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TEXTO 1 PROCESSOS AERODINÂMICOS E FONATÓRIOS NA PRODUÇÃO DA FALA COSTA, Consuelo de Paiva Godinho. 1. Aerodinâmica da fala: O aparelho fonador humano é um tubo com válvulas por onde transitam correntes de ar que produzem ressonância. Como não poderia ser diferente, a dinâmica destas correntes de ar obedece aos princípios físicos universais de outros mecanismos aerodinâmicos, como uma bomba de bicicleta (um bom exemplo dado por John Ohala). Temos uma constante que é a temperatura. O funcionamento aerodinâmico do aparelho fonador é uma função entre o volume do trato oral, a massa de ar movimentada e a pressão: essa é uma fórmula da Física já velha conhecida nossa (PV = nRT). A variação nos valores destas grandezas no interior do tubo reflete-se em rápidos pulsos de corrente aérea e sua respectiva ressonância, que é o que conhecemos como sons da fala humana. O pulmão é a principal fonte de energia, onde a corrente de ar tem origem. Esta corrente é impulsionada através do tubo fonador e o ar se movimenta devido às diferenças de pressão. Ao encontrar os articuladores – obstáculos físicos que causam algum tipo de obstrução – os diferentes sons das línguas são produzidos. No caso dos sons nasais, o coupling nasal - que é a conexão feita entre as cavidades oral e nasal através do abaixamento do véu palatino e conseqüente abertura da porta velofaríngea - faz com que o tubo de ressonância se bifurque, o que altera as ocorrências aerodinâmicas. DIREÇÃO DA CORRENTE DE AR: Quanto à direção da corrente de ar, esta pode ser de entrada (corrente INGRESSIVA) ou de saída do aparelho fonador (corrente EGRESSIVA). Com relação à respiração, a corrente ingressiva corresponde à inspiração e a corrente egressiva corresponde à expiração. Para um tratamento mais detalhado da fisiologia dos mecanismos de inspiração e expiração, ver Netto (2001:31-56). MECANISMOS DE CORRENTE DE AR: Os mecanismos aerodinâmicos da fala são classificados de acordo com o órgão que é o iniciador da fonte de energia (corrente de ar). Esta iniciação pode ser feita pelos pulmões, pela glote ou pela língua em conjunto com o véu palatino, se considerarmos os que podem ter valor fonológico nas línguas. Existe ainda a possibilidade de usar outros órgãos móveis do aparelho fonador como fonte do movimento da corrente de ar, como as bochechas e o esôfago, por exemplo. Um efeito como o da voz do Pato Donald é conseguido através do uso das bochechas como iniciadoras. Além disso, temos relatos na bibliografia de casos de falantes que, tendo removido cirurgicamente a laringe, passam a usar o esôfago como iniciador. O mecanismo PULMONAR EGRESSIVO é o mais comum nas línguas do mundo. Nesse tipo de fonte, a fala é constituída por modificações na corrente de ar da expiração. Além dos pulmões, outras partes móveis do aparelho fonador podem atuar como fontes geradoras de energia, sendo que os principais são a glote e o palato (em conjunto com a língua). O mecanismo GLOTÁLICO (ou glotático) funciona através do fechamento da glote (unindo-se as pregas vocais). Nestas condições, a laringe pode subir ou descer e isso, somado à soltura de uma obstrução na cavidade, gera uma corrente de ar resultante das diferenças de pressão. Se esta corrente for ingressiva, temos um som conhecido como IMPLOSIVO. Se for egressiva, o resultado será um som chamado de EJECTIVO. Sons glotálicos, portanto, apresentam duas solturas, uma oral e outra glotal. Esses elementos são comuns em línguas africanas e indígenas, como o Kadiwéu, falado no estado do Mato Grosso do Sul. Os sons ejectivos são representados, no alfabeto fonético, colocando-se o diacrítico [ ‟ ] junto ao símbolo da consoante pulmonar de ponto de articulação correspondente, como em [p‟], [t‟], [k‟]. Os implosivos, ao contrário, são representados por símbolos únicos, sem a utilização de diacríticos: [], [], []. Ainda um terceiro tipo de fonte geradora de correntes de ar ocorre no aparelho fonador humano: o VELAR (ou velárico), cuja corrente ingressiva produz os cliques, sons caracterizados perceptualmente por um estalo. Os cliques são produzidos através de grandes diferenças entre a pressão intra-oral e a pressão atmosférica. Estes sons são conseguidos através de movimentos pequenos da língua em uma cavidade pequena (entre a língua e o palato duro). Eles são comuns em línguas africanas, como o Xhosa, falado na África do Sul. Existem cliques também no português, nesse caso, porém, eles não fazem parte do sistema fonológico da língua, mas aparecem em expressões onomatopaicas, de deboche, de negação ou em chamamento de animais, como o som de chamar cavalos, cuja transcrição, em símbolos do IPA, é: “vem cá, cavalo”. 