Buscar

MARXISMO E O ESTADO

Prévia do material em texto

03/08/2015 ASSIS, Marselha Silvério de. DIREITO E ESTADO SOB A ÓPTICA DE KARL MARX
http://www.sociologiajuridica.net.br/numero­10/234­assis­marselha­silverio­de­direito­e­estado­sob­a­optica­de­karl­marx?tmpl=component&print=1&pa… 1/8
ASSIS, Marselha Silvério de. DIREITO E ESTADO
SOB A ÓPTICA DE KARL MARX
DIREITO E ESTADO SOB A ÓPTICA DE KARL MARX
Law and State on Karl Marx´optics
Marselha Silvério de Assis ­ Pós­graduada em Direito do Trabalho pelo Instituto Praetorium em
parceria  com a Universidade Cândido Mendes. Bacharel  em Direito pela Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. Atualmente  exerce o  cargo de Analista  Processual  do Ministério  Público da
União.
E­mail: marselhasilverio@gmail.com
RESUMO: O artigo proposto sugere um estudo acerca da contribuição do filósofo alemão Karl Marx
para a compreensão da sociedade, do Estado e do Direito. Sua teoria social consubstancia­se numa
resposta  aos  problemas  da  sociedade  burguesa  e  uma  proposta  de  intervenção  que  tem  como
centro  a  classe  operária.  Ademais,  abordar­se  a  concepção  do  Estado  do  autor,  e
conseqüentemente  do Direito,  cujo  aparato  reflete  a  dominação  econômica  de  uns  poucos  sobre
tantos  outros,  legitimada  por  intermédio  de  um  Estado  de Direito,  cujo  princípio  capital  é  a  lei.
Conclui­se que de seus ensinamentos não se pode abstrair uma  teoria sistêmica sobre o Direito.
Apesar disso, através de seus escritos, evidencia­se um direito de papel decisivo na  fixação das
contradições do Sistema Social Ocidental.
SUMÁRIO: 1.Introdução 2. O modelo teórico 3. O Estado na visão de Marx 4. O direito em Marx 5.
Conclusão 6.Referências
PALAVRAS­CHAVE: Jusfilosofia, Direito, Marxismo, Estado, Sociedade
ABSTRACT:  The  proposed  article  suggests  a  study  about  the  contribution  of  the  German
philosopher Karl Marx to the understanding of society, state and law. His social theory represents a
response to the problems placed by the bourgeois society and a proposal for intervention that has
the  working  class  as  centre.  The  article  discusses  as  well  the  Marxist  conception  of  state,  and
consequently  of  law,  and whose  system/apparatus  reflects  the  economic  domination  of many  by
only  a  few,  legitimized  by  the  rule  of  law/constitutional  state,  whose  core  principle  is  the  law.
Concluding you can say that from his teachings you cannot abstract a systemic theory about  law.
Despite that a right with a decisive role for the fixation of the contradictions of the western social
system is manifested in his writings.
KEYWORDS: PHILOSOPHY OF LAW, LAW, MARXISM, STATE, SOCIETY
1. INTRODUÇÃO
A  obra  de  Karl  Marx  não  surge,  na  cultura  e  na  história  ocidentais,  por  acaso.  Ela  é
resultante  de  contexto  sócio­político  determinado.  É  uma  resposta  aos  problemas  da  sociedade
burguesa e uma proposta de  intervenção que  tem como  centro  a  classe operária. Com efeito,  o
autor pretende através da  fusão de  todo patrimônio cultural existente até ele com a  intervenção
política do proletariado, um modo novo de ver a sociedade burguesa: compreendê­la para suprimi­
la!
Isso  porque  a  revolução  industrial  engendrou  uma  crise  social  que  atingiu  níveis
gigantescos. A permuta do homem pela máquina, na mesma medida em que majorava a produção,
gerava  uma  grande  quantidade  de  desempregados.  Concorrendo  com  as  fábricas,  os  artesãos
03/08/2015 ASSIS, Marselha Silvério de. DIREITO E ESTADO SOB A ÓPTICA DE KARL MARX
http://www.sociologiajuridica.net.br/numero­10/234­assis­marselha­silverio­de­direito­e­estado­sob­a­optica­de­karl­marx?tmpl=component&print=1&pa… 2/8
faliam prontamente. Por ser o trabalho operário um exercício mecânico de alguma atividade, que
não exige técnica, nem raciocínio, logo se constatou que a utilização de mulheres e crianças seria
extremamente  vantajosa,  já  que  mais  barata.  As  horrendas  condições  em  que  trabalhavam  só
poderiam ter como conseqüência a enorme mortalidade infantil e sua desnutrição. Além disso, ao
se processar a divisão social do  trabalho,  separam­se aqueles que pensam, daqueles que agem.
