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Capítulo 9 MEMÓRIA 0 0 e N ormalmente, nós consideramos a memória como um pri- FENÔMENO DA MEMÓRIA vilégio, exceto quando nos momentos em que apresenta S Perda e Façanhas da Memória algum problema em seu Nossa memória, obser- Processamento da Informação vou Rebecca Rupp (1998, xvii), "permite-nos reconhecer e amigos íntimos, vizinhos e colegas, e chamá-los pelo nome; e CODIFICANDO: A ENTRADA DA INFORMAÇÃO permite-nos tricotar, digitar, dirigir e tocar piano; falar inglês, Como Codificamos espanhol ou chinês". A memória nos permite cantar hino na- que Codificamos cional, descobrir caminho de casa e localizar a água e a comi- da de que precisamos para sobreviver. Nossas memórias com- ARMAZENAMENTO: RETENDO INFORMAÇÃO partilhadas nos unem como muçulmanos, cristãos ou judeus; Memória Sensorial como irlandeses ou ingleses, galeses ou escoceses. E, por ve- Memória de Curto Prazo zes, nossas memórias nos colocam contra aqueles cujas ofensas Memória de Longo Prazo não podemos esquecer. Armazenando Memórias no Cérebro Em grande parte, você é o que você lembra. Sem a memória 1 não seria possível desfrutar dos momentos felizes do passado, RECUPERAÇÃO: ACESSANDO A INFORMAÇÃO nem seria possível sentir culpa ou raiva das lembranças doloro- Pistas de Recuperação sas. Você acabaria por viver em um eterno presente. Cada mo- mento seria novo. Mas cada pessoa seria um desconhecido, cada ESQUECIMENTO língua seria estrangeira, cada tarefa vestir, cozinhar andar de Falha na Codificação bicicleta representaria um novo desafio. Você poderia ser um Declínio do Armazenamento estranho para si mesmo, sentindo falta daquele sentimento con- Falha na Recuperação tínuo de autoconhecimento, que se estende do passado distante até o momento presente. CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA As memórias, assim como videotapes ou fotocópias, são Informação Errônea e Efeitos da Imaginação construções pessoais. E é por isso que duas pessoas podem Amnésia da Fonte experienciar mesmo evento e se lembrar dele de forma dife- rente, como juiz da Suprema Corte Americana, Clarence Tho- Distinção entre Memórias Verdadeiras e Memórias Falsas mas, que foi acusado de assédio sexual pela sua colega Anita Recordação do Testemunho Ocular de Crianças Hill. Ele negou o fato de forma veemente. Todos concluíram que Memórias de Abuso: Reprimidas ou Construídas? um deles estava mentindo. Mas, conforme afirmara o pesquisa- APRIMORANDO A MEMÓRIA dor Daniel Schacter (1999), dada a maleabilidade de interpreta- ção e da memória tanto Hill quanto Thomas poderiam estar re- cordando a partir de suas próprias memórias acerca da verdade. FENÔMENO DA MEMÓRIA APRESENTAÇÃO PRÉVIA: fenômeno da memória humana PERDA E FAÇANHAS DA MEMÓRIA é evidente em alguns casos fascinantes que provocam ad- miração. Mas como sistema de memória funciona? Que ti- A investigação dos extremos da memória tem ajudado pes- pos de lembranças ele contém? E como os psicólogos orga- quisadores a entender o funcionamento da memória. Alguns nizam suas próprias hipóteses a respeito do processo da estudos têm explorado as raízes e frutos da perda de memória. memória? Meu velho pai de 94 anos recentemente sofreu um pequeno acidente vascular encefálico que teve apenas um efeito curioso. A memória é o arquivo da mente, reservatório que armazena Sua personalidade genial está intacta. Sua mobilidade é tão boa que é aprendido. Para senador romano Cícero, a memória quanto antes. Ele nos conhece e, quando colocado em frente a era tesouro e guardião de todas as coisas". Para a psicologia, uma foto da família, pode relembrar em detalhes o passado. Mas memória é qualquer indicação de que a aprendizagem persis- ele perdeu a capacidade de reter novas informações sobre con- tiu através do tempo. É nossa competência para armazenar e versas e episódios do dia-a-dia. Ele não pode me dizer que dia recuperar a informação. da semana é hoje. Ele gosta de sair de carro e comentar o que250 CAPÍTULO NOVE está vendo, mas no dia seguinte é incapaz de lembrar nossa sa- sobre o mesmo evento serem tão diferentes? Como as memóri- ída. E ainda expressa surpresa quando comentamos a morte de as são armazenadas no nosso cérebro? Como mesmo os nossos seu cunhado. flashes de memória podem se provar completamente errados No outro extremo estão algumas pessoas que seriam cam- (como os pesquisadores vão mostrar ao recontactar as pessoas peões em Olimpíadas de memória. É o caso do jornalista russo que entrevistaram após 11/9)? Por que mais tarde neste capí- Shereshevskii, ou S, como o psicólogo Alexander Luria (1968) tulo você lembrará de forma incorreta da frase "The angry rioter chamava. A memória de S não permitia apenas que ele ouvis- threw the rock at the window" encrenqueiro zangado atirou se enquanto outros jornalistas tinham que anotar conteúdo das a pedra na janela")? Como podemos aprimorar nossa memória? entrevistas. Ela também lhe garantiu um lugar em praticamente Essas serão nossas questões ao revisarmos um século de pes- todos os livros contemporâneos sobre memória. Você e eu po- quisa da memória. demos repetir uma série de 7 dígitos e, certamente, não mais de nove. S podia repetir mais de 70 dígitos ou palavras, desde que entre a leitura de cada uma houvesse um intervalo de 3 se- Horas após a explosão da espaçonave Challenger, em 1986, gundos e que ele estivesse em uma sala silenciosa. Além disso, as pessoas se recordavam onde estavam quando ouviram as no- ele era capaz de lembrar a ordem delas tanto de frente para trás tícias sobre acidente. No entanto, elas foram altamente im- quanto de trás para frente. Sua precisão era infalível, mesmo precisas quando tentaram recordá-lo um ou três anos mais tar- quando solicitado a recordar uma lista de mais de quinze anos, de (McCloskey et alii, 1988; Neisser, 1997). Uma mulher lembrou após ter memorizado centenas de outras. "Sim, sim", ele diria. ter ouvido a notícia de uma pessoa gritando assustada no seu "Esta foi uma série que você me disse em seu apartamento.. você dormitório "a espaçonave explodiu!". Na realidade, ela tinha estava sentada à mesa e eu em uma cadeira rústica... Você usa- ouvido sobre assunto no almoço com amigos. va uma blusa cinza e me olhava assim...". Essas façanhas da memória fazem sua própria memória pa- recer mais fraca? Se achar que sim, considere sua capacidade PROCESSAMENTO DA INFORMAÇÃO de recordar incontáveis vozes, sons e canções; sabores, odores Para pensarmos sobre a memória precisamos em primeiro lu- e texturas; rostos, lugares e encontros. É realmente impressio- gar de um modelo explicativo de seu funcionamento. Construir nante! Imagine a situação em que você vê 2.500 fotos de rostos uma memória é, de alguma forma, semelhante ao processamento e lugares por apenas 10 segundos cada uma. Depois você vê 280 da informação usado por mim na elaboração deste livro. Para dessas fotos pareadas com outras que não foram previamente cada edição, eu folheio incontáveis itens de informação, algo em vistas. Se for como a maioria dos participantes do experimento torno de 100.000 títulos de artigos oriundos de periódicos. A de Ralph Haber (1970), você será capaz de reconhecer 90% das maior parte eu ignoro, mas alguns itens merecem um armaze- fotos vistas anteriormente. namento transitório em minha pasta para posteriormente ser Talvez sua capacidade de memória seja mais evidente quan- submetido a um processamento mais detalhado. A maior parte do você se lembra de momentos especiais de seu passado reple- desses itens poderá ser, eventualmente, descartado. restante tos de emoção. Uma de minhas memórias mais vívidas é a da 2.000 a 3.000 artigos e novos itens será organizado e ar- única tacada que dei na liga júnior de beisebol. Talvez a sua seja quivado para um armazenamento de longo prazo. Posteriormen- um acidente de carro, seu primeiro beijo romântico, seu primei- te, eu recupero essas informações e as reúno à medida que ela- ro dia como imigrante em um novo país, ou a paisagem a seu boro a história da psicologia atual. Você segue esse processo não redor quando ouviu uma notícia trágica. A maior parte dos ame- apenas quando estuda para suas provas, mas também quando ricanos com mais de 50 anos sabe exatamente o que estava fa- processa os incontáveis eventos quotidianos. zendo quando ouviu a notícia do assassinato do presidente Nossa memória funciona algumas vezes como o sistema de Kennedy (Brown & Kulik, 1982). Sete meses depois da morte processamento da informação em um computador. Para da princesa Diana, a maior parte dos britânicos ainda podia lem- qualquer fato precisamos conduzir a informação ao cérebro brar o que fazia no dia após a sua morte onde estavam quan- (codificação), reter a informação (armazenamento) e, mais do ouviram a notícia (Wynn & Gilhooly, 1999). E você prova- tarde, resgatar a informação (recuperação). Considere como velmente se lembrará de onde estava quando ouviu as notícias um computador codifica, armazena e recupera a informação: sobre 11 de setembro. A primeira página do The New York primeiramente, ele traduz input (proveniente do teclado) em Times trouxe a seguinte declaração: "um daqueles momentos em linguagem eletrônica, da mesma forma que cérebro codifica a que a história se divide e nós definimos mundo como antes e informação sensorial em linguagem neural; então, armazena uma depois". A clareza de nossas memórias para eventos surpreen- vasta quantidade de informação em um disco, a partir do qual dentes e marcantes levou os psicólogos a denominá-las memó- ela poderá ser recuperada. rias de flash, pois é como se o cérebro comandasse: "registre Porém, como todas as analogias, o modelo computacional tem isso". seus limites. Nossas memórias são menos literais e mais frágeis que as do computador. Além disso, a maioria dos computado- res processa a informação rapidamente, porém de modo seqüen- O que é mais importante suas experiências ou suas me- cial, mesmo quando está alternando tarefas. O cérebro é mais lento mórias a respeito delas? mas realiza várias tarefas ao mesmo tempo em paralelo. Este capítulo se baseia em um modelo clássico do processa- Como nós processamos essas façanhas da memória? Como mento da memória: o modelo em três estágios, elaborado por podemos nos lembrar de acontecimentos sobre os quais não Richard Atkinson e Richard Shiffrin (1968). Esse modelo su- pensamos há anos e esquecer o nome de alguém que aprende- gere que nós criamos a memória em três estágios: registramos mos há um minuto? Como podem as memórias de duas pessoas os dados a serem lembrados como uma memória sensorial, aMEMÓRIA 251 Input sensorial Atenção a informações novas ou importantes Codificação Memória Memória de Eventos Memória de externos sensorial Codificação curto prazo longo prazo Recuperação Fig. 9.1 Modelo de processamento de Atkinson-Shiffrin. Os três estágios de processamento da memória. partir da qual eles são processados em uma memória de curto ção em um armazenamento temporário (Engle, 2002). Nós não prazo, que, por sua vez, será codificada em uma memória de mantemos apenas a informação na tela; nós associamos ativamente longo prazo, a partir da qual os dados poderão ser recuperados novas e velhas informações e resolvemos problemas. A memória (Figura 9.1). de trabalho funciona grosseiramente como a memória de acesso Como veremos, esse processamento em três passos é limitado randômico do computador (RAM), que integra a informação que e falho. Bombardeados por informação, não podemos nos focar chega do teclado com aquela resgatada do disco rígido. Parte dessa em tudo ao mesmo tempo. Em vez disso, concentramos nossa memória de trabalho é visível na nossa tela de curta duração. atenção em certos estímulos geralmente novos ou importan- Alan Badeley (1992, 2001, 2002) percebeu que a memória tes. Esses estímulos que chegam, em conjunto com imagens que de trabalho inclui um componente verbal e um componente vi- resgatamos de nossas memórias de longo prazo, ficam disponí- sual. Esses subsistemas mentais separados nos permitem pro- veis em uma tela mental como memórias de curto prazo consci- cessar imagens e palavras de modo simultâneo no trajeto para o entes. Elas rapidamente decaem a não ser que sejam usadas ou armazenamento. Como cada um dos sistemas é limitado, não renovadas. conceito moderno de memória de trabalho clareia podemos nos engajar efetivamente em duas conversações ao o conceito de memória de curto prazo focando mais na forma mesmo tempo, embora possamos falar (processamento verbal) como prestamos atenção, ensaiamos e manipulamos a informa- enquanto dirigimos (processamento visual). REVEJA E REFLITA 0 FENÔMENO DA MEMÓRIA A memória é aprendizado que persiste no tempo. Psicólogos pro- Teste a Si Mesmo: As memórias incluem a memória de longo puseram vários modelos de processamento da informação da memó- prazo, a memória sensorial e a memória de curto prazo. Qual é a ria. Nós usaremos aqui modelo de processamento em três estágios, ordem correta dessas três etapas? que sugere que (1) registramos efêmeras memórias sensoriais, (2) pro- Pergunte a Si Mesmo: Você costuma ter memória de flash para cessamos algumas delas em uma "tela" de curto prazo ou memória experiências afetivas que foram importantes em seu passado? de trabalho e (3) codificamos uma minúscula fração delas para a me- As respostas ao Teste a Si Mesmo podem ser encontradas no apêndice situado no mória de longo prazo, para que possa ser recuperada posteriormente. final do livro. CODIFICANDO: A ENTRADA DA INFORMAÇÃO APRESENTAÇÃO PRÉVIA: Como a informação sensorial, uma vez CoMo CODIFICAMOS registrada, pode ser codificada e então transferida para siste- Algumas codificações ocorrem automaticamente, liberando ma da memória? Que tipo de informação nós absorvemos de nossa atenção para processamento de informação que neces- forma casual? Que tipos necessitam de intencional? sita de esforço. Sua memória do trajeto que você utiliza para ir de casa para a faculdade, por exemplo, é manipulada por um pro- cessamento automático, já seu aprendizado dos conceitos deste capítulo requer processamento com esforço (Figura 9.2). Codificação Processamento Automático Geralmente com pouco ou nenhum esforço, você codifica uma enorme quantidade de informações sobre espaço, tempo e fre- qüência: durante uma prova, você pode lembrar local na pá- Com Automático gina do livro onde material esquecido se encontra. Para lem- esforço brar onde deixou seu casaco, você pode recriar a seqüência de eventos do dia. Ao passar por um colega de turma, você pode perceber que essa é a terceira vez que passa por ele nessa tarde. Fig. 9.2 Processamento com esforço versus processamento Atenção pode nos ajudar a reter tais informações, ainda que elas automático se formem quase que automaticamente. O processamento auto- Algumas informações, como é caso dos conceitos deste capítu- mático não só ocorre sem esforço, como também é difícil de ser lo, exigem esforço para serem codificadas e lembradas. Outras in- desligado. Quando você lê ou ouve uma palavra familiar em sua como, por exemplo, que você jantou ontem, são pro- língua nativa, seja um insulto ou um cumprimento, é praticamen- cessadas automaticamente. te impossível não registrar seu sentido de modo automático.252 CAPÍTULO NOVE Alguns tipos de processamento automático são aprendidos. Ivan Pavlov representou para o estudo do condicionamento. Por exemplo, aprender a ler sentenças de trás para frente inici- Ebbinghaus inquietou-se com as especulações filosóficas sobre almente requer esforço: a memória e decidiu investigá-la cientificamente. Para fazê-lo, escolheu estudar sua própria aprendizagem e esquecimento de ocitámotua ranrot es edop oçrofse moc otnemassecorP materiais verbais novos. Com a prática, alguns processamentos com esforço (intenci- Ebbinghaus precisava encontrar material verbal que não fosse onais) podem se tornar mais automáticos, da mesma forma que familiar. Sua solução foi organizar uma lista de todas as possí- da direita para a esquerda se torna fácil para estudantes de veis sílabas sem sentido formadas pela inserção de uma vogal hebraico (Kolers, 1975). entre duas consoantes. Então, para uma experiência em parti- processamento automático ocorre com pouco ou nenhum cular, ele selecionou uma amostra aleatória de sílabas. Para sentir esforço, sem estarmos conscientes dele e sem a interferência de como Ebbinghaus se testou, leia rapidamente, em alta, oito nosso pensamento sobre outras coisas. (Esse é outro exemplo vezes ou mais os itens da lista a seguir (de Baddeley, 1982). Ten- da capacidade de nosso cérebro para processamento paralelo de te depois lembrá-los: múltiplas correntes de informação.) 0 que poderia então acon- BAZ, FUB, YOX, SUJ, XIR, DAX, LEQ, VUM, PID, KEL, tecer se pedíssemos às pessoas que prestassem atenção nas in- WAV, TUV, ZOF, GEK, HIW. formações que elas processam automaticamente, como julgar a freqüência de palavras apresentadas durante um experimento? No dia seguinte após ter aprendido a lista, Ebbinghaus conse- Lynn Hasher e Rose Zacks (1979, 1984) descobriram que a aten- guia recordar poucas sílabas. Mas estavam elas inteiramente ção extra é de pouca valia. Embora a memória para esse mate- esquecidas? Os dados da Figura 9.3 mostra que, quanto mais rial possa ter sido modestamente impulsionada pelo esforço, freqüentemente ele repetisse a lista em voz alta no primeiro dia, nossa codificação é em sua maior parte automática: não pode- de menos repetições ele necessitava para reaprendê-las no se- mos ligá-la ou desligá-la conforme nossa vontade. gundo dia. Temos aqui então a introdução de um princípio: 0 montante recordado depende do tempo dedicado à sua apren- Processamento com Esforço dizagem. Mesmo após já termos aprendido um material, o en- Nós codificamos e retemos grande quantidade de informação de saio adicional (superaprendizagem) aumenta a retenção. forma automática, mas nos lembramos de outros tipos de infor- ponto importante a lembrar no que diz respeito a novas mação somente com esforço e atenção. Quando aprendemos informações verbais é que a prática processamento com es- novas informações como nomes, podemos aprimorar nossa forço leva à perfeição. E isso nos ajuda a entender estes fe- memória por meio do ensaio, ou repetição consciente. Isso foi nômenos interessantes: demonstrado há muito tempo pelo pesquisador pioneiro da memória verbal, o filósofo alemão Hermann Ebbinghaus (1850- efeito de proximidade na fila: quando pessoas estão em um 1909). Ebbinghaus representou para estudo da memória que círculo lendo algo ou dizendo seus nomes, a memória mais fraca de uma pessoa está relacionada ao que foi dito pela pessoa que a antecedeu (Bond et alii, 1991; Brenner, 1973). Quando somos os próximos da fila, focamos nossa própria performance e, em geral, falhamos em processar que foi dito pela pessoa anterior. Tempo, em 20 A informação apresentada nos segundos que antecedem minutos, sono raramente são lembradas (Wyatt & Bootzin, 1994). Se dedicado a nossa consciência diminui antes de termos processado a in- reaprender uma formação, tudo é perdido. A informação apresentada na hora lista no dia anterior ao sono é bem lembrada. 15 A informação gravada em fita e tocada durante sono é re- gistrada pelos ouvidos, mas não é lembrada (Wood et alii, À medida que aumenta 1992). Sem a oportunidade de ensaiá-la, a "aprendizagem ensaio, tempo durante sono" não ocorre. 