Prévia do material em texto
CapiTULO 8 Memória S ejamos gratos à memória. Costumamos considerá-la algo garantido, exceto nos momentos em que ela nos falha. É a nossa memória que nos permite reco- nhecer os familiares, falar nossa língua, encontrar o caminho de casa, além de saber onde achar água e comida. É a nossa memória que nos permite desfrutar de uma experiência e reproduzi-la mentalmente para renovar o prazer. Nossas memórias compartilhadas nos unem como irlandeses ou australianos, como sérvios ou albaneses. E, por vezes, é a nossa memória que nos coloca contra aqueles cujas ofensas não podemos esquecer. Em boa parte, você é aquilo de que você lembra. Sem a memória, o seu depósito de aprendizagem, não seria possível desfrutar dos momentos felizes do passado, nem seria possível sentir culpa ou raiva pelas lembran- ças dolorosas. Você acabaria por viver em um eterno presente. Cada momento seria novo. Cada pessoa seria um desconhecido, cada lín- gua seria estrangeira, cada tarefa - vestir-se, cozinhar andar de bicicleta - representaria um novo desafio. Você seria até mesmo um estranho para si mesmo, pela ausência daquele sentimento contínuo de autoconhe- cimento que se estende do passado distante até o momento presente. “Se você perde a habilidade de recuperar suas memórias anti- gas, você fica sem vida”, sugere o pesquisador da memória James McGaugh (2003). “Você pode perfeitamente se tornar um nabo ou um repolho.” O Fenômeno da Memória PARA UM PSICÓLOGO, a m em ória é a aprendizagem que persiste através do tempo, informações que foram armazenadas e que podem ser recuperadas. A investigação dos extremos da memória tem ajudado os pesquisadores a entender o seu funcionamento. Aos 92 anos, meu pai sofreu um pequeno acidente vascular ence- fálico com apenas um efeito curioso. Sua per- sonalidade genial estava intacta. Sua mobili- dade era tão boa quanto antes. Ele nos conhe- cia e, quando colocado diante de uma foto da família, relembrava o passado em detalhes. Entretanto, ele perdeu a capacidade de reter novas informações sobre conversas e episó- dios do dia a dia. Não sabia dizer qual era o dia da semana. Informado repetidamente sobre a morte do cunhado, manifestava sur- presa cada vez que ouvia a notícia. No outro extremo estão algumas pessoas que seriam campeões em Olimpíadas de memória, como o jornalista russo Shereshe- vskii, ou S, que precisava apenas ouvir, enquanto outros jornalistas tinham que ano- tar o conteúdo das entrevistas (Luria, 1968). Enquanto eu e você podemos repetir, como papagaios, uma seqüência de 7 - talvez mesmo 9 dígitos S podia repetir até 70, desde que entre a leitura de cada um houvesse um inter- valo de 3 segundos e que ele estivesse em uma sala silenciosa. Além disso, ele era capaz de recordar a ordem de números e palavras tanto de frente para trás quanto de trás para a frente. Sua precisão era infalível, mesmo quando solicitado a recordar uma lista deco- rada há mais de 15 anos, após ter memori- zado centenas de outras. “Sim, sim”, ele pode- ria recordar. “Esta foi uma série que você me disse em seu apartamento... Você estava sen- tada à mesa e eu em uma cadeira de balanço... Você usava uma blusa cinza e me olhava assim...”. memória a persistência do aprendizado ao longo do tempo por intermédio do armazenamento e da recuperação das informações. Impressionante? Sem dúvida. Mas consi- dere a sua própria capacidade de recordar incontáveis vozes, sons e canções; sabores, odores e texturas; rostos, lugares e encontros. É realmente impressionante! Imagine a situ- ação em que você vê 2.500 fotos de rostos e lugares por apenas 10 segundos cada um. Depois, vê 280 dessas fotos pareadas com outras não mostradas previamente. Se você for como a maioria dos participantes do expe- rimento de Ralph Haber (1970), conseguirá reconhecer 90% das fotos vistas anterior- mente. Ou imagine-se olhando para um fragmento de imagem, como o da FIGURA 8.1. Imagine também ter olhado para a foto completa por O FENÔMENO DA MEMÓRIA ESTUDANDO A MEMÓRIA: MODELOS DE PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÃO CODIFICAÇÃO: A ENTRADA DE INFORMAÇÃO Com o Codificamos O que Codificamos ARMAZENAMENTO: RETENÇÃO DE INFORMAÇÃO Memória Sensorial Memória de Trabalho/ de Curto Prazo Memória de Longo Prazo Armazenando Memórias no Cérebro RECUPERAÇÃO: ACESSANDO A INFORMAÇÃO Pistas de Recuperação ESQUECIMENTO Falha na Codificação Declínio do Armazenamento Falha na Recuperação Em Foco: Recuperando Senhas CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA Informação Enganosa e Efeitos da Imaginação Amnésia da Fonte Distinção entre Memórias Verdadeiras e Falsas Recordação do Testemunho Ocular de Crianças Memórias de Abuso: Reprimidas ou Construídas? APRIMORANDO A MEMÓRIA >• FIGURA 8.1 O que é isto? As pessoas que viram a imagem completa há 17 anos (na FIGURA 8.2) apresentaram maior propensão a reconhecer esse fragmento, mesmo tendo esquecido a experiência anterior (Mitchell, 2006). alguns segundos 17 anos antes. Quando David Mitchell (2006) fez essa experiência com algumas pessoas, elas apresentaram maior propensão para identificar os objetos vistos previamente do que os membros de um grupo de controle que não tinham visto os desenhos completos. Além disso, como a cigarra que ressurge da terra após 17 anos, a memória visual reapareceu até mesmo para aqueles que não tinham uma lembrança cons- ciente de ter participado de um experimento tanto tempo antes! Como realizamos essas façanhas da memória? Como pode- mos nos lembrar de coisas sobre as quais não pensamos há anos e esquecer o nome de alguém que aprendemos há um minuto? Como as memórias são armazenadas no nosso cére- bro? Por que algumas memórias dolorosas persistem, como convidadas indesejáveis, enquanto outras lembranças se vão rapidamente? Como as lembranças de duas pessoas sobre um mesmo evento podem ser tão diferentes? Por que, mais adiante neste capítulo, você lembrará de forma incorreta da frase “O arruaceiro zangado atirou a pedra na janela"? Como podemos aprimorar nossa memória? Essas serão algumas das questões que vamos consider em nossa revisão de mais de um século de pesquisa sobre a memória. Estudando a Memória: Modelos de Processamento de Informação 1: Como os psicólogos descrevem o sistema de memória humano? UM MODELO DO FUNCIONAMENTO DA MEMÓRIA pode nos ajudar a compreender como formamos e recuperamos as lembranças. Um modelo frequentemente usado como exem- plo é o do sistema de processamento de informações de um computador, semelhante à memória humana em alguns aspectos. Para lembrar de qualquer evento, precisamos con- duzir a informação ao cérebro (codificação), reter a informa- ção (armazenam ento) e, mais tarde, resgatá-la (recupera- ção). Um computador também codifica, armazena e recupera informações. Primeiro, ele traduz a entrada (proveniente do teclado) em linguagem eletrônica, da mesma forma que o cérebro codifica a informação sensorial em linguagem neu- ral. O computador armazena permanentemente grandes quantidades de informações em uma unidade de armazena- mento, a partir da qual elas poderão ser recuperadas. Como em todas as analogias, o modelo computacional tem seus limites. Nossas memórias são menos literais e mais frá- geis que as do computador. Além disso, a maioria dos compu- tadores processa as informações rapidamente, porém de modo seqüencial, mesmo quando está alternando tarefas. O cérebro é mais lento, mas realiza várias tarefas de uma só vez. codificação o processamento de informações dentro do sistema de memória - como na extração de significados, por exemplo. armazenamento a retenção de informações codificadas ao longo do tempo. recuperação o processo de resgatar as informações que estão armazenadas na memória. Os psicólogos propuseram diversos modelos de processa- mento de informações da memória. Um modelo moderno, o conexionista, vê as memórias como emergindo a partir das redes neurais interconectadas. Memóriasespecíficas surgem a partir de padrões de ativação particulares dentro dessas redes. Em um modelo mais antigo, mas fácil de visualizar, Richard Atkinson e Richard Shiffrin (1968) propuseram que nossas memórias se formam em três estágios: 1. Primeiro registramos as informações a serem lembradas como uma m em ória sensorial passageira. 2 . A partir dela, processamos as informações em um com- partimento de memória de curto prazo, onde ela é codi- ficada por reiteração. 3. Finalmente, as informações passam para a m em ória de longo prazo, para serem recuperadas posteriormente. Apesar da importância histórica e da simplicidade didá- tica, esse processo em três etapas é limitado e falível. Neste capítulo, adotamos uma versão modificada do modelo de pro- cessamento em três estágios da memória. Esse modelo atuali- zado incorpora dois novos e importantes conceitos: • Algumas informações, como ainda veremos neste capítulo, pulam os dois primeiros estágios de Atkinson e Shiffrin e são processadas direta e automaticamente para a memória de longo prazo, sem estarmos conscientes delas. • Memória de trabalho, uma nova compreensão do segundo estágio de Atkinson e Shiffrin, concentra-se no processamento ativo das informações nesse estágio intermediário. Como não nos é possível manter o foco sobre todas as informações que bombardeiam nossos sentidos de uma só vez, dirigimos o feixe de luz da lanterna de nossa atenção sobre certos estímulos que recebemos - muitas vezes os que são novos ou importantes. Processamos esses estímulos, junto com as informações que recuperamos da memória de longo prazo, na memória de trabalho temporária. A memória de trabalho associa as informações novas às antigas e resolve problemas (Baddeley, 2001, 2002; Engle, 2002). A capacidade da memória de trabalho das pessoas difere. Imagine que uma letra do alfabeto lhe é mostrada e depois você tem que responder a uma pergunta simples, em seguida, uma nova letra é mostrada com uma nova pergunta e assim por diante. Aqueles que conseguem manter o maior número de bolas mentais no ar - capazes de lembrar do maior número de letras apesar das interrupções - costumam, no dia a dia, demonstrar maior inteligência e capacidade de concentração nas tarefas (Kane et al., 2007; Unsworth e Engle, 2007). Quando sinalizados a informar o andamento de suas ativi- dades, a possibilidade de informarem momentos de dispersão da tarefa em andamento é menor. memória sensorial a lembrança imediata e muito fugaz de informações sensoriais no sistema de memória. >- F IG U R A 8.2 Agora você sabe As pessoas que viram esta imagem completa tiveram, 17 anos depois, maior facilidade para reconhecer a versão fragmentada na FIGURA 8.1. memória de curto prazo memória ativada que retém poucos itens por pouco tempo, tais como um número de telefone enquanto é discado, antes de a informação ser armazenada ou esquecida. memória de longo prazo o armazenamento relativamente permanente e ilimitado do sistema de memória. Inclui as habilidades do conhecimento e as experiências. memória de trabalho um entendimento mais recente da memória de curto prazo, cujo foco é o processamento ativo e consciente das informações recebidas pela audição ou pela percepção visuoespacial, e das informações recuperadas da memória de longo prazo. Vamos agora usar nosso modelo atualizado para observar mais de perto como codificamos, armazenamos e recupera- mos as informações. ANTES DE PROSSEGUIR... > P ergunte a Si Mesm o Como você usou as três partes de seu sistema de memória (codificação, armazenamento e recuperação) para aprender alguma coisa nova hoje? >- T es t e a S í M e s mo 1 A memória inclui memória de longo prazo, memória sensorial e memória de trabalho/de curto prazo. Qual a ordem correta desses três estágios da memória? As respostas às Questões "Teste a Si Mesmo" podem ser encontradas no Apêndice B, no final do livro. Processamento Automático Graças à capacidade do nosso cérebro de processar atividades simultâneas (processamento paralelo), uma enorme quan- tidade de multitarefas ocorre sem a nossa atenção consciente. Por exemplo, sem esforço consciente, processam os auto- m aticam ente informações sobre: • espaço. Ao estudar, você pode codificar o local na página do livro onde determinado material aparece; mais tarde, ao tentar lembrar da informação, é possível visualizar sua localização. • tempo. Enquanto seu dia transcorre, você involuntariamente percebe a seqüência de acontecimentos. Mais tarde, quando você se dá conta de que deixou o casaco em algum lugar, pode recriar a seqüência e refazer seus passos. • frequência. Sem muito esforço, você acompanha quantas vezes alguma coisa aconteceu, o que lhe permite perceber que “é a terceira vez que passo por ela hoje”. • informações bem aprendidas. Por exemplo, ao ver palavras em seu idioma, quem sabe na lateral de um caminhão, é impossível não registrar seu significado. Nessas horas, o processamento automático é tão espontâneo que é difícil desligá-lo. Decifrar as palavras nem sempre foi tão fácil. Quando você começou a aprender a ler, procurava o som das letras indivi- duais para chegar às palavras que elas formavam. Com esforço, era possível avançar lentamente por meras 20 ou 50 palavras em uma página. Ler, como algumas outras formas de proces- samento, inicialmente requer atenção e esforço, mas com a experiência e a prática acaba se tornando automático. Ima- gine agora aprender a ler frases invertidas como esta: .ocitámotua ranrot es edop oçrofse moc otnemassecorp O No início, isso exige esforço, mas após alguma prática a tarefa acaba se tornando igualmente automática. Desenvol- vemos muitas habilidades dessa maneira. Aprendemos a diri- gir, a enviar torpedos pelo celular, a falar uma nova língua, tudo com um grande esforço no começo e depois mais auto- maticamente. processo automático codificação inconsciente de informações incidentais, como espaço, tempo e frequência, e de informações bem-aprendidas, como significados de palavras. Codificacão: A Entradat de Informação 2 : Que informações codificamos automaticamente? Que informações codificamos empenhados, e como a distribuição da prática influencia a retenção? Como Codificamos Algumas informações, como o caminho que você fez até a sala de sua última aula, são processadas com muita facili- dade, liberando seu sistema de memória para se concentrar em eventos menos familiares. Mas para reter uma informa- ção nova, como o novo número do celular de um amigo, é preciso prestar atenção e se esforçar. Processamento Empenhado (Effortful) Codificamos e retemos grande quantidade de informação de forma automática, mas nos lembramos de outros tipos de infor- mações, tais como os conceitos deste capítulo, somente com esforço e atenção. O processamento empenhado (effortful) muitas vezes produz memórias duráveis e acessíveis. Quando aprendemos novas informações, como nomes, podemos aprimorar nossa memória por meio da reiteração, ou repetição consciente. O pesquisador pioneiro da memó- ria verbal, o filósofo alemão Hermann Ebbinghaus (1850- 1909), demonstrou isso após impacientar-se com as espe- culações filosóficas sobre a memória. Ele decidiu investigar sua própria aprendizagem e esquecimento de novos mate- riais verbais. Para criar um novo material verbal para seus experimen- tos, Ebbinghaus organizou uma lista de todas as possíveis sílabas sem sentido formadas pela inserção de uma vogal entre duas consoantes. Depois, selecionou uma amostra alea- tória de sílabas, praticou com elas e testou a si mesmo. Para ter uma ideia da experiência, leia rapidamente, em voz alta, 16 24 32 42 53 b4 Número de repetições da lista no dia 1 > FIGURA 8.3 Curva de retenção de Ebbinghaus Ebbinghaus descobriu que quanto mais vezes ele praticava uma lista de sílabas sem sentido no dia 1, menos repetições eram necessárias para reaprender a lista no dia 2. Em termos simples, quanto maistempo dedicamos a aprender novas informações, mais conseguimos retê-las. (De Baddeley, 1982.) oito vezes ou mais os itens da lista a seguir (de Baddeley, 1982). Tente depois lembrá-los: JIH, BAZ, FUB, YOX, SUJ, XIR, DAX, LEQ, VUM, PID, KEL, WAV, TUV, ZOF, GEK, HIW. No dia seguinte após ter aprendido a lista, Ebbinghaus conseguia recordar poucas sílabas. Mas estariam elas inteiramente esque- cidas? Como a FIGURA 8.3 mostra, quanto mais frequente- mente ele repetisse a lista em voz alta no primeiro dia, de menos repetições ele precisava para reaprendê-las no segundo dia. Eis então a introdução de um princípio simples: A quantidade recor- dada depende do tempo dedicado à sua aprendizagem. Mesmo após já termos aprendido um material, o ensaio adicional (supera- prendizagem) aumenta a retenção. O ponto a ser lembrado: Para aprender novas informações verbais, a prática - o processamento empenhado (effortful) - de fato leva à perfeição. çar a aprendizagem ao longo do tempo (Cepeda et al., 2006). A prática massiva pode produzir um aprendizado de curto prazo rápido e gerar sentimentos de confiança. Mas o tempo de estudo distribuído produz melhores resultados de fixação de longo prazo. Após estudar por tempo suficiente para domi- nar o assunto, o estudo adicional torna-se ineficiente, obser- vam Doug Rohrer e Harold Pashler (2007). Melhor realizar a revisão extra mais tarde - no dia seguinte se for preciso lembrar de algo daqui a dez dias ou no mês seguinte se pre- cisar lembrar de algo daqui a seis meses. efeito de espaçamento a tendência para distribuir o estudo ou a prática a fim de se obter uma melhor retenção de longo prazo do que se alcançaria pelo estudo ou prática intensos. efeito de posicionamento serial nossa tendência a lembrar melhor do primeiro e último itens de uma lista. Em um experimento de nove anos, Harry Bahrick e mais três membros de sua família (1993) praticaram a tradução de pala- vras de uma língua estrangeira por um determinado número de vezes, em intervalos variando entre 14 e 56 dias. Seu achado consistente: quanto maior o espaço entre as sessões práticas, melhor sua retenção por mais de cinco anos. Qual seria a apli- cação prática? O espaçamento do aprendizado - por um semes- tre ou por um ano, mais do que por curtos períodos de tempo - pode ajudar não só nos exames finais de toda a matéria, mas também a reter as informações por toda a vida. Sessões repeti- das de perguntas e respostas de matéria estudada previamente também ajudam, um fenômeno que Henry Roediger e Jeffrey Karpicke (2006) chamam de efeito de testagem, completando: “Os testes são uma maneira poderosa de melhorar o aprendi- zado, não apenas de avaliá-lo.” Em um de seus estudos, os estu- dantes conseguem lembrar melhor o significado de 40 palavras em suaili se submetidos a testes repetidos do que se passassem o mesmo tempo reestudando as palavras (Karpicke e Roediger, 2008). Então eis aqui outro ponto a ser lembrado: o estudo espa- çado e a autoavaliação superam o estudo massivo. “A m en te é le n ta p a ra d esap ren d er aq u ilo que levou m u ito tem po p a ra apren der.” Sêneca, filósofo romano (4 a.C. - 65 d.C.) "Ele d everia te s ta r su a m em ória recitan d o os v ersas ." Ab dur-Rahman Abdul Khaliq, “Memorizing the Quran" processamento empenhado {e ffo rtfu l) codificação que exige atenção e esforço consciente. reiteração a repetição consciente das informações para mantê-las em nível consciente ou para codificá-las para armazenamento. Pesquisas posteriores revelaram mais sobre a formação de memórias duradouras. Parafraseando Ebbinghaus (1885), quem aprende rápido esquece igualmente rápido. Retemos informações melhor quando a reiteração é distribuída no tempo (como quando aprendemos os nomes de nossos cole- gas de turma), um fenômeno denominado efeito de espa- çam ento. Mais de 300 experimentos ao longo do último século revelaram consistentemente as vantagens de se espa- Outro fenômeno, o efeito de posição serial, ilustra os benefícios adicionais da reiteração. Em um paralelo com a vida cotidiana, imagine que, no seu primeiro dia num novo emprego, o gerente apresente você a seus novos colegas de trabalho. À medida que cumprimenta cada um deles, você repete (treina) todos os nomes, começando pelos primeiros. Quando cumprimentar a última pessoa, terá levado mais tempo ensaiando os primeiros nomes do que os últimos; assim, no dia seguinte será mais fácil lembrar dos primeiros nomes. Além disso, o aprendizado dos primeiros nomes pode interferir no aprendizado dos últimos. Os pesquisadores demonstraram o efeito da posição serial mostrando uma lista de itens (palavras, nomes, datas e mesmo odores) para algumas pessoas e, logo em seguida, pedindo que repetissem a lista em qualquer ordem (Reed, 2000). Ao se esforçarem para lembrar a lista, em geral elas lembravam melhor do primeiro e do último item do que daqueles que estavam no meio (FIGURA 8 .4 ). Talvez porque os últimos itens ainda estejam na memória de trabalho, as pessoas conseguem lembrar deles brevemente, Percentual 90% de palavras g0 lembradas 70 60 50 40 30 20 10 1 2 3 4 5 6 7 8 9 1011 12 Posição das palavras na lista > FIGURA 8.4 O efeito da posição serial Imediatamente após ler uma lista de itens, é difícil para muitas pessoas lembrar de todos os itens presentes. (De Craik e Watkins, 1973.) de maneira rápida e precisa (um efeito de recentiãade). Mas após algum tempo - após terem desviado sua atenção dos últimos itens - elas têm uma melhor lembrança dos primei- ros itens (um efeito de primazia). Às vezes, no entanto, a reiteração não basta para armaze- nar novas informações que serão recuperadas posteriormente pela memória (Craik e Watkins, 1973; Greene, 1987). Para compreender o motivo disso, precisamos saber mais sobre como codificamos as informações para o processamento pela memória de longo prazo. O que Codificamos ' i.» i * í- i. 3 : Que métodos de processamento empenhado ajudam a formar as memórias? O processamento daquilo que recebemos por nossos sentidos se parece com a forma como organizamos nossas mensagens de e-mail. Alguns itens são imediatamente descartados. Outros são abertos, lidos e retidos. Processamos as informa- ções pela codificação de seus significados, suas imagens, ou pela organização mental. Níveis de Processamento Quando processamos as informações verbais para armaze- namento, geralmente codificamos seu significado, asso- ciando-as, por exemplo, ao que já sabemos ou às nossas supo- sições. Se ouvimos a mar ela como “amarela” ou “amar ela”* dependerá de como o contexto e a nossa experiência nos guiam na interpretação e codificação dos sons. (Lembre-se de que nossas memórias de trabalho interagem com nossas memórias de longo prazo.) Será que você consegue repetir a frase sobre o arruaceiro que apareceu no início deste capítulo ( “o arruaceiro zangado jogou...”)