzidas pelas interrelações entre o domínio das práticas, das técnicas e 
das reflexões teóricas sobre os diversos aspectos dos processos de produção e de consumo. 
3.2. A mercantilização e os usos do tempo 
 
 O estudo da sociedade econômica moderna é o da canalização do tempo para a 
produção de mercadorias que cheguem a um número cada vez maior de possíveis usuários. 
Esse processo se estende a uma proporção cada vez maior da atividade produtiva - 
inclusive tornando econômicas atividades que não o eram - mas não abrange toda ela; e há 
inúmeros casos em que o desenvolvimento do processo de produção representa um 
recrudescimento da produção que não é destinada a mercado, ou em que o desenvolvimento 
do mercado é seletivo em termos de produtos trocados, de grupos participantes e de 
conseqüências das trocas em outras atividades. 
 
 O processo de produção de mercadorias é, também, o de conversão de um 
determinado potencial de tempo na realização de um conjunto de produtos que uma 
sociedade pode, efetivamente, utilizar. Os produtos que não podem ser utilizados são 
inassimiláveispela sociedade, pelo que não chegam a constituir valor ou perdem seu valor, 
como um par de esquís na selva ou um aparelho eletrônico para pessoas primitivas. Marx 
explicou o processo de conversão de usos gerais em usos restritos do tempo, mostrando que 
a substituição de um grande número de usos independentes de tempo por um conjunto 
restrito de usos interdependentes, é o modo de converter comunidades capazes de resolver a 
maior parte dos problemas de sua reprodução em comunidades que dependem 
completamente de um processo unificado de produção. A análise de Marx explica os 
mecanismos que tornam comparáveis os usos do tempo, que são aqueles indicados pelos 
períodos de produção. Mas ao analisar as transformações da produção transcorridas desde 
então, tornam-se necessários alguns esclarecimentos sobre o papel do tempo no 
funcionamento dos sistemas de produção. 
 
 A expansão da produção organizada em um mesmo mercado, traduz-se, sempre, em 
maior diversidade dos participantes do sistema de produção e das condições em que eles 
participam. Os mesmos grupos sociais mudam de posição ao longo do tempo, bem como 
mudam seus modos específicos de consumir e de produzir. Com isso, muda a composição 
dos postos de trabalho. Assim, manter uma determinada posição de classe implica em 
 
 
 
 
 
55 
 
poder manter ou mudar de posição no trabalho e no consumo, seja, manter posição durante 
os diversos movimentos de conversão entre formas de capital. Daí que cada vez há mais 
problemas para explicar, no relativo ao tratamento do tempo na análise do processo 
econômico. 
 
 No desenvolvimento da produção capitalista, o tempo pode ser visto, objetivamente, 
de dois modos: como representado pelos lapsos em que transcorrem os períodos de 
produção; e como indicado pela duração da produção comparada com a da transformação 
do produto em dinheiro. 
 
 São duas operações distintas mas interdependentes. Há um corpo de problemas de 
produção e outro de problemas de realização do produto em dinheiro, que constituem dois 
aspectos da atividade econômica. Os tempos dos períodos de produção, na prática, podem 
ser comparados uns com os outros em função do tempo absorvido na comercialização, isto 
é, na concretização das vendas da produção. Para o produtor, os riscos se materializam nos 
momentos de venda da produção, apesar de que se formam ao longo do período de 
produção, em que sua liquidez desaparece, e dá lugar a um estoque de produtos terminados. 
No plano subjetivo, o tempo que conta na atividade de produzir é o das experiências dos 
participantes dos processos de produção. Elas podem ser isoladas umas das outras, ou 
interligadas. Há experiências que se perdem para a reprodução da vida econômica, como as 
dos trabalhadores especializados e precocemente aposentados; e outras que realimentam a 
relação entre a produção e o consumo, refletindo-se na formação de capital, como a 
daqueles que continuam a aperfeiçoar-se e aumentam de qualificação. 
 