10 para reaprender decresce Nós também retemos informações melhor quando o ensaio é distribuído no tempo (como quando aprendemos os nomes de nossos colegas de turma), um fenômeno denominado efeito de 5 espaçamento (Bjork, 1999; Dempster, 1988). Em um experimento de nove anos, Harry Bahrick e mais três 0 membros de sua família praticaram a tradução de palavras de 8 16 24 32 42 53 64 uma língua estrangeira por um determinado número de vezes, Número de repetições da lista no dia em intervalos variando entre quatorze e 56 dias. Seu achado consistente: quanto maior espaço entre as sessões práticas, Fig. 9.3 Curva de retenção de Ebbinghaus melhor sua retenção por mais de cinco anos. Refletindo efeito Ebbinghaus descobriu que quanto mais vezes ele praticava uma espacial, Bahrick observou uma implicação prática. Reestudar lista de sílabas sem sentido no primeiro dia, menos repetições eram o material para provas finais, cursos de reciclagem e exames de necessárias para reaprendê-las no segundo dia. Em termos mais universidade aumentará a retenção pelo resto da vida. Distribuir simples, quanto for maior tempo dedicado à aprendizagem de o período de aprendizagem digamos por um semestre ou um uma informação nova, maior será a retenção. (De Baddeley, 1982.) ano, em vez de curtos períodos de tempo poderia ajudar tam-MEMÓRIA 253 bém. Estudo ao longo do tempo vence estudo de última hora. lista, as pessoas em geral demonstravam efeito de posição Parafraseando Ebbinghaus (1885), aqueles que aprendem rápi- serial: elas lembravam melhor o primeiro e o último item do que do esquecem rápido. aqueles que estavam no meio (Figura 9.4). Talvez porque os Para memorizar itens como números de telefone, é aconse- últimos itens ainda estivessem na memória de curto prazo, as lhável "expandir" ensino através do tempo. Thomas Landauer pessoas se lembravam deles com rapidez e correção. Mas de- (2001) explica: "Ao ensaiar um nome ou número você está ten- pois de um intervalo após desviarem a atenção dos últimos tando memorizar, espere alguns segundos, ensaie novamente, itens suas lembranças dos primeiros itens eram maiores. Em espere um pouco mais e repita, então espere ainda mais um pouco um paralelo com o dia-a-dia, imagine ser apresentado a várias e treine de novo. As esperas devem ser cada vez o mais longas pessoas. À medida que cumprimenta cada uma, você repete (trei- possíveis sem que se perca a informação." Ou faça apenas que na) todos os nomes anteriores começando desde o início. Na hora pesquisador em memória Henry Roediger (2001) faz com to- em que cumprimentar a última pessoa, você terá levado mais dos os números de telefones importantes e demais números ne- tempo ensaiando (repetindo) os primeiros nomes que os últimos; cessários em sua vida: "Eu tenho uma folha de papel no bolso ou seja, no dia seguinte será mais fácil lembrar os primeiros da camisa com todos os números de que nomes. Além disso, aprendizado dos primeiros nomes pode complementando que ele não poderia guardar todos os núme- interferir com aprendizado dos últimos. ros mentalmente. ensaio (a repetição) não vai codificar todas as informações Segundo John Anderson e Lael Schooler (1991), o efeito de igualmente bem. Às vezes, simplesmente repetir a informação, espaçamento torna o sentido mais adaptativo. Em nossos ambi- como um novo número de telefone que vamos discar, não é o entes, eventos que estão espaçados são mais provavelmente suficiente para guardá-la para lembrança posterior (Craik & propensos a se repetir. Comparando um nome que ouvimos ou Watkins, 1973; Greene, 1987). Como então nós processamos lemos cinco vezes em um mês, com um que ouvimos uma vez informação para a memória de longo prazo? Processar nossas por mês em cinco meses, a probabilidade de lermos de novo o aferências sensoriais é como separar a correspondência diária: segundo é maior (eles confirmaram isso procurando, por exem- alguns itens nós descartamos imediatamente; outros nós proces- plo, a freqüência de palavras em 730 manchetes consecutivas samos de forma mais interessada, nós os abrimos, lemos e rete- do The New York Times). Podemos notar assim que nosso siste- mos. Nosso sistema de memória processa informação não ape- ma de memória, como vários outros aspectos de nossa humani- nas pelo treino repetitivo mas também codificando suas carac- dade, é planejado para suportar nosso funcionamento e sobre- terísticas significativas. vivência. Um fenômeno que você com certeza já experimentou ilustra QUE CODIFICAMOS benefícios adicionais do treinamento. Pesquisadores mostraram Nós processamos informações de três modos-chave codifi- a pessoas uma lista de itens (palavras, nomes, datas e mesmo cando sentido delas, visualizando-as e organizando-as men- odores) e, logo em seguida, pediram-lhes que os lembrassem em talmente. De alguma forma, fazemos isso automaticamente. Mas, qualquer ordem (Reed, 2000). Ao se esforçarem para lembrar a em cada caso, existem estratégias para aprimorar a memória. Codificando Sentido Você se lembra da frase sobre o encrenqueiro? Você pode repe- ti-la agora: encrenqueiro zangado Sua memória a respeito da frase pode ter sido afetada pela forma como você a armaze- Recordação imediata: nou. Quando processamos informação verbal para armazena- 90% melhor para últimos Percentual itens mento, nós geralmente codificamos seu sentido, associando-a, de palavras 80 por exemplo, com o que já sabemos ou com nossas suposições. recordadas Para saber se ouvimos "eye-screem", "ice-cream" ou "I scream", 70 precisaremos do contexto e de nossa experiência para nos guiar 60 na interpretação do som. Recordação 50 posterior: apenas os 40 primeiros Aqui está outra frase que vou utilizar posteriormente: 0 pei- itens são melhor xe atacou 0 nadador. 30 recordados 20 Talvez então, como os sujeitos de um experimento de William 10 Brewer (1977), você lembre da frase do encrenqueiro pelo sen- tido que codificou quando a leu (por exemplo, encrenqueiro 123456789101112 zangado atirou a pedra através da janela) e não como ela foi Posição da palavra na lista escrita encrenqueiro zangado atirou a pedra na janela"). Como se pode observar, nós tendemos a lembrar coisas não Fig. 9.4 Efeito da posição serial exatamente como elas aconteceram. Na verdade, nós lembra- Após apresentar às pessoas uma lista de palavras ou de nomes, mos aquilo que nós codificamos. Estudando para uma prova, estas imediatamente recordam bem últimos itens (talvez por- você pode se lembrar de suas anotações em vez da própria lei- que eles ainda estejam "na tela") e, em geral, não tão bem OS pri- tura. Dessa forma, quando ouvimos ou lemos sobre uma situa- meiros itens. Posteriormente, elas recordam melhor primeiros ção, nossas mentes constroem um modelo sobre ela. Gordon itens. (De Craik & Watkins, 1973.) Bower e Daniel Morrow (1990) compararam nossas mentes a254 CAPÍTULO NOVE um diretor de teatro que, recebendo um roteiro cru, imagina uma duziu melhor memorização que o superficial" produção teatral completa. Solicitados mais tarde a lembrar o induzido pela questão 2 e, especialmente, pela 1 (Figura 9.5). que ouvimos e lemos, não nos lembramos literalmente do tex- Para experienciar a importância do sentido para a memória to, mas do modelo mental que construímos a partir dele. verbal, coloque-se no lugar dos estudantes que John Bransford Que tipo de codificação você acha que produz melhor me- e Marcia Johnson (1972) solicitaram que lembrassem a seguin- mória da informação verbal? A codificação visual da imagem? te passagem registrada em uma fita de áudio: A codificação acústica do som? A codificação semântica do procedimento é realmente bem simples. Primeiro você sentido? Cada uma pode ajudar. A codificação acústica, por arruma o material em grupos diferentes. Com certeza, uma exemplo, aprimora a memorização e parece verdadeira para pilha pode ser suficiente dependendo da quantidade que há aforismos que rimam. "What sobriety conceals, alcohol reveals" para fazer... Após o procedimento estar completo, alguém ("O que a sobriedade oculta, álcool revela") parece mais pre- organiza o material em grupos diferentes de novo. materi- ciso do que "what sobriety reveals, alcohol unmasks" ["o que a al então poderá ser colocado em lugar apropriado. Eventual- sobriedade revela, álcool mascara"] (McGlone & mente, poderá ser usado mais uma vez e o ciclo inteiro terá Tofighbakhsh, 2000). advogado Johnnie Cochran se tornou que ser repetido. Porém, isso faz parte da vida. célebre ao argumentar para o júri do caso O.J. Simpson que a sentença "If the glove doesn't fit, you must acguit" ("Se a luva Quando os estudantes ouviram o parágrafo que você acabou de não entrar, você tem que inocentar") era mais fácil de ser recor- ler, sem o sentido do contexto, eles se lembraram muito pouco dada do que se ele tivesse dito "If the glove doesn't fit, you must dele. Quando lhes contaram que o parágrafo era sobre lavar rou- find him not guilty" ("Como a luva não serviu, vocês devem pas (algo com sentido para eles), eles conseguiram se lembrar presumir que ele não é culpado"). Para comparar codificação muito mais do texto como você provavelmente o fará após visual, acústica e semântica, Fergus Craik e Endel Tulving lê-lo de novo. (1975) mostraram uma palavra para um grupo de pessoas. En- Esta pesquisa sugere o benefício de organizar o que lemos e tão, eles fizeram perguntas que requeriam que as pessoas pro- ouvimos em um contexto dotado de sentido. Nos experimentos cessassem as palavras (1) visualmente (a aparência das letras), que realizou com ele próprio, Ebbinghaus estimou que, compa- (2) acusticamente (o som das palavras) e (3) semanticamente (o rando a memorização de termos sem sentido com material com sentido das palavras). Para experimentar a tarefa você mesmo, sentido, ele fazia no segundo caso apenas 10% do esforço. Con- responda rapidamente às questões a seguir: forme pesquisador de memória Wayne Wickelgren (1977) relatou, tempo que você leva pensando sobre o material que Modelo de questões para Palavra está lendo e relacionando-o a material prévio armazenado é o iniciar processamento mostrada Sim Não procedimento mais útil que você pode fazer para aprender qual- 1. A palavra está em maiúsculas? cadeira quer fato 2. A palavra rima com train? BRAIN Nós temos excelentes lembranças que podemos relacionar a 3. A palavra poderia completar a frase: arma nós Se perguntados sobre como certos adjetivos des- A garota colocou a na mesa. crevem uma pessoa qualquer, geralmente os esqueceremos; se perguntados sobre como eles nos descrevem, nós os lembrare- Que tipo de processamento prepararia você melhor para reco- mos melhor um fenômeno chamado de efeito de auto-refe- nhecer as palavras mais tarde? No experimento de Craik e rência (Symons & Johnson, 1997). Ou seja, você terá mais lu- Tulving, o último, a codificação semântica questão 3 pro- cro se levar algum tempo buscando um sentido pessoal naquilo Tipo de Semântica codificação (tipo de...) Acústica (rima-com...) Fig. 9.5 Níveis de processamento processamento profundo de uma pala- Visual (escrita em maiúsculas?) pelo seu significado (codificação semântica) produz melhor reconheci- mento desta palavra em um instante pos- 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 terior, do que um processamento super- ficial, baseado na sua aparência ou som. Percentual de pessoas que reconheceram a palavra posteriormente (De Craik & Tulving, 1975.)MEMÓRIA 255 que está estudando; faça isso, por exemplo, ao responder às ta à Disney é lembrada menos pelo calor e filas intermináveis, questões do Pergunte a Si Mesmo, no final de cada seção deste que pelos brinquedos, passeios e livro. Informação considerada "muito relevante" para mim fi- A imaginação está no centro de muitos de nossos recursos cará mais bem processada e acessível. de memória. Processos mnemônicos (assim denominados em decorrência da palavra memória em grego) foram desenvolvi- Codificando Imagens dos pelos antigos estudiosos gregos e oradores como auxílio para Nós lutamos para memorizar fórmulas, definições e datas, ain- lembrar longas passagens e discursos. Usando "método dos da que possamos facilmente lembrar onde estivemos ontem, lugares (loci)", eles imaginavam a si mesmos movendo-se atra- quem estava conosco, onde sentamos e o que vestíamos. Nos- vés de uma série de locais familiares, associando cada local a sas recordações mais antigas provavelmente de algo que acon- uma representação visual do tópico a ser lembrado. Então, quan- teceu por volta dos 3 ou 4 anos de idade quase certamente do falava, orador poderia mentalmente revisitar cada local e envolverão a imaginação visual, ou imagens mentais. recuperar a imagem associada. Em uma variedade de experimentos, pesquisadores têm docu- Outros processos mnemônicos envolvem tanto processamen- mentado os benefícios de imagens mentais. Por exemplo, nós nos to acústico quanto visual. Por exemplo, sistema de palavras lembramos melhor de palavras que conduzem à elaboração de conexas exige que inicialmente se memorize um jingle: "One is imagens mentais do que de palavras abstratas, com pouca cone- a bun; two is a shoe; three is a tree; four is a door; five is a hive; xão visual. (Quais das três palavras, dentre as seguintes six is sticks; seven is heaven; eight is a gate; nine is a swine; digitador, vazio, cigarro, inerente, fogo, processo você recor- ten is a hen." Sem muito esforço, você estará apto a contar pelas dará mais facilmente?). De forma similar, provavelmente você palavras conexas, em vez de usar números: bun, shoe, tree, ainda se lembra da frase sobre o encrenqueiro da pedra, não ape- e então associará visualmente as palavras com os itens a ser nas pelo sentido que codificou, mas pela imagem visual que a frase lembrados. Agora você está pronto para desafiar qualquer um a ocasionou. Como exemplo sugere, e como alguns especialistas lhe dar uma lista de mercado para memorizar. Cenouras? Ima- de memória acreditam, a memória para nomes concretos é auxi- gine-as em um brioche, Leite? Encha um sapato com ele. Pa- liada pela codificação tanto semântica quanto visual (Marschark pel-toalha? Espalhe-o em uma árvore. Pense nas palavras et alii, 1987; Paivio, 1986). Dois códigos são melhores que um. conexas e verá as imagens associadas: cenouras, leite, papel- Graças à durabilidade da maior parte de nossas imagens ví- toalha. Com poucos erros (Bugelski et alii, 1968), você será vidas, nós recordamos nossas experiências com flashes mentais capaz de recordar todos os itens em qualquer ordem. Os siste- dos melhores e piores momentos. Assim, o melhor momento de mas mnemônicos são usados pelos magos da memória que repe- prazer e alegria e o pior momento de dor e frustração, em geral, tem longas listas de nomes e objetos, e também podem ajudá-lo. colorem nossas memórias mais que a sua duração (Fredrickson & Kahneman, 1993). Lembrar pontos altos e esquecer os Organizando a Informação para Codificação eventos mundanos pode explicar fenômeno que Terrence Sentido e imagem aumentam nossa memória parcialmente por Mitchell, Leigh Thompson, Erika Peterson e Randy Cronk conta da organização. Quando o parágrafo de Bransford e Jo- (1997) chamaram de retrospectiva otimista: pessoas tendem a hnson sobre lavar roupa passou a ter sentido, suas sentenças recordar eventos como férias no campo mais positivamente do que de fato foram quando os estavam vivenciando. Uma visi- 1. 2. KLCISNE 3. KLCISNE NVESE YNA NI CSTTIH TNDO 4. NICKELS SEVEN ANY IN STITCH DONT 5. NICKELS SEVEN ANY IN STITCH DONT SAVES AGO A SCORE TIME AND NINE WOODEN FOUR YEARS TAKE 6. DONT TAKE ANY WOODEN NICKELS Ho/AP Photo FOUR SCORE AND SEVEN YEARS AGO A STITCH IN TIME SAVES NINE 0 princípio da imaginação 0 pesquisador em cirurgia plástica Darrick Antell observou que Fig. 9.6 Efeitos do agrupamento na memória Quando organizamos a informação em unidades significativas, "você não pode falar de todos prejuízos do fumo e da fumaça como letras, palavras e sentenças, nós a recordamos com mais para a saúde, até se encontrar à beira da Mas mostre a foto facilidade. (De Hintzman, 1978.) de gêmeos idênticos, com apenas um deles sob a influência do ci- garro, e iremos aprender e lembrar. Gay Black, uma fumante de 65 'Estória que só fará sentido na língua inglesa. Em português a tradução seria: um é um brioche; anos, à esquerda, e sua irmã gêmea de aparência bem mais jovem, dois é um sapato; três é uma árvore; quatro é uma porta; cinco é uma colméia; seis é um bas- Gwen Sirota, à direita. tão; sete é oito é um portão; nove é um porco; dez é uma ave. (nota do tradutor)256 CAPÍTULO NOVE formaram uma seqüência. Truques mnemônicos ajudam a or- quadra, pudesse lembrar a posição exata dos jogadores (Allard ganizar material para nossa recuperação posterior. & Burnett, 1985). Todos nós podemos nos lembrar com mais clareza de informações quando somos capazes de organizá-las FRAGMENTANDO Para experimentar a importância da organi- em um arranjo com significado pessoal. zação, dê uma olhada de alguns segundos na linha 1 da Figura agrupamento (chunking) também auxilia a recordação de 9.6, então afaste olhar e tente reproduzir que viu. Impossí- material pouco familiar. Uma técnica mnemônica possibilita vel, não é? Mas você pode facilmente reproduzir a segunda li- uma organização mais familiar criando palavras (denominadas nha, que é não menos complexa. De forma semelhante, eu acho acrônimos) ou sentenças cujas primeiras letras sejam de pala- a linha 4 mais fácil de memorizar que a 3, embora ambas conte- vras a ser lembradas. Para memorizar nome dos cinco gran- nham as mesmas letras. E você poderia lembrar sexto grupo des lagos americanos, basta lembrar a palavra HOMES (Huron, mais facilmente que quinto, embora ambos contenham as Ontário, Michigan, Erie, Superior). Quer lembrar as cores do, mesmas palavras. arco-íris na ordem de seus comprimentos de onda? Pense em ROY G. BIV (red, orange, yellow, green, blue, indigo, violet).