? Talvez, assim como os participantes do experi- mento promovido por William Brewer (1977), você tenha lembrado da frase pelo significado que você codificou quando a leu (por exemplo, “O arruaceiro zangado jogou o tijolo através da janela”) e não como ela estava escrita (“O arrua- ceiro zangado atirou a pedra na janela”). Referindo-se a essa lembrança, Gordon Bower e Daniel Morrow (1990) compa- raram nossas mentes a um diretor de teatro que, recebendo um roteiro bruto, imagina uma produção teatral completa. Solicitados mais tarde a lembrar o que ouvimos e lemos, não nos lembramos literalmente do texto, mas daquilo que codifi- camos. Assim, ao estudar para uma prova, você pode se lem- brar melhor de suas anotações do que da própria leitura. - Eis aqui outra frase sobre a qual perguntarei mais à frente: O peixe atacou o nadador. Que tipo de codificação você acha que produz a melhor memória da informação verbal? A codificação visual da ima- gem? A codificação acústica do som? A codificação semân- tica do sentido? Cada um desses níveisde processamento tem seu próprio sistema cerebral (Poldrack e Wagner, 2004). E todos podem ajudar. A codificação acústica, por exemplo, aprimora a memorização e a aparente verdade de aforismos em rima. “What sobriety conceals, alcohol reveals” ( “O que a sobriedade oculta, o álcool revela”) parece mais preciso do que “what sobriety conceals, alcohol unmasks” ( “o que a sobriedade revela, o álcool desmascara”) (McGlone e Tofi- ghbakhsh, 2000). O célebre argumento do advogado Johnnie Cochran ao júri no caso O.J. Simpson - “If the glove doesn’t fit, you must acquit” ( “Se a luva não servir, vocês vão deixá- lo sair”) - também é lembrado mais facilmente do que se ele tivesse dito “If the glove doesn’t fit, you must find him not guilty!” ( “Se a luva não couber, vocês devem considerá-lo inocente!”). Para comparar codificação visual, acústica e semântica, Fergus Craik e Endel Tulving (1975) mostraram rapidamente uma palavra para um grupo. Em seguida, fizeram perguntas que obrigavam as pessoas a processar as palavras em um dos três níveis: (1) visualmente (a aparência das letras), (2) acus- ticamente (o som das palavras) e (3) semanticamente (o sentido das palavras). Para experimentar a tarefa você mesmo, responda rapidamente às questões a seguir: Exemplos de Perguntas para Palavra Eliciar o Processamento Mostrada 1. A palavra está em maiúsculas? CADEIRA 2. A palavra rima com gato? pato 3. A palavra se encaixaria na frase, arma "A garota colocou a ___ sobre Sim Não *No original: eye-screem, “ice cream" (sorvete), “I scream" (eu grito). (N.T.) codificação visual a codificação de imagens. Tipo de codificação Semântica (tipo de...) Acústica (rima com...) >• FIGURA 8.5 Níveis de processamento O processamento profundo de uma palavra - pelo seu significado (codificação semântica) - produz melhor reconhecimento dessa palavra em um momento posterior do que um processamento superficial, baseado na sua aparência ou som (De Craik e Tulving, 1975). Visual (em maiúsculas?) 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Percentual de quem lembrou da palavra posteriormente codificação auditiva a codificação dos sons, especialmente do som das palavras. codificação semântica a codificação do significado, incluindo o significado das palavras. Que tipo de processamento prepararia você melhor para reco- nhecer as palavras mais tarde? No experimento de Craik e Tul- ving, o último, a codificação semântica - questão 3 - produziu melhor memorização que o “processamento superficial” indu- zido pela questão 2 e, especialmente, pela 1 (FIGURA 8 .5 ). Quantos Fs existem na frase a seguir? FINISHED FILES ARE THE RESULTS OF YEARS OF SCIENTIFIC STUDY COMBINED WITH THE EXPERIENCE OF YEARS.2 Veja a resposta invertida a seguir. • d oluod anb o p / i oiuoo sieuj ujeos anb sa|anbe ajuaujiepadsa ‘s j siss sop sun6|e nep jed §doa 0}usw|eAeAOJd ‘lensjA anb op s|ew OAijipne a iu a w je d p u u d jas sbj}8| sep |epiuj oiuauiessaDOJd o e opjAep a jje d ujg Mas, diante de um roteiro tão básico, é difícil criar um modelo mental. Coloque-se no lugar dos estudantes a quem John Bransford e Marciajohnson (1972) solicitaram lembrar a seguinte passagem registrada em uma fita de áudio: O procedimento é realmente muito simples. Primeiro você arruma o material em grupos diferentes. Claro que uma pilha pode ser suficiente, dependendo da quantidade do que há para fazer... Após o procedimento estar completo, alguém organiza o material em grupos diferentes de novo. O material então poderá ser colocado em um lugar apropriado. Por fim, poderá ser usado mais uma vez, e o ciclo inteiro terá que ser repetido. Porém, isso faz parte da vida. Quando os estudantes ouviram o parágrafo que você aca- bou de ler, sem o sentido do contexto, eles se lembraram muito pouco dele. Quando informados de que o parágrafo era sobre lavar roupas (algo que fazia sentido para eles), con- seguiram se lembrar muito mais do texto - como você pro- vavelmente o fará após lê-lo de novo. O processamento pro- fundo de uma palavra - pelo seu significado (codificação semântica) - produz melhor reconhecimento dessa palavra em um momento posterior do que um processamento super- ficial, baseado na sua aparência (codificação visual) ou pelo som (codificação acústica) (Craik e Tulving, 1975). Uma pesquisa como essa sugere as vantagens da reformu- lação do que lemos e ouvimos em termos significativos. É comum perguntarem aos atores como conseguem aprender “todas aquelas falas”. Eles fazem isso em primeiro lugar com- preendendo o fluxo de significado, relatam os atores psicó- logos Helga Noice e Tony Noice (2006). “Um ator dividiu uma meia página de diálogo em três [intenções]: ‘para agra- dar’, ‘para colocá-lo para fora’ e para ‘apaziguar seus temo- res’.” Com essa seqüência significativa em mente, o ator con- segue lembrar as falas mais facilmente. Nos experimentos que realizou consigo mesmo, Ebbin- ghaus estimou que a memorização de material dotado de sentido exigia um décimo do esforço necessário para memo- rizar material sem sentido. Conforme o pesquisador da memó- ria Wayne Wickelgren (1977, p. 346) relatou, “o tempo que você leva pensando sobre o que está lendo e relacionando-o ao material previamente armazenado é o procedimento mais útil que você pode fazer para aprender qualquer fato novo”. O ponto a ser lembrado: A quantidade do que é lembrado depende do tempo dedicado ao aprendizado e de sua capaci- dade de dar sentido ao que deseja memorizar. Guardamos excelentes lembranças daquilo que podemos relacionar a nós mesmos. Se perguntados sobre como certos adjetivos descrevem uma outra pessoa qualquer, geralmente os esqueceremos; perguntados sobre o quão bem os adjetivos nos descrevem, lembraremos melhor dos termos usados - especialmente aqueles de culturas individualistas ocidentais. Esse fenômeno é chamado de efeito de autorreferência (Symons e Johnson, 1997; Wagar e Cohen, 2003). Dessa forma, você terá mais proveito se levar algum tempo buscando dar um sentido pessoal àquilo que está estudando. Informações con- sideradas “relevantes para mim” são processadas de maneira mais profunda e se mantêm mais acessíveis. imagética imagens mentais; um poderoso auxílio para o processamento empenhado, especialmente se combinado à codificação semântica. 2 Arquivos encerrados são o resultado de anos de estudo científico com- binados com a experiência de anos. (N.R.) mnemônicos auxílios para a memória, especialmente aquelas técnicas que usam imagens vividas e recursos de organização. Codificação Visual Por que temos que nos esforçar para memorizar fórmulas, defi- nições e datas, ainda que possamos facilmente lembrar onde estivemos ontem, quem estava conosco, onde sentamos e o que vestíamos? Uma diferença é a maior facilidade para lem- brar de imagens mentais. Nossas primeiras memórias - pro- vavelmente de algo que aconteceu por volta dos 3 ou 4 anos de idade - envolvem imagética visual. Lembramos melhor de palavras concretas, que conduzem à elaboração de imagens mentais, do que de palavras abstratas, com pouca conexão visual. (Quando eu perguntar mais à frente, de quais destas três palavras - máquina de escrever, vazio, cigarro, inerente, fogo, processo - você recordará mais facilmente?) Se você ainda se lembra da frase sobre o arruaceiro da pedra, provavelmente não será apenas pelo sentido codificado, mas pela imagem visual que a frase ocasionou. A memória para substantivos concretos, como “cigarro”, é auxiliada pela codificação tanto semântica quanto visual (Marscharketal., 1987; Paivio, 1986). Dois códigos são melhores que um. Graças a essa durabilidade das imagens vividas, nossa lem- brança de uma experiência é muitas vezes colorida por seu melhor ou por seu pior momento - o melhor momento de prazer ou alegria, e o pior momento de dor ou frustração (Fre- drickson e Kahneman, 1993). Lembrar os pontos altos e esque- cer os eventos mundanos pode explicar o fenômeno da retros-pectiva otimista (Mitchell et al., 1997): as pessoas tendem a recordar eventos como férias no campo mais positivamente do que de fato o foram quando os estavam vivenciando. Uma visita à Disney é lembrada menos pelo calor e filas interminá- veis do que pelos brinquedos, passeios e comida. A imagética está no centro de muitos dispositivos m ne- mônicos (assim denominados em decorrência da palavra “memória” em grego). Os antigos estudiosos e oradores gre- gos desenvolveram técnicas mnemônicas para ajudá-los a lembrar de longas passagens e discursos. Alguns recursos mne- mônicos modernos apoiam-se em códigos acústicos e visuais. Por exemplo, o sistema de palavras conexas exige que inicial- mente se memorize um verso: "Um éatum ; dois são bois; três é chinês; quatro éprato; cinco é brinco; seis são reis; sete é topete; oito é biscoito; no nove, chove; dez são pastéis."* Sem muito esforço, você estará apto a contar pelas palavras conexas, em vez de usar os números: atum, bois, chinês..., e então associará visualmente as palavras aos itens a serem lembrados. Agora você está pronto para desafiar qualquer um a lhe dar uma lista de compras para memorizar. Cenouras? Imagine-as den- tro de um atum. Leite? É só pensar em vacas e bois. Papel- toalha? Imagine-o enrolado na coroa do rei. Pense nas pala- vras conexas e verá as imagens associadas: cenouras, leite, papel-toalha. Com poucos erros (Bugelski et al., 1968), você será capaz de recordar todos os itens em qualquer ordem. Os gênios da memória conhecem o poder desse tipo de sistema. Um estudo com astros com alto desempenho nos Campeo- natos Mundiais de Memória mostrou que eles não são excep- cionalmente inteligentes, mas são superiores na utilização de estratégicas mnemônicas espaciais (Maguire et al., 2003). Organizando as Informações para Codificação Os truques mnemônicos ajudam a organizar o material para nossa recuperação posterior. Quando o parágrafo de Brans- *No original: “One is a bun; two is a shoe; three is a txee; four is a door; five is a hive; six is sticks; seven is heaven; eight is a gate; nine is a swine; ten is a hen.” (N.T.) i < ] ! D (XI \ VI 1 2 . K L C I S N E 3. KL C ISN E N VE SE YNA NI C ST T IH T N D O 4. N IC K E L S SEVE N ANY IN ST1TCH D O N T 5. N IC K E LS SE VEN ANY IN ST1T CH D O N T SAV ES AG O A S C O R E T IM E AND NINE W O O D E N FOU R Y E AR S TAKE 6. D O N T T AKE ANY W O O D EN N IC K ELS FO U R S C O R E AN D SEVEN Y EAR S A G O A ST 1TCH IN T IM E SA VE S NINE* > FIGURA 8.6 Efeitos do agrupamento (ch u nkin g) sobre a memória Quando organizamos as informações em unidades significativas, tais como letras, palavras e frases, conseguimos lembrar mais facilmente delas. (De Hintzman, 1978.) ford e Johnson sobre lavar roupa passou a ter sentido, foi possível organizar as sentenças em uma seqüência. Nós pro- cessamos as informações mais facilmente quando podemos organizá-las em unidades ou estruturas significativas. A gru pam ento ( C h u n k in g ) Observe a linha 1 da FIGURA 8.6 por alguns segundos, então afaste o olhar e tente repro- duzir o que viu. Impossível não é? Mas você pode facilmente reproduzir a segunda linha, que não é menos complexa. De forma semelhante, a linha 4 será ainda mais fácil de memo- rizar do que a 3, embora ambas contenham as mesmas letras. E você poderia lembrar o sexto grupo mais facilmente que o quinto, embora ambos contenham as mesmas palavras. Como essas unidades demonstram, lembramos mais facil- mente das informações quando podemos organizá-las em agrupamentos com algum sentido que possamos administrar. O processo de agrupamento ocorre tão naturalmente que sequer nos damos conta dele. Se o inglês é sua língua nativa, poderá reproduzir com perfeição os 150 ou mais segmentos de linhas que formam as palavras nas três frases do item 6 da FIGURA 8 .6 . Seria algo surpreendente para alguém não familiarizado com o inglês. Eu também fico igualmente impressionado com a habili- dade de uma pessoa que domina o chinês e que, após obser- var a FIGURA 8 .7 , é capaz de reproduzir todos os traços ali contidos; ou de um mestre do xadrez que, após observar o tabuleiro por 5 segundos, consegue recordar a posição exata da maioria das peças (Chase e Simon, 1973); ou, ainda, de um craque de basquete que, após observar rapidamente a quadra por 4 segundos, consegue lembrar a posição exata dos jogadores (Allard e Burnett, 1985). Todos nós nos lembra- mos com mais clareza das informações quando somos capa- zes de organizá-las em um arranjo com significado pessoal. O agrupamento também pode ser usado como uma téc- nica mnemônica para lembrar de material pouco familiar. *Citações e provérbios ingleses, sem correspondência exata com o portu- guês. “D orit take any wooden nickels" é similar a “Não leve gato por lebre”, mas se refere a moedas de madeira usadas durante a Grande Depressão, nos EUA. “Four score and seven years” refere-se a um discurso de Abraham Lincoln, que, por sua vez, é uma referência bíblica à passagem do tempo. “A stítch in time saves nine” tem o equivalente em português de “Uma pílula a tempo poupa nove”, cf. LACERDA, Roberto Cortes de. Dicionário de provérbios: francês, português, inglês. Editora Unesp, 2004. (N.T.) f X > FIGURA 8.7 Um exemplo de agrupamento - para aqueles que leem chinês Após observar estes caracteres, você consegue reproduzi-los com exatidão? Se conseguir, é porque sabe chinês. Quer lembrar das cores do arco-íris na ordem de seus com- primentos de onda? É só gravar a combinação mnemônica “Vermelho lá vai violeta”, em que “lá vai” são as iniciais das cores laranja, amarelo, verde, azul e índigo. Precisa decorar os nomes dos cinco grandes lagos da América do Norte, pense na palavra HOMES (casas, em português) para as iniciais dos lagos Huron, Ontário, Michigan, Erie e Superior. Nos dois casos, agrupamos as informações em uma forma mais fami- liar, criando uma palavra (chamada de acrônimo) com as primeiras letras de cada um dos itens a serem lembrados. • Na discussão sobre codificação por imagens, apresentei seis palavras e avisei que iria perguntar quais eram mais tarde. Quantas dessas palavras você consegue lembrar agora? Dessas, quantas têm forte apelo visual? Quantas têm apelo visual menor? (Você pode conferir sua lista com as seis palavras invertidas a seguir.) o OSSaDOjd ‘ODOj ‘01U0J0U! ‘o j je 6 p ‘o;zeA ‘j 0A0 j d s 9 ap eu inb ew Hierarquias Quando as pessoas se especializam numa área, começam a processar as informações não só pelo agrupa- mento, mas também em hierarquias compostas por alguns poucos conceitos amplos, divididos e subdivididos em con- ceitos e fatos mais específicos. Este capítulo, por exemplo, tem o objetivo de ajudar você a não só entender os aspectos elementares da memória, mas também a organizar esses fatos em princípios amplos, como a codificação; em subprincípios, como o processamento automático e o processamento empe- nhado; e em conceitos ainda mais específicos, como a signi- ficação, a image'tica e a organização (FIGURA 8 .8 ) . Organizar o conhecimento em hierarquias nos ajuda a recuperar as informações com eficiência. Gordon Bower e seus colegas (1969) demonstraram isso apresentando pala- vras de forma aleatória ou agrupadas em categorias. Quando organizadas em grupos, a recordação das palavras era duas a três vezes melhor. Esses resultados mostram os benefícios de organizar o que se estuda - de dar atenção especial aos tópi- cos de um capítulo, cabeçalhos, questões prévias, resumos e questões para autoavaliação. Se você puder hierarquizar os conceitos de um capítulo de acordo com sua organização geral, é provável que lembre deles de modo mais eficaz na hora de um teste. Ler e anotar na forma de tópicos - tipo de organização hierárquica - também pode ser proveitoso. agrupamento {chunking) organizar os itens em unidades familiares administráveis; normalmente ocorre de maneira automática. memória icônicauma memória sensorial momentânea de estímulos visuais; uma memória fotográfica ou pictórica que não dura mais do que poucos décimos de um segundo. ANTES DE PRO SSEGUIR... > Pergunte a Si Mesmo Você consegue imaginar três maneiras de empregar os princípios desta seção para melhorar seu próprio aprendizado e retenção de ideias importantes? > Teste a Si Mesmo 2 Qual seria a estratégia mais eficaz para aprender e reter uma lista de nomes de figuras históricas por uma semana? E por um ano? As respostas às questões “ Teste a Si Mesm o” podem ser encontradas no Apêndice B, no final do livro. Armazenamento: Retenção de Informação NO CORAÇÃO DA MEMÓRIA ESTÁ O ARMAZENAMENTO. Se, depois de algum tempo, você lembrar de uma experiên- cia, de alguma forma ela foi armazenada e resgatada. Tudo o que é armazenado em nossa memória de longo prazo se man- tém adormecido, esperando ser despertado por algum estí- mulo. Qual é a capacidade de armazenamento de nossa memória? Vamos começar pelo primeiro tipo de armazena- mento de memória relatado no modelo de processamento em três estágios - nossa efêmera memória sensorial. Codificação (automática ou com esforço [effortful]) > FIG URA 8.8 A organização favorece a memória Quando organizamos as palavras ou conceitos em grupos hierárquicos, conforme ilustrado aqui com conceitos deste capítulo, lembramos deles mais facilmente do que quando são apresentados aleatoriamente. Significado Imagética Orgamzacao Agrupamentos Hierarquias Memória Sensorial 4 : 0 que é a memória sensorial? Que porção desta página você conseguiria perceber e lembrar com uma exposição menor do que o piscar de um flash? O pesquisador George Sperling (1960) pediu a algumas pessoas que fizessem algo assim ao mostrar-lhes três linhas com três letras cada, por apenas um vigésimo de segundo (FIGURA 8 .9 ). Após o desaparecimento das nove letras da tela, as pes- soas só conseguiam lembrar de metade delas. Isso ocorreu porque essas pessoas tiveram pouco tempo para olhar as letras? Não, Sperling, de modo bastante inteli- gente, demonstrou que as pessoas podiam ver e se lembrar de todas as letras, mas apenas momentaneamente. Em vez de pedir-lhes que lembrassem todas as nove letras, Sperling fez soar um som em tom baixo, médio e alto após apresentar as letras. Essa pista direcionava as pessoas a relatar apenas as letras presentes em uma das linhas - no alto, no meio ou embaixo -, respectivamente. Agora elas raramente perdiam uma letra, mostrando que as nove estavam momentanea- mente disponíveis para serem recordadas. O experimento de Sperling revelou a presença de uma memória fotográfica efêmera denominada mem ória icônica. Por alguns décimos de segundo, nossos olhos registram uma representação exata de uma cena e nós podemos nos lembrar de qualquer parte dela em detalhes impressionantes. Mas, se Sperling atrasasse o sinal sonoro com o tom adequado por mais de meio segundo, a imagem se teria desfeito e os parti- cipantes da pesquisa só conseguiam recordar de metade das letras de novo. Nossa tela visual se desfaz muito rapidamente à medida que novas imagens se sobrepõem às antigas. memória ecoica uma memória sensorial momentânea de um estímulo auditivo; se a atenção está voltada para outra coisa, os sons e as palavras ainda podem ser lembrados por 3 ou 4 segundos. Também temos uma impecável, embora efêmera, memória para estímulos auditivos, chamada mem ória ecoica (Cowan, 1988; Lu et al., 1992). Imagine a si mesmo em uma conversa, enquanto presta atenção na televisão. Se o seu interlocutor ligeiramente irritado perguntar “O que eu acabei de falar?”, você vai recuperar as últimas palavras ditas de sua câmara de eco mental. Os ecos auditivos costumam durar cerca de 3 ou 4 segundos. Os experimentos com as memórias icônica e ecoica K Z R Q B T S G N >• F I G U R A 8 . 