2. Fonação: A fala humana apresenta ainda fenômenos aerodinâmicos ligados à região da laringe, conhecidos como eventos de Fonação. A laringe é onde se localizam as pregas vocais e fonação é um termo usado na fonética para se referir a qualquer atividade vocal que ocorra na laringe, sobretudo nas pregas vocais: as possibilidades articulatórias da laringe podem provocar modificações na corrente de ar oriunda nos pulmões com relação à qualidade de voz, sonoridade, aspiração... São os vários tipos de fonação. TIPOS DE FONAÇÃO A função mais conhecida dos eventos fonéticos que ocorrem na glote é com relação à vibração audível (ou não) das pregas vocais. Em caso positivo, temos o VOZEAMENTO, um traço presente em sons produzidos com vibração nas pregas vocais, como [b], [d], [g]... Os sons que não apresentam esta vibração nas pregas vocais, de outro lado, são conhecidos como SURDOS: [p], [t], [k]... Outro tipo de fonação possível na laringe é a ASPIRAÇÃO (também conhecida como sussurro ou whispery voice). Ela é produzida por uma fricção na glote, por ocasião da passagem da corrente de ar por uma constrição. Além desta, também o MURMÚRIO (breathy voice) é considerado uma variedade de fonação: corresponde a uma aspiração sonora. Ocorre quando uma grande quantidade de ar passa pela glote pouco aberta. Este traço de „qualidade de voz‟ é encontrado com status fonológico, por exemplo, entre as vogais na língua Gurajati - segundo Crystal (2000:249). Ainda um quinto tipo de fonação pode ser encontrado com valor distintivo, em algumas línguas: a LARINGALIZAÇÃO (ou creaky voice), que é caracterizada por uma vibração muito lenta em apenas uma das extremidades das pregas vocais. Este tipo de „qualidade de voz‟, em português, pode ajudar a exprimir menosprezo e é pronunciado em um nível de pitch muito baixo, produzindo sons com qualidade fonatória muito grave. Um exemplo é a voz de um cantor lírico „baixo‟. A distinção entre laringalizadas e não-laringalizadas tem status fonológico entre as oclusivas do Haúça - segundo Crystal (2000:156). Na extremidade oposta à laringalização está o FALSETO, que è produzido através de um esticamento extremo nas pregas vocais, o que resulta em sons com qualidade fonatória muito aguda, sendo este um recurso bastante utilizado pelos cantores „sopranos‟. Verificamos o uso deste tipo de fonação também em eventos como a imitação que os homens fazem da fala feminina. Também a completa oclusão da glote é um som que pode ter valor fonológico, encontrado em muitas línguas indígenas americanas. Este elemento é chamado de OCLUSIVA GLOTAL e representado pelo símbolo []. Em português, aparece em expressões de espanto e surpresa: [a], [], [aa] “Ah?!, Éh!?, Aha!?” Finalmente, se a oclusão não for completa e se a passagem da correntede ar provocar turbulência audível, configura-se a produção de uma FRICATIVA GLOTAL, que é um som fricativo produzido com a glote, representado pelo símbolo [h]. Como vimos, são muito complexos os mecanismos aerodinâmicos e fonatórios que operam na produção da fala humana. Infelizmente, o estudo das ocorrências aerodinâmicas da fala não são muito abordadas pelos foneticistas, que ficam mais presos à análise acústica e articulatória. Sendo assim, este é, sem dúvida, um vasto campo, bastante intocado, da Fonética e Fonologia. BIBLIOGRAFIA: MASSINI-CAGLIARI, G. e CAGLIARI, C. Fonética. In: Mussalim, F. e Bentes, A. C. (orgs.) Introdução à Lingüística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001. CRYSTAL, David. Dicionário de Lingüística e Fonética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. JOHNSON, Keith. Acoustic na Auditory Phonetics. Londres: Blackwell, 1997. NETTO, Waldemar Ferreira. Introdução à fonologia da língua portuguesa. São Paulo: Hedra, 2001. SILVA, Taïs C. Fonética e Fonologia do Português. São Paulo: Contexto, 2001.
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