² Com o agrupamento (chunking) você pode aumentar sua Os pesquisadores em memória concordam que código memória para números também. Uma corrente impossível de 16 postal do Canadá, com a altemância de números e letras, é es- números 1-4-9-2-1-7-7-6-1-8-1-2-1-9-4-1 se torna fácil pecialmente difícil de memorizar (Hebert, 2001). pode- para um americano, quando a fragmentamos em 1492, 1776, ria ser mais facilmente lembrado se fragmentássemos as letras 1812, 1941 (como poderia ser 1066, 1688, 1815 e 1914 para e números, como aqueles familiarizados com a história britânica). Após mais de duzentas horas de prática no laboratório de Anders Ericsson e William Chase (1982), dois estudantes universitários de Como essa experiência demonstra, nós recordamos mais fa- Carnegie-Mellon conseguiram incrementar sua capacidade dos cilmente as informações quando podemos organizá-las em uni- habituais sete dígitos para mais de oitenta. Em outra sessão de dades com sentido, ou agrupamentos (chunkings). agrupa- testes, o estudante Dario Donatelli ouviu o pesquisador ler um mento (chunking) ocorre tão naturalmente que o consideramos dígito por segundo em uma voz monótona: "1518593765502157 um privilégio. Se você tem o inglês como língua nativa, poderá 8416658506120948856867727314181861054629748012949 reproduzir com perfeição os 150 ou mais segmentos de linhas 74965928". Sem um único movimento enquanto aprendia os nú- que formam as palavras nas três frases do item 6 da Figura 9.6. meros, Donatelli então, de repente, mostrou que estava vivo. Ele Elas poderiam surpreender alguém que não esteja familiariza- sussurrou números, esfregou queixo, bateu os pés, contou os do com o inglês. dedos e passou as mãos pelos cabelos. "Certo", ele anunciou qua- Eu também reverenciaria a habilidade de uma pessoa que se dois minutos mais tarde. "O primeiro grupo é 1518. Depois entendesse chinês e que, após observar a Figura 9.7, fosse ca- 5937...". Ele repetiu em grupos de três ou quatro todos os 73 paz de reproduzir todos os sinais ali contidos; ou de um expert números. em xadrez que, após uma observação de 5 segundos para ta- Como ele fez isso? Ampliando a capacidade de sua memó- buleiro durante um jogo, pudesse, recordar a posição de todas ria de curta duração? Não. Quando foi solicitado a fazer o mes- as peças (Chase & Simon, 1973); ou, ainda, de um jogador de mo com letras, Donatelli voltou à capacidade de sete itens. Ou basquete que após observar rapidamente, durante 4 segundos, a seja, ele tinha desenvolvido uma estratégia sofisticada para agrupamento (chunking) de números. "Em primeiro lugar, es- tava um tempo de 3 milhas", Donatelli relatou, um corredor de cross-country. "Em segundo lugar, um tempo de 10 milhas. Então uma milha. Meia milha. Tempo de duas milhas. Uma Duas milhas. Idade. Idade. Idade. Duas milhas..." (Wells, 1983). HIERARQUIAS Para Donatelli alcançar seu pico 106 dígitos ele resgatou os agrupamentos dos números organizando-os de forma hierárquica (Waldrop, 1987). Primeiramente vieram "três grupos de quatro", ele pode ter pensado, e assim por dian- te. Quando as pessoas se tornam experts em uma área, elas pro- cessam as informações não apenas em grupos, mas também em hierarquias compostas por alguns poucos conceitos amplos, di- vididos e subdivididos em conceitos e fatos mais específicos. Organizando o conhecimento em hierarquias, nós podemos res- gatar as informações de modo mais eficiente. Este capítulo aju- dará você a não apenas entender aspectos elementares da memória, mas também a organizar esses fatos em bases amplas, Fig. 9.7 Um exemplo de agrupamento para aqueles que como a codificação, em subprincípios, como os processamen- lêem chinês Depois de olhar para estes caracteres, você conseguiria reprodu- zi-los com precisão? Se a resposta for afirmativa, então você é ver- português: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, roxo e violeta. (nota do tradu- sado em chinês. tor)MEMÓRIA 257 Codificação (automática ou com esforço) Significado Imaginação (codificação (codificação visual) Organização semântica) Agrupamentos (chunking) Hierarquias Fig. 9.8 A organização beneficia a memória Ao organizarmos palavras ou conceitos em grupos hierárquicos, como que estão ilustrados aqui, nós OS recordamos melhor do que quando vemos dispostos aleatoriamente. tos automático e intencional e em conceitos mais específicos, organização geral, é provável que você se lembre deles de modo como sentido, a imagem e a organização (Figura 9.8). mais eficaz na hora de um teste. Ler e criar notas marcando partes Gordon Bower e seus colaboradores (1969) demonstraram do texto um tipo de organização hierárquica pode se mos- os benefícios da organização hierárquica. Eles apresentaram trar proveitoso. palavras de forma aleatória ou agrupadas em categorias. Quan- do organizadas em grupos, a recordação das palavras era de duas a três vezes melhor. Esses resultados mostram os benefí- Lembra as seis palavras apresentadas no segundo parágra- cios de organizar o que se estuda de dar atenção especial a fo da seção "Codificando Imagens"? De quais você é capaz de frases em destaque, cabeçalhos, apresentações prévias, revi- se lembrar agora? Quantas têm alto significado visual? E quan- sões de parágrafos e questões de verificação. Se você puder tas têm baixo conteúdo visual? hierarquizar os conceitos de um capítulo de acordo com sua REVEJA E REFLITA CODIFICAÇÃO Alguns tipos de informação, notadamente informação Teste a Si Mesmo: Qual poderia ser a estratégia mais eficaz para te a espaço, tempo e são codificados, na maior parte aprender e reter uma lista dos principais nomes de figuras históri- das vezes, de forma automática. Outros tipos de informação, in- cas por uma semana? E por um ano? cluindo muito de nosso processamento de sentido, de percepção Pergunte a Si Mesmo: Você pode pensar em três formas de uti- de imagem e de senso de organização, requerem esforço. Truques lização dos princípios desta sessão que incrementem seu próprio mnemônicos dependem da memorização de imagens e de infor- aprendizado e retenção de informações importantes? mações organizadas. Organizar a informação em agrupamentos As respostas ao Teste a Si Mesmo podem ser encontradas no apêndice situado no (chukings) e hierarquias auxilia bastante a memória. final do livro. ARMAZENAMENTO: RETENDO INFORMAÇÃO APRESENTAÇÃO PRÉVIA: No coração da memória está arma- MEMÓRIA SENSORIAL zenamento. Nossas memórias sensorial, de curto prazo e de Considere que um intrigante experimento revelou sobre a longo prazo retêm informações por vários períodos de tempo. memória sensorial registro inicial da informação sensorial Qual é a capacidade e duração de cada uma? Como e onde no sistema da memória. Como parte de sua pesquisa de douto- cérebro armazena fisicamente as memórias? ramento, George Sperling (1960) mostrou a pessoas três linhas Se, depois de certo tempo, você se lembra de algo que expe- com três letras cada, por apenas um vigésimo de segundo (Fi- rimentou, você deve, de alguma forma, tê-lo armazenado e res- gura 9.9). Isso era mais difícil que ler por meio de flashes de gatado. Qualquer informação armazenada em nossa memória de relâmpagos. Após o desaparecimento das nove letras da tela, as longo prazo permanece adormecida, esperando ser acordada por pessoas só conseguiam se lembrar da metade delas. um estímulo. Qual é a capacidade temporária e de longo prazo Isso ocorreu porque essas pessoas tiveram pouco tempo para de nossa memória? Vamos começar pelo primeiro tipo de ar- olhar as letras? Não, Sperling, de modo bastante inteligente, mazenamento de memória relatado no modelo de processamento demonstrou que, mesmo num período de tempo mais rápido que em três estágios (ver Figura 9.1) nossa efêmera memória a velocidade de um relâmpago, as pessoas podiam ver e se lem- sensorial. brar de todas as letras, mas apenas momentaneamente. Em vez258 CAPÍTULO NOVE Percentual que 90% Z R recordou 80 consoantes 70 60 Declínio Q B T rápido sem 50 ensaio 40 S G N 30 20 10 3 6 9 12 15 18 Fig. 9.9 Memória momentaneamente fotográfica Quando George Sperling projetou um grupo de letras similares a Tempo em segundos entre a apresenta- estas por 1/20 de segundo, as pessoas conseguiam recordar ape- ção das consoantes e a solicitação da nas a metade delas. Mas quando sinalizadas a recordar de uma recordação (sem permissão para ensaiar) linha em particular, imediatamente após as letras terem desapa- recido, elas faziam com precisão quase perfeita. Fig. 9.10 Declínio da memória de curto prazo A menos que haja ensaio, a informação verbal pode ser rapidamen- te esquecida. (De Peterson & Peterson, 1959.) de pedir-lhes que lembrassem todas as nove letras, Sperling fez soar um som em tom baixo, médio e alto após apresentar as le- recerá, a não ser que você trabalhe para mantê-la em sua cons- tras. Essa pista direcionava as pessoas a relatarem apenas as ciência. letras presentes em uma das linhas superior, do meio ou in- Para descobrir com que velocidade a memória de curto pra- ferior respectivamente. Agora elas raramente perdiam uma desaparecerá, Lloyd Peterson e Margaret Peterson (1959) letra, mostrando que as nove estavam momentaneamente dis- pediram a voluntários para lembrar de grupos de três consoan- poníveis para serem recordadas. tes, como CHJ. Para evitar que ensaiassem as letras, os pesqui- experimento de Sperling revelou a presença de uma me- sadores pediam aos participantes que, por exemplo, contassem mória fotográfica efêmera denominada memória icônica. Por a partir de cem, de trás para frente, diminuindo três números por um instante, nossos olhos registram uma representação exata de vez. Após 3 segundos, as pessoas lembravam as letras apenas a uma cena e nós podemos nos lembrar de qualquer parte dela com metade das vezes; após 12 segundos, elas raramente se lembra- impressionante detalhamento mas apenas por alguns décimos vam de todas (Figura 9.10). Sem processamento ativo, a de segundo. Se Sperling atrasasse o sinal sonoro com o tom memória de curto prazo tem vida limitada. adequado por mais de meio segundo, a memória icônica teria A memória de curto prazo é limitada não apenas em dura- recuado e os sujeitos da pesquisa só conseguiriam recordar de ção, mas também em capacidade. Como relatado anteriormen- metade das letras de novo. Nossa tela visual se desfaz muito te, nossa memória de curto prazo tem tipicamente por volta de rapidamente, como deve ser, para que novas imagens se sobre- 5a9 bits de informação (uma média de 7). George Miller (1956) ponham por cima das antigas. definiu sua capacidade de memória como o Mágico Número Nós também temos uma impecável, embora efêmera, memó- Sete, mais ou menos dois. Não surpreendentemente, quando al- ria para estímulos auditivos, chamada memória ecóica (Cowan, gumas companhias telefônicas obrigaram assinantes a acres- 1988; Lu et alii, 1992). No entanto, se for parcialmente inter- centar o número de código de área, muitas pessoas relataram pretado, o eco auditivo desaparece de modo mais lento. As últi- problemas em reter o número recém-aprendido. mas palavras faladas parecem demorar por 3 a4 segundos. Ima- gine a si mesmo em uma conversa, enquanto presta atenção na Mágico Número Sete se tornou uma contribuição psico- televisão. Se seu cansado interlocutor perguntar que eu lógica para uma intrigante lista de setes mágicos as sete ma- acabei de falar?", você vai recuperar as últimas palavras ditas ravilhas do mundo, sete mares, sete pecados capitais, as de sua câmara de eco mental. sete cores primárias, as sete notas musicais e sete dias da MEMÓRIA DE CURTO PRAZO semana sete mágicos setes. Entre a vasta quantidade de informações registrada por nossa memória sensorial, nós iluminamos algumas com uma atenção Nossa recordação de curto prazo é um pouco melhor para especial. Nós também resgatamos informações armazenadas de dígitos aleatórios (como de um número de telefone) do que longo prazo para a apresentação "on-line". Mas, a não ser que para letras aleatórias, que às vezes têm sons similares. É um codifiquemos ou treinemos a informação, ela rapidamente de- pouco melhor para a informação que ouvimos que para as ima- saparecerá. Durante a viagem de nosso dedo através do cader- gens que vemos. Grosso modo, tanto crianças quanto adultos têm no de telefones, sua memória de um número específico desapa- lembranças de curto prazo para tantas palavras quanto as queMEMÓRIA 259 podem falar em dois segundos (Cowan, 1994; Hulme & Tordoff, rentemente reavivadas durante cirurgias cerebrais. Para pre- 1989). Sem os agrupamentos (chunkings) de informação (letras ver possíveis efeitos colaterais de cirurgias cerebrais, Wilder agrupadas com um significado como ABC, FBI, KGB, BBC, Penfield (1969) ajudou a mapear por estimulação elétrica cór- CIA) e sem treinamento, a média das pessoas retém apenas cer- tex motor cerebral de pacientes acordados. Algumas vezes, de quatro grupos na memória de curto prazo (Cowan, 2001). pacientes de relatar ouvir coisas como "uma Prejudicar ca ensaio, dizendo, por exemplo, "te te te" enquanto mãe chamando seu filho". Penfield assumiu que estava ativan- ouve números aleatórios, também reduz a memória para quatro do experiências há muito esquecidas, atadas permanentemente itens. Há um princípio básico: a qualquer momento, nós pode- ao cérebro. mos processar de forma consciente apenas uma quantidade li- Examinando com atenção esses relatos famosos, os pesqui- mitada de informação. sadores da memória Elizabeth Loftus e Geoffrey Loftus (1980) descobriram que tais flashbacks eram extremamente raros, ocor- MEMÓRIA DE LONGO PRAZO rendo em apenas um punhado dos 1.100 pacientes estimulados No livro A Study in Scarlet, de Arthur Conan Doyle, Sherlock de Penfield. Além disso, conteúdo dessas recordações suge- Holmes apresenta uma teoria popular sobre a capacidade da ria que as experiências estavam sendo inventadas, e não revivi- memória: das. Como se estivessem dormindo, as pessoas podiam se lem- brar de estar em locais que nunca haviam visitado. A despeito Eu considero que o cérebro de um homem originariamente é da vasta capacidade de armazenamento do cérebro, nós não enta- como um pequeno sótão vazio, e nós temos que mobiliá-lo guardamos a maior parte da informação com a precisão de uma da com os móveis que escolhermos... É um erro pensar que fita. Em vez disso, dizem os pesquisadores da memória, o es- saiar) pequeno cômodo tem paredes elásticas e pode se distender quecimento ocorre à medida que novas experiências interferem para qualquer tamanho. Dependendo de como ele for, have- com nossa recuperação e os vestígios da memória física gradu- rá um tempo em que para qualquer conhecimento novo, te- almente decaem. damen- remos que esquecer algo que sabíamos antes. Mas que são na verdade os "vestígios da memória"? Os Em oposição à crença de Sherlock Holmes, todavia, nossa ca- pesquisadores hoje oferecem novas pistas para a base física da pacidade de armazenamento da memória de longo prazo é es- memória. Enquanto os psicólogos cognitivistas estudam os sencialmente sem limite. Em uma estimativa cuidadosa, um "softwares" de nossa memória, os neurocientistas estudam o seu a cons- adulto médio tem cerca de 1 bilhão de bits de informação na "hardware" como e onde fisicamente armazenamento da memória e uma capacidade de armazenamento que é provavel- informação ocorre em nossos cérebros. to pra- mente milhares a milhões de vezes maior (Landauer, 1986). Ou A busca por evidências físicas da memória tem sido por ve- (1959) seja, nossos cérebros não são como sótãos, que uma vez cheios zes exasperadora. psicólogo Karl Lashley (1950) treinou nsoan- só podem estocar novos itens se descartados os antigos. tos para se livrar de um labirinto, depois cortou partes do córtex Essa capacidade é vividamente ilustrada por aqueles que fa- de seus cérebros e os testou novamente. Ele tinha esperança em tassem zem façanhas fenomenais com a memória. Considere Rajan descobrir onde a memória do enigma do labirinto estava arma- ros por Mahadevan, um psicólogo da Universidade do Tennessee. Se zenada. Ele descobriu que não importava qual parte do córtex enas a lhe déssemos um bloco de dez números dos primeiros 30.000 ele seccionasse, ratos retinham, pelo menos parcialmente, a tivo, a dígitos de pi, após alguns momentos de pesquisa mental para a solução para labirinto. A conclusão de Lashley: as memórias corrente, ele diria a série a partir dali, disparando números como não residem em pontos específicos isolados. uma máquina (Delaney et alii, 1999; Thompson et alii, 1993). Teriam as memórias, em vez disso, origem na atividade elé- dura- Mahadevan podia repetir cinqüenta números aleatoriamente trica constante do cérebro? Se for assim, então, desligamento rmen- olta de de trás para frente. Isso não é um presente genético, segundo ele; temporário dessa atividade deveria eliminá-las, como a falta de qualquer um pode aprender a fazê-lo. Mas dada a influência energia elimina parâmetros de um relógio digital. Testando 1956) genética em outros traços humanos, e sabendo que pai de Rajan essa idéia, Ralph Gerard (1953) primeiramente treinou hamsters podia memorizar obras completas de Shakespeare, podemos para virarem à direita ou à esquerda a fim de pegar comida e, do al- especular sobre isso. então, diminuiu a temperatura corporal deles até que a sua ati- acres- vidade elétrica cerebral cessasse. Quando animais foram re- taram ARMAZENANDO MEMÓRIAS NO CÉREBRO animados e seus cérebros estavam ativos de novo, se lembra- Eu me maravilhava com minha velha sogra, uma pianista e or- vam para que lado virar? Sim. Suas memórias de longo prazo ganista aposentada. Aos 88 anos, seus olhos cegos não podiam sobreviveram ao desligamento. Ao comentar caráter ilusório ico- mais ler partituras. Porém, se a deixássemos em frente a um te- dos traços de memória, um pesquisador disse: "Eu devo admi- ma- clado, ela poderia, sem nenhuma falha, tocar centenas de hinos, tir que as memórias são mais espirituais que realidade física. as incluindo alguns que ela não tocava há mais de vinte anos. Onde, Quando você tenta tocá-las, elas se tornam névoa e desapare- da no seu cérebro, ela teria armazenado esses milhares de seqüên- cem" (Loftus & Ketcham, 1994, 4). Saber como nosso cére- cias de notas? Por algum tempo, alguns pesquisadores da me- bro armazena e resgata sem esforço uma torrente de detalhes mória acreditaram que a estimulação cerebral durante cirurgia "desafia a disse um espantado neurocientista proporcionaria evidências de que todo nosso passado, e não (Doty, 1998). para apenas a música praticada por muito tempo, está "lá dentro", com que todos os detalhes, apenas esperando para ser resgatado. Mes- um mo nos dias de hoje, seis em cada dez estudantes universitári- A eletroconvulsoterapia (ECT) administrada na depressão ima- os concordam que "tudo que aprendemos está permanentemen- desloca a memória para eventos recentes, mas deixa a maior têm te embora às vezes inacessível (Brown et alii, parte das lembranças intactas (ver Capítulo 17). que 1996). Talvez alguns deles tenham ouvido sobre memórias apa-260 CAPÍTULO NOVE Recentemente, a busca pela base física da memória pela mentava a PLP aprenderam o caminho do labirinto cometendo informação encarnada em matéria tem se focado nas sinapses. a metade do número habitual de erros (Service, 1994). Desde a virada do século XX para XXI, os neurocientistas vêm desco- Mudanças Sinápticas brindo de proteínas que servem para construir as CO- Os neurocientistas estão expandindo as pesquisas que buscam nexões sinápticas e incrementar a memória de longo prazo localizar as memórias explorando as mudanças dentro dos neu- (McGaugh, 2000). Esses achados aumentam as esperanças de rônios e entre eles isoladamente. As lembranças começam como que pesquisadores possam algum dia descobrir drogas ou impulsos circulando através dos circuitos cerebrais, de alguma nutrientes "específicos para o que aumentema memó- forma deixando marcas neurais permanentes. Onde a mudança ria, especial daquelas pessoas que a estão perdendo (McDaniel neural ocorre? As pistas disponíveis apontam para as sinapses et alii, 2002). Contrariando o senso geral, a droga natural Ginkgo regiões onde as células nervosas se comunicam umas com biloba é, no máximo, um modesto ativador da memória (Gold as outras, por meio de seus mensageiros, os neurotransmisso- et alii, 2002). As drogas do futuro, porém, podem sinalizar às res. (No Capítulo 2, vimos como a experiência modifica as re- células cerebrais que sintetizem novas proteínas, necessárias para des neurais do cérebro.) A partir do aumento de atividade em a formação de conexões sinápticas. uma determinada via, as conexões se formam ou se tornam mais Após a potenciação de longo prazo ter ocorrido, passar uma fortes. corrente elétrica através do cérebro não destruirá velhas memó- Eric Kandel e James Schwartz (1982) observaram as mudan- rias. Mas a corrente vai limpar algumas experiências bem re- ças dos neurônios eferentes de um animal simples, a lesma centes. Essa experiência ocorre tanto em animais de laboratório marinha (caramujo) da Califórnia, Aplysia. Suas meras 20.000 quanto em pessoas deprimidas submetidas a eletroconvulsote- células nervosas são especialmente grandes e acessíveis, permi- rapia. Uma pancada na cabeça pode ter o mesmo efeito. Joga- tindo aos pesquisadores a observação das mudanças sinápticas dores de futebol americano que se chocaram um contra o outro durante aprendizado. No Capítulo 8, relatamos como a lesma violentamente e ficaram momentaneamente inconscientes, ao pode ser classicamente condicionada (com choques elétricos), serem entrevistados alguns minutos depois do acidente, não lem- recolhendo de forma reflexa suas brânquias quando esguicha- bravam em geral com quem colidiram (Yarnell & Lynch, 1970). mos água nela, da mesma forma que um soldado entrincheirado Da mesma forma, um boxeador derrubado no segundo assalto pula quando ouve o som de um galho partindo. Observando as pode não ter memória deste (ele funciona como as