9 Memória fotográfica momentânea Quando George Sperling piscava um grupo de letras semelhante ao quadro acima por um vigésimo de segundo, as pessoas conseguiam lembrar de apenas metade das letras. Mas, quando sinalizadas a lembrar uma linha específica imediatamente após o desaparecimento das letras, eram capazes de fazer isso quase que com perfeição. nos ajudaram a compreender as gravações iniciais das infor- mações sensoriais no sistema de memória. Memória de Trabalho/de Curto Prazo 5 : Quais são a duração e a capacidade das memórias de curto e de longo prazo? Em meio à vasta quantidade de informações registrada por nossa memória sensorial, iluminamos algumas com o foco de nossa atenção. Também resgatamos informações do armaze- namento de longo prazo para a apresentação “ao vivo”. Entre- tanto, a não ser que nossa memória de trabalho codifique de maneira significativa ou reitere a informação, ela rapidamente desaparecerá do nosso armazenamento de curto prazo. Durante a viagem de nossos dedos do caderno de telefones até o tele- fone, a lembrança de um número específico pode evaporar. Para descobrir com que velocidade a memória de curto prazo desaparece, Lloyd Peterson e Margaret Peterson (1959) pediram a voluntários para lembrar de grupos de três conso- antes, como CHJ. Para evitar que reiterassem (ou reverberas- sem) as letras, os pesquisadores pediam aos participantes que, por exemplo, contassem a partir de cem, de trás para a frente, diminuindo três números por vez. Após 3 segundos, as pes- soas lembravam as letras apenas metade das vezes; após 12 segundos, raramente se lembravam de qualquer uma delas (FIGURA 8 .1 0 ). Sem o processamento ativo, a memória de curto prazo tem vida limitada. A memória de curto prazo é limitada não apenas na dura- ção, mas também na capacidade, normalmente podendo armazenar cerca de sete bits de informação (com uma mar- gem de mais ou menos dois). George Miller (1956) definiu essa capacidade de memória como o Mágico Número Sete, mais ou menos dois. Não surpreendentemente, quando algu- mas companhias telefônicas obrigaram os assinantes nos EUA a acrescentar o número de código de área ao número de sete dígitos, muitas pessoas relataram problemas em reter o número recém-aprendido. Tempo em segundos entre a apresentação das consoantes e a solicitação para que fossem lembradas (sem permissão para reiterar) >- F I G U R A 8 .1 0 Perda da memória de curto prazo A não ser que as informações verbais sejam reiteradas, elas podem ser esquecidas rapidamente. (De Peterson e Peterson, 1959; veja também Brown, 1958.) • O Mágico Número Sete tornou-se a contribuição da psicologia a uma intrigante lista de setes mágicos - as sete maravilhas do mundo, os sete mares, os sete pecados capitais, as sete cores primárias, as sete notas da escala musical, os sete dias da semana - sete setes mágicos. • Nossa memória de curto prazo é um pouco melhor para dígitos aleatórios (como os de um número de telefone) do que para letras aleatórias, que às vezes têm sons similares. É um pouco melhor para a informação que ouvimos do que para as imagens que vemos. Grosso modo, tanto crianças quanto adultos têm lembranças de curto prazo para tantas palavras quanto as que podem falar em 2 segundos (Cowan, 1994; Hulme e Tordoff, 1989). Em comparação às palavras que podem ser faladas em inglês, os sinais de Libra, a língua de sinais usada para comunicação entre deficientes auditivos, levam mais tempo para serem articulados. E, com certeza, a memória de curto prazo é capaz de reter menos sinais do que as palavras pronunciadas (Wilson e Emmorey, 2006). Sem reiteração, a maioria de nós retém na memória de curto prazo apenas cerca de quatro agrupamentos de infor- mações (por exemplo, letras agrupadas de maneira significa- tiva, como BBC, FBI, KGB, CIA) (Cowan, 2001; Jonides et al., 2008). Eliminar a reverberação, dizendo, por exemplo, “te te te” enquanto se ouvem números aleatórios também reduz a memória para cerca de quatro itens. O princípio básico é que, a qualquer momento, processamos de form a consciente apenas uma quantidademuito limitada de informações. Memória de Longo Prazo No livro Um estudo em vermelho, de Arthur Conan Doyle, Sherlock Holmes apresenta uma teoria popular sobre a capa- cidade da memória: Considero que o cérebro de um hom em originariamente é como um pequeno sótão vazio que temos que mobiliar com os móveis de nossa escolha... É um erro pensar que o pequeno cômodo tem paredes elásticas e pode se distender para qualquer tam an ho. Dependendo de como for, haverá um tempo em que, para qual- quer conhecim ento novo, teremos que esquecer algo que sabía- mos antes. Em oposição à crença de Sherlock Holmes, todavia, nossa capacidade de armazenamento da memória de longo prazo é essencialmente ilimitada. Nossos cérebros não são como sótãos, que uma vez cheios só podem estocar novos itens se os antigos forem descartados. • Pi nas alturas: No momento em que este livro ia para a gráfica, o recorde mundial de mem orização do pi ainda pertencia ao japonês Akira Haraguchi, que, segundo alguns relatos, recitou os 100 .000 primeiros algarismos do pi corretamente em 2006. (Associated Press, 2 0 0 6 ) • Essa capacidade é vividamente ilustrada por pessoas capa- zes de proezas fenomenais com a memória (TABELA 8 .1 ) . Considere os testes com a memória do psicólogo Rajan Maha- devan, na década de 1990. Se lhe déssemos um bloco de 10 números dos primeiros 30.000 dígitos de pi, após alguns momentos de pesquisa mental para a cadeia de algarismos ele diria a série a partir dali, disparando números como uma metralhadora (Delaney et al., 1999; Thompson et al., 1993). Ele também era capaz de reverberar 50 dígitos aleatórios - de trás para a frente. Isso não é um dom genético, segundo ele; qualquer um pode aprender a fazê-lo. Entretanto, dada a influência genética em tantos outros traços humanos, e sabendo que o pai de Rajan podia memorizar obras comple- tas de Shakespeare, deve-se perguntar sobre a participação dos genes nessa história. Devemos lembrar que muitos fenô- menos psicológicos, incluindo a capacidade da memória, podem ser estudados através de diferentes níveis de análise, incluindo o biológico. Armazenando Memórias no Cérebro 6 : Como o cérebro armazena nossas memórias? Eu me maravilhava com minha velha sogra, pianista e orga- nista aposentada. Aos 88 anos, seus olhos cegos não podiam mais ler partituras. Porém, se a colocássemos diante de um teclado, ela conseguia tocar centenas de hinos sem um erro, incluindo alguns que ela não tocava há mais de 20 anos. Onde, no seu cérebro, ela teria armazenado essas milhares de seqüências de notas? potenciação de longo prazo (PLP) um aumento do potencial de disparos das sinapses após uma estimulação rápida e breve. Acredita-se que seja a base neural do aprendizado e da memória. "Nossas memórias são flexíveis e se sobrepõem, um quadro-negro panorâmico com um estoque infinito de giz e apagadores." Elizabeth Loftus e K atherine Ketcham, The Myth ol Repressed Memory, 1994 Por algum tempo, alguns cirurgiões e pesquisadores da memória acreditaram que os flashbacks resultantes de esti- mulação cerebral durante as cirurgias eram evidências de que todo o nosso passado, e não apenas a música praticada há muito tempo, estava “lá dentro”, com todos os detalhes, ape- nas esperando para ser resgatado. Mas, quando Elizabeth Loftus e Geoffrey Loftus (1980) analisaram as “memórias” vividas deflagradas pela estimulação cerebral, eles descobri- ram que esses aparentes flashbacks eram inventados, e não revividos. O psicólogo Karl Lashley (1950) demonstrou ainda que as memórias não residem em um único ponto específico. Ele treinou ratos para que encontrassem a saída de um labi- rinto, depois cortou partes do córtex de seus cérebros e os testou novamente. Surpreendentemente, descobriu que não importava que uma pequena seção do córtex fosse removida, os ratos retinham pelo menos uma parte da solução para o labirinto. Assim, apesar da vasta capacidade de armazena- mento do cérebro, não armazenamos as informações como as bibliotecas fazem com os livros, em locais identificados e precisos. Mudanças Sinápticas Em busca de pistas sobre o sistema de armazenamento do cérebro, os pesquisadores contemporâneos da memória foram em busca de um traço da memória. Apesar de o cérebro repre- sentar a memória em grupos distribuídos de neurônios, as células nervosas precisam se comunicar através de suas sinapses (Tsien, 2007). Assim, o desafio de compreender a base física da memória - como as informações se “encarnam” TABELA 8.1 Re c o r des M u n d ia is e m Ca mpe o n a t o s de M e mó r ia Dos campeonatos mundiais de memória, aqui estão alguns recordes recentes, de 2008: Disputa/Descrição Recorde Cartas rápidas Menor tempo para memorizar um baralho com as 52 cartas misturadas 26 segundos Cartas em uma hora O máximo de cartas memorizado em uma hora (52 pontos para cada baralho correto; 26 pontos se houver 1 erro) 1.404 pontos Algarismos rápidos 0 máximo de algarismos aleatórios memorizados em 5 minutos 396 algarismos Nomes e rostos 0 máximo de nomes e sobrenomes memorizados em 15 minutos após ver cartas com rostos (1 ponto para cada nome ou sobrenome soletrado corretamente; 1/2 ponto para cada nome pronunciado corretamente mas soletrado de maneira errada) 181 pontos Algarismos binários 0 máximo de algarismos binários (101101 etc.) memorizado em 30 minutos após ver linhas de 30 algarismos 4.140 algarismos Fontes: usam emoriad.com e w oridm em orycham pionsh ip .com na matéria - provocou o surgimento de estudos sobre os pon- tos de encontro das sinapses, onde os neurônios se comuni- cam uns com os outros através de seus neurotransmissores mensageiros. “A biologia da mente será tão im portante cientificam ente para este [novo] século quanto a biologia genética [foi] para o século XX." Erik Kandel, discurso ao receber □ prêmio Nobel de 2000 Sabemos que a experiência modifica as redes neurais do cérebro; devido a um aumento de atividade em uma deter- minada via, as interconexões neurais se formam ou são refor- çadas (ver o Capítulo 4). Eric Kandel e James Schwartz (1982) observaram essas alterações nos neurônios emissores de um animal simples, a lesma-do-mar da Califórnia, ou Aplysia. Suas meras 20.000 células nervosas são especialmente gran- des e acessíveis, permitindo aos pesquisadores a observação das mudanças sinápticas durante o aprendizado. No Capí- tulo 7, relatamos como a lesma-do-mar pode ser classica- mente condicionada (com choques elétricos) a recolher de forma reflexa suas brânquias quando esguichamos água nela, da mesma forma que soldados com trauma de combate pulam ao ouvir o som de um graveto se partindo. Observando as conexões neurais da lesma antes e depois do condiciona- mento, Kandel e Schwartz mapearam as alterações. Quando o aprendizado ocorreu, a lesma liberou uma maior quanti- dade do neurotransmissor serotonina em certas sinapses. Essas sinapses se tornaram então mais eficientes na transmissão de sinais. O aumento na eficiência sináptica melhora a eficiência dos circuitos neurais. Em experimentos, a estimulação rápida das conexões de certos circuitos de memória aumentou sua sensibilidade por horas ou mesmo semanas. O neurônio emis- sor* agora precisava de menos estímulo para liberar seus neurotransmissores, e os locais de recepção* do neurônio receptor podiam aumentar (FIGURA 8 .1 1 ). Esse prolongado aumento do potencial de disparo neural, chamado de poten- ciação de longo prazo (PLP), proporciona uma base neural para o aprendizagem e associações da memória (Lynch, 2002; Whitlock et al., 2006). Diversas linhas de comprovação con- firmam que a PLP é uma base física para a memória: • As drogas que bloqueiam a PLP interferem na aprendizagem (Lynch e Staubli, 1991). • Camundongos mutantes submetidos a engenharia genética para anular a enzima necessária para a PLP não conseguem achar a saída de um labirinto (Silva et al., 1992). • Ratos que receberam uma droga paraaumentar a PLP aprenderam o caminho do labirinto cometendo a metade do número habitual de erros (Service, 1994). • A injeção em ratos de substâncias que bloqueiam a preservação de PLP apaga o aprendizado recente (Pastalkova et al., 2006). Alguns biólogos que pesquisam a memória ajudaram a fundar empresas farmacêuticas que estão competindo pelo desenvolvimento e testes de drogas para a melhoria da memó- ria. Seu mercado-alvo inclui os milhões de pessoas que sofrem com o mal de Alzheimer, outros tantos milhões com deterio- ração cognitiva leve, que muitas vezes se torna Alzheimer, e incontáveis outras que adorariam reverter o relógio do declí- nio da memória associado ao envelhecimento. Das memórias ampliadas provavelmente podem resultar lucros ainda maio- res. Uma abordagem é o desenvolvimento de drogas que aumentam a produção da proteína CREB, que pode ativar ou desativar os genes. Você deve lembrar que os genes codificam *Foi mantida a terminologia da obra em inglês “sending neuron" e “recei- ving neuron". Atualmente são utilizados os termos neurônio pré-sináp- tico e pós-sináptico, respectivamente. (N.R.) > F I G U R A 8.11 Locais de receptores duplos Imagens de m icroscópio eletrônico mostram apenas um ponto receptor (cinza) indo em direção a um neurônio emissor antes da potenciação de longo prazo (esquerda) e dois pontos após a PLP (direita). Uma duplicação dos pontos de recepção significa que o neurôn io receptor teve sua sensibilidade aumentada para detectar a presença de moléculas neurotransmissoras que podem ser liberadas pelo neurônio emissor. (De Toni et al., 1999.) a produção de moléculas de proteínas. Com os disparos neu- rais repetidos, os genes da célula nervosa produzem proteínas que fortalecem a sinapse, possibilitando o PLP (Fields, 2005). O estímulo da produção de proteína CREB pode levar a uma maior produção de proteínas que ajudam a reformar as sinapses e a consolidar a memória de curto prazo em memó- ria de longo prazo. Lesmas-do-mar, camundongos e drosófi- las que tiveram a produção de CREB aumentada apresenta- ram melhorias na memória. Outra abordagem é o desenvolvimento de drogas que esti- mulam o glutamato, um neurotransmissor que melhora a comunicação sináptica (PLP). Resta ainda descobrir se tais drogas podem melhorar a memória sem efeitos colaterais desagradáveis e sem encher nossas mentes com trivialidades que seria melhor esquecer. Enquanto isso, um aprimorador da memória eficaz, seguro e gratuito já se encontra disponí- vel nos campi universitários: estudo seguido de sono ade- quado! (Veja o Capítulo 3.) Após a potenciação de longo prazo ter ocorrido, passar uma corrente elétrica pelo cérebro não destruirá velhas memórias. Mas a eletricidade vai fazer com que lembranças muito recentes sejam completamente apagadas. Essa experi- ência ocorre tanto em animais de laboratório quanto em pes- soas deprimidas submetidas a eletroconvulsoterapia (ECT). Uma pancada na cabeça pode ter o mesmo efeito. Jogadores de futebol americano e boxeadores nocauteados momenta- neamente não costumam lembrar dos eventos imediatamente anteriores ao nocaute (Yarnell e Lynch, 1970). As informa- ções na memória de curto prazo antes da pancada não tive- ram tempo de ser consolidadas na memória de longo prazo antes de as luzes se apagarem. Apesar de a ECT aplicada à depressão comprometer a lembrança de experiências recentes, a maior parte das memórias se mantém intacta (ver o Capítulo 15). Hormônios do Estresse e a Memória Os pesquisadores interessados na biologia da mente também observaram de perto a influência das emoções e dos hormô- nios do estresse sobre a memória. Quando estamos excitados ou estressados, os hormônios do estresse estimulados pelas emoções produzem mais energia da glicose para abastecer a atividade cerebral, sinalizando para o cérebro que algo impor- tante aconteceu. Além disso, a amígdala, dois agrupamentos onde as emoções são processadas no sistema límbico, aumen- tam a atividade e as proteínas disponíveis nas áreas do cére- bro onde as memórias se formam (Buchanan, 2007; Kensin- ger, 2007). O resultado? O estímulo pode gravar determina- dos eventos no cérebro e ao mesmo tempo desfazer as memó- rias de eventos neutros que ocorreram mais ou menos na mesma época (Birnbaum et al., 2004; Brewin et al., 2007). “Experiências emocionais mais fortes provocam memórias mais intensas e confiáveis", afirma James McGaugh (1994, 2 00 3 ). Após experiências traumáticas - uma emboscada durante a guerra, uma casa em chamas, um estupro -, lem- branças vividas de eventos assustadores podem reaparecer de novo e de novo. É como se fossem gravados a fogo. Isso faz sentido do ponto de vista da adaptação. A memória serve para predizer o futuro e nos alertar para perigos potenciais. De maneira contrária, emoções mais fracas resultam em memórias mais fracas. Pessoas que recebem drogas que blo- queiam os efeitos dos hormônios do estresse terão maior difi- culdade para lembrar de detalhes sobre histórias desagradá- veis (Cahill, 1994). Essa conexão é apreciada por aqueles que trabalham no desenvolvimento de drogas que, administradas após uma experiência traumática, podem amenizar memó- rias persistentes. Em um experimento, vítimas de acidentes de carro, estupro e outros traumas foram submetidas a um tratamento com propranolol ou com placebo por 10 dias após o evento traumático. Nos testes feitos 3 meses mais tarde, metade do grupo do placebo e ninguém do grupo que rece- beu a droga apresentaram sinais de transtornos pelo estresse (Pitman et al., 2002, 2005). Se você sofreu uma experiência traumática, gostaria de tomar algum remédio que deixasse essa memória amortecida? O que é mais importante - suas experiências ou a memória que você tem delas? Alterações hormonais provocadas pelas emoções ajudam a explicar por que lembramos por muito tempo de eventos O estresse profundo fica gravado na memória Eventos causadores de estresse profundo, como os incêndios descontrolados na Califórnia em 2007, podem se tornar partes indeléveis das memórias dos que passaram por eles. chocantes ou excitantes, como nosso primeiro beijo, ou dos rumos de nossas vidas ao sabermos da morte de um amigo. Em uma pesquisa do instituto de pesquisa Pew, de 2006, 95% dos adultos norte-americanos afirmaram que eram capazes de lembrar exatamente onde estavam e o que faziam quando ouviram a notícia do ataque de 11 de setembro de 2011. Essa clareza percebida das memórias de eventos surpreendentes e significativos levou alguns psicólogos a chamarem-nas de m em órias de fla sh . É como se o cérebro comandasse: “Foto- grafe isso!”