Daí que “a segmentarização do trabalho acabou por dividir também o saber do trabalhador”.[1]
Nesse contexto, a partir do modelo teórico proposto pelo autor quanto à compreensão da
sociedade, apresenta­se o seguinte problema: embora não se possa estabelecer uma teoria geral
do Direito em Marx[2], é possível se chegar a um conceito do que o autor entende ser o fenômeno
jurídico. E, assim, propõe­se no presente estudo o encaixe do Direito e do Estado em sua  teoria
epistemológica,  apresentando  uma  proposta  de  superação  da  dogmática  normativista,  da  lógica
formal e de todo um universo rígido de normas.
2. MODELO TEÓRICO
Marx,  junto  à  colaboração  essencial  de  Engels,  produziu  um  julgamento  do  capitalismo
jamais  visto.  Com  o Manifesto  do  Partido  Comunista  (1848),  conclamou  todos  os  trabalhadores,
independente  de  suas  nacionalidades,  à  união  contra  o  Capitalismo  (sendo  que  o  processo  de
sindicalização tomou grande impulso a partir daí)[3]. Na elaboração de sua doutrina social, o autor
recebeu influência de três “teorias” em voga na Europa:
a)  A  Economia  Política,  destacando­se  os  nomes  de  Adam  Smith  e  David  Ricardo.  Dela,  Marx
recupera  a  noção  de  trabalho­valor,  observando,  porém,  que  a  realização  do  capital  não  é
produzida pelo trabalho em qualquer de suas formas, mas pelo trabalho não­pago;
b)  O  Socialismo  Utópico,  que  denunciou  a  miséria  da  vida  sob  o  capitalismo,  a  exploração  do
homem pelo homem. Deste, o autor retoma a exploração, mas não sob uma óptica pretensora de
conciliação,  numa  sociedade  ideal,  dos  princípios  liberais  com  as  necessidades  emergentes  do
operariado, mas sob uma perspectiva de constatação de que, em verdade, os desacordos entre os
interesses da burguesia e os do proletariado constituem uma mola que move o sistema capitalista
e que é essencial à sua existência[4]. Para o autor, as tentativas de união de idéias paradoxais são
meramente  ilusórias,  restando  à  prole,  portanto,  a  alternativa  revolucionária  de  modo  a
interromper as contradições brutais do capitalismo;
c) A Filosofia Clássica Alemã,  representada principalmente por Feurbach e Hegel. Daquele, Marx
incorpora  o  materialismo.  Entretanto,  não  em  sentido  filosófico,  mas  sob  uma  perspectiva
histórica,  porque  “a  sociedade,  o  Estado  e  o  Direito  não  surgem  de  decretos  divinos,  mas
dependem da ação concreta dos homens na História”[5]. Já com relação a Hegel, o autor recupera
a sua dialética, que diz ser o mundo movido por contradições (natureza/homem, capital/trabalho,
campo/cidade),  sendo que em vez da natureza  circular da dialética de Hegel,  formada por  tese,
antítese  e  síntese, Marx propõe uma espiral,  na qual  a  “síntese”  seria  também uma  “tese”  para
uma  nova  “antítese”.  Além  disso,  ao  contrário  de  Hegel,  que  era  um  filósofo  idealista  ou
especulativo,  o  autor  era  materialista.  Este  dizia  ser  a  ação  anterior  ao  pensamento  e  que  o
trabalho  seria  material,  transformador  da  realidade,  da  natureza,  em  oposição  ao  trabalho
espiritual de Hegel.
Marx  propõe,  por  meio  do  Materialismo  Histórico,  que  os  homens  não  são  meros  seres
contemplativos  do  mundo,  não  são  apenas  produto  do  meio  (refutando,  portanto,  as  teses
deterministas), mas são também produtores da História. Além disso, como já foi dito, o modo de
03/08/2015 ASSIS, Marselha Silvério de. DIREITO E ESTADO SOB A ÓPTICA DE KARL MARX
http://www.sociologiajuridica.net.br/numero­10/234­assis­marselha­silverio­de­direito­e­estado­sob­a­optica­de­karl­marx?tmpl=component&print=1&pa… 3/8
produção capitalista é sustentado porinúmeras contradições, essencialmente verificadas no plano
das  classes  sociais.  Estas  são  a  burguesia,  como  classe  detentora  dos  meios  de  produção  e,
portanto,  dominante;  e  o proletariado,  que  tem como única  riqueza o  seu  trabalho,  tendo que o
vender para sobreviver.