 No plano subjetivo da análise, o tempo de produção é o que corresponde à produção 
de cada mercadoria; sendo que a combinação dos tempos de produção de diversas 
mercadorias é regulada pela produção daquelas mercadorias cuja produção é estratégica 
para a das demais. As proporcionalidades de tempo denotam, portanto, equivalências 
tecnológicas, quando não interdependências tecnológicas entre diferentes linhas de 
produção (1). Igualmente, se reconhece que há mercadorias que não têm equivalente, por 
isto tendo uma posição estratégica na reprodução de cada sistema, em cada um de seus 
sucessivos patamares de tecnologia. As rodas de carruagem desempenhavam esse papel nas 
economias movidas a tração animal, que depois foi desempenhado pelos carburadores e 
agora pela injeção eletrônica. A idéia de equivalência, portanto, está ligada ao papéis que 
cada tecnologia desempenha em cada sistema ao longo do tempo. A falta de equivalência 
resulta, portanto, de que esses papéis não sejam comparáveis. Por exemplo, o papel das 
técnicas de preparação de madeira quando esse era o principal insumo da construção civil; e 
hoje, quando seus usos são opcionais, e em todo caso, essas técnicas já não são necessárias 
para garantir a durabilidade dos edifícios. 
 
 
 
 
 
56 
 
 
 Com o desenvolvimento dos sistemas industriais de produção, passou-se de 
sistemas conduzidos pela produção de uma mercadoria principal, ou de um conjunto de 
mercadorias equivalentes, para sistemas que contêm diversas mercadorias líderes, ou ainda, 
que operam com uma pauta de diversas mercadorias que não dependem umas das outras. A 
pluralidade de tecnologias descreve certos modos de funcionamento atual dos sistemas de 
produção; e as peculiaridades de alguns de seus componentes. Por exemplo, a pluralidade 
de tecnologias de pequena produção de energia elétrica que podem ser utilizadas hoje no 
meio rural; e a peculiaridade dos aeroportos e dos centros de comunicações de rádio e 
televisão, onde se cruzam técnicas e funções não comparáveis; e que são espaços não 
comparáveis com quaisquer outros de etapas anteriores da industrialização. 
 
 A ampliação do sistema de produção significa, portanto, uma alteração dos modos 
como a formação de capital pode ser viabilizada, que implica em progressivas modificações 
nos usos do tempo, na produção e no consumo. Destacam-se a multiplicidade e a 
especificidade dos usos do capital, que são aspectos, em tempo assinalados por Lachmann 
(2). Os conteúdos culturais são fundamentais nesse movimento, já que a efetivação do 
consumo depende, em todo caso, de que as pessoas estejam capacitadas para realiza-lo. 
Entendendo, no entanto, que essa capacitação é um resultado da distribuição dos resultados 
sociais da produção, é preciso reconhecer que há uma realimentação entre a diversificação 
do sistema de produção e as condições em que se realiza o consumo. 
 
 Mas, produção e consumo são dispêndios de energia que têm durações e intensidade 
determinadas, com correspondências desiguais nas oportunidades e nas durações com que 
são realizados. Representam momentos em que se converte energia de umas atividades a 
outras, que portanto podem ser analisados como liberação e uso de energia. Nesse sentido, 
a atividade econômica é vista por seu aspecto físico, em que ela insome recursos físicos, 
animais e humanos e gera resultados materiais e culturais. A moderna visão ecológica 
retoma, de fato, algumas das teses mais antigas de Heráclito e de Nagarjuna sobre a 
realidade como transformação e sobre a atividade humana como uma dentre outras 
atividades da natureza. 
 