. As pessoas que passaram pelo terremoto de San Francisco de 1989 fizeram exatamente isso. Um ano e meio mais tarde, lembravam perfeitamente de onde estavam e o que faziam (as lembranças foram conferidas com os registros feitos um ou dois dias após o abalo). As lembranças de outras pessoas que simplesmente ouviram falar dos acontecimentos relacionados ao terremoto eram mais passíveis de erros (Neis- ser et al., 1991; Palmer et al., 1991). As memórias de flash que as pessoas revivem, reiteram e discutem também podem resultar em erros (Talarico et al., 2003). Ainda que nossas memórias de flash sejam notáveis por sua vivacidade e pela confiança com que nos permitem relembrá-las, informações equivocadas podem se infiltrar nelas (Talarico e Rubin, 2007). Existem outros limites para as lembranças intensificadas pelo estresse. Quando prolongado - como em casos de abuso contínuo ou de combate - , o estresse pode agir como um ácido, corroendo as conexões neurais e encolhendo a área do cérebro (o hipocampo) que é vital para assentar as memórias (mais sobre isso no Capítulo 12). Além disso, quando os hor- mônios do estresse súbito começam a fluir, memórias mais antigas podem ser bloqueadas. Isso é verdade para ratos que procuram o caminho até um alvo escondido (de Quervain et al., 1998). E é verdade paraaqueles de nós cujas mentes ficam em branco na hora de falar em público. Armazenando Memórias Implícitas e Explícitas Uma futura memória entra no córtex pelos sentidos e depois percorre todo o caminho até as profundezas do cérebro. Pre- cisamente para onde ela vai depende do tipo de informação, como ilustram de maneira radical aqueles que, como no caso do meu pai mencionado antes, sofrem de um tipo de am né- sia que os impede de formar novas memórias. O caso mais famoso é o do paciente conhecido por todos os neurocientistas como H. M., que foi submetido, em 1953, a uma remoção cirúrgica necessária de uma parte do cérebro envolvida com a fixação de novas memórias de fatos e de experiências. A perda do tecido cerebral deixou suas antigas lembranças intactas - no último relatório, ele ainda fazia diariamente suas palavras cruzadas. Mas a conversão de novas experiências em armazenamento de longo prazo era outra questão. “Conheço H. M. desde 1962 e ele ainda não sabe quem eu sou”, observou sua pesquisadora de longa data Suzanne Corkin (Adelson, 2005). memória de flash uma memória clara de um momento ou evento emocionalmente significativo. amnésia a perda de memória. memória implícita retenção independente de lembranças conscientes. (Também chamada de memória não declarativa.) memória explícita memória de fatos e experiências de que a pessoa é capaz de lembrar conscientemente e “declarar”. (Também chamada de memória declarativa.) O neurologista Oliver Sacks (1985, pp. 26-27) descreveu um outro paciente assim, Jimmie, que sofrerá danos cerebrais. Jim- mie não reteve mais memórias - ou seja, nenhum senso do decorrer do tempo - desde seu acidente, em 1945. Em 1975, perguntaram-lhe o nome do presidente dos EUA, e ele respon- deu: “FDR está morto. Truman está no comando.” Referia-se a Franklin Delano Roosevelt, presidente dos EUA de 1933 a 1945. Quando Jimmie disse que sua idade era 19 anos, Sacks colo- cou um espelho diante dele: “Olhe no espelho e diga o que vê. É um jovem de 19 anos olhando para você? Jimmie ficou transtornado, agarrou-se à cadeira, prague- jou e ficou histérico: “O que está acontecendo? O que acon- teceu comigo? Isso é um pesadelo? Estou louco? É uma piada?” Quando desviaram sua atenção para algumas crianças que jogavam beisebol, seu pânico cessou, o espelho pavoroso foi esquecido. Sacks mostrou a Jimmie uma foto da National Geographic. “O que é isto?”, perguntou-lhe. “É a Lua”, Jimmie respondeu. “Não, não é”, Sacks respondeu. “É uma foto da Terra tirada da Lua.” “Doutor, o senhor está brincando? Alguém teria que ter levado uma câmera até lá !” “Naturalmente.” “Caramba! O senhor está de brincadeira - como é que iam fazer isso?” A reação de surpresa de Jimmie era a de um jovem de 60 anos atrás reagindo maravilhado diante de sua viagem de volta para o futuro. Testes cuidadosos com essas pessoas revelam algo ainda mais estranho: embora fossem incapazes de lembrar de fatos novos ou de qualquer coisa que tivessem feito recentemente, Jimmie e os outros em condições semelhantes são capazes de aprender. Diante de figuras nas quais as imagens são difíceis de ser encontradas (como na série Onde Está Wally?), elas podiam voltar a encontrá-las rapidamente mais tarde. São capazes de achar o caminho do banheiro, ainda que não con- sigam dizer onde é. Conseguem aprender a ler textos espelha- dos, escritos de trás para a frente, ou de resolver quebra-cabe- ças, são ensinadas até mesmo a desempenhar tarefas comple- xas (Schacter, 1992, 1996; Xu e Corkin, 2001). E podem ser submetidas a um condicionamento clássico. No entanto, fazem tudo isso sem ter consciência do processo de aprendizado. Essas vítimas de amnésia são de alguma forma como as pessoas com lesão cerebral que não podem conscientemente reconhecer rostos, mas cujas respostas fisiológicas a rostos familiares revelam um reconhecimento implícito (incons- ciente). Seus comportamentos desafiam a concepção de que a memória é um sistema simples e unificado. Em vez disso, pare- cemos ter dois sistemas de memória operando em paralelo (FIGURA 8 .12 ). O que quer que tenha destruído as lembran- ças conscientes dos indivíduos com amnésia, não destruiu sua capacidade inconsciente de aprender. Conseguem aprender como fazer alguma coisa - a chamada m em ória im plícita (memó- ria não declarativa). Mas podem não saber e afirmar que sabem - a chamada m em ória explícita (memória declarativa). Tendo lido uma história uma vez, eles a releem mais rápido em uma segunda vez, mostrando a memória implícita. Con- tudo, não há memória explícita, pois não conseguem lembrar de já tê-la lido antes. Se a palavra perfume lhes é mostrada repetidamente, não recordarão de já a ter visto. Porém, quando solicitados a dizer a primeira palavra que lhes venha à mente iniciada por per, falam perfume, demonstrando prontamente seu aprendizado. Através dessas tarefas, até mesmo pacientes de Alzheimer, cujas memórias explícitas de pessoas e eventos se perderam, demonstram a habilidade de formar novas memórias implícitas (Lustig e Buckner, 2004). Tipos de memórias de longo prazo X ____ Explicita (declarativa) Com lembrança consciente Implicita (não declarativa) Sem lembrança consciente Processada no hipocampo Processada por outras areas do cérebro, incluindo u cerebelo Fatos - Eventos vivendados Habilidades - motoras Condicionamento conhecimento geral pessoalmente e cognitivas clássico > FIGURA 8.12 Subsistemas de memória Processamos e armazenamos nossas memórias explícitas e implícitas separadamente. Assim, uma pessoa pode perder a memória explícita (tornando-se amnésica), mas ainda manter a memória implícita de algum material que não seja capaz de lembrar de maneira consciente. O H ipocam po Essas histórias notáveis nos levam a per- guntar: será que nossos sistemas de memória implícita e explícita funcionam em diferentes áreas cerebrais? Exames de varredura cerebral, como a tomografia computadorizada por emissão de pósitrons (PET), em pessoas lembrando pala- vras (Squire, 1992), e autópsias de pessoas que sofreram amnésia, revelaram que as novas memórias explícitas de nomes, imagens e eventos são fixadas através do hipocampo, um centro neural do lobo temporal que também faz parte do sistema límbico do cérebro (FIGURA 8 .1 3 ; Anderson et al., 2007). - O sistema de memória em duas vias reforça um princípio importante apresentado na descrição do processamento paralelo feita no Capítulo 6: realizações mentais, como a visão, o pensamento e a memória, podem parecer habilidades simples, mas não são. Pelo contrário, dividimos as informações em diferentes componentes para serem processados de maneira separada e simultânea. “As tecnologias [de varredura cerebral] estão revolucionando o estudo do cérebro e da mente da mesma forma como o telescópio revolucionou o estudo do céu." Endel Tulving (199G) Lesões no hipocampo, portanto, afetam alguns tipos de memória. O chapim-de-cabeça-negra (Poecile atricapillus), típico da América do Norte, como alguns outros pássaros, é capaz de guardar a comida em centenas de lugares e voltar a esses esconderijos não identificados meses depois, mas não se tiver o hipocampo removido ÍKamil e Cheng, 2001; Sherry e Vaccarino, 1989). Como o córtex, o hipocampo é lateralizado. (Temos dois deles, cada um exatamente acima de cada ouvido e cerca de três centímetros para dentro.) Lesão em um ou em outro parece provocar resultados diferentes. Lesão no hipo- campo esquerdo compromete a capacidade de lembrar de infor- mações verbais, mas não de recuperar memórias visuais de desenhos e de locais. Lesão no hipocampo direito provoca o problema inverso (Schacter, 1996). Novas pesquisas também destacam as funções de sub- regiões do hipocampo. Uma parte é ativada quando as pessoas aprendem a associar nomes a rostos (Zeineh et al., 2003). Outra parte é ativada quando a memória dedica-se a esforços mnemônicos espaciais (Maguire et al., 2003b).A área poste- rior, que processa a memória espacial, é maior em motoristas de táxi londrinos que passam mais tempo circulando pelo labi- rinto de ruas da cidade (Maguire et al., 2003a). O hipocampo é ativado durante o sono de ondas lentas, quando as memórias são processadas para serem recuperadas mais tarde. Quanto maior a atividade do hipocampo durante o sono após uma atividade de treinamento, melhor será a memória do dia seguinte (Peigneux et al., 2004). Mas essas memórias não ficam armazenadas permanentemente no hipo- campo. Em vez disso, ele parece funcionar mais como um porto de cargas, onde o cérebro registra e mantém temporariamente os elementos de um episódio a ser lembrado - ele registra chei- ros, sentimentos, sons e locais. Depois, como a transferência de arquivos antigos para um porão, as memórias migram para serem armazenadas em algum outro lugar. A remoção do hipo- campo três horas depois de os ratos terem aprendido o local de algum novo alimento saboroso interfere nesse processo e impede a formação da memória de longo prazo; a remoção após 48 horas não tem esse efeito (Tse et al., 2007). O sono >- FIGURA 8.13 O hipocampo As memórias explícitas para fatos e episódios são processadas no hipocampo e alimentadas para outras regiões do cérebro, onde são armazenadas. auxilia essa consolidação da memória. Durante o sono, nosso hipocampo e o córtex cerebral apresentam ritmos de ativida- des simultâneos, como se estivessem dialogando (Euston et al., 2007; Mehta, 2007). Os pesquisadores suspeitam que o cérebro está repetindo as experiências do dia ao transferi-las para o armazenamento de longo prazo no córtex. Uma vez armazenadas, nossas repetições mentais dessas experiências passadas ativam diversas partes dos lobos frontal e temporal (Fink et al., 1996; Gabrieli et al., 1996; Marko- witsch, 1995). Lembrar de um número telefônico e mantê-lo na memória de trabalho, por exemplo, ativaria uma região do córtex frontal esquerdo; recuperar um momento de uma festa provavelmente ativaria uma região no hemisfério direito. O Cerebelo Apesar de o hipocampo ser um local tempo- rário de processamento para suas memórias explícitas, você pode perdê-lo e ainda fixar suas lembranças para atividades e associações condicionadas. Joseph LeDoux (1996) relata a história de uma paciente com lesão cerebral cuja amnésia a deixou incapaz de reconhecer seu médico: todos os dias, ele apertava sua mão e se apresentava. Um dia, após estender- lhe a mão, ela deu um pulo para trás, pois o médico assus- tou-a com uma tachinha na palma. Na outra vez em que ele retornou para se apresentar, ela se recusou a apertar sua mão, mas não conseguiu explicar o motivo. Após sofrer um con- dicionamento clássico, ela não seria capaz de fazê-lo. O cerebelo, a região cerebral que se projeta atrás do tronco encefálico, desempenha um papel essencial na formação e no armazenamento das memórias implícitas criadas pelo con- dicionamento clássico. Com o cerebelo lesionado, as pessoas não podem desenvolver certos reflexos condicionados, como associar um som a um sopro de ar iminente, portanto não piscam em antecipação ao sopro (Daum e Schugens, 1996; Green e Woodruff-Pak, 20 00). Ao interromper metodica- mente a função de percursos diferentes no córtex e no cere- belo de coelhos, os pesquisadores demonstraram que os coe- lhos também não conseguem aprender a piscar como uma reação condicionada quando o cerebelo está temporariamente desativado (Krupa et al, 1993; Steinmetz, 1999). A formação de memórias implícitas precisa do cerebelo. Nosso sistema duplo de memória explícita e implícita ajuda a explicar a amnésia infantil: as reações e habilidades implícitas que aprendemos durante a infância chegam muito longe em nosso futuro, ainda que, quando adultos, não lembremos (expli- citamente) de nada de nossos três primeiros anos. As memórias Cerebelo O cerebelo tem uma participação Importante na formação e no armazenamento de nossas memórias implícitas. explícitas infantis têm uma meia-vida aparente. Em um estudo, os eventos vividos e discutidos com a mãe aos 3 anos foram 60 por cento lembrados aos 7, mas apenas 34 por cento aos 9 anos (Bauer et al., 2007). Quando adultos, a memória consciente dos nossos primeiros três anos é vazia, pois boa parte de nossa memória explícita é ordenada em palavras que crianças que ainda não falam desconhecem e também porque o hipocampo é uma das últimas estruturas cerebrais a amadurecer. ANTES DE PROSSEGUIR... >- P e r g u n t e a Si M e s mo Você pode citar um exemplo em que o estresse o ajudou a lembrar de algo e outro caso em que o estresse interferiu sobre sua lembrança?? >- T est e a Si M e s mo 3 Uma amiga lhe conta que o pai dela sofreu uma lesão cerebral em um acidente. Ela se pergunta se a psicologia é capaz de explicar por que ele ainda consegue jogar damas tão bem, mas tem tanta dificuldade para manter uma conversa equilibrada. O que você pode responder? As respostas às Questões “Teste a Si Mesmo" podem ser encontradas no Apêndice B. no final do livro. Recuperação: Acessando a Informação 7 : Como podemos extrair as informações da memória? PARA LEMBRAR DE UM EVENTO é preciso mais do que colocá-lo para dentro (codificar) e mantê-lo lá (armazena- mento). Para a maioria das pessoas, a memória é recordar, a capacidade de recuperar informações não disponíveis na consciência. Para um psicólogo, a memória é qualquer sinal de que algo aprendido se manteve. Assim, o reconhecim ento ou o reaprendizado mais rápido das informações também se referem à memória. hipocampo um centro neural localizado no sistema límbico; ajuda a processar memórias explícitas para armazenamento. recuperação uma medida da memória em que a pessoa precisa recuperar informações obtidas antes, como num teste de preenchimento de lacunas. reconhecimento uma medida da memória em que a pessoa precisa apenas identificar os itens anteriormente aprendidos, como em um teste de múltipla escolha. reaprendizagem uma medida da memória que avalia a quantidaae de tempo ganho quando se aprende um determinado assunto pela segunda vez. Muito tempo depois de você não ser mais capaz de lem- brar da maioria das pessoas que estudaram com no ensino médio, você ainda poderá reconhecer suas fotos no livro de formatura e identificar seus nomes numa lista. Harry Bahrick e seus colegas (1975) relataram que as pessoas que tinham se formado há 25 anos não se recordavam de muitos de seus antigos colegas, mas reconheciam 90% de suas fotos e nomes. Se você for como a maioria dos estudantes, provavelmente Lembrando do passado Mesmo que Oprah Winfrey e Brad Pitt não tivessem ficado famosos, seus colegas de ensino fundam ental provavelmente os reconheceriam nas fotos do livro de formatura. conseguirá reconhecer mais nomes dos Sete Anões do que é capaz, de lembrar (Miserandino, 1991). Nossa memória de reconhecimento é incrivelmente rápida e vasta. “Seu amigo está vestindo uma roupa nova ou velha?” “Velha.” “Este trailer de cinco segundos é de um filme que você já viu?” “Sim.” “Você já viu esta pessoa antes - com esta pequena variação dos tradicionais traços humanos (dois olhos, um nariz e assim por diante)?” “Não.” Antes que a resposta possa se formar em nossa boca para alguns milhões de perguntas desse tipo, a mente já sabe, e sabe que sabe. Nossa velocidade de reaprendizagem também revela a memória. Se você já aprendeu alguma coisa que esqueceu depois, provavelmente a reaprenderá mais rapidamente na segunda vez. Ao estudar para uma prova final ou ressuscitar o idioma que usava na primeira infância, a reaprendizagem é mais fácil. Os testes de reconhecimento e do tempo gasto com a reaprendizagem confirmam esse ponto: lembramos mais do que podemos recuperar. • P e rgu n tas de m ú lt ip la esco lha te s ta m nossas capacidades de: a. recuperar. b. reconhecer. c. reaprender. Questões de preench im ento de lacunas testam nossas capacidades d e ________(Veja as respostas invertidas a seguir.) « oçóejadnoaj essou uies^uaA seunDe| ap o ju a w iip u a a jd ap saç jsanb s v o;uawpai(uoDa.i o w ejsa} eij|03sa e |d !i|n iu ap se*un6 ja d s v Pistas de Recuperação Imagine uma aranha suspensa no meio de sua teia, presa aos diversos fios que se espalham a partir dela em várias direções, para diferentes pontos (talvez a moldura de uma janela, o ramo de uma árvore, uma folha ou um arbusto). Se você for traçar o caminho até a aranha, terá primeiro que criar um caminho para um desses pontos de fixação e depois seguir o fio pela teia. "A m em ória não é como um recipien te que v ai se enchendo aos poucos; é m ais como um a árvore que v ai desenvolvendo galh os onde a s m em órias podem se pendurar.” Peter Russell, The Brain Book, 1979 O processo de recuperação de uma memória segue um prin- cípio semelhante, pois as memórias são armazenadas em uma rede de associações, cada pedaço de informação é interligado a outro. Quando você codifica na memória uma informação, como o nome da pessoa sentada ao seu lado na sala de aula, você associa a isso a outras pequenas informações sobre o que há ao seu redor: humor, posição em que está sentada e assim por diante. Esses fragmentos podem funcionar como pistas de recuperação, pontos de fixação usados para acessar a informa- ção principal quando você a quiser recuperar mais tarde. Quanto mais pistas de recuperação você tiver, maiores chan- ces de achar o caminho até a memória suspensa. Você consegue recuperar o teor da segunda frase que pedi para ser memorizada, na discussão sobre o que nós codifica- mos? Caso não consiga, será que a palavra tubarão funciona- ria como uma pista de recuperação? Os experimentos demons- tram que tubarão (provavelmente o que você visualizou) recu- pera a imagem armazenada mais prontamente do que a pala- vra realmente usada na frase, peixe (Anderson et al., 1976). (A frase foi “O peixe atacou o nadador.”) Dispositivos mnemô- nicos - como “Vermelho lá vai violeta”, HOMES, atum, bois, chinês - nos fornecem pistas de recuperação práticas. Mas as melhores pistas de recuperação vêm de associações que se for- mam no momento em que codificamos uma memória. Chei- ros, gostos e visões muitas vezes evocam a recuperação de acon- tecimentos associados. Para evocar as pistas visuais ao tentar- mos recuperar alguma informação, podemos nos colocar men- talmente no contexto original. Após perder a visão, John Hull (1990, p. 174) descreveu sua dificuldade para recuperar esse tipo de detalhe: “Eu sabia que estivera em algum lugar, e que tinha feito algumas coisas específicas com certas pessoas, mas onde? Não conseguia colocar a conversa [...] em um contexto. Não havia um pano de fundo, nenhuma característica para identificar o lugar. Normalmente, as lembranças de pessoas com quem você falou durante o dia são armazenadas em estru- turas que incluem um pano de fundo.” Os recursos de que Hull sentia falta são os fios que ativa- mos para recuperar uma lembrança específica de sua teia de associações. O filósofo-psicólogo William James referia-se a esse processo, a que chamamos prim ing (pré-ativação), como o “despertar das associações”. Muitas vezes nossas asso- ciações são ativadas sem nos darmos conta. Como indica a FIGURA 8.14 , ver ou ouvir a palavra rabbit (coelho) ativa as associações com hare (lebre), mesmo que não nos lembre- mos de ter visto ou ouvido rabbit. A pré-ativação (priming) muitas vezes é a “memória des- memoriada” - uma lembrança invisível, não explícita. Se, ao caminhar por um saguão você vê o pôster de uma criança desa- parecida, inconscientemente sua mente será ativada para inter- pretar uma relação ambígua entre um adulto e uma criança como um possível seqüestro (James, 1986). Apesar de não lembrar conscientemente do pôster, ele predispõe a nossa inter- pretação. Encontrar alguém que nos faz lembrar de outra pes- soa desperta sentimentos associados sobre essa segunda pessoa que podem ser transferidos para o novo contexto (Andersen e Saribay, 2005; Lewicki, 1985). (E, como vimos no Capítulo 6, mesmo os estímulos subliminares podem rapidamente ativar respostas a estímulos posteriores.) - Faça duas perguntas rápidas a um am igo: (a) Como se escreve “ prob lem a” ? (b) Qual o nome da parte clara do ovo? - se ele responder “ gema” , você demonstrou a “ pré-ativação” .