pessoas que conexões neurais do animal antes e depois do condicionamen- dormem e não conseguem se lembrar do que ouviam pouco antes to, Kandel e Schwartz mapearam as alterações. Quando apren- de cair no sono). A informação na memória de curto prazo an- dizado ocorreu, a lesma liberou mais neurotransmissor sero- tes da pancada não teve tempo de se consolidar em memória de tonina em certas sinapses. Essas sinapses então se tornaram mais longo prazo. eficientes na transmissão de sinais. aumento na eficiência sináptica torna mais eficientes os Hormônios do Estresse e Memória circuitos neurais. Em experimentos, a estimulação rápida das Os hormônios estimulantes naturais que os humanos e os ani- conexões de certos circuitos de memória aumentou sua sensibi- mais produzem quando excitados ou estressados também afe- lidade por horas ou mesmo dias. neurônio eferente agora pre- tam aprendizado e a retenção eles os melhoram. Quando cisava de menos estímulo para liberar seus neurotransmissores, um rato recebe um hormônio estimulante e em seguida um leve e os sítios receptores podiam ser ampliados (Figura 9.11). Esse choque na pata, ele forma uma memória indelével como aque- prolongado aumento do potencial de disparo neural, chamado la formada por um choque intenso que naturalmente libera o de potenciação de longo prazo (PLP), proporciona uma base mesmo hormônio (Gold, 1987, 1992; Martinez et alii, 1991). Por neural para aprendizagem e recordação associadas. Nós sabe- propiciar mais energia disponível a partir da glicose que alimenta mos hoje que drogas que bloqueiam a PLP interferem na apren- a atividade cerebral, o hormônio manda sinais para cérebro dizagem (Lynch & Staubli, 1991). Ratos com mutações induzi- de que algo importante está acontecendo. Além disso, a amíg- das por engenharia genética que anulam a enzima necessária para dala, que processa a emoção, incrementa a atividade nas áreas a PLP não conseguiam aprender a solução para um labirinto do cérebro que formam as memórias (Hammann et alii, 2002). (Silva et alii, 1992). E ratos que receberam uma droga que au- resultado: a excitação facilita a entrada de informações no cérebro. De forma contrária, pessoas que recebem drogas que bloqueiam os efeitos dos hormônios do estresse têm dificul- dade de se lembrar de detalhes sobre histórias desagradáveis (Cahill et alii, 1994). Emoções mais fracas significam memó- From N. Toni et al., Nature, 402, Nov. rias mais fracas. Cortesia de Dominique Muller. Alterações hormonais detonadas por emoção ajudam a ex- plicar por que lembramos por muito tempo de eventos chocan- tes ou excitantes, como nosso primeiro beijo, um terremoto ou 25, 1999. o atentado de 11 de setembro. Pessoas que viveram o terremoto de 1989 em São Francisco têm a lembrança perfeita um ano e meio mais tarde de onde estavam e do que estavam fazendo (da Fig. 9.11 Sítios receptores duplicados mesma forma que se lembravam um ou dois dias depois). As A imagem de microscopia eletrônica mostra apenas um sítio re- memórias de pessoas que apenas ouviram sobre terremoto eram ceptor (branco) se estendendo na direção ao neurônio eferente mais sujeitas a erros (Neisser et alii, 1991; Palmer et alii, 1991). antes da potenciação de longo prazo (à esquerda) e, depois disso, (Uma segunda razão importante para a durabilidade de experi- em direção a dois (à direita). (De Toni et alii, 1999.) ências dramáticas é que as revivemos e ensaiamos como aMEMÓRIA 261 ometendo maior parte das pessoas que viveram terremoto e o contaram fatos novos ou qualquer coisa que tivessem feito recentemente, ). Desde a inúmeras vezes para os outros). podiam aprender. Apresentadas a figuras difíceis de encontrar èm desco- Um aspecto importante a ser lembrado, segundo James em quadros (como na série Onde está Wally?), elas podiam ruir as McGaugh (1994), é que "experiências emocionais fortes criam apontá-las novamente de forma rápida mais tarde. Elas podiam igo prazo memórias fortes e Após experiências traumáticas aprender a ler de trás para frente (em espelho) e a resolver enig- ranças de uma emboscada durante a guerra, uma casa em chamas, um mas, e eram capazes de fazer tarefas complicadas (Schacter, ou seqüestro lembranças vívidas de eventos assustadores podem 1992, 1996; Xu & Corkin, 2001). Elas podiam ser condiciona- a memó- reaparecer de novo e de novo. É como se eles ficassem quei- das classicamente. No entanto, faziam tudo isso sem saber que McDaniel mando. já 0 haviam aprendido. al Ginkgo Há, porém, limites para lembranças ativadas pelo estresse. As vítimas de amnésia são de alguma forma como as pesso- ria (Gold Como o Capítulo 14 explica, o estresse prolongado por exem- as com dano cerebral que não podem conscientemente reconhe- às plo, devido a abuso repetitivo ou combate age como ácido, cer rostos, mas cujas respostas fisiológicas a rostos familiares árias para corroendo as conexões neurais e atrofiando uma área do cére- revelam um reconhecimento implícito (inconsciente). Seus com- bro (o hipocampo) que é vital para assentar as memórias. Além portamentos desafiam a concepção de que a memória é um sis- ssar uma disso, quando os hormônios do estresse aumentam agudamen- tema simples e unificado. Em vez disso, nós parecemos ter dois IS memó- te, velhas memórias podem ser bloqueadas. Isso é verdade para sistemas de memória operando em paralelo (Figura 9.12). que bem re- ratos tentando encontrar o caminho para um alvo escondido (de quer que tenha destruído as lembranças conscientes dos indiví- Quervain et alii, 1998); e é verdade também àqueles de nós cuja duos com amnésia, não destruiu sua capacidade inconsciente de ivulsote- mente fica em branco ao falar em público. experimentos, eles conseguiam aprender como to. Joga- fazer alguma coisa memória implícita ou processual mas a outro Armazenando Memórias Implícitas e Explícitas não conseguiam ter consciência disso e dizer 0 que eles sabiam entes, ao Qualquer memória entra no córtex através dos sentidos e, en- memória explícita ou declarativa). Tendo lido uma estória não lem- tão, encontra seu caminho nas profundezas do cérebro. lugar certa vez, eles iriam relê-la mais mostrando a memória 1, 1970). preciso para onde ela vai depende do tipo de informação, que implícita. Contudo, não havia memória explícita, pois eles não assalto ela contém que é dramaticamente ilustrado por pessoas que, podiam se lembrar de já tê-la lido antes. Tendo jogado golfe em soas que como no caso do meu pai, mencionado anteriormente, sofrem um campo novo, eles não se lembrariam disso; no entanto, seu CO antes algum tipo de amnésia que não permite a formação de novas jogo melhoraria a cada nova partida. Se lhes fosse mostrada razo an- memórias. repetidamente a palavra perfume, eles não recordariam já tê-la nória de neurologista Oliver Sacks (1985, pp. 26-27) descreveu um visto. Porém, se pedíssemos que falassem a primeira palavra que paciente, Jimmie, que fora vítima de um dano cerebral. Jimmie viesse à mente com início per, eles, surpreendendo a si mes- não reteve mais memórias ou seja, nenhum senso do decor- mos, diriam perfume, apresentando prontamente seu aprendiza- rer do tempo a partir de seu acidente, em 1945. Perguntado do. Eles retinham seu passado, mas não eram capazes de os ani- em 1975 pelo nome do presidente dos EUA, ele respondeu: explicitar suas lembranças. Talvez você se recorde do experi- ém afe- está morto. Truman está no comando." mento no qual jogadores de Tetris sonhavam com peças de Tetris Quando Quando Jimmie informou que sua idade era 19 anos, Sacks caindo. Três dos participantes que sofriam de amnésia não con- leve colocou um espelho na sua frente: "Olhe no espelho e me diga seguiam mais se lembrar do jogo, não tinham idéia de por que aque- que vê. É uma pessoa de 19 anos que você está vendo?" foram acordados, nem pista alguma de por que sonhavam com ibera o Jimmie ficou pálido, apertou a cadeira, praguejou e então blocos caindo (Stickgold et alii, 2000). Por ficou furioso: "O que está acontecendo? que aconteceu co- limenta migo? Isto é um pesadelo? Eu estou louco? Isto é um jogo?" cérebro Quando sua atenção se desviou para algumas crianças brincan- sistema de memória em dois trajetos reforça um impor- amíg- do de bola, seu pânico acabou, e espelho assustador foi esque- tante conceito introduzido no Capítulo 5 sobre processamen- S áreas cido. to paralelo: processos mentais, como a visão, 0 pensamento 2002). Sacks também mostrou a ele uma foto da National e a memória, não são habilidades isoladas. Nós dividimos a in- ões no Geographic e lhe perguntou: formação em diferentes componentes a fim de processá-los as que "O que é isto?" tanto separada quanto simultaneamente. ificul- a lua", Jimme respondeu. dáveis "Não, não é", Sacks replicou. "É uma foto da Terra a nemó- partir da lua." HIPOCAMPO. forma de descobrir como a memória fun- "Doutor, você está brincando? Alguém teria que ter ido até ciona é estudar o seu funcionamento alterado. Esses extraordi- ex- lá para tirar a foto." nários pacientes, por exemplo, fazem-nos pensar: será que nos- "Naturalmente." SOS sistemas de memória implícita e explícita funcionam em oto ou "Droga. Você está brincando como alguém pode ter feito diferentes áreas cerebrais? Exames radiológicos do cérebro em emoto isto?" Jimmie reagiu, da mesma forma que um jovem homem atividade e autópsias de pessoas que sofreram amnésia revela- ano e de 55 anos atrás reagiria com espanto em uma viagem para o ram que as novas memórias explícitas de nomes, imagens e do (da futuro. eventos se situam no sistema límbico em uma estrutura cha- s). As Testes cuidadosos com essas pessoas especiais revelaram mada de hipocampo (Figura 9.13). Quando as imagens radi- eram algo ainda mais estranho: embora fossem incapazes de lembrar ológicas captavam cérebro usando a memória, elas revela- 991). vam atividade no hipocampo, assim como em algumas áreas xperi- dos lobos frontais (Wagner et alii, 1998). hipocampo tam- mo a FDR: iniciais de Franklin Delano Roosevelt. (nota do tradutor) bém se acendia em cortes de PET scan quando os pacientes se262 CAPÍTULO NOVE Tipos de memória de longo prazo Explícita (declarativa) Implícita (não declarativa) Com recordação Sem recordação consciente consciente Fatos de conhecimento Eventos pessoalmente Habilidades motoras Efeitos do geral ("memória experienciados e cognitivas condicionamento ("memória clássico e operante Fig. 9.12 Subsistemas de memória Nós processamos e armazenamos nossas memórias implícitas e explícitas separadamente. Dessa forma, alguém pode perder a memó- ria explícita (tomando-se amnésico) mas e, ainda assim, apresentar memória implícita para material que não pode ser conscientemen- te recordado. gistra e armazena temporariamente os elementos de algum episó- dio cheiros, sensações, sons e localização. Isso significa que, da mesma forma que transferimos arquivos velhos para porão, me- mórias migram para ser armazenadas em outro lugar. Nosso bibliotecário cerebral transfere informações diferen- tes para diferentes regiões. Cortes tomográficos cerebrais reve- lam que, uma vez armazenadas, nossa repetição mental de ex- Hipocampo periências passadas ativa várias partes dos lobos frontais e tem- & Nicolson (Arquivos) porais (Fink et alii, 1996; Gabrieli et alii, 1996; Markowitsch, 1995). Telefonar para um número específico e guardá-lo na memória de trabalho ativa uma região do córtex frontal esquer- do; recordar a cena de uma festa poderia mais facilmente ativar uma região do hemisfério direito. Não existe mais dúvida: nossas memórias não estão em um local específico. Muitas áreas do cérebro são ativadas quando Fig. 9.13 hipocampo codificamos, armazenamos e resgatamos diferentes tipos de As memórias explícitas de fatos e episódios são processadas no informação. Para saborear a memória de nosso primeiro beijo é hipocampo e enviadas para outras áreas do cérebro a fim de se- necessária uma sinfonia mental condutora que recupere parte de rem armazenadas. vários locais de armazenamento cortical e as integre com asso- ciações emocionais proporcionadas por nossas amígdalas. CEREBELO Embora hipocampo seja uma região de proces- recordavam de palavras (usando memória explícita) (Squire, samento temporário para nossas memórias explícitas, você pode 1992). perdê-lo e, ainda assim, manter memória para tarefas e associa- Danos ao hipocampo destroem alguns tipos de memória. Cer- ções condicionadas. Joseph Le Doux (1996) se apresentava to- tos pássaros podem estocar comida em centenas de lugares e re- dos os dias a uma paciente francesa com lesão cerebral, cuja tornar a eles meses mais tarde, mas não se seu hipocampo tiver amnésia a deixara incapaz de reconhecer seu médico com um sido retirado (Sherry & Vaccarino, 1989). Da mesma forma que simples aperto de mão. Um dia, após apertar a mão dele, ela o córtex, o hipocampo é lateralizado. (Você tem dois dele, cada puxou a sua rapidamente, pois médico a espetara com um al- um sobre uma das orelhas e uma polegada e meia para dentro.) finete escondido na palma da mão. A partir de então ela se re- Danos ao hipocampo direito ou esquerdo parecem produzir re- cusava a apertar-lhe a mão, mas não conseguia explicar por- sultados diferentes. Pacientes com danos ao hipocampo esquer- quê da atitude. Tendo sido classicamente condicionada, ela ape- do têm dificuldades para se lembrar de informações verbais, mas nas não queria fazé-lo. não de desenhos e localidades. Para aqueles com lesão no hipo- Esperando localizar essas memórias implícitas, o psicólogo campo direito, o problema se inverte (Schacter, 1996). Richard Thompson e seus assistentes David Krupa e Judith Macacos que perderam hipocampo em cirurgias também per- Thompson estudaram como cérebro de um coelho aprendia a dem a maior parte das lembranças daquilo que aprenderam no mês associar um som com um sopro paralisante no olho (e assim a anterior no entanto, suas lembranças antigas permaneciam in- piscar antecipadamente ao sopro). Em primeiro lugar, eles tra- tactas (Squire & Zola-Morgan, 1991; McGaugh, 2000). hipocam- çaram a via que conectava a percepção do som pelo cérebro ao po parece atuar como uma zona de convergência onde cérebro re- reflexo de piscar. Eles descobriram que essa via partia do tron-MEMÓRIA 263 cerebral através de uma parte do cerebelo (na parte de trás da Memórias emotivas envolvem a amígdala. Os participantes cabeça) e que, se eles a cortassem, a aprendizagem da resposta da pesquisa com lesão na amígdala não eram capazes de apren- estaria perdida. Era como se cortássemos os fios de um alto-fa- der o grupo de condições ameaçadoras como a que a mulher com lante, que poderia confirmar a importância dos fios no cami- medo de apertar a mão do seu médico aprendeu. Com a amíg- nho eletrônico, mas não solucionar a questão de onde a música dala intacta, mas com o hipocampo lesado, eles aprendiam mas é armazenada. Seu próximo passo foi administrar uma droga não se lembravam do aprendizado explicitamente (Dolan, 2002). durante o treinamento do piscar do coelho, anestesiando tem- Esse sistema duplo de memória implícita-explícita ajuda a porariamente diferentes partes da via neural. Isso apontou para explicar a amnésia infantil: as reações e tarefas que aprendemos a localização da memória implícita - cerebelo. Os coelhos na infância nos acompanham durante a vida, ainda que durante reanimados falhavam em apresentar a resposta aprendida ape- a vida adulta não nos lembremos (explicitamente) de nada de nas se o seu cerebelo estivesse desativado durante treinamen- nossos três primeiros anos. Nossos pensamentos conscientes to (Krupa et alii, 1993; Steinmetz, 1999). Pacientes humanos ficam anulados, não só por que indexamos nossas memórias com dano cerebelar eram igualmente incapazes de um simples explícitas com palavras que uma criança pequena ainda não fala, condicionamento para piscar (Daum & Schugens, 1996; Green mas também porque o hipocampo é uma das últimas estruturas & Woodruff-Pak, 2000). a amadurecer. memó- REVEJA E REFLITA temen- ARMAZENAMENTO Memória Sensorial com pessoas que sofreram dano cerebral revelaram que temos dois A informação entra no sistema da memória através dos sentidos. Nós tipos de memória: as memórias explícitas (declarativas) processa- episó- registramos e armazenamos por um breve período imagens visuais das pelo hipocampo, e as implícitas (não-declarativas), processa- que, da em uma memória iconográfica e sons em uma memória ecóica. das pelo cerebelo e pela amígdala. me- Memórias de Curto e de Longo Prazos Teste a Si Mesmo: Uma amiga sua lhe conta que pai dela está A capacidade de nossa memória de curto prazo é limitada uma demonstrando sinais iniciais de doença da Ela pergunta feren- retenção de segundos de duração para cerca de sete itens, depen- se a psicologia pode explicar por que ele ainda consegue jogar da- reve- dendo da informação e de como ela é apresentada. Nossa capaci- mas bem, embora tenha dificuldades em manter uma conversa de ex- dade para armazenar informações permanentemente em nossa simples. que você lhe diria? e tem- memória de longo prazo é essencialmente ilimitada. Pergunte a Si Mesmo: Você consegue lembrar um momento em /itsch, Armazenando Memórias no Cérebro que estresse foi proveitoso, favorecendo a recordação de infor- na squer- A busca pela base física da memória se focou recentemente nas mações, para se lembrar de alguma coisa e outro em que ele inter- sinapses e em seus neurotransmissores, na potenciação de longo feriu na recordação de alguma coisa? ativar prazo dos circuitos cerebrais, como os que trafegam pelo hipocam- As respostas ao Teste a Si Mesmo podem ser encontradas no apêndice situado no m um po, e nos efeitos dos hormônios do estresse na memória. Estudos final do os de eijo é RECUPERAÇÃO: ACESSANDO A INFORMAÇÃO rte de APRESENTAÇÃO PRÉVIA: Para lembrar um acontecimento é ne- Para a maior parte das pessoas, a memória é recordação, a ha- asso- cessário não apenas percebê-lo (codificar) e guardá-lo (armaze- bilidade de recuperar a informação que não está em nossa cons- 3. nar), mas também recuperá-lo. A recuperação é auxiliada por ciência. Para um psicólogo, a memória é qualquer sinal de que pistas associadas aos acontecimentos, incluindo aquelas inse- algo aprendido foi retido. Assim sendo, reconhecer ou reaprender oces- ridas no contexto onde foram codificados. mais rapidamente informação também indica memória. pode va to- cuja n um ela m al- se re- por- ape- tra- Seth Poppel/Yearbook (Arquivos) Eventos do passado dia a Mesmo se Madonna e Paul Newman não tivessem se a tomado famosos, seus colegas de turma do high school ainda poderiam reconhecê-los nas fotos que estão no ao álbum de formatura.264 CAPÍTULO NOVE Muito tempo depois de não ser mais capaz de se lembrar da maior parte dos colegas de colégio, você ainda será capaz de reconhecer tanto suas fisionomias no álbum de formatura quanto Ver ou ouvir a seus nomes numa agenda telefônica. Harry Bahrick e seus co- palavra rabbit laboradores (1975) relataram que pessoas formadas há mais de 25 anos não se recordavam mais da maioria de seus colegas, mas conseguiam reconhecer 90% de suas fotos e nomes. Nossa velocidade de reaprendizagem demonstra a memória. Se Ativa conceito você aprendeu alguma coisa e esqueceu, provavelmente a reaprenderá mais rapidamente do que antes, Quando você estuda para uma prova final ou resgata um modo de falar usado em sua infância, a reaprendizagem é mais fácil. Dessa forma, testes de reconhecimento e o tempo dedicado à reaprendizagem revelam A ativação que lembramos mais do que, efetivamente, conseguimos recordar. (priming) faz com Nossa memória de reconhecimento é rápida e vasta. "O seu que soletremos a amigo está vestindo uma roupa nova ou velha?" "Velha." "Esse palavra hair/hare trailer, que dura apenas alguns segundos, é de um filme que