 O reconhecimento de que a produção capitalista tem uma diferença essencial em 
relação com as demais formas de produção, e que levou a uma formidável liberação de 
energia das sociedades modernas, é a principal observação da análise marxiana, que levou, 
a seguir, à identificação da mercadoria como o objeto referência da atividade produtiva. 
Essa liberação de energia é um processo que atinge os aspectos objetivos do 
relacionamento entre grupos nas sociedades e as condições psicológicas desse 
relacionamento. Os trabalhos da Escola de Frankfurt sobre a articulação da análise das 
 
 
 
 
 
57 
 
relações de produção com a dos mecanismos sociais de repressão, e ainda, sobre a ligação 
entre o movimento civilizatório da repressão e o desejo de acumular capital, são aspectos 
que hoje estão incorporados ao saber nesta matéria, que entretanto apenas abriram novas 
portas para novos questionamentos sobre a pluralidade social e das formas de produção, 
bem como sobre os contextos culturais da produção capitalista. 
 
 O capitalismo implica em planejamento da produção, por parte de empresas e 
produtores autônomos. O movimento do capitalismo começa com a substituição de uma 
pluralidade de usos do tempo, decididos por quem o usapara fins próprios - que deixa 
excedentes físicos variados - por usos dirigidos à produção de mercadorias. A lista de 
mercadorias produzidas é sempre um elenco limitado, comparado com o das pretensões dos 
potenciais consumidores que integram cada sociedade. 
 
 O aparecimento do capitalismo e o da mercadoria são inseparáveis, porque só a 
mercadoria incorpora a possibilidade de repetição infinita de trocas. Se bem que as 
possibilidades de multiplicação de trocas concretamente variam ao longo do tempo, de uma 
sociedade a outra, e em relação com uma ou outra mercadoria, há uma suposição geral de 
que na produção capitalista uma grande parte - e uma parte crescente - das mercadorias 
pode ser objeto de diversas trocas. 
 
 Ao canalizar a energia da sociedade para produzir mercadorias, o capitalismo reduz 
a variedade de relações entre grupos e pessoas, àquelas ligadas ao horizonte das trocas. A 
visibilidade de cada pessoa frente ao interesse dos demais, reduz-se a sua participação na 
produção e no consumo. Chega-se à coisificação das relações e das próprias pessoas, até a 
coisificação da intencionalidade dos seus comportamentos: a reificação. Esta se traduz em 
movimentos de exclusão de grupos e de pessoas, em diversos momentos e partes do 
processo de produção e em aspectos do consumo, resultando numa integração da restrição 
dos espaços das pessoas com a restrição da visibilidade que umas pessoas têm das outras. 
 
 Assim, o capitalismo tem que traduzir a participação das pessoas na produção em 
termos de tempo, já que o tempo que elas põem na produção é uma parte do seu tempo 
total disponível: aquela parte que lhes é comprada. E é o tempo comprometido na 
produção que regula o significado das demais frações de tempo. Marx precisou do conceito 
de jornada de trabalho, e da concepção industrial da produção, para explicar a 
universalização dessa redução da pluralidade de usos do tempo àquele pequeno elenco de 
usos que pode, finalmente, representar a complexidade do processo de produzir e consumir, 
que aparece na forma de mercadorias. 
 
 
 
 
 
 
58 
 
 Tal concepção pressupõe a capacidade de mensuração de um tempo não finito e 
contínuo, isto é, a existência do relógio. A produção capitalística depende dessa 
mensuração comparável dos diversos tempos envolvidos na produção de cada mercadoria, 
que faz com que os mesmos agentes participem de diferentes maneiras na produção de 
diversas mercadorias. 
 
 A percepção de tempo é fundamental no capitalismo, na esfera da produção e na do 
consumo. Assim como é diferente o tempo que se gasta para produzir um estádio de futebol 
e um aparelho cirúrgico de precisão, também são diferentes os tempos gastos em ouvir uma 
sinfonia ou em fazer uma refeição rápida.A própria noção de trabalho abstrato é 
conseqüente dessa possibilidade de traduzir a uma escala unificada de tempo uma 
pluralidade de usos de tempo cuja composição jamais é integralmente conhecida, mas que é 
conhecida no que é relevante para o horizonte de informações com que os agentes sociais 
se movem em seu cotidiano. 
 