* • *No original: (a) Como se pronuncia a palavra s-h-o-p (comprar)? (b) O que você faz diante de um sinal verde? A resposta influenciada pelo prim ing/pré-ativação seria “stop” (parar). (N.T.) Ver ou ouvir a palavra rabbit Ativa o conceito Leva a soletrar a palavra enunciada hair/hare como h-a-r-e > FIGURA 8.14 Associações despertadas por pré-ativação {priming) Após ver ou ouvir raboit (coelho), ficamos mais predispostos a soletrar a palavra como h-a-r-e (lebre). A disseminação das associações inconscientemente ativa associações relacionadas. Esse fenômeno é chamado de priming (pré-ativação). (Adaptado de Bower, 1986.) Efeitos do Contexto 8 : Como contextos externos e emoções internas influenciam a recuperação de lembranças? Colocar-se de volta no lugar onde aconteceu alguma coisa pode ajudar a ativar a recuperação de uma lembrança. Dun- can Godden e Alan Baddeley (1975) descobriram isso quando fizeram mergulhadores ouvir uma lista de palavras em duas situações diferentes: a 10 pés abaixo da superfície e sentados na praia. Como a FIGURA 8 .15 ilustra, os mergulhadores recordaram mais palavras quando foram testados no mesmo local em que as ouviram. Você provavelmente já experimentou o efeito de contexto. Considere a seguinte situação: enquanto toma notas de leitura deste livro, percebe que precisa fazer ponta no lápis. Você se levanta e vai para o andar debaixo, mas, ao chegar lá, não lem- bra o que foi fazer. Após voltar para a mesa de estudo, se dá conta: “Eu queria apontar este lápis!” O que provoca essa expe- riência frustrante? Em um contexto (na mesa, estudando psico- logia), você se dá conta de que o lápis está sem ponta. Ao descer para um contexto diferente, tem poucas pistas para recuperar o pensamento. Ao voltar para a mesa, está de volta ao contexto onde ele foi codificado (“Este lápis precisa de ponta”). p ré -a tivação (prim ing ) a p ré-ativação, geralm ente inconsciente, de associações particulares na memória. Carolyn Rovee-Collier (1993), em vários experimentos, des- cobriu que um contexto familiar ativa lembranças até em crian- ças de 3 meses. Após terem aprendido que ao chutar um móbile em um berço podiam fazê-lo se mover (por meio de um bar- bante atado ao tornozelo), as crianças chutavam mais quando eram testadas novamente no mesmo berço com o mesmo objeto do que quando colocadas em outro contexto. Às vezes, estar em um contexto semelhante a outro onde estivemos antes pode deflagar uma experiência de déjà vu (ex- pressão francesa para “já visto”). Dois terços das pessoas que já passaram por esse sentimento fugaz e perturbador o perce- bem como “Eu já estive nesta situação antes”, mas ele é mais comum com jovens adultos com boa formação, imaginativos, Percentual de palavras lembradas 40<Vo 30 20 10 M a is le m b r a n ç a s q u a n d o o s c o n te x to s d e a p r e n d iz a d o e d e te s t e e ra m o s m e s m o s A g u a /t e r r a T e r ra / á g u a Á g u a ^ á g u a T e r r a / te r r a Contextos diferentes para ouvir e lembrar Mesmos contextos para ouvir e lembrar > FIGURA 8.15 Os efeitos do contexto sobre a memória Palavras ouvidas debaixo d'água são mais bem lembradas debaixo d'água; palavras ouvidas em terra são mais bem lembradas em terra. (Adaptado de Godden e Baddeley, 1975.) especialmente quando cansados ou estressados (Brown, 2003, 2004; McAneny, 1996). Alguns se perguntam: “Como posso reconhecer uma situação que estou vivendo pela primeira vez?”. Outros pensam em reencarnação ( “Devo ter experimentado isto em uma vida passada”), ou em premonição (“Viessa situa- ção em minha mente antes de vivenciá-la”). "Você já teve a e s tra n h a sen sa çã o de v u jà dé? Não é d é jà vu; vujà d é. É um a s en sa ç ão d iferen te de que algo, de algu m je ito , a c a b a de a co n te c e r e que n u n ca tin h a ac on tecid o an tes . Nada p a rec e fam iliar . E, su b itam en te , a s en sa çã o d esap arece. Vujà dé." George Carlin (1937-2000], em Funny Times, dezembro de 2DD1 Colocando a questão de uma forma diferente ( “Por que senti como se eu reconhecesse esta situação?”), podemos ver como nosso sistema de memória produz o déjà vu (Alcock, 1981). A situação atual pode estar carregada de pistas que, inconscientemente, recuperam uma experiência parecida anterior. (Nós recebemos e armazenamos quantidades enor- mes de informações quase sem nos darmos conta e muitas vezes esquecemos de onde vieram.) Assim, se em um con- texto determinado você vir um estranho que anda e se parece com um velho amigo, a semelhança pode levar a uma estra- nha sensação de reconhecimento. Tendo despertado uma sombra daquela experiência anterior, você pode pensar: “Já vi essa pessoa nessa situação antes.” Ou, talvez, como sugere James Lampinen (2002), a situa- ção pareça familiar quando é ligeiramente parecida com outros diferentes eventos. Imagine que você encontrou rapi- damente meu pai, meus irmãos, minha irmã, meus filhos e, algumas semanas depois, a mim. É provável que você pense: “Estive com esse cara antes.” Embora ninguém de minha família seja parecido ou se comporte exatamente como eu (sorte deles), todos podem ter algumas semelhanças e gestos parecidos, e eu posso corresponder globalmente à sua expe- riência anterior. Ainda uma outra teoria, dentre as mais de 50 propostas, atribui o déjà vu ao nosso duplo processamento. Lembre-se de que estruturamos nossas percepções a partir do processa- mento de informações que ocorre simultaneamente por diver- sas vias. Se ocorrer um leve tropeço neural e um sinal se atra- sar em uma das vias, pode parecer uma repetição de algo anterior, criando a ilusão de que estamos revivendo alguma coisa (Brown, 2004b). déjà vu aquela sensação estranha de que “já passei por isso antes” . Pistas da situação atual podem, subcons- cientemente, provocar a recuperação de uma experiência anterior. Humores e Memórias Palavras, eventos e contextos associados não são as únicas pistas de recuperação. Eventos do passado podem ter provo- cado uma emoção específica que mais tarde nos desperta para as lembranças dos eventos associados a ela. O psicólogo cog- nitivo Gordon Bower (1983) explicou da seguinte maneira: “Uma emoção é como uma biblioteca onde armazenamos registros da memória. Nós recuperamos melhor os registros ao retornar àquele quarto emocianal.”0 que aprendemos em um determinado estado - estejamos bêbados ou sóbrios - pode ser facilmente lembrado quando voltarmos àquele estado, um fenômeno sutil denominado memória dependente do estado. O que as pessoas aprendem quando estão bêbadas não conseguem lembrar direito em estado nenhum (o álcool afeta a retenção). Mas conseguirão lembrar um pouco melhor quando se embebedarem novamente. Uma pessoa que esconde dinheiro quando está bêbada pode só conseguir lembrar do esconderijo após se embriagar novamente. Nossos estados de humor fornecem um exemplo de como a memória depende do estado. As emoções que acompanham eventos positivos ou negativos transformam-se em pistas de recuperação (Fiedler et al., 2001). Assim, nossas memórias são, em boa parte, congruentes com o hum or. Se a pessoa com quem você marcou um jantar não apareceu, se você per- deu o seu chapéu Toledo Mud Hens, se a TV pifou 10 minu- tos antes de o mistério ser revelado - seu mau humor pode ajudar a lembrar de outros momentos ruins. A depressão torna as lembranças mais amargas por despertar associações negativas, que empregamos então para explicar o humor atual. Se adotamos um humor mais leve - seja pela hipnose ou apenas pelos acontecimentos do dia (a vitória da Alema- nha na Copa do Mundo de futebol, em um estudo) - as pes- soas se lembram do mundo como se olhassem através de len- tes cor de rosa (DeSteno et al., 2000; Forgas et al., 1984; Schwarz et al., 1987). Julgam-se mais competentes e eficien- tes, consideram as outras pessoas benevolentes e acham que eventos felizes são mais prováveis. “Quando um sen tim en to esta v a lá , eles sen tia m como se aqu ilo ja m a is ir ia em bora; depois que su m ia, era como se n u n ca tiv e s se ex istid o ; quando re to rn a v a, era como se ja m a is tiv es s e partido." George MacDonald, What's Mine’s Mine, 1006 Sabendo dessa conexão entre o humor e a memória, não deveríamos nos surpreender com alguns estudos em que pes- soas atualmente deprimidas lembram de seus pais como as tendo rejeitado, punido e as deixado com sentimentos de culpa, enquanto as que já haviam superado a depressão os descreviam de maneira muito parecida com a de quem jamais sofreu de depressão (Lewinsohn e Rosembaum, 1987; Lewis, 1992). Da mesma maneira, a avaliação do afeto de seus pais feita por adolescentes numa determinada semana dá poucas pistas sobre como os classificarão daqui a seis semanas (Borns- tein et al., 1991). Quando os adolescentes estão para baixo, seus pais parecem desumanos; quando o humor melhora, os pais passam de demônios a anjos. Você e eu podemos con- cordar sabiamente com a cabeça. No entanto, com bom ou com mau humor, continuamos a atribuir à realidade nossos próprios julgamentos e memórias. Os humores não in fluenciam apenas nossas lembranças, mas tam bém com o in terpretam os o com portam en to dos outros. Quando estamos mal- humorados, in terpre tam os um olhar com o sendo de desprezo e nos sentim os piores ainda, mas se estamos bem -hum orados o mesmo olhar pode ser cod ificado com o de interesse e nos fazer sentir ainda melhores. As paixões levam ao exagero. O efeito de nosso humor sobre as lembranças ajuda a expli- car por que o humor persiste. Quando estamos felizes, lem- bramos de acontecimentos felizes e, assim, vemos o mundo como um lugar alegre, o que ajuda a prolongar o estado ale- gre. Quando deprimidos, lembramos de eventos tristes, que obscurecem nossas interpretações dos eventos atuais. Para aqueles de nós com predisposição à depressão, esse processo pode ajudar a manter um círculo vicioso de infelicidade. ANTES DE PRO SSEGUIR... >- Per g u n t e a Si M e s mo Como anda o seu hum or ultimamente? Como o seu hum or de fin iu o tom de suas memórias, percepções e expectativas? > Teste a Si Mesmo 4 O que é pré-ativação (priming)? A s re s p o s ta s às Q u e s tõ e s "T e s te a Si M e s m o " p o d e m se r e n c o n tra d a s n o A p ê n d ic e B. n o f in a l d o l iv ro . Esquecimento 9 : Por que esquecemos? EM MEIO AOS APLAUSOS PARA A MEMÓRIA - todos os esforços para compreendê-la, todos os livros para melhorá- la -, alguém já ouviu algum elogio ao esquecimento? William James (1890, p. 680) foi esse defensor: “Se lembrássemos de tudo, passaríamos a maior parte do tempo sofrendo tanto quanto se não lembrássemos de nada.” Para se desfazer do amontoado de informações inúteis ou ultrapassadas - onde estacionamos o carro ontem, o telefone antigo de um amigo, pedidos já atendidos e consumidos em um restaurante -, com certeza o esquecimento é uma bênção. O campeão russo da memória, S., que conhecemos no início do capítulo, era per- seguido pela montanha de lembranças inúteis em sua cabeça. Elas dominavam sua consciência. Ele tinha dificuldade para pensar de maneira abstrata - generalizando, organizando, avaliando. Após ler uma história, era capaz de recitá-la, mas teria muita dificuldade para resumir sobre o que se tratava. “A a m n ésia in f iltra -s e p e la s fen d as de n o ssos cérebros, e a a m n ésia c u r a " Joyce Carol Oates, "Words Fail, Memory Blurs, Life Wins", 2001 .......... ......- —— —--- ——* ar memória congruente com o humor a tendência para recordar as experiências conforme o bom ou mau humor de uma pessoa num determinado momento. Um caso mais recente de uma vida dominada pela memó- ria é a de “A. J.'\ cuja experiência foi estudada e verificada por uma equipe de pesquisa da Universidade da Califórnia, em Irvine (Parker et al., 2006). A. J., que se identificou como Jill Price, descreve sua memória como “um filme contínuo que nunca para. É como uma tela dividida. Estou falando com uma pessoa e vendo uma outra coisa. (...) Sempre que vejo uma data na televisão (ou qualquer coisa parecida), auto- maticamente retorno àquele dia e me lembro de onde eu estava, o que fazia, que dia da semana era e assim por diante, sem parar. É o tempo todo, algo incontrolável e extremamente cansativo". Uma boa memória é algo positivo, mas a capaci- dade de esquecer também. Se fosse inventada uma pílula para melhorar a memória, seria melhor que não fosse eficiente demais. • O vio lonce lista Yo-Yo Ma esqueceu seu v io lonce lo de 266 anos, que vale US$2,5 m ilhões, num táx i de Nova York. (Conseguiu recuperá-lo mais tarde.) • Com frequência, no entanto, nossa memória nos decep- ciona e desanima. As lembranças são incertas. Minha própria memória pode evocar, facilmente, episódios como aquele incrí- vel primeiro beijo da mulher que eu amo ou fatos corriqueiros como as milhas aéreas de Londres a Detroit. E me deixa na mão quando descubro que sou incapaz de codificar, armazenar ou recuperar os nomes dos novos colegas, ou onde deixei meus óculos escuros. O pesquisador da memória Daniel Schacter (1999) enumera sete formas de fracasso de nossa memória - os sete pecados da memória, como ele os chama: Três pecados do esquecim ento: • Distração - A falta de atenção aos detalhes produz falhas na codificação (nossa mente pode estar em outro lugar no momento em que guardamos as chaves do carro). • Transitoriedade - o armazenamento declina com o tempo (após nos separarmos dos colegas de colégio, as informações não utilizadas desaparecem). • Bloqueio - a inacessibilidade às informações armazenadas (ao ver um ator num filme antigo, temos o seu nome na ponta da língua, mas experimentamos uma falha na recuperação - não conseguimos acessá-lo). Três pecados da distorção: • Atribuição errônea - confundir a fonte das informações (colocando palavras na boca de outra pessoa ou lembrar de um sonho como se fosse um acontecimento da vida real). • Sugestionabilidade - os efeitos remanescentes de informações equivocadas (uma pergunta tendenciosa - “O senhor Jones tocou suas partes íntimas?” - mais tarde se torna uma falsa memória da criança). • Tendenciosidade - lembranças “coloridas” pela crença (os sentimentos atuais por um amigo podem alterar as recordações dos sentimentos iniciais pela pessoa). Um pecado da intromissão: • Persistência - memórias indesejadas (ser assombrado por imagens de um abuso sexual). Vamos considerar primeiro os pecados do esquecimento, depois os da distorção e da intromissão. Falha na Codificação Boa parte do que sentimos não registramos, e o que não codi- ficamos jamais será lembrado (FIGURA 8 .1 6 ). A idade pode afetar a eficiência da codificação. As áreas do cérebro que entram em ação quando adultos jovens codificam novas infor- mações são menos responsivas entre adultos mais velhos. A codificação mais lenta ajuda a explicar o declínio da memó- ria relacionado à idade (Grady et al., 1995). Mas não importa se somos jovens ou não, nossa atenção registra seletivamente apenas uns poucos sons e visões, den- tre a miríade que nos bombardeia continuamente. Considere este exemplo: se você vive na América do Norte, na Grã-Bre- tanha ou na Austrália, já olhou para moedas de centavos de libra milhares de vezes. Certamente, é capaz de lembrar de suas características (cor e tamanho), mas será que consegue lembrar para que lado a figura da moeda está olhando? Se não conseguir, vamos facilitar as coisas: se você é familiari- zado com as moedas americanas, consegue reconhecer a ima- gem real na FIGURA 8 .17 ? A maioria das pessoas não reco- nhece (Nickerson e Adams, 1979). Das oito principais carac- terísticas (a cabeça de Lincoln, a data, a inscrição “In God we trust” etc.), a média das pessoas consegue lembrar espon- taneamente de apenas três. Da mesma forma, poucos britâ- nicos conseguem desenhar, de memória, a moeda de 1 pence (Richardson, 1993). Os detalhes dessa moeda não são muito significativos - nem fundamentais para distingui-la de outras e poucos de nós já fizeram algum esforço para codificá-los. Como já observamos antes, codificamos algumas informa- ções automaticamente - onde jantamos ontem, por exemplo; outros tipos de informação requerem esforço, como os con- ceitos neste capítulo. Sem esse esforço muitas memórias jamais se formam. Eventos externos Memória Atenção sensorial Memória de curto prazo/de trabalho Codificação Memória de longo prazo A falha de codificação leva ao esquecimento >• FIG URA 8.16 Esqu ecim ento como fa lh a de codificação Não conseguimos lembrar daquilo que não codificamos. (d) (e) (f) > FIGURA 8.17 Teste sua memória Quais destas moedas de 1 centavo de dólar corresponde à verdadeira? (Se você não mora nos EUA, experimente desenhar uma moeda de seu próprio país.) (De Nickerson e Adams, 1979.) Veja a resposta invertida a seguir. -ejjapepjaA e apu0ds9JJ0D (e) epaow e jjau jijd v "Cada um de n ó s a c h a que, em n o ss a s p róp rias vid as, cad a m om ento é to ta lm en te preenchid o. [Somos] bom bardead os a cad a segu n do por sen sa çõ es , em oções, p en sam en tos... nove décim os dos q u ais p recisam o s sim p lesm en te igno rar. □ p assad o é um a ca ta r a ta fu rio sa de b ilh õe s e b ilh ões de m om entos assim : q u alq u er um deles é por dem ais com plexo p a ra s e r com preendido in teg ra lm en te, agregand o elem en tos m uito além do que p ossam os im aginar... A cad a tiq u e-ta q u e do relógio, em q u alq u er p arte d esa b ita d a do m undo, um a riq u ez a e v aried ad e in im ag in á v e is de “h is tó r ia ” se sep ara m do m undo p ara m e rg u lh a r no esqu ecim en to to ta l.” C. S. Lewis, romancista e crítico inglês (1967) Declínio do Armazenamento Mesmo após termos codificado algo de modo adequado, isso será esquecido mais tarde. Para estudar a duração de nossas memórias armazenadas, Ebbinghaus (1885) aprendeu mais listas de sílabas sem sentido e mensurou quantas era capaz de reter ao reaprender cada lista, de 20 minutos a 30 dias depois. O resultado, confirmado por experimentos posteriores, foi sua famosa curva do esquecimento: o caminho do esquecimento é inicialmente rápido e depois se estabiliza ao longo do tempo (FIGURA 8.18 ; Wixted e Ebbesen, 1991). Um desses experi- mentos foi o estudo de Harry Bahrick (1984) sobre a curva de esquecimento para o vocabulário em espanhol aprendido na escola. Comparadas a pessoas que haviam acabado o colegial ou um curso universitário de espanhol, aquelas que haviam deixado a escola há três anos haviam esquecido boa parte do que tinham aprendido (FIGURA 8 .1 9). Entretanto, aquilo de que se lembravam então não era esquecido mesmo após 25 anos ou mais. O esquecimento havia se estabilizado. Uma explicação para essas curvas de esquecimento é a diminuição gradual da memória física. Os neurocientistas cognitivos estão cada vez mais próximos da solução do mis- tério do armazenamento físico da memória e de explicar como esse armazenamento se reduz. Mas as memórias também somem por outros motivos, incluindo o acúmulo de novos aprendizados que atrapalham nossa recuperação. Falha na Recuperação Vimos que os eventos esquecidos são como livros que não conseguimos encontrar na biblioteca - alguns porque jamais foram adquiridos (não codificados), outros porque foram descartados (declínio das memórias armazenadas). Mas existe uma terceirapossibilidade: mesmo que o livro esteja