você como h-a-r-e. já assistiu?" "Sim." "Você já viu essa pessoa antes essa peque- na variação nas características humanas tradicionais (dois olhos, um nariz e uma boca)?" "Não." Antes que possamos formar uma res- Fig. 9.14 Ativação (priming) despertando associações posta para esse tipo de pergunta, nossa mente já sabe a resposta. Após ver ou ouvir rabbit (coelho), teremos, mais tarde, maior ten- Mais precisamente, nossa mente sabe que ela conhece a resposta. dência a soletrar a palavra h-a-r-e (l-e-b-r-e). A propagação das as- sociações ativa inconscientemente associações que, de alguma PISTAS DE RECUPERAÇÃO forma, estão relacionadas. Esse fenômeno é denominado ativação Para recuperar um registro qualquer em uma biblioteca, você pre- (priming). (Adaptado de Bower, 1986.) cisa de um modo de acessá-lo. Em testes de reconhecimento, há pistas de recuperação (como fotografias) que fornecem lem- bretes de informação (nomes dos colegas de turma), que não con- Embora você não se lembre de forma consciente do cartaz, ele seguiríamos lembrar de outra forma. As pistas de recuperação predispõe sua interpretação. (Como vimos no Capítulo 5, mes- também nos indicam onde procurar. Quando recuperamos uma mo um estímulo subliminar pode ativar respostas a estímulos informação na Internet, precisamos das palavras-chave corre- posteriores.) tas. Como na WEB, as memórias não podem ser acessadas a não Pistas de recuperação geralmente ativam nossas memórias para ser que tenhamos as pistas certas para recuperá-las. Na seção experiências anteriores. Truques mnemônicos costumam ser ex- "Codificando sentido", apresentei uma frase que utilizaria mais celentes para as pistas de recuperação: ROY G. BIV; HOMES; tarde. Você lembra o sentido dela? Se não, a palavra tubarão Bun, shoe, tree. Mas a melhor pista de recuperação vem de asso- ajuda? Os experimentos demostraram que a palavra tubarão ciações formadas no momento em que codificamos uma memó- propiciou a recuperação mais rápida da imagem que você arma- ria, e essas pistas podem ser tanto experiências quanto palavras. zenou do que a palavra literal da frase no caso, peixe (An- Sabores, odores e paisagens com freqüência evocam nossa recor- derson et alii, 1976). dação de episódios que lhes são associados. Para evocar pistas visuais quando tentamos lembrar algo, podemos mentalmente nos Faça a um amigo duas perguntas: (a) Como soletramos a pa- transportar para o contexto original. Para teólogo britânico John lavra s-h-o-p? (b) que você faz quando sinal de trânsito está Hull (1990, 174), isso se tornou difícil após perder sua visão. verde? Se seu amigo responder à segunda pergunta com Em uma ocasião, quando sua esposa lhe perguntou que havia "stop", você demonstrou fenômeno da ativação (priming). feito durante dia, ele teve dificuldade em se lembrar. "Eu sabia que havia estado em algum lugar, e feito algumas coisas em par- ticular com algumas pessoas, mas onde? Eu não conseguia pôr as Você pode pensar na memória como se estivesse mantida em conversas que tivera em um contexto. Não havia um cenário, nem um arquivo por uma rede associativa. Para recuperar uma me- características que me permitissem identificar lugar. Normal- mória específica, você precisa identificar primeiro um dos ca- mente, as memórias das pessoas com quem falamos durante o dia minhos que levam a ela, um processo denominado ativação são armazenadas em estruturas que incluem um cenário." (priming). William James, psicólogo e filósofo, denominou esse fenômeno despertar de Em geral nossas associ- ações são ativadas (primed) sem a nossa consciência. Como a Desafio 1: Figura 9.14 indica, ver ou ouvir a palavra rabbit (coelho) ativa Questões de múltipla escolha testam: (primes) associações com hare (lebre), mesmo que não sejamos a. recordação capazes de recordar ter visto ou ouvido a palavra rabbit (coelho). b. reconhecimento A ativação tem sido denominada "memória sem memória" C. reaprendizagem memória sem lembrança, memória invisível. Se ao andar por uma avenida, você vir um cartaz de uma criança desaparecida, Questões de preenchimento de lacunas testam você será ativado para interpretar uma interação ambígua entre (Ver respostas mais adiante.) criança e adulto como um possível seqüestro (James, 1986).MEMÓRIA 265 Percentual de palavras 40% Maior recordação quando recordadas contextos de aprendizagem e de testagem são os mesmos 30 20 Cortesia de Carolyn Rovee-Collier, Rutgers University. 10 Fig. 9.16 contexto familiar ativa a memória Depois de aprender a mover um móbile chutando-o, a aprendiza- Terra/água Água/água Terra/terra gem dos bebês é reativada de modo mais intenso se for testada Contextos diferentes Contextos iguais novamente no mesmo lugar. (De Butler & Rovee-Collier, 1989.) para ouvir e para ouvir e ções recordar recordar or ten- das as- produz déjà (Alcock, 1981). Se nós estivemos previamen- lguma Fig. 9.15 Os efeitos do contexto na memória te em uma situação semelhante, a situação corrente pode ser li- ivação Palavras ouvidas embaixo d'água são recordadas mais facilmente gada de forma inconsciente com pistas que resgatam experiên- embaixo d'água. Palavras ouvidas em terra são recordadas mais cias prévias. Dessa forma, se em um contexto determinado você facilmente em terra. (Adaptado de Godden & Baddeley, 1975.) vir um estranho que ande e se pareça com um velho amigo, a similaridade pode levar a um sentimento que inspire um reco- nhecimento. Em decorrência dos sentimentos conflitantes com az, ele Efeitos de Contexto seu conhecimento de que a pessoa é estranha, você pode pen- mes- mulos sar: "Eu devo ter visto essa pessoa nesta situação antes." Colocar-se de volta no lugar onde aconteceu alguma coisa pode Ou, talvez, sugere James Lampinen (2002), a situação pare- ajudar. Duncan Godden e Alan Baddeley (1975) descobriram ça familiar quando possui semelhança discreta com outros even- IS para isso quando fizeram mergulhadores ouvir uma lista de palavras er ex- tos. Imagine que você encontrou rapidamente meu pai, meus em duas situações diferentes: a 10 pés abaixo da superfície e MES; irmãos, minha irmã, meus filhos e, algumas semanas depois, a sentados na praia. Como a Figura 9.15 ilustra, os mergulhado- asso- mim. É provável que você pense: "Eu estive com esse cara an- res recordaram mais palavras quando foram testados no mesmo tes." Embora ninguém de minha família seja igual a mim (sorte local em que as ouviram. avras. deles), todos podem ter algumas características parecidas, e você Você provavelmente já efeito de contexto. recor- pode ter uma "visão global" de semelhança. Você retorna ao lugar onde viveu ou estudou, e é inundado por pistas memórias e recordações. Até fazer um exame numa sala onde Humores e Memórias te nos você foi ensinado pode ajudar um pouco. Carolyn Rovee-Collier Palavras associadas, eventos e contextos não são as únicas pis- John (1993), em vários experimentos, descobriu que um contexto fa- tas de recuperação. Eventos do passado podem ter despertado visão. miliar ativa lembranças até em crianças de 3 meses. Após te- havia uma emoção específica que posteriormente pode ativar a recor- rem aprendido que chutando um móbile em um berço podiam sabia dação de eventos associados. psicólogo cognitivo Gordon fazê-lo se mover (por meio de uma corda atada ao tornozelo), Bower (1983) explica da seguinte forma: uma emoção é como par- crianças chutavam mais quando eram testadas novamente no uma biblioteca em casa, onde colocamos nossos registros de as mesmo berço com o mesmo objeto, do que quando eram testa- memória. Nós resgatamos melhor os registros pelo retorno a esse nem das em outro contexto (Figura 9.16). rmal- quarto emocional. que aprendemos em um estado seja ale- Às vezes, estar em um contexto semelhante a outro onde dia gre ou triste, bêbado ou sóbrio é por vezes lembrado com mais estivemos antes pode disparar uma experiência de déjà vu (ex- facilidade quando o experimentamos novamente, um fenôme- pressão francesa para "já visto"), que inspira sentimento de no sutil denominado memória dependente do estado. que as "Eu já estive nesta situação antes". Os cerca de 60% de pessoas pessoas aprendem quando estão deprimidas ou bêbadas, elas não que relataram ter vivido esse tipo de experiência (McAneny, lembram em qualquer estado (a depressão perturba a codifica- 1996) geralmente se perguntam: "Como eu posso reconhecer ção, e o álcool, o armazenamento). Mas elas lembram um pou- uma situação que estou vivendo pela primeira vez?" Os que melhor quando estão novamente bêbadas ou deprimidas. supõem haver uma explicação paranormal podem pensar em Alguém que esconde dinheiro quando está bêbado pode esque- reencarnação ("Eu devo ter experimentado isto em uma vida cer a localização dele até beber de novo. passada") ou em premonição ("Eu vi esta situação em minha Mais interessante é a forma como humor influencia nossas mente antes de Colocando a questão de uma for- memórias (Fiedler et alii, 2001). Nós parecemos associar bons ma diferente ("Por que eu senti como se eu reconhecesse esta ou maus eventos com as emoções que os acompanham, que se nós podemos ver como nosso sistema de memória tornam pistas de recuperação como se nossas memórias fos-266 CAPÍTULO NOVE sem congruentes com humor. Estar deprimido entristece as Quando os adolescentes estão deprimidos, seus pais parecem recordações, ao ativar associações negativas, que, posteriormen- desumanos; à medida que seu humor melhora, seus pais se trans- te, usaremos para explicar nosso humor atual. Quando bem formam de demônios em anjos. Você e eu podemos concordar humorados ou por hipnose ou por outros acontecimentos do com a cabeça. Ainda assim, de bom ou de mau humor, continu- dia (uma vitória na copa do mundo, por exemplo), vemos o amos a considerar reais nossas mudanças de julgamentos e mundo através de lentes cor-de-rosa (DeSteno et alii, 2000; memórias. Forgas et alii, 1984; Schwarz et alii, 1987). Julgamos a nós humor também influencia o modo como interpretamos o mesmos competentes e eficazes, e as outras pessoas benevolen- comportamento de outras pessoas. De mau humor, nós lemos tes os eventos da vida parecem-nos melhores. olhar de uma pessoa como indignação; já de bom humor codifi- Conhecendo essa conexão, não devemos nos surpreender que, camos o mesmo olhar como interesse. A forma como percebe- em alguns estudos, pessoas sofrendo de depressão se lembrem mos o mundo depende de nosso humor. As paixões exageram. dos pais como indiferentes, punitivos e promotores de culpa, ao efeito de seu humor na recuperação da informação ajuda a passo que pessoas que deixaram de sofrer de depressão des- explicar por que os humores persistem. Quando está feliz, você crevem de modo semelhante àquelas que nunca estiveram de- se lembra de episódios felizes e, conseqüentemente, vê mun- primidas (Lewinson & Rosenbaum, 1987; Lewis, 1992). Não é do como um lugar feliz, o que ajuda a prolongar o bom humor. de estranhar que Robert Bornstein e seus colaboradores (1991) Quando deprimido, você recorda eventos tristes, o que obscu- tenham relatado que as avaliações dos adolescentes sobre a rece sua interpretação dos acontecimentos em curso. Como ve- afetividade parental davam poucas pistas sobre modo como remos no Capítulo 16, esse processo mantém o ciclo vicioso da os mesmos adolescentes avaliariam os pais seis semanas depois. depressão. REVEJA E REFLITA RECUPERAÇÃO Para ser lembrada, é necessário ocorrer a recuperação da informa- Teste a Si Mesmo: Defina ativação (priming). ção, com a ajuda das associações (pistas) que ativam a memória. Pergunte a Si Mesmo: Que tipos de humor você tem experienci- As pistas, às vezes, surgem quando retornamos ao contexto origi- ado ultimamente? Como o seu humor coloriu suas lembranças, nal: humor também afeta a memória. Estando de bom ou de mau percepções e expectativas? humor, tendemos a recuperar as memórias de forma congruente As respostas ao Teste a Si Mesmo podem ser encontradas no apêndice situado no com humor. final do livro. ESQUECIMENTO APRESENTAÇÃO PRÉVIA: Falhas da memória podem ser con- da mulher amada, ou de episódios triviais como o ponto de de falhas de codificação (a informação nunca entrou), Sammy Sosa. Mas, de repente, ela me abandona quando estou de armazenamento (desaparecimento dos registros da memó- tentando lembrar o nome de um novo colega ou onde deixei meus ria) ou de recuperação (perda das pistas de recuperação ou in- óculos escuros. o pesquisador da memória Daniel Schacter terferência de outras aprendizagens). (1999) enumerou sete falhas comuns de nossa memória os sete pecados da memória, como ele os chamou. São eles: Todos aplaudem a memória tantos esforços são feitos para entendê-la, tantos livros para melhorá-la mas você já ouviu Três pecados do esquecimento alguma voz referir-se ao esquecimento? William James (1890, p. 680) foi uma dessas vozes: "Se lembrássemos tudo, sentir- Falta/distração A falta de atenção aos detalhes produz nos-íamos na maior parte das situações como se não lembrásse- falhas na codificação (nossa mente pode estar em outro lu- mos nada." Descartar o emaranhado de informações sem uso e gar no momento em que guardamos as chaves no carro) desatualizadas onde paramos o carro ontem, o antigo núme- Transitoriedade o armazenamento declina com o tempo ro de telefone de um amigo, pedidos de restaurantes já servidos (informações não utilizadas desaparecem) é certamente uma bênção (Bjork, 1978). S, o mago russo da Bloqueio a inacessibilidade à informação armazenada (ela memória que conhecemos no início deste capítulo, era atormen- pode estar na "ponta da língua", mas experimentamos uma tado por esse acúmulo de memórias inúteis. Elas dominavam a falha na recuperação nós não conseguimos acessá-la) sua consciência. Ele tinha dificuldade em pensar de forma abs- Três pecados da distorção trata generalizar, organizar, avaliar. Uma boa memória é de grande valia, assim como a habilidade de esquecer. Atribuição errônea confundir a fonte da informação (colo- cando palavras na boca de outra pessoa ou lembrar uma cena de filme como se fosse um acontecimento da vida real) Respostas do Desafio 1:as questões de múltipla escolha Sugestibilidade os efeitos remanescentes da informação tam reconhecimento; as questões de preenchimento de lacuna equivocada (uma pergunta tendenciosa senhor Jones testam a recordação. tocou suas partes mais tarde se torna uma falsa memória da criança) Com porém, nossa memória nos desanima e frus- Tendenciosadade lembranças "coloridas" pela crença (os tra. As recordações são enganosas. Minha própria memória pode sentimentos atuais a respeito de seu namorado podem alte- facilmente se lembrar de episódios como o maravilhoso beijo rar as recordações de seus sentimentos iniciais)MEMÓRIA 267 recem Um pecado da intromissão recordações que adultos jovens, mas elas habitualmente têm a trans- Persistência memórias não desejadas (ser invadido por mesma capacidade de memória que os mais jovens quando re- cebem lembretes ou fazem testes de reconhecimento.) ntinu- imagens de um abuso sexual) Mas não jovem sejamos, nós prestamos aten- e ção a apenas poucos sons e visões que nos bombardeiam conti- 0 violoncelista Yo-Yo Ma esqueceu seu violoncelo de 266 nuamente. Como nossa "cegueira para mudança" (conforme mos anos e 2,5 milhões de dólares em um táxi em Nova York. (Ele vimos no Capítulo 6) demonstra, muito do que sentimos sequer mos recuperou mais tarde.) percebemos. Considere algo que tenhamos olhado incontáveis odifi- vezes: que letras acompanham número 5 do seu telefone? Ou cebe- Vamos considerar agora cada um desses pecados relacionados onde está o número 0 na sua calculadora? Para a maior parte de eram. juda a ao esquecimento, à distorção e à intromissão. nós, essas questões são surpreendentemente difíceis. Aqui está outro exemplo de falha na codificação. Se você vive você FALHA NA CODIFICAÇÃO na América do Norte, na Grã-Bretanha ou na Austrália, você já mun- que causa esquecimento? Um fator é alguma falha na codi- olhou para centavos milhares de vezes. Você pode certamente umor. bscu- ficação da informação (Figura 9.17). Se há falha, a informação se lembrar das características (cor e tamanho) que usa para di- nunca entrará na memória de longo prazo. A idade pode afetar ferenciá-los. Mas você é capaz de lembrar para que lado a figu- 10 ve- a eficiência da codificação. As mesmas áreas do cérebro que se ra da moeda está olhando? Se não for capaz, vamos fazer um SO da atiram em ações quando somos adultos jovens, codificando teste de memória mais fácil: se você é familiarizado com as novas informações, são menos responsivas entre adultos mais moedas americanas, será que é capaz de reconhecer a imagem velhos. A codificação mais lenta ajuda a explicar o declínio da real da Figura 9.18? Raymond Nickerson e Marilyn Adams memória relacionado à idade (Grady et alii, 1995). (Como foi (1979) descobriram que a maior parte das pessoas não era ca- descrito no Capítulo 4, pessoas mais velhas tendem a ter menos paz. A população americana movimenta cerca de 40 milhões de ienci- nças, ado no Eventos Memória Atenção Memória de Codificação Memória de externos sensorial curto prazo longo prazo A falha na codificação conduz ao esquecimento to de estou meus acter Fig. 9.17 Esquecimento como falha de codificação os Não podemos lembrar aquilo que não codificamos. oduz lu- (a) (b) (c) (d) (e) (ela uma (f) (g) (h) (i) (j) colo- cena ação 1974 ones falsa (k) (1) (m) (n) (o) (os Fig. 9.18 Teste sua memória alte- Qual dessas moedas de 1 penny é verdadeira? (Se você não vive nos Estados Unidos, tente desenhar uma das moedas de seu próprio país.) (De Nickerson & Adams, 1979.) [A resposta encontra-se mais adiante.]268 CAPÍTULO NOVE centavos por dia. Ainda assim, das oito características princi- aprendeu mais listas de sílabas sem sentido e mensurou quanto pais (a cabeça de Lincon, a data, a inscrição "In God we trust" ele era capaz de reter ao reaprender cada lista, vinte a trinta dias etc.), a população só era capaz de se lembrar de apenas três. Da depois. Sua famosa "curva de esquecimento" (Figura 9.19) in- mesma forma, poucos britânicos podem desenhar de memória dica que muito do que nós aprendemos, podemos esquecer ra- a moeda de 1 pence (Richardson, 1993). Os detalhes dele não pidamente mais tarde. Experimentos posteriores transformaram são muito significativos nem são fundamentais para distin- a curva de esquecimento em uma das leis da psicologia: curso gui-lo de outras moedas e poucos de nós já fizeram algum do esquecimento é inicialmente rápido e depois se estabiliza ao esforço para codificá-los. Como já observamos antes, nós codi- longo do tempo (Wixted & Ebbesen, 1991). ficamos algumas informações automaticamente; outros tipos de Harry Bahrick (1984) complementou os achados de Ebbin- informação requerem esforço. Sem esse esforço muitas memó- ghaus. Ele examinou a curva de esquecimento para o vocabulá- rias não serão formadas. rio em espanhol aprendido na escola. Comparando pessoas que haviam acabado 0 colegial ou um curso de espanhol há mais de DECLÍNIO DO ARMAZENAMENTO três anos com os que haviam acabado recentemente, ele obser- Mesmo após termos codificado uma informação de modo ade- vou que os primeiros haviam esquecido muito do aprendido quado, nós a esqueceremos mais tarde. Para estudar a durabili- (Figura 9.20). Porém, após esses três anos, seu esquecimento dade de nossas recordações armazenadas, Ebbinghaus (1885) não progredia mais; o que eles lembravam após três anos era, Percentual de retenção das listas 60% Fig. 9.19 Curva de esqueci- quando mento de Ebbinghaus reaprendidas Após aprender uma lista de síla- 50 bas sem sentido, Ebbinghaus Declínio da estudou a quantidade que era 40 retenção possível reter até 30 dias depois da aprendizagem das listas. Ele 30 Estabilização descobriu que a memória para informação nova desaparecia rapidamente e, então, se estabi- 20 lizava. (Adaptado de Ebbin- ghaus, 1885.) 