 Esses problemas complicaram-se ao longo dos tempo, à medida que foi preciso 
reconhecer que os atos e fatos próprios da produção estão sempre ligados a um universo de 
relações simbólicas, que transmitem a carga cultural com que se realizam as práticas de 
produção e de consumo. Isso faz com que a industrialização retenha movimentos 
originados de modos pré-industriais de funcionamento e que a sociedade econômica de 
hoje contenha elementos aparentemente superados de formas anteriores de vida. Daí que a 
reprodução do sistema de produção, e o movimento de acumulação que dele resulta, 
tenham conotações diferentes em diferentes oportunidades e em relação com diferentes 
experiências. 
 
 Cada sociedade tem que processar o custo social do engajamento do tempo em 
atividades de produção, assim como tem que ligar os aspectos materiais da acumulação a 
um modo de poder; e não somente em seu significado econômico imediato. E o modo como 
ela processa suas experiências faz com que suas relações com outras sociedades tenham um 
caráter único. 
 
 Daí que as análises econômicas baseadas em dados do cotidiano, que o separam da 
perspectiva formativa dos atuais sistemas de produção e modos de consumo, enfrentam, 
sempre conjuntos renovados de problemas da produção , onde o manejo de incerteza e 
risco, de especulação e de diversificação do consumo têm um destaque especial. É sempre 
uma relação entre o que é conhecido e o que não é conhecido. E é o manejo de margens de 
incerteza, que não é o mesmo que um componente de imprevisibilidade que simplesmente 
não pode ser antecipado. 
 
 
 
 
 
 
59 
 
 
3.3. O tratamento do risco 
 
 A produção capitalista expande-se mediante um processo de subordinação de 
pessoas e de recursos naturais para a realização de um determinado elenco de produtos, 
com uma progressiva substituição das formas de consumo. Nela, cada capitalista move-se 
numa circularidade entre as previsões de consumo, as perspectivas de demanda e a 
programação da produção. Os atuais produtores, bem como os produtores potenciais, são 
levados a desenvolver uma capacidade de produção que geralmente perdura mais que a 
demanda atual, que depende de uma continuidade da demanda, pelo menos suficiente para 
acompanhar a duração dos equipamentos hoje disponíveis. 
 
 Essa suposição de duração é que permite contemplar um processo de substituição 
progressiva de equipamentos, que seja adequada para permitir a continuidade do processo 
de valorização. Considerando, também, que as pessoas envolvidas no processo de produção 
têm um período de treinamento e uma previsão de vida profissional útil, há uma paridade 
no tempo e no espaço entre os recursos humanos e os de capital, que regula a adequação e a 
intensidade do uso dos recursos de capital e a dos recursos humanos. A conclusão que se 
extrai daí, é que quando a renovação do capital é realizada em forma independente da dos 
recursos humanos, estes últimos têm sua vida útil reduzida, ou tornam-se inadequados para 
manejar o capital. 
 
 É o que acontece com os efeitos da renovação do capital naqueles sistemas de 
produção que não são capazes de manter essa proporcionalidade entre a acumulação de 
capital e a qualificação do trabalho. Por trás das dasvantagens aparentes entre países 
produtores de equipamentos e produtores de grãos, tomadas como principais referências da 
teoria das relações centro-periferia, está o fato de que os sistemas de produção dos países 
periféricos não preparam recursos humanos adequados e suficientes para acompanhar a 
renovação do capital. A sustentação das vantagens tecnológicas depende de que cada 
sociedade, em seu conjunto, e não apenas o sistema de produção, resolva os problemas 
mais complexos de realimentação, entre a renovação de tecnologias e a da educação. 
 
 Assim, a interdependência entre o capital e o trabalho pode ser vista no plano da 
economia mundial e das economias nacionais, levando-se em conta que no nível mundial o 
sistema funciona com diferentes níveis de mobilidade e horizontes de vida útil do capital e 
do trabalho; e no nível das economias nacionais, os sistemas funcionam com margens de 
mobilidade e horizontes de duração do capital e do trabalho, que não são transferíveis de 
um a outro, ou que somente são transferíveis de modo parcial. 
 