armazenado e disponível, ele pode estar inacessível por não termos as informações necessárias para procurar por ele e recuperá-lo. Como é frustrante saber que a informação “está lá”, só que não conseguimos retirá-la (FIGURA 8 .2 0 ) , como um nome que está na ponta da língua, esperando para ser recuperado. Mas, se recebemos pistas para a recuperação ( “começa com a letra M”), facilmente conseguimos recupe- rar uma memória fugidia. Problemas na recuperação também contribuem para as falhas de memória de adultos mais velhos, que sofrem com mais frequência com o esquecimento de coi- sas que estão na ponta da língua (Abrams, 2008). O esque- cimento muitas vezes não se refere a memórias descartadas, mas a memórias não resgatadas. interferência proativa o efeito disruptivo de aprendizagem anterior sobre a recordação de novas informações. interferência retroativa o efeito disruptivo da nova aprendizagem sobre a recordação de informações antigas. • Pessoas surdas fluentes na língua dos sinais experimentam um fenômeno paralelo às lembranças “na ponta da língua” (Thompson et al., 2005 ). • Interferência O aprendizado de alguns itens pode interferir na recuperação de outros, especialmente quando são semelhantes. Se alguém lhe der um número de telefone, você poderá ser capaz de lem- brá-lo mais tarde. Mas se duas outras pessoas lhe fornecerem seus números, cada número será sucessivamente mais difícil de recordar. Da mesma maneira, se você comprar um novo cadeado com senha numérica, a lembrança da combinação anterior pode interferir na nova. Essa interferência proa- tiva (ação por antecipação) ocorre quando algo que você apren- deu antes altera sua memória de algo que aprendeu depois. À medida que você coleta mais e mais informações, seu sótão mental nunca se enche, mas ele com certeza fica mais con- fuso. A habilidade de separar a bagunça nos ajuda a manter o foco, como demonstrado por um experimento. Diante da tarefa de lembrar determinados pares de palavras de uma lista ( “SÓTÃO-poeira”, “SÓTÃO-lixo” e assim por diante), algu- mas pessoas se saíram melhor esquecendo os pares irrelevan- tes (como verificado pela redução da atividade na área do cérebro pertinente). E são essas pessoas que melhor conse- guiram se concentrar e lembrar dos pares certos (Kuhl et al., 2007). Algumas vezes, o esquecimento é adaptativo. A interferência retroativa (ação sobre o passado) ocorre quando novas informações tornam mais difícil lembrar algo aprendido antes. É como atirar uma segunda pedra num lago e desfazer as ondas que uma primeira havia gerado. (Veja Em Foco: Recuperando Senhas, adiante.) As informações apresentadas na hora anterior ao sono são protegidas da interferência retroativa pois as oportunidades de novos eventos interferindo sobre elas são minimizadas. Os pesquisadores John Jenkins e Karl Dallenbach (1924) des- cobriram isso em um experimento que se tornou clássico. Dia após dia, duas pessoas aprenderam algumas sílabas sem Percentual da lista retida após a 6000 reaprendizagem 50 40 30 20 10 \ Queda da retenção ^ e a estabilização 1 2 3 4 5 10 15 20 Dias desde o aprendizado da lista 25 30 > FIGURA 8.18 Curva de esquecimento de Ebbinghaus Após aprender listas de sílabas sem sentido, Ebbinghaus analisou o que ele era capaz de reter por até 30 dias. Descobriu que a memória de novas informações se desfaz rapidamente e depois as lembranças se estabilizam. (Adaptado de Ebbinghaus, 1885.) Percentagem de 100% vocabulário original retido 80 70 60 50 40 30 20 10 Queda da \ retenção \ e estabilização 1 3 5 9 ‘/z 14‘/2 25 35'/2 Anos após a conclusão do curso ae espanhol 497? > FIGURA 8.19 A curva de esquecimento do espanhol aprendido na escola Em comparação a pessoas recém-formadas num curso de espanhol, as que tinham concluído o curso há três anos lembravam bem menos. Comparadas às com 3 anos de formadas, no entanto, aquelas que tinham estudado espanhol há muito mais tempo não tinham esquecido muito mais. (Adaptado de Bahrick, 1984.) Eventos externos M emória senso ria l Atenção M emória de curto p razo/de trabalho Codificação Recuperação i A falha de recuperação leva ao esquecimento M em ória de longo prazo > FIGURA 8 .20 Falha na recuperação Armazenamos na memória de longo prazo aquilo que é importante para nós ou o que reiteramos repetidamente. Mas algumas vezes até mesmo as informações armazenadas podem deixar de ser acessíveis, o que leva ao esquecimento. Percentagem de sílabas lembradas >- FIGURA 8.21 Interferência retroativa O esquecimento fo i m aior quando a pessoa se manteve acordada e exposta a novos materiais. (De Jenkins e Dallenbach, 1924.) 90% 80 70 60 50 40 30 20 10 0 de eventos, a lembrança é melhor Após se manter acordada 2 3 4 5 6 7 Moras passadas após o aprendizado das sílabas sentido e tentaram lembrar delas após oito horas acordadas ou de sono noturno. Como mostra a FIGURA 8 .21 , o esque- cimento ocorreu mais rapidamente após o período acordado e envolvido com outras atividades. Os investigadores concluí- ram que o “esquecimento se dá menos pela perda de antigas impressões e associações do que pela interferência, inibição ou obliteração do antigo pelo novo” (1924, p. 612). Experi- mentos posteriores confirmaram os benefícios do sono e des- cobriram que a hora anterior ao sono noturno é, de fato, um bom momento para fixar informações na memória (Benson e Feinberg, 1977; Fowler et al., 1973; Nesca e Koulack, 1994). Mas não os segundos imediatamente antes de adormecer: as informações apresentadas nesse momento dificilmente são lembradas (Wyatt e Bootzin, 1994). Tampouco as informa- ções transmitidas durante o sono, embora o ouvido as regis- tre (Wood et al., 1992). A interferência é uma causa importante de esquecimento e pode explicar por que os anúncios vistos durante progra- mas de televisão com violência ou sexo são tão passíveis de serem esquecidos (Bushman e Bonacci, 2002). Mas não deve- mos superestimá-la. Às vezes, informações antigas podem facilitar nosso aprendizado de novas informações. Conhecer Recuperando Senhas Existe uma coisa hoje em dia de que você precisa em uma quan tidade m uito maior do que seus avós na sua idade: senhas. Para fazer o login no e-mail, recuperar as mensagens da caixa postal do te lefone, t ira r d inhe iro no caixa e letrônico, efe tuar um pagam ento com o cartão de créd ito , usar a cop iadora do escritó rio ou usar um tec lado para abrir a fechadura e le trô - nica de uma porta é preciso lem brar da senha. Um estudan te típ ico precisa enfrentar o ito pedidos de senhas, inform am Alan Brow n e seus colegas (20 04 ). Precisando de tantas senhas assim, o que uma pessoa pode fazer? Com o m ostra a FIGURA 8.22, som os a to rm en tad os pela inte rferência proativa de inform ações antigas e irre levan- tes e pela in te rfe rên c ia re tro a t iv a de ou tra s in fo rm açõ es recém -aprendidas. O pesqu isador da m em ória Henry R oediger ado tou uma abordagem simples para m em orizar todos os números de te le- fones, cód igos PIN e demais números im portan tes necessários em sua vida: “ Levo uma fo lha de papel no bo lso da camisa com todos os núm eros de que preciso” , d iz Roediger (2001), e com p lem enta d izendo que não poderia g uardar to d os os núm eros m enta lm ente, então para que se incom odar? Outras estratégias podem ajudar quem não quer esquecer as senhas. Em p rim e iro lugar, dup lique. Em geral, os estudantes usam qua tro senhas d ife rentes para dar conta das o ito de que p re - cisam. Em segundo lugar, crie pistas de recuperação. Pesqui- sas na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos revelam que cerca de m etade de nossas senhas corresponde a um nome ou data fam iliares. O utras envolvem , frequentem ente , um te le fone ou núm eros de iden tificação fam iliares. Em te rce iro lugar, para sites de bancos ou situações em que asegurança é essencial, use uma combinação de letras e EM F 0 C Evento anterior Evento posterior Interferência proativa Aprender o e-mail de um amigo na faculdade fleming23@meuemail.edu Endereço antigo familiar interfere na lembrança do novo endereço de e-mail nfleming@???? Não conseguir lembrar Interferência da senha do caixa retroativa eletrônico m eu . . Aprender a senha do cartão de débito do banco meu99dinheiro > FIGURA 8.22 Interferência proativa e retroativa núm eros, aconse lha B row n e seus colegas. A pós co m p o r senhas assim, re itere-a e vo lte a re iterá-la um dia depois, con - tinuando com as reiterações em intervalos cada vez maiores. Dessa form a, as m em órias de longo prazo irão se fo rm ar e poderão ser recuperadas na hora de sacar d inhe iro no caixa ou fazer um pagam ento com o cartão de créd ito. latim pode nos ajudar a aprender francês - um fenômeno chamado de transferência positiva. É quando a velha e a nova informação competem que a interferência ocorre. Esquecimento Motivado Lembrar do passado significa, muitas vezes, revisá-lo. Há mui- tos anos, havia uma gigantesca jarra de biscoitos em nossa cozinha cheia de biscoitos frescos de chocolate. Ainda havia uma grande quantidade esfriando nos tabuleiros em cima do balcão. Vinte e quatro horas mais tarde, não havia sequer uma migalha. Quem os havia comido? Naquele momento, minha esposa, três crianças e eu éramos as únicas pessoas na casa. Então, enquanto as lembranças ainda estavam frescas, realizei um rápido teste de memória. Andy admitiu ter devo- rado cerca de 20. Peter reconheceu ter comido quinze. Laura acreditava ter recheado seu corpo de 6 anos com quinze bis- coitos. Minha esposa, Carol, lembrou de ter comido 6, e eu lembrei de ter consumido 15 e de ter levado mais 18 para o escritório. Nós inocentemente aceitamos a responsabilidade por 89 biscoitos. Mesmo assim, não chegamos nem perto, pois eram mais de 160. Isso não deixaria surpresos Michael Ross e seus colegas (1981), que repetidamente demonstraram que as pessoas, inconscientemente, revisam suas próprias histórias. Um grupo de pessoas, informadas dos benefícios da escovação freqüente dos dentes, lembrou mais de ter escovado os den- tes diversas vezes nas duas semanas anteriores do que outras pessoas. Até mesmo Ralph Haber, um pesquisador da memória que demonstrou a incrível capacidade de as pessoas lembrarem 2.500 rostos e lugares vistos anteriormente, descobriu que sua própria memória às vezes podia não ser confiável. Certa vez, suas lembranças foram distorcidas por sua motivação de se ver corajosamente deixando o lar, apesar da mãe amorosa desejando-o junto a si. E assim ele lembrava de deixar a Uni- versity of Michigan para fazer a pós-graduação em Stanford. Em suas lembranças, ele “pulou de alegria” quando recebeu a carta de admissão de Stanford e entusiasticamente se pre- parou para partir rumo ao oeste. Vinte e cinco anos depois, visitou Michigan para o aniversário de oitenta anos de sua mãe. Ao ler as cartas que enviou a ela ao longo dos anos, ficou surpreso ao se descobrir explicando sua decisão de per- manecer em Michigan até ceder aos apelos apaixonados da mãe para que aceitasse a oferta de Stanford. Algumas vezes, observam Carol Tavris e Elliot Aronson (2007), ao recordar essa história, a memória é “um historiador não confiável e tendencioso” (pp. 6, 79). Por que nossas memórias falham? Por que minha família e eu não lembramos quantos biscoitos cada um comeu? Como a FIGURA 8 .2 3 mostra, codificamos automaticamente infor- mações sensoriais com um detalhamento impressionante. Terá sido então um problema na codificação? Ou de arma- zenamento - poderiam as nossas lembranças dos biscoitos, como as de Ebbinghaus das sílabas sem sentido, ter sumido tão rapidamente quanto os próprios biscoitos? Ou estaria a informação ainda intacta, porém sem possibilidade de res- gate por ser constrangedora?1 Sigmund Freud poderia dizer que nosso sistema de memó- rias autocensurou essas informações. Ele afirmava que nós Fragmentos de informações Memória sensorial Os sentidos momentaneamente fazem registros em detalhes impressionantes. Memória de curto prazo/ de trabalho Alguns itens são percebidos e codificados. Armazenamento de longo prazo Alguns itens são alterados ou perdidos. Recuperação da memória de longo prazo Dependendo da interferência, pistas de recuperação, humores e motivos, algumas coisas são recuperadas, outras não. ’Um de nossos filhos surrupiadores de biscoitos, ao ler este relato anos mais tarde no texto de seu pai, confessou ter disfarçado a contagem “um pouco”. >■ FIGURA 8.23 Quando esquecemos? O esquecimento pode ocorrer em qualquer estágio da memória. Ao processarmos as informações, nós as filtramos, alteramos e perdemos boa parte delas. reprim im os memórias dolorosas para proteger nosso auto- conceito e minimizar a ansiedade. Mas as lembranças sub- mersas permanecem, dizia Freud, e podem ser resgatadas por alguma pista ou durante a terapia. Um exemplo simples é o caso de uma mulher com intenso e inexplicado medo de água corrente. Um dia uma tia sussurrou-lhe: “Eu nunca contei a ninguém.” Essas palavras deram a pista para que a memória da mulher recuperasse a lembrança de quando ela era uma criança desobediente, afastou-se de um piquenique da famí- lia e ficou presa sob uma cachoeira - até ser resgatada por essa tia, que prometeu nunca contar aos pais dela sobre o incidente (Kihlstrom, 1990). O recalque é um aspecto central da psicologia freudiana (ver o Capítulo 13) e se tornou uma parte do legado da psi- cologia geral. A maioria das pessoas - incluindo 9 entre 10 universitários - acredita que as “memórias de experiências dolorosas algumas vezes são forçadas para a inconsciência” (Brown et al., 1996). Os terapeutas muitas vezes acreditam nisso. No entanto, um número cada vez maior de pesquisa- dores considera que o recalque raramente ocorre, se é que ocorre de fato. Os esforços das pessoas para esquecer inten- cionalmente de coisas neutras são muitas vezes bem-sucedi- dos, mas não quando o material a ser esquecido é de con- teúdo emocional (Payne e Corrigan, 2007). Por isso, pode- mos sofrer com memórias invasivas de experiências muito traumáticas que gostaríamos muito de esquecer. recalque segundo a teoria psicanalítica, o mecanismo básico de defesa que expulsa da consciência pensamentos, sentimentos e lembranças que provocam ansiedade. ANTES DE PRO SSEG UIR... >- P e r g u n t e a S i M e s mo A maioria das pessoas, especialmente quando envelhecem, deseja uma memória melhor. Isso vale para você também? Ou você preferiria esquecer antigas lembranças com mais frequência? > Teste a S i M esm o 5 Você consegue dar um exemplo de interferência proativa? As respostas às Questões “Teste a Si Mesmo" podem ser encontradas no Apêndice B, no final do livro. Construção da Memória* 10: Como a informação enganosa, a imaginação e a amnésia de fonte influenciam a construção da memória? Como lembranças aparentemente reais são falsas memórias? IMAGINE-SE DIANTE da seguinte experiência: Você vai jantar num restaurante chique. Senta-se diante de uma mesa coberta por uma toalha branca. Lê o cardápio. Diz ao gar- çom que deseja costeletas ao ponto, batatas cozidas com creme e salada com molho blue cheese. Também escolhe um vinho tinto da carta de vinhos. Minutos depois, o garçom volta com a salada. Algum tempo depois, chega o restante da refeição. Está tudo muito bom, a não ser pelas costeletas, que passaram um pouco do ponto. Se eu fosse interrogá-lo imediatamente sobre esse pará- grafo (adaptado de Hyde, 1983), certamente você lembraria de diversos detalhes. Por exemplo, sem consultar, responda as seguintes perguntas: 1. Que molho você escolheu para a salada? 2. A toalha de mesa vermelha estava de acordo? 3. O que você pediu para beber? 4 . O garçom lhe deu um cardápio? Provavelmente, você foi capaz delembrar exatamente do que pediu, e talvez até mesmo da cor da toalha de mesa. Mas o garçom lhe deu um cardápio? Não no parágrafo citado. Mesmo assim, muitas pessoas respondem que sim. Frequen- temente, construímos nossas lembranças como as codifica- mos, e também podemos alterá-las quando as resgatamos de nosso banco de memórias. Como cientistas que deduzem a aparência de um dinossauro a partir de seus restos, inferimos nosso passado a partir das informações armazenadas soma- das ao que imaginamos, esperamos, vemos e ouvimos poste- riormente. Nós não apenas recuperamos memórias, nós as remodelamos, observa Daniel Gilbert (2006, p. 79): “Infor- mações adquiridas após um evento alteram a memória do evento.” “A memória não é como ler um livro; se parece mais com escrever um a partir de anotações dispersas.” John F. Kihlstrom, psicólogo (1994) Informação Enganosa e Efeitos da Imaginação Em mais de 200 experimentos, envolvendo mais de 20.000 pessoas, Elizabeth Loftus mostrou como testemunhas ocula- res, quando questionadas, reconstruíam de forma similar suas lembranças. Em um experimento clássico com John Palmer, Loftus mostrou um filme de um acidente de trânsito a um grupo de pessoas e perguntou-lhes o que tinham visto (Loftus e Palmer, 1974). Ao serem perguntadas sobre a velocidade que os carros estavam quando se arrebentaram, as velocidades pre- sumidas eram maiores do que quando a pergunta era feita da seguinte forma: “Qual a velocidade dos carros quando colidi- ram?”. Uma semana depois os pesquisadores perguntaram aos observadores se eles se lembravam de ter visto algum vidro quebrado no filme. Os que foram questionados com a palavra “arrebentaram" responderam duas vezes mais que sim, que eles haviam visto vidro quebrado (FIGURA 8 .2 4 ) . O fato é que não havia nenhum vidro quebrado no filme. Em vários experimentos de acompanhamento (fo llow - up) ao redor do mundo, pessoas testemunham eventos, rece- bem ou não informações truncadas sobre eles e, por fim, res- pondem a testes de memória. O resultado que se repete é o efeito da inform ação enganosa: após serem expostas a informações ligeiramente imprecisas, muitas pessoas têm lembranças errôneas. Elas confundiram uma placa de ceder a preferência com uma de pare, martelos com chaves de fenda, latas de refrigerante com latas de amendoim, a revista Vogue com a Mademoiselle, “Dr. Henderson” com “Dr. Davidson”, cereal matinal com ovos e homens imberbes com homens de bigode (Loftus et al., 1992). Em um experimento foram mos- tradas para as pessoas fotos delas mesmas modificadas digi- talmente (fotos da infância copiadas de um álbum de famí- lia) fazendo um passeio de balão. Após ver as fotos três vezes ao longo de duas semanas, metade dos participantes “lem- >• FIGURA 8.24 Construção da memória Após assistirem ao film e de um acidente de carro, as pessoas responderam uma pergunta dirigida descrevendo o acidente como tendo sido mais grave do que ao que realm ente assistiram. (De Loftus, 1979.) Representação da batida real Construção da memória Pergunta dirigida: “Qual era a velocidade dos carros quando se arrebentaram um contra o outro?" brou” da experiência inexistente em detalhes (Wade et al., 2002). A mente humana já vem com um software de edição de fotos embutido. “A memória é insubstancial. □ tempo todo ela é substituída por outras coisas. Seu álbum de fotos pode ao mesmo tempo consertar e destruir suas lem branças... Não é possível lem brar de nada de sua viagem, a não ser pela coleção de fotos amareladas." Annie Dillard, "To Fashion a Text", 198B Tão engenhoso é o efeito da informação enganosa que as pessoas, passado um tempo, acham praticamente impossível diferenciar entre lembranças reais e eventos sugeridos (Scho- oler et al., 1986). Você talvez lembre de fazer o relato de uma experiência preenchendo os vazios com suposições e palpites plausíveis. Todos fazemos isso. E após novas conversas em geral lembraremos desses detalhes inventados, agora absor- vidos em nossas memórias, como se os tivéssemos visto real- mente (Roediger et al., 1993). A narrativa vivida de outras pessoas também pode implantar falsas recordações. Mesmo a repetição de eventos imaginários pode criar fal- sas lembranças. Estudantes que repetidamente imaginaram atos simples, como quebrar um palito de dente, ou pegar um grampeador, mais tarde experimentaram uma inflação da ima- ginação: mostraram-se mais propensos a pensar que tinham de fato realizado tais ações na primeira fase do experimento (Goff e Roediger, 1998; Seamon et al., 2006). De maneira similar, um em cada quatro estudantes americanos e ingleses solicitados a imaginar certos eventos durante a infância, como quebrar uma janela com a mão ou ter uma amostra de pele extraída de um dedo, mais tarde lembrou do evento imagi- nário como tendo acontecido de fato (Garry et al., 