10 12345 10 15 20 25 30 Tempo em dias desde a aprendizagem das listas Percentual de 100% vocabulário original 90 retido 80 Declínio da retenção 70 Fig. 9.20 A curva de esquecimen- to do espanhol aprendido na es- 60 Estabilização cola 50 Comparados aos sujeitos que acaba- ram de concluir um curso de espa- 40 nhol, aqueles que já haviam concluí- 30 do curso há mais de 3 anos recor- 20 daram muito menos. Mas quando comparamos os sujeitos que conclu- 10 íram seus estudos há 3 anos com 0 aqueles que concluíram há muito 135 25 mais tempo, resultados dos testes Tempo em anos após concluir o curso de espanhol foram semelhantes. (Adaptado de Bahrick, 1984.)MEMÓRIA 269 uanto grosso modo, o mesmo após 25 anos ou mais, mesmo sem usar A primeira vez que você estacionar carro em um estacio- a dias espanhol por todo esse período. namento de shopping, não terá problemas em retornar ao carro. 9) in- Uma explicação para essas curvas de esquecimento é a di- Ao estacionar lá várias outras vezes, você terá. Da mesma for- er ra- minuição gradual da memória física. Conforme estudamos mais ma, se você compra cadeado de combinação ou pega sobre o armazenamento físico da memória, entendemos melhor um novo número de telefone, os números antigos podem inter- curso por que ele decai. Mas as memórias também somem por conta ferir. Benton Underwood (1957) descobriu que aqueles que za ao do acúmulo de novos aprendizados que alteram nossa capaci- aprendiam diferentes listas de palavras em dias sucessivos tinham dade de resgate. mais dificuldade em lembrá-las no dia seguinte. Essa interferên- bbin- cia proativa explica por que Ebbinghaus, após memorizar bulá- incontáveis listas de sílabas sem sentido durante a sua carreira, S que Resposta à pergunta da Figura 9.18: a moeda verdadeira é a conseguia lembrar apenas um quarto das novas listas de sílabas tis de primeira (a). no dia seguinte a tê-las aprendido um pouco menos que você bser- como novato poderia lembrar após aprender uma lista isolada. dido Interferência retroativa (agindo para trás) ocorre quando FALHA NA RECUPERAÇÃO novas informações tornam mais difícil lembrar algo aprendido era, Nós vimos que quando falhamos na codificação da informação e antes (Figura 9.22). Aprender nome de novos estudantes, por quando nossa capacidade de armazenamento decai, nós esquece- exemplo, tipicamente interfere com a lembrança do nome dos mos. Eventos esquecidos são como livros que você não pode achar estudantes de anos anteriores. na biblioteca da sua universidade algumas vezes porque eles Você pode minimizar a interferência retroativa reduzindo nunca foram adquiridos, outras porque foram descartados. número de eventos que interferem digamos, dando uma vol- Mas existe uma terceira possibilidade: mesmo que o livro ta ou dormindo um pouco depois de aprender uma nova infor- esteja armazenado e disponível, ele pode estar inacessível. Tal- mação. John Jenkins e Karl Dallenbach (1924) descobriram vez você não tenha a informação necessária para procurar por benefício do sono em um experimento clássico. Durante alguns síla- ele e resgatá-lo. A informação às vezes fica no seu cérebro e, dias, duas pessoas aprenderam algumas sílabas sem sentido e, laus embora saibamos que ela está lá, não conseguimos retirá-la (Fi- depois, tentavam lembrá-las ou após ficarem acordadas oito era gura 9.21). Um nome pode estar na ponta da língua, esperando horas ou após terem dormido à noite. Como a Figura 9.23 mos- pois para ser recuperado. Quando as pessoas que não conseguem tra, esquecimento ocorre mais rapidamente quando se fica Ele recordar alguma informação recebem pistas para a recuperação acordado e envolvido em outras atividades. Os pesquisadores para ("começa com a letra M"), elas geralmente se lembram do que conjecturaram que esquecimento não está relacionado ape- ecia não podiam antes. Problemas na recuperação também contribu- nas ao decaimento de velhas impressões e associações, mas tam- abi- em para as falhas de memórias de adultos mais velhos. Esque- bém à interferência, inibição do velho pelo novo" (1924, 612). cimento por vezes acontece não em decorrência de memórias Experimentos posteriores confirmaram que a hora anterior ao descartadas e sim de memórias não resgatadas. início de uma noite de sono (mas não o minuto anterior) é um bom momento para guardar informações na memória (Fowler Interferência et alii, 1973). aprendizado de alguns itens pode interferir com a recuperação Interferência é uma causa importante de esquecimento, e pode de outros, especialmente quando eles são semelhantes. Se alguém explicar por que comentários durante programas de televisão lhe der um número de telefone, você poderá ser capaz de lembrá- com violência ou sexo são tão passíveis de serem esquecidos lo mais tarde. Mas se duas pessoas lhe fornecerem seus números, (Bushman & Bonacci, 2002). Mas não devemos superestimá- cada número será sucessivamente mais difícil de recordar. Essa in- la. Às vezes, informações antigas podem facilitar nosso,apren- terferência proativa (agindo para frente) ocorre quando algo que dizado de novas informações. Conhecer latim pode nos ajudar você aprendeu antes altera sua memória de algo que aprendeu de- a aprender francês um fenômeno chamado de transferência pois. À medida que você coleta mais e mais informações, seu sótão positiva. É quando a velha e a nova informação competem que mental nunca enche, mas ele com certeza fica mais confuso. a interferência ocorre. en- es- Codificação Eventos Memória Atenção Memória de Memória de a- externos sensorial curto prazo longo prazo Recuperação do A falha na recuperação u- leva ao esquecimento m to es Fig. 9.21 Falha na recuperação le Em nossa memória de longo prazo armazenamos que é importante, ou que ensaiamos. No entanto, às vezes, mesmo que a informa- ção esteja armazenada não é possível ter acesso à ela, o que leva ao esquecimento.270 CAPÍTULO NOVE francês, aprendido anteriormente, interfere proativamente Estudo do francês Estudo de espanhol papier papel livre plume libro pluma école escuela Prova de Espanhol Interferência proativa o espanhol, aprendido posteriormente, interfere retroativamente Estudo de francês papier Estudo de espanhol papel livre plume libro pluma école escuela Prova de Francês Interferência retroativa Fig. 9.22 Interferência proativa e retroativa Percentual 90% de sílabas recordadas 80 Sem interferência de eventos, a 70 Após sono recordação é melhor 60 50 40 30 Fig. 9.23 Interferência retroa- 20 tiva 10 Maior quantidade de esqueci- Após permanecer acordado 0 mento ocorreu quando uma pes- 1 2 3 4 5 6 7 8 soa ficou acordada e experienciou Horas decorridas após a aprendizagem das sílabas outro material novo. (De Jenkins & Dallenbach, 1924.)Esquecimento Motivado até ser resgatada por essa tia, que prometeu nunca Uma gigantesca jarra de biscoitos em nossa cozinha está cheia pais incidente (Kihlstrom, 1990). Essas histórias têm com biscoitos frescos de chocolate. Ainda havia uma grande do senso comum, compartilhado por nove em cada dez quantidade esfriando na mesa. Vinte e quatro horas mais tarde, dantes universitários, de que "as recordações de não havia sequer uma migalha. Quem os havia comido? Naquele dolorosas são por vezes guardadas em nosso (Brown momento, minha esposa, três crianças e eu éramos as únicas et alii, 1996). conceito de recalcamento era central na psicolo- pessoas na casa. Enquanto a memória ainda estava fresca, eu gia freudiana e se tornou parte da doutrina psicológica. A maior conduzi um rápido teste de memória. Andy concordou ter de- parte das pessoas acredita nisso. Terapeutas assumem essa pre- vorado cerca de vinte. Peter admitiu ter comido quinze. Laura missa muitas vezes. Ainda assim, um número crescente de pes- acreditava ter recheado seu corpo de seis anos com quinze bis- quisadores da memória pensa que recalcamento raramente coitos. Minha esposa Carol lembrou ter comido seis, e eu lem- ocorre, se é que ocorre. Como veremos, pessoas esquecem expe- brei ter consumido quinze e ter levado mais dezoito para o es- riências negativas e positivas. Será que elas as recalcam? Será critório. Nós inocentemente aceitamos a responsabilidade por que as pessoas têm problemas em lembrar experiências traumáti- 89 biscoitos. Ainda não tínhamos chegado perto; havia mais de cas, ou será que têm problemas em esquecê-las? Fique ligado. 160. Em experimentos com objetivo semelhante ao do fenômeno de memória dos biscoitos, Michael Ross e seus colaboradores (1981) descobriram que pessoas revisam suas próprias históri- Bits de as sem perceber. Após Ross ter convencido um grupo de pesso- informação as que escovar dentes freqüentemente é desejável, esse gru- Memória sensorial po (mais que outras pessoas) lembrou ter escovado os dentes Os sentidos registram mais vezes nas duas últimas semanas. Tendo participado de detalhes fascinantes. grupos de estudo com metas elevadas, estudantes aumentaram mais tarde suas estimativas de melhora. Pela depreciação de seus hábitos anteriores de estudo, eles se convenceram de ter se be- neficiado (Conway & Ross, 1984). Lembrar nosso passado em geral significa revisá-lo. Pela recordação de eventos que dese- Memória de curto prazo jamos, nós protegemos e aumentamos nossa própria imagem. Alguns itens são Por que nossas memórias falham? Por que minha família e observados e codificados eu não codificamos, armazenamos e resgatamos número real de biscoitos que cada um comeu? Como a Figura 9.24 nos in- dica, nós codificamos automaticamente informações sensoriais com um detalhamento impressionante. Será então um proble- Armazenamento de ma no armazenamento? Poderiam as nossas lembranças sobre longo prazo os biscoitos terem sumido tão rapidamente quanto eles mesmos? Alguns itens são Ou estaria a informação ainda intacta, porém sem possibilidade alterados ou perdidos. de resgate por ser embaraçoso Com esse conceito de recalque, Sigmund Freud propôs que nosso sistema de memórias faz uma autocensura de eventos do- Recuperação a partir da lorosos. Para proteger nosso autoconceito e minimizar a ansieda- memória de longo prazo de, nós supostamente recalcamos recordações dolorosas. Mas as Dependendo do tipo de interferência, lembranças submersas permanecem, dizia Freud, e com paciên- das pistas de recuperação; do e das motivações, alguns conteúdos cia e esforço podem ser resgatadas por alguma pista/lapso ou são recuperados, outros não. durante terapia. Um caso relatado por ele envolvia uma mulher com intenso e inexplicável medo de água corrente. Um dia uma tia solucionou mistério ao sussurrar: "Eu nunca havia contado." Fig. 9.24 Quando esquecemos? Essas palavras acenderam uma vela na mente da mulher, resga- esquecimento pode em qualquer estágio da memória. À tando a memória de quando. como criança desobediente, afastou- medida que processamos a informação, nós filtramos, alteramos se de um piquenique da família e ficou presa em uma cachoeira ou perdemos uma grande parte dela. REVEJA E REFLITA ESQUECIMENTO Uma explicação para esquecimento é a de que nós falhamos em forma rápida no início e depois em velocidade constante. Esque- roa- codificar a informação que entra em nosso sistema mnésico. Sem cimento também resulta de falha na recuperação. Esquecimento processamento com esforço, nunca perceberíamos ou processa- relacionado à recuperação pode ser causado por perda das pistas eci- ríamos muito do que nós sentimos. As recordações também po- de recuperação, por interferência proativa ou retroativa, ou mes- pes- dem desaparecer após seu armazenamento geralmente de mo, como sugeriu Freud, por esquecimento motivado. ciou kins dos meus filhos comedores de biscoitos, ao ler isto no livro do pai anos mais tarde, confessou ter dito uma pequena mentira.272 CAPÍTULO NOVE Teste a Si Mesmo: Você pode oferecer um exemplo de interfe- Isso é verdade para você? Ou na maior parte das vezes você dese- proativa? ja descartar velhas memórias? Pergunte a Si Mesmo: A maior parte das pessoas, especialmen- As respostas ao Teste a Si Mesmo podem ser encontradas no apêndice situado no te quando ficam mais velhas, desejam ter uma memória melhor. final do livro. CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA APRESENTAÇÃO PRÉVIA: A memória, embora resgatada parci- Representação do acidente real almente de um sótão, é também, como os pesquisadores atu- ais enfatizam, parcialmente construída e, por vezes, mancha- da pela "fonte da amnésia" Com facilidade surpreendente, pessoas formam e sentem algumas falsas recordações, um fe- nômeno que levanta questões sobre a precisão de algumas memórias de testemunhas oculares e de memórias "reprimidas" de abuso. Imagine-se tendo esta experiência: Você vai a um restaurante chique para jantar. Você está sen- tado à mesa com uma toalha de mesa branca. Você avalia o menu. Você pede ao garçom costeletas ao ponto com batata assada com coalhada e uma salada com queijo. Você tam- bém pede um vinho tinto da carta de vinhos. Alguns minu- Questão tendenciosa: tos mais tarde o garçom retorna com a salada. Depois, res- "Qual era a velocidade dos carros quando colidiram?" tante do jantar é servido e você fica satisfeito, exceto com a costeleta que está um pouco passada demais. Construção da memória Se eu imediatamente lhe fizer perguntas sobre este parágrafo (adaptado de Hyde, 1983), você poderá certamente recuperar muitos detalhes. Por exemplo, sem olhar o que está escrito, res- ponda às questões a seguir: 1. Que salada você pediu? 2. A toalha de mesa era vermelha? 3. 0 que você pediu para beber? 4. 0 garçom lhe deu o menu? Você será provavelmente capaz de lembrar com exatidão que pediu, e talvez até a cor da toalha da mesa. Será que esse resgate consiste apenas em "ler" a informação armazenada na biblioteca de nosso cérebro? Nós de fato temos uma enorme ca- Fig. 9.25 Construção da memória pacidade de armazenar e reproduzir eventos fortuitos de nossa Quando foram feitas perguntas tendenciosas a pessoas que assis- vida diária. Mas nós geralmente construímos nossas recordações tiram a um filme sobre um acidente de carro, elas se recordaram à medida que as codificamos, e podemos também alterá-las à de um acidente mais grave do que, de fato, tinha ocorrido. (De medida que as retiramos de nosso banco de memória. Como um Loftus, 1979.) cientista que infere a aparência de um dinossauro a partir de seus fósseis, nós inferimos nosso passado a partir de informações aliadas ao que nós assumimos no presente. Será que garçom lhe deu o menu? Não nesse parágrafo. Mesmo assim, muitos arrebentaram?", as velocidades presumidas eram maiores do que ao se fazer a pergunta dessa forma: "Em qual velocidade os responderam que sim. Filtrando informação e preenchendo as carros estavam quando colidiram?" Uma semana depois os pes- partes que faltam, seu hábito em restaurantes direcionou sua quisadores perguntaram aos observadores se eles se lembravam construção da memória. de ter visto algum vidro quebrado no filme. Os que foram ques- INFORMAÇÃO ERRÔNEA E EFEITOS DA tionados com a palavra "arrebentaram", responderam duas ve- IMAGINAÇÃO zes mais que sim, que eles haviam visto vidro quebrado (Figu- ra 9.25). fato é que não havia vidro quebrado. Em mais de duzentos experimentos, envolvendo mais de 20.000 Em vários experimentos prospectivos ao redor do mundo, pessoas, Elizabeth Loftus mostrou como testemunhas oculares, pessoas testemunham eventos, recebem ou não informações quando questionadas, reconstruíam de forma similar suas lem- truncadas sobre eles e, por fim, respondem a testes de branças. Em um experimento clássico com John Palmer, Loftus resultado que se repete é efeito de informação confusa. mostrou a pessoas um filme de um acidente de trânsito e, então, Após a exposição à informação discretamente confusa, muitas perguntou-lhes que elas viam (Loftus & Palmer, 1974). Ao se pessoas têm lembranças errôneas. Elas lembram erradamente um perguntar "Em qual velocidade carros estavam quando se sinal de rendição (desistência) como um sinal de pare, martelosMEMÓRIA 273 dese- como chaves de fenda, latas de refrigerante como latas de amen- Os psicólogos não estão imunes à construção da memória: doim, a revista Vogue como Mademoiselle, "Dr. Henderson" ituado no como "Dr. Davidson", cereal matinal como ovos, e homens Frederick Bartlett, um pioneiro em estudos sobre a constru- imberbes como homens de bigode (Loftus et alii, 1992). Como ção da memória, lembrou à duas décadas mais tarde da "bri- a memória some com tempo após um evento, a injeção de in- tarde em maio de 1913", quando laboratório de psi- formação confusa se torna mais fácil (Loftus, 1992). cologia experimental da Universidade de Cambridge foi inau- Tão engenhoso é efeito da informação confusa que as pes- gurado. Seu colega, Sir Godfrey Thompson, lembrou que chovia torrencialmente (Ross, 1996). soas, passado um tempo, acham praticamente impossível dis- criminar entre suas memórias reais e eventos sugeridos (Schooler Outro pesquisador da memória, Ulric Neisser (1982, 1986), lembrava-se vividamente de ouvir anúncio de uma bomba et alii, 1986). Essa dificuldade foi assustadoramente verdadeira em Pearl Harbor interrompendo uma transmissão de beise- entre aqueles que três anos mais tarde não conseguiram lembrar bol. Anos mais tarde, ele percebeu que os jogos de beisebol onde estavam quando ouviram a notícia sobre acidente com a nos Estados Unidos não são jogados em dezembro, quando nave Challenger (Neisser & Harsch, 1992). Quando viram os a bomba caiu. Embora ele soubesse que a memória era falsa, próprios apontamentos, escritos por eles no dia seguinte à tra- ele ainda se "lembrava" do incidente. (Foi-lhe sugerido que gédia, muitos ficaram surpresos. Alguns se sentiam tão seguros a transmissão radiofônica que ouvira devia ser de futebol com suas falsas memórias que insistiram em que as originais americano.) deveriam ter sido trocadas. psicólogo Jean Piaget ficou assustado, já na idade adulta, Quando recontamos uma experiência, preenchemos os vazi- ao descobrir que suas vívidas lembranças de sua babá impe- os com fatos plausíveis. Após novas conversas, nós em geral dindo um seqüestro eram falsas. Piaget aparentemente cons- lembraremos desses detalhes inventados, que serão absorvidos truiu suas recordações a partir das várias narrativas de sua em nossas memórias, como se os tivéssemos visto realmente babá (que mais tarde ela confessou serem falsas). (Roediger et alli, 1993). A narrativa vívida de outras pessoas pode implantar falsas recordação também. AMNÉSIA DA FONTE Mesmo a repetição de eventos imaginários não existentes Neisser e Piaget atribuíram suas memórias a fontes erradas (no pode criar falsas lembranças. Em uma experiência de laborató- caso de Piaget, à sua própria experiência em vez de a estórias rio, estudantes que repetidamente imaginam atos simples como de sua babá). Quando codificamos as recordações, nós distri- quebrar um aparelho dentário, ou pegar um grampeador, mais buímos diferentes aspectos delas a diferentes partes do cérebro. tarde experimentaram "inflação eles foram mais Entre as partes mais frágeis da memória está sua fonte. Nós propensos a pensar que tinham de fato realizado tais ações du- podemos, por exemplo, reconhecer uma pessoa, mas não ter a rante a primeira fase do experimento (Goff & Roediger, 1998). menor idéia de onde a vimos antes. Nós podemos imaginar um Em outro experimento, conduzido por Maryanne Garry e cola- evento ou sonhar com ele, e mais tarde não ser capazes de saber boradores (1996), estudantes universitários diziam se tinham ex- se ele é verdadeiro ou não. Ou nós podemos ouvir alguma coisa perienciado certos eventos durante a infância, como quebrar uma e mais tarde nos lembrar de tê-la visto (Henkel et alii, 2000). janela com a mão. Duas semanas mais tarde, solicitou-se à me- Em todos esses casos, nós retemos a imagem, mas não con- tade desses estudantes que se imaginassem vivendo quatro even- texto no qual a adquirimos. tos por exemplo, correr, saltitar, cair e cortar a mão como se Debra Poole e Stephen Lindsay (1995, 2001, 2002) replica- tivessem atravessado uma janela. Após vivenciar vividamente ram a amnésia da fonte, elaborada por Piaget (e também deno- evento fictício, um quarto deles teve maior propensão a acreditar minada atribuição errônea da fonte). Eles fizeram com que pré- que esses eventos realmente ocorreram durante a sua infância. escolares interagissem com o "Sr. que os engajava em Eventos imaginários mais tarde soam como familiares, e demonstrações como encher balões com refrigerante quente e sis- coisas familiares parecem reais. Assim, quanto mais intensamen- vinagre. Três meses depois, seus pais em três dias sucessivos am te as pessoas imaginarem os eventos, mais propensas estarão a leram para eles estórias sobre eles e Sr. Ciência. As estórias (De transformar sua imaginação em memória (Loftus, 2001; Porter descreviam alguns fatos que eles tinham vivenciado e outros que et alii, 2000). Pessoas que acreditam terem sido abduzidas por Quando perguntados por um novo entrevistador sobre que alienígenas para exames médicos em espaçonaves tendem a ter Sr. Ciência tinha feito com eles Sr. Ciência tinha uma uma imaginação poderosa e, em testes de memória, a ser mais máquina com cordões para puxar?" quatro em cada dez cri- do susceptíveis a falsas memórias (Clancy et alii, 2002). Aqueles anças espontaneamente recordaram o Sr. Ciência fazendo coi- os que acreditam ter sofrido abuso sexual na infância tendem a ter sas com eles que apenas ouviram nas estórias. es- imaginações vívidas e a ter altos escores em testes de falsa me- am mória (Clancy et alii, 2000; McNally et alii, 2000, 2001). es- Para descobrir até que ponto a busca da mente por um fato Autores e compositores às vezes sofrem de amnésia da fon- 'e- pode chegar na criação de uma ficção, Richard Wiseman e seus te. Eles pensam que uma idéia vem da sua imaginação criati- u- colegas da University of Hertfordshire (1999) representaram oito va, quando estão de fato plagiando de forma não intencional algo performances, cada uma observada por 25 pessoas curiosas. que já leram ou ouviram. o, Durante a suposta apresentação, médium na realidade, um es ator profissional e mágico pedia a todos para se concentra- As ocasionais atribuições errôneas de fonte de Ronald Reagan a. rem em mover uma mesa. Embora ela nunca se movesse, ele ilustram como a ficção pode ser lembrada como fato. Durante a. sugestionava que ela se movia: "Muito bom. Mantenha-a no ar. suas três campanhas para a presidência dos Estados Unidos, ele as Está ótimo. Mantenha a concentração. Mantenha a mesa no ar." contou e recontou a história de um heróico sacrifício. Um ar- n Quando foram questionadas duas semanas mais tarde, 34% dos meiro da Segunda Guerra Mundial ficou terrificado quando seu participantes lembraram ter visto realmente a mesa levitar. avião foi atingido por um fogo de bateria antiaérea e não podia274 CAPÍTULO NOVE ejetar seu assento. "Não se preocupe, filho", disse seu coman- experiências imaginárias são mais restritas ao sentido principal dante, "nós vamos aterrissar isso juntos." Com os olhos do evento sentido e sentimentos que associamos a marejados, Reagan concluía contando como bravo comandante Como o sentido principal das lembranças é duradouro, as falsas recebeu uma medalha de honra póstuma do Congresso. Um jor- memórias das crianças às vezes duram mais que as verdadeiras nalista curioso mais tarde checou as 434 pessoas que receberam (Brainerd & Poole, 1997). E quando terapeutas e investigado- medalhas de honra do Congresso. Ele não encontrou história res perguntam pelo sentido principal em vez de pelos detalhes, semelhante, mas continuou "cavando". Finalmente, ele encon- eles correm um grande risco de induzir falsas memórias. trou o episódio no filme de 1944, A Wing and a Prayer (Loftus Embora as falsas memórias criadas por sugestão de informa- & Ketcham, 1994). ção e atribuições errôneas da fonte possam ser sentidas como tão DISTINÇÃO ENTRE MEMÓRIAS VERDADEIRAS E reais quanto as memórias verdadeiras e ser muito persistentes, tomografias do cérebro contam uma história diferente. Imagine MEMÓRIAS FALSAS que eu lesse alto uma lista de palavras como açúcar, bala, mel e Por ser a memória reconstrução, assim como reprodução, nós sabor. Mais tarde, eu lhe peço para reconhecer as palavras apre- não podemos assegurar que uma memória é real pela forma como sentadas em uma lista maior. Se você for como a maior parte das a sentimos. Muitas ilusões perceptivas podem parecer percep- pessoas testadas por Henry Roediger e Kathleen McDermott ções reais; memórias irreais são sentidas como memórias reais. (1995), poderá errar três em cada quatro tentativas recordan- Na verdade, relatam pesquisadores dos dias de hoje, memó- do erradamente uma palavra não apresentada como doce. Em um rias são semelhantes a percepções percepções do passado estudo prospectivo, PET scans revelaram sinais de falsas memó- (Koriat et alii, 2000). E como Jamin Halberstadt e Paul Apesar de o hipocampo estar igualmente ativo tanto em pes- Niedenthal (2001) mostraram, a interpretação inicial das pes- soas que se recordam da verdadeira palavra quanto naquelas que soas influencia a memória perceptiva delas. Eles convidaram se recordam de falsa (Schacter et alii, 1996), outras áreas do cé- estudantes universitários da Nova Zelândia para ver faces que rebro respondem de forma diferente a memórias falsas ou ver- apresentavam uma mistura de emoções, como alegria e raiva dadeiras. Apenas quando recordamos.corretamente de uma pa- (Figura 9.26a). Então, eles lhes pediam para imaginar e expli- lavra falada como bala, o cérebro "acende" o lobo temporal car: "Por que esta pessoa está sentindo raiva (ou felicidade)?" esquerdo, área que processa as palavras faladas. Como a pala- Meia hora mais tarde, os participantes viram um vídeo compu- vra falsamente reconhecida (doce) nunca foi ouvida, não existe tadorizado mostrando a transição morfológica da face raivosa um registro sensorial a ser ativado no lobo temporal. Embora as para a alegre; foi-lhes solicitado que mexessem na barra de con- pessoas não possam dizer a diferença entre suas memórias fal- trole entre as faces até encontrar a expressão que haviam visto sas e verdadeiras, seu cérebro pode! (Não existe atualmente uma antes (Figura 9.26b). Os participantes que tinham explicado a forma de utilizar essa técnica como um confiável detector de raiva (esta mulher está com raiva porque sua melhor amiga a memórias verdadeiras do passado distante das pessoas.) traiu com seu namorado") lembraram do rosto mais raivoso que Em experimentos com testemunho ocular, os pesquisadores aqueles que explicaram a alegria ("esta mulher está muito ale- têm observado repetidamente que os testemunhos mais confiá- gre porque todos lembraram de seu aniversário"). veis e consistentes são os mais persuasivos; porém, eles geral- Nós também não podemos julgar a veracidade de uma lem- mente não são os mais precisos. Testemunho, tanto correto quan- brança pela sua persistência. Os pesquisadores Charles Brainerd to errado, costuma expressar a mesma autoconfiança (Bothwell e Valerie Reyna (Brainerd et alii, 1995, 1998, 2002) percebe- et alii, 1987; Cutler & Penrod, 1989; Wells & Murray, 1984). ram que as recordações que derivam da experiência têm mais A construção da memória ajuda a explicar por que lembran- detalhes que as que derivam da imaginação. Recordações de ças de crimes "ativadas hipnoticamente" incorporam erros com ©Simon Niedenthal (a) (b) Fig. 9.26 As suposições alteram a memória perceptiva Pesquisadores mostraram rostos de pessoas cujas expressões faciais foram misturadas por meio de computador. É caso do resto rai- voso/feliz em (a). Eles, então, solicitaram aos participantes da pesquisa que explicassem por que a pessoa estava com raiva ou feliz. Aqueles que foram solicitados a explicar a expressão de raiva posteriormente recordaram de um rosto com uma expressão mais intensa de raiva que está representada em (b) ao usarem a barra de rolagem do computador para identificar a face que haviam visto antes.MEMÓRIA 275 incipal tanta facilidade alguns se originam das questões induzidas guntas adaptadas a suas convicções dos acontecimentos, Ronald a ele. pelo hipnotizador ("Você ouviu algum barulho alto?"). Isso Fisher, Edward Geiselman e seus colaboradores (1987, 1992) S falsas explica por que namorados que se apaixonam superestimam a treinaram policiais a perguntar de forma menos sugestiva, com adeiras primeira impressão um do outro ("Foi como amor à primeira questões mais eficazes. Para ativar pistas de recuperação, o de- tigado- vista"), enquanto os que se separam tendem a subestimar seus tetive inicialmente pedia a testemunha para visualizar a cena etalhes, sentimentos prévios ("Nós nunca nos conectamos realmente") tempo, hora do dia, luz, sons, cheiros, posições de objetos e o (McFarland & Ross, 1987). E isso também explica por que, próprio humor. Então, a testemunha contava em detalhes, sem quando se pergunta a pessoas sobre como se sentiam dez anos interrupções, todos os pontos recordados, não importando quão mo tão antes sobre a maconha ou sobre assuntos em geral, elas tendem triviais parecessem. Só depois detetive fazia perguntas stentes, a lembrar opiniões mais próximas de seu pensamento atual do evocativas: "Havia algo de estranho sobre a aparência ou traje magine que de suas atitudes uma década antes (Markus, 1986). da pessoa?" Quando essa "técnica cognitiva" de entrevista era mel e Um grupo de pesquisadores entrevistou 73 rapazes do nono usada, Fisher e Geiselman relataram que lembranças precisas IS apre- período de uma faculdade. Trinta e cinco anos mais tarde, estes aumentaram em mais de 50%. das foram solicitados a recordar suas atitudes, atividades e experi- ermott ências do período de graduação. A maior parte dos homens lem- RECORDAÇÃO DO TESTEMUNHO brou de afirmações que combinavam com suas respostas prévi- OCULAR DE CRIANÇAS Em um as reais a uma taxa não muito superior àquela que fora obtida Se as lembranças podem ser sinceras, ainda que sinceramente memó- por acaso. Um em três agora lembrava ter recebido punições erradas, poderiam as lembranças de abuso sexual de crianças m pes- físicas, embora quando alunos, 82% disseram as ter recebido estar propensas a erro? Quem é vitimado com mais freqüencia las que (Offer et alii, 2000). Conforme relatou George Vaillant (1977, crianças agredidas cujas lembranças são desacreditadas ou do cé- 197) após ter acompanhado a vida de alguns adultos durante adultos falsamente acusados cujas reputações são arruinadas? ou ver- longo período: "É muito comum as lagartas se tornarem borbo- Em princípio, a credibilidade dos relatos das crianças. Como ma pa- letas e, então, afirmarem que eram pequenas borboletas na ju- vimos anteriormente, entrevistadores que perguntam de forma nporal ventude. A maturidade nos torna a todos mentirosos." direcionada podem plantar falsas memórias de uma estória que pala- psicólogo australiano Donald Thompson, ironicamente, foi esperam ouvir. Nós também sabemos que crianças às vezes são existe assombrado pelo próprio trabalho sobre distorção da memória testemunhas confiáveis em casos criminais, mas que elas ten- ora as quando autoridades o acusaram em um caso de estupro. Embo- dem a ser sugestionáveis. Em 90% dos estudos que fazem com- as fal- ra fosse uma descrição quase perfeita do estuprador na memó- paração de idades, pré-escolares foram mais sugestionáveis que uma ria da vítima, ele tinha um álibi incontestável: um pouco antes crianças mais velhas ou adultos (Bruck & Ceci, 1999). Nesses tor de do estupro acontecer, Thompson estava sendo entrevistado ao estudos, muitas crianças pequenas relataram falsamente que uma vivo na televisão; conseqüentemente, não poderia estar na cena babá lambeu joelho delas, que um homem colocou algo em adores do crime. Ficou claro que a vítima estava assistindo à entrevista suas bocas, que um médico colocou um bastão na genitália de- onfiá- ironicamente sobre reconhecimento de faces e experimen- las e que alguém tocou suas partes íntimas. Quando técnicas de geral- tou amnésia da fonte, confundindo a sua memória de Thomp- entrevista sugestionáveis eram utilizadas, a maior parte dos pré- quan- son com a do estuprador (Schacter, 1996). escolares podia ser induzida a relatar eventos falsos, como ver :hwell Reconhecendo que efeito de atribuição errônea da infor- um ladrão roubar comida de uma creche (Bruck et alii, 1998). 984). mação pode ocorrer quando policiais e advogados fazem per- Contudo, se fossem questionadas em uma linguagem que enten- S com 5 Reuters/Rick Wilking/Archive Photos rai- Recordações de testemunhas oculares feliz. Nossas memórias para eventos testemunhados são falíveis, em especial quando incitadas por questões confusas. Mesmo nossas me- ensa mórias relativamente boas para rostos não são fotográficas. É caso deste desenho e da foto da polícia do "Unabomber" Theodore ntes. Kaczynski.276 CAPÍTULO NOVE diam, as crianças geralmente lembravam com precisão que sobre memórias reprimidas e recuperadas de abuso sexual em aconteceu e quem era responsável pelo fato (Goodman et alii, crianças. Durante 2002, essas questões vieram para a superfície 1990; Howe, 1997; Pipe, 1996). Crianças são especialmente de relatos mais confiáveis de abuso sexual de alguns padres. Será confiáveis quando os adultos envolvidos não falaram com elas que os clínicos que guiaram as pessoas na das antes de prestarem declaração e quando esta é feita em uma pri- memórias de abuso durante a infância dispararam falsas memó- meira entrevista com uma pessoa neutra que faz perguntas que rias de danos por adultos inocentes, ou estarão encobrindo a não induzem. verdade? Sem contestar a realidade e o horror desse tipo de abu- Estudos com crianças sobre suas recordações de exames fí- so, críticos usaram princípios da construção da memória para sicos ilustram tanto sua precisão racional quanto seus lapsos de questionar a realidade de memórias reprimidas e recuperadas. memória. Lynne-Baker-Ward e seus colaboradores (1993) tes- Eventos traumáticos são às vezes esquecidos, talvez em vir- taram as memórias de crianças com questões gerais ("Conte-me tude dos efeitos tóxicos do estresse sustentado (Cheit, 1998, o que o doutor fez para examiná-la.") e específicas ("O médico 1999; Nadel & Jacobs, 1998; Schooler, 2001). Em 1974, Ra- colocou uma luz nos seus olhos?"). Três a seis semanas depois quel (não é seu nome verdadeiro), uma menina de 4 anos, e mais do exame, as crianças de 3 anos lembraram de 60%, e as de 7 duas outras crianças foram molestadas por seu tio. Raquel con- anos de 90% do que médico fez. Questionadas sobre coisas tou a sua mãe, que informou a mãe de uma das outras, que en- que não ocorreram ("O médico cortou seu cabelo?; A enfermeira tão esfaqueou e matou tio de Raquel. Dezessete anos mais sentou em você?"), as crianças de 3 anos erraram cerca de 30% tarde, a psicóloga Linda Meyer Williams (1995) rastreou Ra- das vezes, e as de 7 anos apenas 15%. quel e mais 128 mulheres que haviam relatado ter sofrido abu- Stephen Ceci (1993) pensou que "isso seria terrivelmente so sexual (intercurso sexual ou carícias). Quando perguntaram verdadeiro para relativizar a enormidade do abuso de a Raquel se ela havia sofrido abuso sexual quando criança, ou Ainda estudos de Ceci e Maggie Bruck (1993a, 1995) da me- se qualquer membro de sua família tinha tido problemas por mória de crianças as sensibilizaram para a sugestionabilidade conta do seu comportamento, ela calmamente disse não, mas de- destas. Em um estudo, elas pediam a crianças de 3 anos para pois falou: "Oh, espere um momento... Meu tio assediou sexu- mostrar em bonecas anatomicamente corretas onde o pediatra almente alguém... Eu nunca encontrei meu tio (irmão da minha as havia tocado. Cinqüenta e cinco por cento das crianças que mãe), ele morreu antes de eu nascer. Ah, ele molestou um garo- não haviam recebido esse tipo de exame apontaram para a geni- tinho. Quando a sua mãe descobriu, ela pegou uma faca de açou- tália ou para a região anal. Em outro estudo, Ceci e Bruck fizeram uma criança escolher gueiro e o esfaqueou no coração, matando-o." Raquel foi uma uma carta de um baralho ilustrando um possível acontecimen- das 49 vítimas 38% das entrevistadas que não lembrou to; um adulto então lia da carta. Por exemplo: "Pense bem e me especificamente o evento relatado de seu próprio abuso (a mai- conte se isso já aconteceu com você. Você pode se lembrar de or parte, porém, lembrou-se de outros traumas sexuais). ter ido a um hospital com uma ratoeira presa no dedo?" Após A psicóloga cognitiva Jennifer Freyd (1996, 2001) conside- dez entrevistas semanais, com o mesmo adulto repetidamente que as memórias podem permanecer vívidas para traumas perguntando para a criança sobre vários eventos reais e fictíci- ofensivos à vida, como furações ou acidentes de carro, mas obs- os, um novo adulto fazia a mesma pergunta. impressionante curecidas ou bloqueadas para traumas que envolvam repetidas resultado: 58% dos pré-escolares produziram falsas (e por ve- traições. Considere Eva Hart, que 84 anos depois de sobreviver zes vívidas) estórias considerando um ou mais eventos que eles ao naufrágio do Titanic ainda se lembra do episódio com extre- nunca vivenciaram. Aqui está uma estória contada por um me- ma clareza: "Eu vi, ouvi, e ninguém possivelmente pode esque- nino de 7 anos que inicialmente negara episódio da ratoeira cer" (Rupp, 1998, 70). Mas também temos Raquel e as ou- (Ceci et alii, 1994): tras, que não se lembravam. Pode a repressão do conhecimento do abuso praticado por uma pessoa de quem recebe cuidados Meu irmão Colin estava tentando pegar Blowtorch (um per- ser fundamental para que a última mantenha suas relações e sua sonagem de ação) da minha mão, e eu não queria que ele o sobrevivência? pegasse, então ele me empurrou sobre uma pilha de madeira Alguns que esqueceram a agressão sofrida afirmam, mais onde estava a ratoeira. Então meu dedo ficou preso nela. Nós tarde, ter recuperado suas memórias do abuso. Em um período fomos para hospital, e minha mãe, meu pai e Colin foram comigo até lá em nosso carro, pois era muito longe. E o mé- de cinco anos no estado de Washington, 682 pessoas que se queixaram de memórias reprimidas de abuso sexual e outros dico colocou um curativo no meu dedo. crimes receberam dinheiro de um fundo governamental de com- Dado o detalhamento dessas estórias, profissionais da psicolo- pensação de vítimas para custear terapia (Hallinan, 1997). gia que se especializaram em entrevistar crianças ficaram frus- Ellen Bass e Laura Davis (1988), autoras de um manual de trados. Eles não podiam separar de forma confiável as lembran- recuperação de incestos, The Courage to Heal, encorajaram a ças verdadeiras das falsas. Nem as crianças podiam. A criança recuperação e relato dessas experiências. Elas ofereceram uma do relato lembrou-se que seus pais lhe haviam dito várias vezes longa lista de características de sobreviventes de incesto, inclu- que episódio da ratoeira não havia acontecido que ele ti- indo sentimentos de vergonha, impotência, vulnerabilidade, nha imaginado e ele protestava: "Mas aconteceu. Eu me lem- perfeccionismo e deficiência nas suas metas e motivações. Se bro!" você tem alguns desses sentimentos, alguns terapeutas suspei- MEMÓRIAS DE ABUSO: tarão de abuso sexual, e não se surpreenda por não ter lembran- ças dele, pois "negação" e são comuns. "Se você REPRIMIDAS OU CONSTRUÍDAS? não for