 
 
 
 
 
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 O lado positivo desse mecanismo no nível mundial é o aumento de eficiência do 
sistema; e o negativo é a tendência ao desperdício apontada por Baran (3), além dos 
aspectos mais amplos de destruição de recursos, que têm que ser contemplados numa teoría 
econômica do ambiente. Em sua formalização, a teoria econômica utilizou o pressuposto de 
que é geralmente possívelsubstituir entre recursos equivalentes; e baseou-se nesse 
pressuposto para chegar à simplificação, obviamente infundada, de que a escassez é sempre 
relativa, ou o que é o mesmo, que não é necessário levar em conta que todos os recursos são 
esgotáveis. No essencial, o pressuposto da teoria é que o sistema de produção conseguirá, 
sempre, adaptar-se ao perfil da escassez. 
 
 Isso, obviamente, não tem fundamento algum na experiência, nem é provável que 
aconteça. Pelo contrário, o sistema de produção convive, sempre, com margens de 
incerteza. E o primeiro problema dos produtores é de serem capazes de conhecer, com 
antecipação com quais e quantos riscos tratam. 
 
 Ao relacionar dados objetivos da produção e do consumo de hoje com previsões, o 
produtor capitalista enfrenta, necessariamente, uma margem de risco. O risco opera 
negativamente em relação com suas previsões de resultados. Compreende um componente 
de incerteza, por razões naturais ou não, que é anterior a sua própria participação no 
mercado; e um componente de risco conseqüente de suas decisões de produção. Como o 
capitalista precisa produzir para reproduzir seu capital - e deste modo manter-se como 
capitalista - ele tem que conviver com o risco; e como uma reação de controlar os aspectos 
negativos do ambiente em que opera, ele tende a transferir risco. 
 
 Cada capitalista individual tenta transferir risco como parte de seu comportamento 
cotidiano, ao executar um determinado plano de produção; e nos momentos em que 
delibera sobre novos programas de produção. Mas as possibilidades de transferir risco 
variam, entre diferentes linhas de produção, para produtores que operam com diferentes 
escalas de produção e, principalmente, para produtores que se defrontam com outros mais 
ou menos poderosos. Assim, a mobilidade em relação com o risco reflete os modos como a 
atividade de produzir está articulada com a de comercializar a produção. E as estratégias de 
transferência de risco desenvolvem-se ao longo do processo de produzir e de vender a 
produção. 
 
 A capacidade dos capitalistas para transferir riscos varia segundo seu conhecimento 
objetivo dos custos com que trabalha hoje e das margens de confiabilidade de suas 
projeções; o horizonte espaço-temporal em que se move; a estruturação institucional de 
suas relações com o Estado, com os demais capitalistas e com os trabalhadores. Isso 
significa a institucionalização da produção, não só a repetição dos processos de produção, 
 
 
 
 
 
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como a continuidade das relações de produção e entre produtores e consumidores. Trata-se, 
pois, de uma forma específica de conhecimento, do mercado, que constitui uma 
qualificação específica dos produtores em seu cotidiano. 
 
 Trata-se de riscos da produção em processo e em relação com planejamento da 
produção futura, entendendo-se que: a rentabilidade atual dos empreendimentos depende 
de um uso médio de capital que só pode ser calculado sobre a duração média do conjunto 
dos equipamentos, que em todo caso excede qualquer período de produção; o detalhamento 
dos futuros programas de produção depende dos resultados obtidos nos programas em 
curso. 
 
 Isso significa que há riscos inerentes aos aspectos reais da produção e riscos 
decorrentes da gestão financeira, que se distribuem desigualmente no tempo, com desiguais 
condições de incerteza, e por extensão, com condições irregulares de controle por parte de 
cada capitalista em particular. A incerteza pertence à circunstância histórica em que a 
produção se realiza; o risco é próprio de cada empreendimento. A gestão financeira liga os 
riscos de cada empreendimento com a incerteza prevalecente no mercado, já que é nela que 
se faz a equivalência entre diferentes empreendimentos em diferentes momentos e lugares. 
Mas, além disso, enfrenta a incerteza específica do próprio investimento, que de fato só 
pode ser comparado com outros investimentos análogos, a despeito das simplificações a 
esse respeito introduzidas pela análise econômica do "bem estar"(4). 
 