1996; Mazzoni e Memon, 2003). A inflação da imaginação ocorre parcialmente porque visualizar algo e perceber de fato ativa áreas similares do cérebro (Gonsalves et al., 2004). Eventos imaginários mais tarde soam como familiares, e coisas familiares parecem mais reais. Assim, quanto mais intensamente as pessoas imaginarem os eventos, mais pro- pensas estarão a transformar a imaginação em memória (Lof- tus, 2001; Porter et al., 2000). Pessoas que acreditam terem sido abduzidas por alienígenas para exames médicos em espa- çonaves tendem a ter uma imaginação poderosa e, em testes de memória, a ser mais suscetíveis a falsas memórias (Clancy, 2005). Aqueles que acreditam ter lembranças de abuso sexual na infância tendem a ter imaginações vividas e a ter altos escores em testes de falsas memórias (Clancy et al., 2000; McNally, 2003). Para descobrir até que ponto a busca da mente por um fato pode chegar na criação de uma ficção, Richard Wiseman e seus colegas da Universidade de Hertfordshire (1999) repre- sentaram oito performances, cada uma observada por 2 5 pes- soas curiosas. Durante a suposta apresentação, o médium - na realidade, um ator profissional e mágico - pedia a todos para se concentrarem em mover uma mesa. Embora ela nunca se movesse, ele sugestionava que ela se movia: “Muito bom. Mantenham-na no ar. Está ótimo. Mantenham a concentra- ção. Mantenham a mesa no ar.” Quando questionadas duas semanas mais tarde, 1 em cada 3 dos participantes lembrou ter visto realmente a mesa levitar. e fe ito da in fo rm ação enganosa incorporar in form ações im precisas às lembranças de um evento. Os psicólogos também não estão imunes à construção da memória. O famoso psicólogo infantil Jean Piaget surpreendeu- se quando adulto ao descobrir que suas vividas e detalhadas lembranças da babá impedindo que ele fosse seqüestrado eram falsas. Piaget aparentemente construiu suas recordações a par- tir dos relatos repetidos da babá (que mais tarde, após uma con- versão religiosa, confessou jamais terem acontecido). “É menos im pressionante a quantidade de coisas que consigo lem brar do que as coisas que lembro e que não aconteceram," MarkTwain [1035—191 □) Amnésia da Fonte Piaget lembrava, mas atribuía suas lembranças a fontes erra- das (à sua própria experiência em vez de às histórias de sua babá). Entre as partes mais frágeis da memória está sua fonte. Podemos, por exemplo, reconhecer uma pessoa, mas não ter a menor ideia de onde a vimos antes. Podemos sonhar com um acontecimento e mais tarde não conseguirmos saber se é verdadeiro ou não. Ou podemos ouvir alguma coisa e mais tarde nos lembrar de tê-la visto (Henkel et al., 2000). Em todos esses casos de am nésia da fonte (também chamada de atribuição errônea da fon te) , nós retemos a lembrança do evento, mas não o contexto no qual a adquirimos. E scrito re s e c o m p o s ito re s o ca s io n a lm e n te s o frem de a m nés ia da fo n te . A ch am q ue um a id e ia s u rg iu de sua p ró p ria im a g in a çã o c r ia tiv a qua ndo , na verd ade , es tão in a d v e rt id a m e n te pla g ia n d o a lg o qu e le ram ou o u v ira m antes. Debra Poole e Stephen Lindsay (1995 , 2001, 2 0 02 ) demonstraram a am nésia da fonte com crianças em idade pré-escolar. Eles as fizeram interagir com o “Sr. Ciência”, em atividades como encher balões com bicarbonato de sódio e vinagre. Três meses depois, em três dias sucessivos, seus pais leram para elas uma história que descrevia algumas de suas experiências reais com o Sr. Ciência e outras inventadas. Quando um novo entrevistador perguntou-lhes o que o Sr. Ciência havia feito com elas - “O Sr. Ciência tinha uma máquina com cordas para puxar?” -, 4 em cada 10 crianças espontaneamente recordaram o Sr. Ciência fazendo com elas coisas que apenas ouviram nas histórias. amnésia da fo n te a tr ib u ir uma experiência, a lgo que ouv im os ou lemos a respeito, ou que im aginam os, a uma fo n te errada. (Também cham ado atribuição errônea da fonte.) A amnésia da fonte, ao lado do e fe ito da in fo rm ação enganosa, está na o rigem de diversas falsas mem órias. Distinção entre Memórias Verdadeiras e Falsas Uma vez que a memória é reconstrução, assim como repro- dução, não podemos ter certeza de que uma lembrança seja real pela maneira como a sentimos. Muitas ilusões percepti- vas podem parecer percepções reais; memórias irreais são sentidas como memórias reais. Na verdade, os pesquisadores atuais afirmam que as memó- rias são semelhantes a percepções - percepções do passado (Koriat et al., 2000). E, como Jamin Halberstadt e Paul Nie- denthal (2001) demonstraram, as interpretações iniciais das pessoas influenciam as suas memórias perceptivas. Eles con- vidaram estudantes universitários da Nova Zelândia para ver faces modificadas em computador que apresentavam uma mistura de emoções, como alegria e raiva (FIGURA 8 .2 5 a). Então, pediram-lhes para imaginar e explicar: “Por que esta pessoa está sentindo raiva (ou alegria)?” Meia hora mais tarde, os participantes assistiram a um vídeo mostrando a transição feita em computador da face raivosa para a alegre, e pediram- lhes que mexessem na barra de controle entre as faces até encontrar a expressão que haviam visto antes. Os estudantes que tinham explicado a raiva ( “A mulher está com raiva por- que sua melhor amiga a traiu com seu namorado”) lembra- ram do rosto demonstrando mais raiva (FIGURA 8 . 25b ) do que aqueles que explicaram a alegria ( “A mulher está muito alegre porque todos lembraram de seu aniversário”). Dessa forma, poderíamos julgar a realidade da memória por sua persistência? Novamente a resposta é não. Os pesquisado- res da memória Charles Brainerd e Valerie Reyna (Brainerd et al., 1995, 1998, 2002) perceberam que as recordações que derivam da experiência têm mais detalhes que as que derivam da imaginação. Recordações de experiências imaginárias são mais restritas ao sentido principal do suposto evento - o signi- ficado e os sentimentos associados a elas. Como o sentido principal das memórias é duradouro, as falsas memórias das crianças às vezes duram mais que as verdadeiras, especialmente quando as crianças amadurecem e são capazes de processá-las (Brainerd e Poole, 1997). Portanto, quando terapeutas e inves- tigadores perguntam pelo sentido principal em vez dos deta- lhes, correm um grande risco de evocar falsas memórias. As falsas memórias criadas por sugestão de informações enganosas e atribuições errôneas da fonte podem ser sentidas como memórias reais e podem ser muito persistentes. Ima- gine que eu lesse uma lista de palavras como açúcar, bala, mel e sabor em voz alta. Mais tarde, peço para você reconhecer as palavras apresentadas em uma lista maior. Se você for como a maioria das pessoas testadas por Henry Roediger e Kathleen McDermott (1995), poderá errar três em cada quatro tenta- tivas - recordando erradamente uma palavra não apresen- tada, como doce. Nós lembramos mais facilmente da ideia geral do que das palavras em si. Em experimentos com testemunhas oculares, os pesqui- sadores observaram repetidamente que os testemunhos mais confiáveis e consistentes são os mais persuasivos; porém geral- mente não são os mais precisos. Testemunhas oculares, tanto corretas quanto equivocadas, costumam se expressar com a mesma autoconfiança (Bothwell et al., 1987; Cutler e Pen- rod, 1989; Wells e Murray, 1984). □ senador americano John McCain, sobre a guerra do Iraque: 2007 (na MSNBC): “Quando votei a favor dessa guerra, sabia que provavelmente seria longa, difícil e árdua." 2002 (com Larry King]: “Acredito que a operação será relativam ente breve e que o sucesso será obtido facilmente." A construção da memória ajuda a explicar por que 79% de 200 acusados posteriormente inocentados por testes de DNA foram julgados erroneamente com base em identifica- ções equivocadas de testemunhas oculares (Garrett, 2008). Isso explica por que lembranças de crimes “ativadas hipno- ticamente” incorporam erros com tanta facilidade, alguns originados pelas perguntas dirigidas do hipnotizador ( “Você ouviu algum barulho alto?”). Isso explica por que namora- dos que se apaixonam superestimam a primeira impressão um do outro (“Foi amor à primeira vista”), enquanto os que se separam tendem a subestimar seus sentimentos prévios ( “Nós nunca nos conectamos realmente”) (McFarland e Ross, 1987). E isso também explica por que, quando se per- gunta a pessoas sobre como se sentiam 10 anos atrás sobre a maconha ou sobre assuntos em geral, elas tendem a lem- brar de suas opiniões como mais próximas do pensamento atual do que de suas atitudes uma década antes (Markus, 1986). O modo como as pessoas se sentem hoje parece ser como sempre se sentiram. Pode parecer às pessoas que sem- pre souberam aquilo que sabem hoje (Mazzoni e Vannucci, 2007; e vale lembrar também de nossa tendência ao viés retros- pectivo, descrito no Capítulo 1). Um grupo de pesquisadores entrevistou 73 rapazes da nona série escolar e voltou a entrevistá-los 3 5 anos mais tarde. Soli- citados a recordar suas atitudes, atividades e experiências do período de graduação, a maioria dos homens lembrou de afir- mações que combinavam com suas respostas prévias reais a uma taxa não muito superior àquela obtida por acaso. Apenas 1 em cada 3 lembrava de ter recebido punições físicas, embora, quando alunos da nona série, 82% tenham dito as ter recebido (Offer et al., 2000). Conforme relatou George Vaillant (1977, p. 197) após ter acompanhado a vida de alguns adultos ao longo do tempo: “É muito comum as lagartas se tornarem >• FIGURA 8.25 Nossas pressuposições alteram nossas lembranças perceptuais Pesquisadores exibiram rostos com expressões misturadas por computador, como a face alegre/zangada em (a), e depois pediram aos participantes que explicassem por que a pessoa estava alegre ou zangada. Os que explicaram a expressão "zangada" posteriormente (deslizando a barra de uma animação com a transição dos rostos para iden tifica r a expressão vista antes) lembraram de um rosto mais aborrecido do que o que viram antes, como o mostrado em (b). (a) (b) borboletas e, então, afirmarem que eram pequenas borboletas na juventude. A maturidade nos torna a todos mentirosos.” O psicólogo australiano Donald Thompson, ironicamente, foi assombrado pelo próprio trabalho sobre distorção da memória quando as autoridades o acusaram em um caso de estupro. Embora fosse uma descrição quase perfeita do estu- prador na memória da vítima, ele tinha um álibi incontestá- vel: um pouco antes de o estupro acontecer, Thompson estava sendo entrevistado ao vivo na televisão; consequentemente, não poderia estar na cena do crime. Ficou claro então que a vítima estava assistindo à entrevista - ironicamente sobre reconhecimento de faces - e experimentou amnésia da fonte, confundindo sua lembrança de Thompson com a do estupra- dor (Schacter, 1996). Reconhecendo que o efeito da informação enganosa pode ocorrer quando policiais e advogados fazem perguntas adap- tadas asuas convicções de um acontecimento, Ronald Fisher, Edward Geiselman e seus colegas (1987, 1992) treinaram policiais a fazer interrogatórios menos sugestivos, com per- guntas mais efetivas. Para ativar pistas de recuperação, o dete- tive inicialmente pedia à testemunha que visualizasse a cena - as condições do tempo, a hora do dia, luz, sons, cheiros, posições de objetos e o próprio humor. Então, a testemunha contava em detalhes, sem interrupções, todos os pontos recor- dados, por mais triviais que parecessem. Só então o detetive fazia perguntas evocativas: “Havia algo de estranho sobre a aparência ou traje da pessoa?” Quando essa técnica de entre- vista cognitiva é usada, há um aumento de lembranças cor- retas (Wells et al., 2006). Recordação do Testemunho Ocular de Crianças Se as memórias podem ser sinceras, ainda que sinceramente erradas, poderiam as lembranças de abuso sexual de crianças estar propensas ao erro? Stephen Ceei (1993) afirmou que “seria verdadeiramente terrível perder de vista a monstruo- sidade do abuso de crianças”. Mas, como vimos, entrevista- dores que fazem perguntas dirigidas podem plantar falsas memórias. Os estudos de Ceei e Maggie Bruck (1993, 1995) sobre a memória de crianças apontaram para a sugestiona- bilidade delas. Por exemplo, pediram a crianças de 3 anos para mostrar, em bonecas anatomicamente corretas, onde o pediatra as havia tocado. Cinqüenta e cinco por cento das crianças que não haviam recebido esse tipo de exame apon- taram para a genitália ou para a região anal. Quando os pes- quisadores adotaram técnicas de interrogatório sugestivo, des- cobriram que a maioria das crianças em idade pré-escolar e muitas crianças mais velhas eram induzidas a relatar falsos eventos, tais como ter visto um ladrão roubar comida na cre- che (Bruck e Ceei, 1999,2004). Em outro experimento, crian- ças em idade pré-escolar simplesmente ouviram por alto um comentário equivocado de que o coelho desaparecido de um mágico estava solto pela sala de aula. Mais tarde, quando perguntadas de maneira sugestiva, 78% delas lembravam de realmente ter visto o coelho (Principe et al., 2006). Em um estudo, Ceei e Bruck fizeram uma criança escolher uma carta de um baralho ilustrando acontecimentos possíveis; um adulto então lia da carta. Por exemplo: “Pense bem e me conte se isso já aconteceu com você. Você lembra de ter ido a um hospital com uma ratoeira presa no dedo?” Após 10 entre- vistas semanais, com o mesmo adulto repetidamente pergun- tando para a criança sobre vários eventos reais e fictícios, um outro adulto fazia a mesma pergunta. O impressionante resul- tado: 58% dos pré-escolares produziram falsas (e por vezes vividas) histórias em relação a um ou mais eventos nunca vivenciados, como a desse menininho (Ceei et al., 1994): Meu irmão Colin estava tentando pegar Blowtorch [um persona- gem de ação] da minha mão, e eu não queria deixar, então ele me empurrou sobre uma pilha de madeira onde estava a ratoeira. Então meu dedo ficou preso nela. Nós fomos para o hospital, e minha mãe, meu pai e Colin foram comigo até lá em nosso carro, pois era muito longe. E o médico colocou um curativo no meu dedo. D iante de h istórias tão detalhadas, os psicólogos especializados em interrogar crianças muitas vezes eram enga- nados. Não tinham como separar de forma confiável as memórias verdadeiras das falsas. Assim como as próprias crianças. O menino do relato lembrou que seus pais lhe haviam dito várias vezes que o episódio da ratoeira não havia acontecido - que ele tinha imaginado - e ele protestava: “Mas aconteceu. Eu me lembro!” • Em experimentos com adultos, perguntas sugestivas (“na água doce, as cobras nadam de cabeça para baixo na metade do tempo?”) muitas vezes são lembradas erroneamente como afirmações (Pandelaere e Dewitte, 2 00 6). ■ "A pesquisa me leva a tem er a possibilidade de falsas alegações. Não é um tributo à integridade científica de um pesquisador ir até o meio da rua se os dados estiverem m ais para um dos lados." Stephen Ceei (1993) Tal como as crianças (cujos lobos frontais não amadureceram plenam ente), adultos mais velhos - especialmente aqueles cujas funções do lobo central sofreram declínio - são mais suscetíveis do que os adultos jovens a falsas memórias. Isso torna os adultos mais velhos mais vulneráveis a golpes, como quando um técnico de manutenção cobra um preço mais alto do que o original dizendo “eu avisei que custaria X e o senhor concordou com o preço” (Jacoby et al., 2005; Jacoby e Rhodes, 20 06 ; Roediger e Geraci, 2007; Roediger e McDaniel, 2007). • Será então que as crianças jamais podem ser testemunhas oculares precisas? Não. Se perguntadas sobre suas experiências em termos neutros que elas possam compreender, as crianças frequentemente lembram com precisão do que aconteceu e de quem fez o quê (Goodman, 2006; Howe, 1997; Pipe, 1996). Quando os entrevistadores usam técnicas menos sugestivas e mais efetivas, mesmo crianças de 4 ou 5 anos produzem rela- tos mais exatos (Holliday e Albon, 2004; Pipe et al., 2004). As crianças são especialmente precisas quando não falaram com os adultos envolvidos antes da entrevista e seus relatos são fei- tos na primeira vez que são interrogadas por uma pessoa neu- tra que não lhes faça perguntas tendenciosas. Memórias de Abuso: Reprimidas ou Construídas? 11: Qual é a controvérsia relacionada às alegações de memórias recalcadas e recuperadas? Existem duas tragédias relacionadas às lembranças dos adul- tos sobre o abuso infantil. Um é o trauma dos sobreviventes quando não acreditam neles ao revelarem seu segredo. O outro são as pessoas inocentes sendo falsamente acusadas. O que dizer então sobre clínicos que orientaram as pessoas na “recuperação” de memórias sobre abuso sexual? Estarão provocando falsas memórias que prejudicam adultos inocen- tes? Ou estão revelando a verdade? Em um estudo nos EUA, a média dos terapeutas estima que 11% da população - cerca de 34 milhões de pessoas - tem lembranças reprimidas de abuso sexual na infância (Kamena, 1998). Em outra pesquisa, com terapeutas com nível de dou- torado dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, 7 em cada 10 declararam usar técnicas como a hipnose ou medicamentos para ajudar seus pacientes a recuperar memórias reprimidas de abuso sexual na infância (Poole et al., 1995). Alguns refletiam juntamente com seus pacientes que “pes- soas que sofreram abuso frequentemente apresentam os seus sintomas, assim, você provavelmente sofreu abuso. Vamos ver se com a ajuda da hipnose e de medicamentos, ou se você for auxiliado a cavar mais fundo e visualizar seu trauma, con- seguirá recuperá-lo”. Como podemos esperar das pesquisas sobre a amnésia da fonte da informação e dos efeitos da infor- mação enganosa, os pacientes expostos a tais técnicas podem formar a imagem de uma pessoa ameaçadora. Com a visua- lização adicional, a imagem se torna mais vivida, deixando o paciente abalado, zangado e pronto para confrontar, ou pro- cessar, o pai, parente ou membro do clero igualmente aba- lado e devastado, que negará enfaticamente a acusação. Após 32 seções de terapia, uma mulher lembrou de seu pai abu- sando dela aos 15 meses de idade. Sem questionar o profissionalismo da maioria dos tera- peutas, os críticos acusaram os clínicos que usam técnicas de “memória de trabalho” como “imagística guiada”, hipnose e análise dos sonhos para recuperar lembranças de “nada mais que mercadores do caos mental e que, na verdade, cons- tituem uma erva daninha no campo da psicoterapia” (Loftus et al., 1995). “Milhares de famílias foram cruelmente des- truídas” com “filhas adultas anteriormente amorosas” subi- tamente acusando seus pais, observou Martin Gardner (2006) em seu comentário sobre o “maior escândalo mental” da América. Clínicos irados respondem que aqueles que contes- tam as memórias recuperadas de abuso estão aumentando o trauma das mulheres que sofreram abuso e fazendo o jogo dos molestadoresde crianças. Em um esforço para chegar a um consenso que possa solu- cionar essa batalha ideológica - a “guerra da memória” da psicologia - , têm sido realizados congressos sobre o assunto, e têm vindo a público declarações feitas por associações como a American Medicai Association, American Psychological Association e a American Psychiatric Association, a Austra- lian Psychological Society, a British Psychological Society e a Canadian Psychiatric Association. Todas as entidades que ofe- recem proteção a crianças vítimas de abuso e a adultos fal- samente acusados concordam com o seguinte: • O abuso sexual acontece. E acontece com maior frequência do que se supunha antes. Não existe uma “síndrome do sobrevivente” característica (Kendall- Tackett et al., 1993). No entanto, o abuso sexual é uma traição traumática que pode deixar as vítimas predispostas a problemas que variam de disfunções sexuais a depressão (Freyd et al., 2007). • As injustiças acontecem. Algumas pessoas inocentes têm sido falsamente condenadas. E alguns culpados têm escapado de suas responsabilidades levantando dúvidas sobre acusadores que dizem a verdade. • O esquecimento acontece. Muitas das vítimas reais de abuso sexual eram muito jovens ou podem não ter compreendido o sentido da experiência que tiveram - circunstâncias em que o esquecimento é comum. Esquecer eventos isolados do passado, tanto positivos quanto negativos, faz parte da vida diária. • Memórias recuperadas são lugar-comum. Guiados por uma observação ou experiência, nós recuperamos memórias de acontecimentos esquecidos há muito tempo, tanto prazerosos quanto desagradáveis. O que