capaz de se lembrar de um evento específico... mas ain- Durante os anos noventa, a controvérsia mais intensa da psico- da assim sentir que algo abusivo aconteceu com você, isso pro- logia as "guerras da memória" disse respeito a questões vavelmente aconteceu", disseram Bass e Davis (pp. 21-22). "SeMEMÓRIA 277 você acha que sofreu abuso, e sua vida mostrar os sintomas ca- vindo a público prestar esclarecimentos à sociedade. Todas as en- racterísticos, então você sofreu mesmo." tidades que oferecem proteção a crianças abusadas e a adultos acu- Aceitando isso, alguns terapeutas têm raciocinado com seus sados falsamente concordam com seguinte: das pacientes: "Pessoas que foram abusadas em geral demonstram As injustiças acontecem. Algumas pessoas inocentes têm memó- os sintomas próprios da violência, logo, se você os tem você sido falsamente acusadas. Alguns culpados têm escapado de indo a provavelmente foi abusado. Vamos ver se, ajudado pela hipno- suas responsabilidades levantando dúvidas sobre seus acu- le abu- se ou por medicamentos, ou incentivado a buscar seu trauma no sadores que dizem a verdade. ia para inconsciente e a visualizá-lo, você consegue recuperá-lo." Se- Os incestos acontecem. E mais freqüentemente do que po- radas. gundo um levantamento americano os terapeutas com nível de demos supor. Não existe "síndrome do sobrevivente" carac- em vir- graduação estimam que 11% da população cerca de 34 mi- terística (Kendall-Tackett et alii, 1993). abuso sexu- lhões de pessoas têm memórias reprimidas de abuso sexual 1998, al pode deixar suas vítimas predispostas a problemas que Ra- na infância (Kamena, 1998). Em outro estudo de terapeutas com variam de disfunção sexual a depressão. nível de doutorado nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, sete e mais o esquecimento acontece. Como Rachel, relatou Elizabeth em cada dez disseram que usam técnicas como a hipnose ou el con- Loftus (1995), muitas mulheres entrevistadas por Linda medicamentos para ajudar seus pacientes a recuperar memórias que en- Meyer Williams ou eram muito jovens quando foram abusa- reprimidas de abuso sexual na infância (Poole et alii, 1995). S mais das, ou podem não ter entendido sentido da experiência que Como podemos supor, muitos pacientes expostos a técnicas ou Ra- tiveram circunstâncias nas quais esquecimento é "abso- de pesquisas que verificam amnésia da fonte e interpretação er- lo abu- lutamente comum". Esquecer eventos passados isolados, tan- rônea, quando induzidos a lembrar abuso sofrido, formam uma ntaram to positivos quanto negativos, faz parte da vida diária. imagem de uma pessoa assustadora. Com visualização adicio- ou As memórias recuperadas são comuns. Guiados por uma nal, a imagem se torna mais vívida, deixando paciente assus- por observação ou experiência, nós recuperamos lembranças de tado, zangado e pronto para confrontar ou processar um pai ou nas de- acontecimentos esquecidos há muito tempo, tanto prazerosos parente tão assustado e desnorteado que, como terapeuta ha- sexu- via "predito", vigorosamente nega a acusação. Uma mulher na quanto desagradáveis. que se indaga é se um pensamento minha inconsciente pode, às vezes, forçar a repressão de experiên- sua trigésima segunda sessão de terapia recordou que seu pai cias dolorosas e, se isso ocorre, se estas podem ser resgata- garo- teria abusado dela quando ela tinha 15 meses. Após essa lem- açou- das por técnicas empregadas por terapeutas. brança "ajudada", a atriz Roseanne Barr (1991) entrou com um oi uma As memórias "recuperadas" por meio de hipnose ou pela processo queixando-se de ter sofrido abuso sexual no início da mbrou influência de drogas são especialmente pouco confiáveis. infância. mai- Capítulo 7 mostrou a facilidade com que pessoas hipno- De forma compreensível, persuadir mulheres adultas que seus tizadas que "regridem no tempo" incorporam sugestões nas pais ou mães foram incestuosos destruiu várias famílias. Aliás, onside- suas memórias, até mesmo memórias de "vidas passadas".) milhares dessas famílias procuraram se aconselhar na False As memórias para acontecimentos anteriores aos 3 anos aumas Memory Syndrome Foundation. Essa fundação teve seu nome as obs- são pouco confiáveis. Pessoas não se recordam de forma con- retirado de um termo definido por John Kihlstrom como uma betidas fiável de qualquer tipo de evento que tenha ocorrido antes dos condição disruptiva na qual a identidade da pessoa e seu centro 3 anos um fenômeno chamado de amnésia infantil. A mai- reviver de relacionamento giram em torno de uma recordação falsa, extre- or parte dos psicólogos incluindo a maior parte dos clíni- porém muito forte de uma experiência traumática. A pessoa esque- resiste a informações contrárias e pode se tornar tão focada na e terapeutas de família é cética em relação a memórias "recuperadas" de abuso durante a infân- as ou- falsa memória que evita lidar com problemas reais. imento cia (Gore-Felton et alii, 2000; Knapp & Vande Creek, 2000). Sem questionar profissionalismo da maioria dos terapeu- idados As memórias, reais ou falsas, podem ser emocionalmen- tas, céticos associam as acusações não corroboradas sugeridas sua por alguns terapeutas ao renascimento, na década de noventa, te perturbadoras. Se uma memória falsa de abuso se tornar dos tribunais de bruxaria de Salem. Clínicos que usam técnicas uma parte real da história de uma pessoa, acusador assim como acusado podem sofrer. Como nos traumas reais, es- 1, mais da "memória de trabalho" e da "imagem guiada", hipnose e aná- sas experiências podem causar sofrimento mais tarde. eríodo lise dos sonhos para recuperar memórias são "nada mais que que se mercadores do caos mental e, de fato, constituem uma erva da- Sem conhecer a experiência pessoal de alguém (o que é comum outros ninha no campo da desafiam alguns críticos ci- nos experimentos da memória), é difícil assegurar a validade da e com- entíficos (Loftus et alii, 1995). Os clínicos respondem, irados, memória de uma pessoa. Segundo Mark Pendergrast (1996): 7). que aqueles que contestam as memórias recuperadas de abuso irônico que ninguém possa eticamente conduzir um experimento de estão aumentando o trauma das mulheres que sofreram abuso e que replique que está acontecendo na Grã-Bretanha e nos EUA aram a fazendo jogo dos molestadores de crianças. em consultórios particulares." Mesmo assim, muitos pesquisa- m uma problema de inferir abuso na infância, a partir de sintomas dores da memória consideram que a idéia de que as pessoas re- inclu- da idade adulta, é que esta sintomatologia é "vasta bastante cordam reprimem recuperam experiências dolorosas é cien- lidade, para incluir a todos", relatou Carol Tavris (1993). Pessoas se tificamente inocente. Todos os ingredientes para "cozinhar" ões. Se sentem sem vontade, envergonhadas e perfeccionistas por tan- memórias falsas estão potencialmente presentes no consultório suspei- tas razões que esses sintomas dificilmente podem provar algo. dos terapeutas, relata Stephen Lindsay (1995): uma autoridade mbran- Em um esforço para chegar a um consenso que possa solucio- confiável, sugestões repetidas, técnicas de aumento da imagi- e você nar essa batalha ideológica, têm sido realizados congressos sobre o nação e afirmação das suspeitas de alguém. ain- assunto, e as American Medical, American Psychological e Ame- Para avaliar mais de perto as recordações induzidas por tera- pro- rican Psychiatric Associations, as Australian Psychological Society, peutas, Elizabeth Loftus e seus colaboradores (1996) implanta- 2)."Se British Psycholgical Society e Canadian Psychiatric Association têm ram experimentalmente falsas recordações de traumas na infân-278 CAPÍTULO NOVE cia. Em um estudo, ela fez um membro de cada família recordar o rosto para baixo, e dela mesma achando 0 corpo. "Eu come- de três experiências verdadeiras da infância e de uma faisa uma cei a colocar tudo no lugar. Pode ser por isso que eu sou imagem vívida da criança perdida por um longo tempo em um workaholic. Pode ser por isso que eu sou tão emotiva quando shopping center quando tinha 5 anos, até ser resgatada por um penso sobre como ela morreu em 1959." adulto. Dois dias depois, um dos participantes, Chris, disse: "Eu Então, seu irmão a chamou e disse que havia um engano. Seu estava tão assustado naquele dia, eu achava que nunca mais ia ver tio agora lembrava que outros parentes haviam confirmado. minha família." Em mais dois dias ele já visualizava a bermuda Tia Pearl, e não Loftus, havia encontrado corpo (Loftus & de flanela, a careca e os óculos do homem que supostamente Ketcham, 1994; Monagham, 1992). encontrou. Quando contaram que a estória era inventada, Chris E Loftus também conheceu em primeira mão a realidade do ficou surpreso: "Eu me lembro de estar perdido... e procurando abuso sexual. Um homem que era sua babá a molestou quando pelas pessoas. Eu me lembro disto, eu estava chorando, e mamãe ela tinha 6 anos. Ela não esqueceu. E isso fez com que brigasse chegou falando: Onde você estava. Nunca mais faça isto!." com aqueles que ela via como pessoas que banalizavam abu- Esse é o processo de construção da memória, pelo qual as real, sugerindo e procurando por experiências traumáticas não pessoas podem se lembrar de ter sido abduzidas por alienígenas, corroboradas e aceitando-as de forma pouco crítica como fato. vitimadas por cultos satânicos, molestadas no berço ou vivido Os inimigos dos realmente vitimados não são apenas os que uma vida passada. Milhares de pessoas aparentemente saudá- juram e os que negam, ela disse, mas aqueles cujos relatos e veis, relatou Loftus, "falam aterrorizadas sobre o passado de suas alegações "nada mais fazem que aumentar descrédito geral da experiências a bordo de discos Elas se lembram cla- sociedade em relação aos genuínos casos de abuso sexual na Γa e vividamente de serem abduzidas por extraterrestres. Há ain- infância, que realmente merecem nossa extrema atenção" da fato de milhares de pessoas normais e racionais relatarem (Loftus, 1993). em calma e com profunda suas experiências em Sendo assim, será que a repressão (denominada, por Freud, outras vidas. Elas se lembram de ter vivido antes (Loftus & recalcamento) ocorre? Ou será que esse conceito a pedra Ketcham, 1994, 66). angular da teoria de Freud e de muito da psicologia popular Loftus conheceu em primeira mão o fenômeno que estudou. está errado? No Capítulo 15, nós retornaremos a este tema po- Em uma reunião familiar, um tio lhe contou que, aos 14 anos, lêmico. Como veremos, e agora parece claro, a resposta mais ela encontrou o corpo de sua mãe afogada. Chocada, ela negou; comum a uma experiência traumatizante (testemunhar o assas- mas o tio estava convicto. Nos três dias subseqüentes, ela sinato de um parente, experimentar os horrores de um campo meçou a cogitar se ela tinha uma recordação reprimida. "Pode de concentração nazista, ser chantageado ou raptado, escapar do ser por isso que eu sou tão obcecada por este tema." À medida desabamento do World Trade Center) não é bani-la para uma que a transtornada Loftus ponderava a sugestão de seu tio, ela inconsciência inacessível. Em vez disso, as experiências são gra- "recuperava" uma imagem da sua mãe boiando na piscina, com vadas na mente como memória vívida e persistente. REVEJA E REFLITA CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA Memórias não são armazenadas como cópias exatas, e elas certa- época uma criança muito nova para se lembrar da experiência, mente não são resgatadas como tais. Em vez disso, nós construí- esses traumas costumam ser lembrados e com clareza, e não ba- mos nossas memórias, usando tanto informações já armazenadas nidos para uma inconsciência ativa, porém inacessível. como novas. Quando crianças ou adultos que foram testemunhas oculares são subitamente expostos a informações errôneas após Teste a Si Mesmo: que dada a freqüência da amnésia de fonte seria a nossa vida se lembrássemos de todas as nossas um evento, eles em geral acreditam que estas fazem parte do even- to. As pessoas também apresentam amnésia da fonte, atribuindo experiências ocorridas na vigília e todos os nossos sonhos? algo ouvido, lido ou imaginado a uma fonte errada. Como as falsas Pergunte a Si Mesmo: Você tem alguma opinião sobre a contro- memórias são sentidas como memórias verdadeiras, e são igual- vérsia dos relatos de lembranças reprimidas e recuperadas? Que mente duradouras, sinceridade não significa realidade. evidências sustentam sua opinião? Você seria um membro impar- Os pesquisadores em memória desconfiam em especial das cial de um júri no julgamento de um pai acusado de abuso sexual recordações de abuso sexual reprimidas por longo tempo, de ab- com base nesse tipo de memória ou de um terapeuta processado dução por OVNIS e de outros traumas "recuperados" com a ajuda por criar uma memória falsa? de um terapeuta ou de um livro. do que podemos supor, in- As respostas ao Teste a Si Mesmo podem ser encontradas no apêndice situado no cestos e abusos acontecem. Mas a não ser que a vítima fosse à final do livro. APRIMORANDO A MEMÓRIA APRESENTAÇÃO PRÉVIA: Para recapitular que vimos até aqui, o nome de alguém, tema de uma conversa, algo importante vamos considerar como podemos aplicar princípios da me- que deveríamos entregar a alguém, sem falar dos momentos em mória. 0 que podemos fazer nas situações cotidianas para lem- que nos encontrarmos em algum lugar sem saber onde estamos melhor nome de uma pessoa ou mesmo o conteúdo des- (Herrmann, 1982). Existe algo que possamos fazer para mini- te capítulo? mizar essas falhas de nosso sistema de memória? Da mesma forma que a biologia beneficia a medicina e a botânica benefi- Em geral, sentimo-nos desanimados com nossos esquecimen- cia a agricultura, a psicologia pode beneficiar a memória. Va- tos com nossa embaraçosa falta de habilidade para recordar mos sintetizar aqui sugestões espalhadas por este capítulo paraMEMÓRIA 279 melhorar a memória. A técnica de estudo PRTR Prewiew, testemunha ocular de um evento importante, registre-o em Read, Think critically, Review apresentada na Introdução, sua memória antes de permitir que outros sugiram 0 que pode incorpora várias das estratégias a seguir. ter ocorrido. Estudar repetidamente para facilitar as recordações de Minimizar interferências. Estude antes de dormir. Não es- Seu longo prazo. Aprenda sempre mais. Para aprender um nome, tude seguidamente tópicos que possam interferir entre si, como espanhol e francês. (Loftus & diga-o para si mesmo após ser apresentado a alguém; espere alguns segundos e diga-o de novo. Proporcionar a si mesmo Testar conhecimento, tanto para ensaiá-lo quanto para realidade do várias sessões de estudo intercaladas, tirando vantagem dos saber que ainda não foi aprendido. Se você precisar lem- pequenos intervalos da vida ler no ônibus, andando pelo brar de uma informação mais tarde, não fique calmo confian- estou quando campus, esperando uma aula começar. do demais na sua habilidade de reconhecê-la. Teste suas re- que brigasse Dedique mais tempo ao ensaio e à reflexão ativa sobre cordações. Esboce tópicos em uma página em branco. Defina 0 abu- umáticas não material de interesse. Ler rapidamente material complexo os conceitos listados em cada final de capítulo antes de retor- com um mínimo de treino gera pouca retenção. Trei- nar ao texto teórico. Faça testes práticos; os guias de estudo a como fato. nar e criticamente ajuda bastante. É compensador que acompanham muitos textos, incluindo este, podem ajudar. enas que jos relatos estudar ativamente! Sem testar a si mesmo, alguém pode facilmente se tornar dito geral da Tornar material pessoalmente significativo. Para cons- superconfiante, como John Shaughnessy e Eugene Zechmeister sexual na truir uma rede de pistas, faça notas através do texto com suas (1992) descobriram em um experimento com dois grupos de atenção" próprias palavras. A repetição sem sentido da informação é estudantes. Um "grupo de releitura" leu repetidamente dúzias relativamente ineficaz. É melhor formar imagens, entender de afirmações factuais. Então, seus integrantes julgaram a se- por Freud. a organização da informação, relacionar material ao que melhança do que eles podiam se lembrar de cada fato e foram a pedra você já conhece ou experimentou e colocá-lo em suas pró- testados nas suas lembranças. Estudantes deste grupo se senti- popular prias palavras. Sem essas pistas, você pode ficar paralisado ram confiantes em relação ao próprio conhecimento, mesmo em te tema po- frente a uma pergunta com palavras diferentes das que você questões que erraram mais tarde. Estudantes de um "grupo de posta mais decorou. Para aumentar o aprendizado, use tantas associações teste prático" também leram as afirmações, mas passaram res- assas- quanto puder. tante do tempo respondendo a testes feitos para resgatar os fa- um campo Para lembrar uma lista de itens pouco familiar, use téc- tos. Comparado ao grupo da grupo de teste práti- escapar do nicas mnemônicas. Associe itens com palavras-chave. Ela- co teve resultados semelhantes no teste final da memória. Além para uma bore uma estória que incorpore imagens vívidas às palavras. disso, este grupo conseguiu discriminar melhor o que sabia e as são gra- Agregue informações em acrônimos. que não sabia. Está claro que autoteste aumenta a capaci- Refrescar a memória pela ativação das pistas de recupe- dade de recordação e pode nos ajudar a saber que realmente ração. Recrie mentalmente a situação no humor em que a aprendemos e, dessa forma, permite-nos focar nosso tem- aprendizagem ocorreu. Retorne ao mesmo local. Sacuda sua po de estudo naquilo que ainda não sabemos. Como o ex-pri- memória permitindo que os pensamentos se interliguem. meiro-ministro britânico Benjamin Disraeli certa vez disse, Relembrar os eventos enquanto eles ainda estão "frescos", "estar consciente de sua ignorância é um grande passo para antes de se deparar com informação errônea. Se você é não REVEJA E REFLITA de APRIMORANDO A MEMÓRIA A psicologia sugere estratégias concretas para aprimorar a memó- Teste a Si Mesmo: Quais são as estratégias de memória recomen- ria, entre elas: estudos repetidos; treinos ativos; codificação bem dadas na seção anterior? (Um material recomendado como impor- organizada; associações realísticas e com sentido; técnicas tante de ser lembrado e treinado.) Que mnemônicas; retorno ao contexto e ao humor que são ricos em Pergunte a Si Mesmo: Alguma das estratégias apresentadas para registro da memória antes de receber informações melhorar a memória parece adequada ao seu uso cotidiano? erradas que podem corrompê-la; minimização da interferência; As respostas ao Teste a Si Mesmo podem ser encontradas no apéndice situado no teste de si mesmo. final do livro TERMOS E CONCEITOS PARA LEMBRAR Memória Memória de curto prazo Efeito de posição serial Memória de flash Memória de longo prazo ortante Codificação visual Codificação Processamento automático Codificação acústica em Processamento com esforço Codificação semântica Recuperação Treino Imagem Memória sensorial Efeito de espaçamento Mnemônica para tradutor) em português, Avaliar, Ler, Pensar Criticamente e Revisar. (nota do280 CAPÍTULO NOVE Agrupamento (chunking) Hipocampo Memória congruente com 0 humor Memória iconográfica Recordação Interferência proativa Memória ecóica Reconhecimento Interferência retroativa Potenciação de longo prazo Reaprendizagem Recalcamento Amnésia Ativação (priming) Efeito da informação errônea Memória implícita Déjà vu Amnésia da fonte Memória explícita Para continuar seu estudo e revisão sobre conteúdo de visite site na Web, deste livro, em www.worthpublishers.com/myers. Você encontrará testes práticos, eexercícios de revisão, muitos artigos interessantes e links, que complementarão estudo dos tópicos relacionados a este capítulo