 Mas a comparabilidade financeira, ela própria contém uma margem de risco 
decorrente da manutenção de valor em cada moeda e da possibilidade de manutenção desse 
valor na comparação com outras moedas. Esse problema hoje é mais evidente no relativo à 
influência da inflação na manutenção de valor das moedas. Mas, no essencial, mas de fato 
corresponde a algo anterior a qualquer movimento inflacionário em particular, que é a 
intensidade das transações entre sistemas de produção, que dá a indicação de quanto uma 
moeda é desejável por outros. Esse é outro aspecto, em que as simplificações nas 
comparações entre investimentos excluem um problema essencial dos capitalistas, que é o 
de projetar ao futuro suas transferências de riscos (5). 
 
 O processo de transferência de risco se desenvolve ao longo do tempo, na medida 
em que cada capitalista consegue transferir uma parte de seus riscos, cada grupo de 
capitalistas consegue estabelecer um relacionamento estável com o Estado e cada grupo de 
indústrias consegue estabelecer relações estáveis no mercado de trabalho.A capacidade para 
transferir risco está ligada ao horizonte de informações de cada capitalista e ao poder 
político que ele consegue controlar. Por isso, torna-se necessário trabalhar com uma 
conceituação de poder suficientemente ampla para abranger todos os aspectos de sua 
 
 
 
 
 
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institucionalidade e de sua presença nas práticas cotidianas (6). Tal conceituação, adiante, 
será a base necessária para um exame das relações entre os diversos agentes econômicos: os 
diversos produtores, empresas e outros tipos de agentes, os diversos tipos de trabalhadores 
e o Estados, em suas diferentes manifestações. 
 
 A institucionalização das relações afeta primeiro o mercado de produção, que é 
onde os capitalistas podem passar riscos ao Estado na forma de protecionismo; e onde 
podem passar riscos aos trabalhadores, na forma de alterar as condições de contratação de 
trabalho. É preciso distinguir aquela contratação direta de trabalho, que as empresas 
realizam com seus próprios recursos, daquele uso indireto de trabalho, com que contam, 
mediante sua influência, por exemplo, para que o governo contrate pessoas para realizar 
tarefas que são de seu interesse. 
 
 Assim, grande parte da transferência de risco se dá no próprio processo de 
produção. No plano financeiro propriamente dito, as transferências de risco são bastante 
menores, porque o mercado financeiro sempre está mais integrado que o de bens, 
constituído de agentes semelhantes, e porque sempre há uma correspondência entre os 
preços do dinheiro, mesmo quando ele está submetido a diferentes modos de 
regulamentação. Mais ainda, os riscos estão distribuídos segundo as possibilidades de cada 
capitalista, de usar as diferenças de regulamentação financeira em favor de 
empreendimentos específicos. A manipulação financeira de riscos depende de margens 
institucionais de poder - tais como as apropriadas pelos bancos e pelas instituições de 
financiamento governamental - sobrepostas ao manejo financeiro, mas não necessariamente 
resultantes da própria dinâmica financeira. 
 
 Trata-se, portanto, de incorporar a estrutura de riscos da gestão financeira aos riscos 
da produção, distribuindo sobre o tempo os custos da espera do retorno dos investimentos. 
Assim, se reconhece que há um espectro de condições diferenciadas em que o capital opera, 
tanto pela variedade de empreendimentos geridos por um capitalista, como pela 
diversidade de condições para os diferentes capitalistas. 
 
 Isso quer dizer que a administração dos riscos depende do conhecimento das 
margens de incerteza que cercam cada empreendimento, o qual, obviamente, decorre do 
prévio manejo objetivo do componente conhecido. Noutras palavras, a possibilidade de 
delimitar as margens de

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