se questiona é se o inconsciente pode, às vezes, forçar o recalque de experiências dolorosas e, nesse caso, se estas podem ser resgatadas por técnicas empregadas por terapeutas. (Memórias que vêm à tona naturalmente têm maiores chances de ser corroboradas do que as lembranças recuperadas com auxílio terapêutico [Geraerts et al., 2007].) • Lembranças de acontecimentos anteriores aos 3 anos são pouco confiáveis. Como nossa discussão anterior sobre a amnésia infantil assinalou, as pessoas não se recordam de forma confiável de qualquer tipo de evento que tenha ocorrido antes dos 3 anos. A maioria dos psicólogos - incluindo clínicos e terapeutas de família -, por esse motivo, é cética em relação a memórias “recuperadas” de abuso durante a infância (Gore-Felton et al., 2000; Knapp e VandeCreek, 2000). Quanto mais velha for a criança, e mais grave tenha sido o abuso, maior a chance de ser lembrado (Goodman et al., 2003). • Memórias “recuperadas” por meio de hipnose ou pela influência de drogas são especialmente pouco confiáveis. Pessoas hipnotizadas para “regredirem” incorporam sugestões em suas memórias, até mesmo de lembranças de “vidas passadas”. • Memórias, reais ou falsas, podem ser emocionalmente perturbadoras. Acusador e acusado podem sofrer quando algo cuja origem é a mera sugestão se torna um trauma real, uma memória dolorosa que leva ao estresse físico (McNally, 2003, 2007). Pessoas que ficaram inconscientes devido a acidentes que não lembram desenvolveram transtornos de estresse após serem assombradas por memórias construídas a partir de fotos, notícias de jornal e relatos de amigos (Bryant, 2001). "Quando as memórias são "recuperadas” após longos períodos de am nésia, especialm ente pelo uso de meios extraordinários para assegu rar a recuperação, existe uma grande possibilidade de que as memórias sejam falsas." Grupo de Trabalho do Royal College of Psychiatrists sobre Relatos de Memórias Recuperadas de Abuso Sexual de crianças (Brandon et al., 1330) Para avaliar mais de perto as recordações induzidas por tera- peutas, Elizabeth Loftus e seus colegas (1996) implantaram experimentalmente falsas memórias de traumas na infância. Em um estudo, ela fez um membro de confiança de cada famí- lia lembrar um adolescente de três experiências verdadeiras da infância e uma falsa - um relato vivido da criança perdida por um longo tempo em um shopping center aos 5 anos, até ser resgatada por um adulto idoso. Dois dias depois, Chris, um dos participantes, disse: “Eu estava muito assustado naquele dia, achava que nunca mais veria minha família.” Dois dias depois disso, ele já visualizava a camisa de flanela, a careca e os óculos do homem que supostamente o encontrou. Quando lhe disseram que a história era inventada, Chris ficou incré- dulo: “Achei que lembrava de ter me perdido... e de ficar pro- curando vocês. Lembro disso, e de ficar chorando, e da mamãe chegar e dizer: Onde você estava? Nunca mais faça isto! “ Em outros experimentos, um terço dos participantes foi erronea- mente convencido de que quase se afogou na infância, e cerca de metade foi levada a lembrar falsamente de alguma experiên- cia terrível, como o ataque de algum animal selvagem (Heaps e Nash, 2001; Porter et al., 1999). Esse é o processo de construção da memória pelo qual as pessoas podem se lembrar de terem sido abduzidas por alie- nígenas, vitimadas por cultos satânicos, molestadas no berço ou vivido uma vida passada. Milhares de pessoas aparente- mente saudáveis, relatou Loftus, “falam aterrorizadas sobre o passado de suas experiências a bordo de discos voadores. Elas se lembram clara e vividamente de serem abduzidas por extraterrestres” (Loftus e Ketcham, 1994, p. 66). Apesar do desprezo de alguns terapeutas especia- lizados em traumas, Loftus foi eleita presidente da Association for Psychological Science, cujo foco é a pesquisa c ientífica , recebeu o m aior prêm io da psicologia (2 0 0 mil dólares) e foi eleita para a National Academy of Sciences dos EUA e para a Royal Society de Edimburgo.» Loftus conhece em primeira mão o fenômeno que estuda. Em uma reunião familiar, um tio lhe contou que, aos 14 anos, ela encontrou o corpo de sua mãe afogada. Chocada, ela negou; mas o tio estava irredutível. Nos três dias subsequen- tes, começou a cogitar se havia reprimido a memória. “Pode ser por isso que sou tão obcecada por esse tema.” À medida que a transtornada Loftus ponderava sobre a sugestão do tio, foi “recuperando” uma imagem da mãe boiando na piscina, com o rosto para baixo, e dela mesma achando o corpo. “Comecei a colocar tudo no lugar. Pode ser por isso que eu sou uma workaholic. Pode ser isso que me faz tão emotiva ao pensar sobre sua morte, mesmo tendo sido em 1959.” Então, seu irmão ligou para ela. O tio agora lembrava o que outros parentes haviam confirmado. Tia Pearl, e não Lof- tus, havia encontrado o corpo (Loftus e Ketcham, 1994; Monagham, 1992). Loftus conheceu também em primeira mão a realidade do abuso sexual. Um homem que cuidava dela a molestou quando tinha 6 anos. Ela não esqueceu. E isso a deixou desconfiada daqueles que, para ela, banalizam o abuso real, sugerindo experiências traumáticas não corroboradas e aceitando-as de forma pouco crítica como fato. Os inimigos dos realmente vitimados não são apenas os abusadores e os que negam, afirma ela, mas aqueles cujos relatos e alegações “nada mais fazem a não ser aumentar o descrédito geral da sociedade em relação aos genuínos casos de abuso sexual na infância, que realmente merecem nossa extrema e constante atenção” (Lof- tus, 1993). "□ horror queima a memória como um ferro em brasa, deixando... lem branças ardentes das atrocidades.” Robert Kraft, M emory Perceived: RecãUing th e H olocaust, 2002 Sendo assim, será que o recalque de fato ocorre? Ou será que esse conceito - a pedra angular da teoria de Freud e de boa parte da psicologia popular - está errado? No Capítulo 13, retornaremos a esse tema polêmico. Como veremos, e agora parece claro, a resposta mais comum a uma experiên- cia traumatizante (testemunhar o assassinato de um parente, experimentar os horrores de um campo de concentração nazista, ser chantageado ou raptado, escapar do desabamento do World Trade Center, sobreviver a um tsunami na Ásia) não é bani-la para oinconsciente. Em vez disso, as experiências são gravadas na mente como lembranças vivas, persistentes e perturbadoras (Porter e Peace, 2007). O dramaturgo Eugene 0 ’Neill compreendeu isso. Como exclama um dos persona- gens de Estranho interlúdio (1928): “O demônio!... Que mons- truosos incidentes nossa memória insiste em cultivar!” ANTES DE PROSSEGUIR... >- P e r g u n t e a S i M e s mo Você poderia ser um jurado imparcial no julgamento de um pai ou uma mãe acusado de abuso sexual com base em memórias recuperadas, ou de um terapeuta acusado por criar falsas memórias de abuso? >• T es t e a S i M e s mo 6 Considerando-se que a amnésia da fonte é comum, como poderia ser a vida se lembrássemos de todas as nossas primeiras experiências e de todos os nossos sonhos? A s respostas às Questões “Teste a Si Mesmo" podem ser encontradas no Apêndice B, no final do livro. Aprimorando a Memória 12: Como a compreensão da memória ajuda a desenvolver técnicas de estudo mais efetivas? VOLTA E MEIA, FICAMOS DESANIMADOS com nossos esquecimentos - com a constrangedora dificuldade para lem- brar do nome de alguém, por esquecermos de algum assunto em uma conversa, ou de algo importante que deveríamos entregar a alguém, ou ainda de irmos a algum lugar e não saber o que fomos fazer lá (Herrmann, 1982). Existe algo que se possa fazer para minimizar essas falhas de nosso sistema de memória? Da mesma forma que a biologia beneficia a medicina e a botânica beneficia a agricultura, a psicologia da memória pode ajudar nos estudos. Vamos sintetizar aqui sugestões espalhadas por este capítulo para melhorar a memó- ria. A técnica de estudo SQ3R - Survey (Pesquisar), Question (Perguntar), Read (Ler), Rehearse (Repassar), Review (Revi- sar) - , apresentada no Prólogo deste livro, incorpora várias dessas estratégias. Estude repetidamente. Para dominar a matéria, pratique de maneira distribuída (espaçada). Para aprender um con- ceito, estude ao longo de várias sessões separadas: aproveite os pequenos intervalos do dia - a viagem de ônibus, a cami- nhada pelo campus, a espera pelo início da aula. Para memo- rizar fatos ou números específicos, Thomas Landauer (2001) sugere “reiterar o nome ou o número que você quer decorar, esperar alguns segundos, reiterar novamente, espe- rar um pouco mais, voltar a reiterar e esperar por um inter- valo maior e reiterar uma vez mais. O intervalo deve ser o maior possível sem que as informações se percam”. Novas memórias são fracas; exercite-as e elas se fortalecem. A lei- tura apressada (superficial) de material complexo - sem reiteração - proporciona pouca retenção. Reiteração e a reflexão crítica ajudam bem mais. O estudo ativo é recom- pensador. Torne o material significativo. Para construir uma rede de pistas de recuperação, faça anotações de aula e do texto com suas próprias palavras. (A repetição sem sentido das palavras dos outros é relativamente ineficaz.) Aplique os conceitos à própria vida, forme imagens, compreenda e organize as informações, estabeleça relações entre a maté- ria que você está estudando e outras coisas que você já sabe ou já experimentou e coloque tudo em suas próprias pala- vras. Aumente as pistas de recuperação estabelecendo asso- ciações. Sem essas pistas, você pode ficar bloqueado diante de uma pergunta formulada de maneira diferente da forma como você a memorizou. Ative pistas de recuperação. Recrie mentalmente a situa- ção e o humor em que o aprendizado original ocorreu. Volte ao mesmo local. Estimule a memória permitindo que um pensamento leve a outro. Use dispositivos mnemônicos. Associe itens a palavras- chave. Crie uma história que incorpore imagens vividas dos itens. Crie rimas ritmadas (se quando venho “venho da”, quando vou craseio o “a”). Minimize as interferências. Estude antes de dormir. Não programe sessões seguidas de estudos de tópicos que pos- sam interferir uns com os outros, como estudar espanhol e depois francês. Durma mais. Durante o sono, o cérebro organiza e con- solida as informações da memória de longo prazo. A falta de sono interfere nesse processo. Teste seu conhecimento, para ensaiá-lo e para identificar o que ainda não sabe. Não se deixe levar pelo excesso de confiança em sua capacidade de reconhecer as informa- ções. Teste sua memória usando as perguntas-chave. Orga- nize as seções em tópicos em uma página em branco. Defina os termos e conceitos listados no final de cada capítulo antes de conferir seus significados. Faça testes práticos; os guias de estudo que acompanham muitos textos, inclusive este, são uma boa fonte para esse tipo de testes. ANTES DE PROSSEGUIR... > P e rg u n te a S i M e s m o Quais estratégias de estudo e memorização sugeridas nesta seção vão funcionar melhor para você? > - T es te a Si M e s m o 7 Quais as estratégias de memorização recomendadas que você acabou de ler? (Uma delas era ensaiar o material a ser lembrado. Quais as outras?) As respostas às Questões “Teste a Si Mesmo” podem ser encontradas no Apêndice B, no final do livro. r e v i s ã o d o c a p í t u l o : M em ória Estudando a Memória: Modelos de Processamento de Inform ações 1 : Como os psicólogos descrevem o sistema de memória humano? A memória é a persistência do aprendizado ao longo do tempo. O clássico modelo de memória em três estágios de Atkinson-Shiffrin (codificação, armazenamento e recuperação) sugere que nós (1) registramos memórias sensoriais fugazes, algumas das quais são (2) processadas em memórias de curto prazo de tempo real, das quais uma pequena fração é (3) codificada para a memória de longo prazo e, possivelmente, para recuperação posterior. Os pesquisadores da memória contemporâneos observam que também registramos algumas informações automaticamente, ignorando as duas primeiras fases. Eles preferem o termo memória de trabalho (em vez de memória de curto prazo) para enfatizar o processamento ativo na segunda fase. Codificação: A Entrada de Inform ação 2 : Que inform ações codificamos autom aticam ente? Que inform ações codificamos empenhados e como a distribuição da prática influencia a retenção? O processamento automático acontece inconscientemente ao absorvemos informações (espaço, tempo, frequência, matérias bem aprendidas) em nosso meio. O processamento empenhado (effortful) (de significado, imagística, organização) requer uma atenção consciente e esforço deliberado. O efeito do espaçamento é a nossa tendência de reter informações mais facilmente se praticá-las repetidamente (estudos espaçados) em vez de durante uma longa sessão (prática massiva, ou intensiva). O efeito de posicionamento serial é a nossa tendência de lembrar mais facilmente do primeiro (efeito da primazia) e do último (efeito de recenticidade) item de uma lista longa, e não dos itens intermediários. 3 : Que métodos de processamento empenhado ajudam a formar as memórias? A codificação visual (de imagens) e a codificação acústica (de sons) ativam processos mais superficiais do que a codificação semântica (dos significados). Processamos melhor as informações verbais quando as tornamos relevantes para nós (o efeito de autorreferência). A codificação de imagens, como quando usamos dispositivos mnemônicos, também auxilia a memória, pois as imagens vividas são memoráveis. Agrupar (chunking) e estabelecer hierarquias ajuda a organizar as informações que sejam recuperadas mais facilmente. Arm azenam ento: Retenção de Inform ação 4 : 0 que é a memória sensorial? À medida que as informações entram em nosso sistema de memória através dos sentidos, registramos e armazenamos rapidamente as imagens através da memória icônica, em que as imagens não duram mais do que alguns décimos de segundo. Registramos e armazenamos os sons através da memória ecoica, pela qual os estímulos sonoros podem perdurar por até 3 ou 4 segundos. 5 : Quais são a duração e a capacidade das memórias de curto e de longo prazo? A qualquer momento,podemos nos concentrar e processar apenas cerca de sete informações (novas ou recuperadas de nosso arquivo de memória). Sem reiteração, a informação desaparece da memória de curto prazo em segundos. Nossa capacidade de armazenar informações de forma permanente na memória de longo prazo é essencialmente ilimitada. 6 : Como o cérebro arm azena nossas mem órias? Os pesquisadores estão explorando as alterações relacionadas à memória dentro e entre os neurônios. A potenciação de longo prazo (PLP) parece ser a base neural da aprendizagem e da memória. O estresse provoca alterações hormonais que ativam áreas do cérebro e pode produzir memórias indeléveis. Estamos especialmente propensos a lembrar de eventos vividos que formam as memórias de flash. Temos dois sistemas de memória. As memórias explícitas (declarativas) de conhecimentos, fatos e experiências gerais são processadas pelo hipocampo. As memórias implícitas (não declarativas) de habilidades e de respostas condicionadas são processadas por outras partes do cérebro, incluindo o cerebelo. Recuperação: Acessando a Inform ação 7 : Como podemos extrair as informações da m em ória? Recordar é a habilidade de recuperar informações que não estão prontamente disponíveis conscientemente; questões com preenchimento de lacunas testam nossa capacidade de recuperação. O reconhecimento é a habilidade para identificar itens previamente aprendidos; questões de múltipla escolha testam o reconhecimento. Reaprender é a habilidade de dominar as informações previamente armazenadas mais rapidamente do que quando originalmente aprendidas. Pistas de recuperação despertam nossa atenção e acionam nossa rede de associações, ajudando a deslocar para a consciência as informações para as quais as pistas apontam. Pré-ativar (priming) é o processo de pré-ativação de associações (em geral inconscientemente). 8 : Como os contextos externos e em oções internas influenciam a recuperação de lem branças? O contexto em que originalmente passamos por uma experiência ou evento, ou em que codificamos um pensamento, pode inundar nossas lembranças com pistas de recuperação, conduzindo-nos à memória-alvo. Em um contexto diferente, ainda que parecido, essas pistas podem nos enganar e nos fazer recuperar uma memória, um sentimento conhecido como déjà vu. Emoções específicas podem provocar a recuperação de memórias condizentes com esse estado. A memória congruente com as emoções, por exemplo, nos leva a interpretar o comportamento alheio de maneira compatível com nossos sentimentos atuais. Esquecim ento 9 : Por que esquecemos? Podemos não conseguir codificar as informações para que entrem em nosso sistema de memória. As memórias podem desaparecer após serem armazenadas - rapidamente no início, e depois se estabilizam, uma tendência conhecida como curva do esquecimento. Podemos enfrentar erros de recuperação, quando materiais novos ou antigos entram em disputa, quando não temos pistas de recuperação adequadas ou possivelmente, em raras situações, devido ao esquecimento motivado, ou recalque. Na interferência proativa, alguma coisa aprendida no passado interfere com (.C o n tin u a i a nossa capacidade de lembrar de algo recém-aprendido. Na interferência retroativa, alguma coisa aprendida recentemente interfere com algo aprendido no passado. Construção da Mem ória 10: Como a informação enganosa, a imaginação e a amnésia de fonte influenciam a construção da memória? Como lembranças aparentemente reais são falsas memórias? Se crianças ou adultos são sutilmente expostos à informação enganosa após um evento, ou se imaginam repetidamente e reiteram um evento que nunca ocorreu na realidade, podem incorporar em suas memórias detalhes enganosos sobre o que aconteceu de fato. Ao remontar uma memória durante a recuperação, pode-se recuperar com sucesso algo que ouvimos, lemos ou imaginamos, mas atribuindo à fonte errada (amnésia da fonte de informação). Falsas memórias são percebidas como memórias verdadeiras e são igualmente duráveis. As memórias construídas geralmente se limitam à essência do evento. 11: Qual é a controvérsia relacionada às alegações de memórias recalcadas e recuperadas? Essa controvérsia entre os pesquisadores da memória e alguns terapeutas bem-intencionados relaciona-se à dúvida sobre se a maioria das lembranças de abusos na infância são recalcadas e podem ser recuperados por meio de questões dirigidas e/ou pela hipnose durante a terapia. Os psicólogos atuais tendem a concordar que: (1) o abuso acontece e pode deixar cicatrizes duradouras. (2) Algumas pessoas inocentes já foram falsamente acusadas de abuso que nunca ocorreu, e alguns abusadores reais têm usado a controvérsia sobre memórias recuperadas para evitar a condenação. (3) Esquecer eventos isolados do passado, bons ou ruins, é algo normal na vida. (4) Recuperar memórias boas e ruins devido a alguma pista de memória é muito comum. (5) A amnésia infantil - a incapacidade de recuperar lembranças dos três primeiros anos de vida - faz com que a recuperação de memórias desse período seja muito improvável. (6) As memórias obtidas sob a influência da hipnose, de drogas ou por terapia não são confiáveis. (7) Tanto as memórias reais quanto as falsas geram estresse e sofrimento. Aprim orando a Memória 12: Como a compreensão da memória ajuda a desenvolver técnicas de estudo mais efetivas? A pesquisa sobre a memória sugere estratégias concretas para melhorar o desempenho. Essas estratégias incluem estudar repetidamente, mas com espaços; tornar o material pessoalmente significativo, ativar pistas de recuperação, usar dispositivos mnemônicos, minimizar a interferência, dormir o suficiente e fazer autotestes. Termos e Conceitos para Lembrar memória codificação armazenamento recuperação memória sensorial memória de curto prazo memória de longo prazo memória de trabalho processamento automático processamento empenhado (effortful) reiteração efeito de espaçamento efeito da posição serial codificação visual codificação acústica codificação semântica imagética mnemônicos agrupamento (chunking) memória icônica memória ecoica potenciação de longo prazo (PLP) memória de flash amnésia memória implícita memória explícita hipocampo recordação reconhecimento reaprendizagem pré-ativação déjà vu memória congruente com o humor interferência proativa interferência retroativa recalque efeito da informação enganosa amnésia da fonte de informação