É compreensão do autor a existência de uma relação de determinação entre os aspectos
econômicos e os demais campos da sociedade, ou no modo de produção global. O autor propõe um
modelo  teórico  social  dividindo  o  esqueleto  social  em  duas  partes:  a  infra­estrutura  e  a
superestrutura, utilizando­se de metáfora advinda da construção civil  e que  revela estar a  infra­
estrutura  afastada  das  percepções  sensoriais  do  homem  e,  de  outro  lado,  ilustra  que  os
componentes  da  superestrutura,  isto  é,  a  política,  a  ideologia  e  o  Direito,  são  captáveis  pelos
sentidos humanos.
Na  infra­estrutura,  ou  base  material,  desenvolver­se­iam  todas  as  relações  sociais  de
produção através das forças produtivas, isto é, as ferramentas por intermédio das quais poder­se­
ia  obter  produtividade:  força  de  trabalho +  tecnologia +  terras +  conhecimento[6].  As  relações
sociais  de produção,  por  sua  vez,  significam as  interações  entre  os  indivíduos,  ou destes  com a
natureza, ocorridas na infra­estrutura.
Sobre  essa  infra­estrutura  material  levantar­se­ia  a  superestrutura.  Esta  reproduziria  a
dominação  estabelecida  naquela  e  seria  composta  por  duas  instâncias:  uma  delas  é  a  jurídico­
política,  que  tem  por  função mediar  às  relações materiais  e  tem  como  expressões máximas:  o
Direito  (demonstração  da  luta  de  classes,  sendo  a  lei  vista  como  a  consagração  da  ideologia
burguesa)  e  a  Burocracia,  definida  como  um  corpo  de  funcionários  orientados  a  perpetuar  as
condições vividas na  infra­estrutura. A outra  instância é a  ideológica, na qual seriam construídos
valores, idéias e representações que afirmariam as discrepâncias entre as classes sociais.
As  classes  sociais  constituem  a  base  de  todo  o  pensamento  do  autor.  Elas  são
determinadas pela posição que um grupo de  indivíduos possui  nas  relações  sociais  de produção.
Essa posição seria determinada pela propriedade ou não de bens. O grupo que os possuísse seria a
classe dominante  e  o que não os detivesse,  a  classe dominada. As  relações  entre  essas  classes
nascem na  infra­estrutura, sendo afirmadas, mantidas e reproduzidas pela esfera superestrutural
(que também tem o papel de reprimir ataques ao status quo). Em última instância, Marx considera
que as relações econômicas (infra­estrutura) determinam o corpo superestrutural[7].
No entanto, a relação entre as estruturas do modo de produção não é a simples reflexão,
expressão  ou  determinação,  no  sentido  de  baixo  para  cima.  Se  assim  o  fosse,  explica  o
doutrinador  Oscar  Correa[8]  ter­se­ia  uma  legislação  trabalhista  legitimadora  da  exploração  do
mais­trabalho, em referência à mais­valia. E não é bem assim que sempre ocorre, em que pese se
possa afirmar também que o Direito do Trabalho não nasce para unir o capital e o trabalho num
mesmo objetivo,  porque  isso  seria  impossível. O  que  se  quer  dizer  é  que  o Direito  do  Trabalho
promove  como  “justo”  o  intercâmbio  da  compra  e  venda  da  força  de  trabalho, mas  ao mesmo
tempo  promove  institutos,  como  o  salário,  o  jus  postulandi,  e  toda  a  redoma  protetiva  do
trabalhador, a fim de garantir um mínimo ético nas relações trabalhistas.
3. O ESTADO NA VISÃO DE MARX
O  autor  concebe  o  Estado  não  como  curador  social  que  tem  por  função  obter  o  bem
comum da  sociedade  e  proteger  os  interesses universais,  como pensou Durkheim, nem  também
como  o  Estado  ético­racional,  perene,  sem  história,  superior  a  sociedade  civil,  como  propunha
03/08/2015 ASSIS, Marselha Silvério de. DIREITO E ESTADO SOB A ÓPTICA DE KARL MARX
http://www.sociologiajuridica.net.br/numero­10/234­assis­marselha­silverio­de­direito­e­estado­sob­a­optica­de­karl­marx?tmpl=component&print=1&pa… 4/8
Hegel. Ele analisa­o relacionado à realidade política, como reflexo da sociedade civil e, portanto,
como decorrente de uma luta de classes.
O Estado, para o autor, compõe a esfera superestrutural, sendo seu surgimento necessário
para  ordenar  essa  luta  de  classes,  amenizando­a.  Fazendo  isso,  ele  atende  aos  interesses  dos
proprietários4,  já  que  a  intensificação  dos  conflitos  pode  gerar  uma  superação  da  realidade  e  à
classe dominante interessa a permanência da situação vigente.
Assim,  o  Estado  é  a  expressão  legal  –  jurídica  e  policial  –  dos  interesses  de  uma  classe  social
particular,  a  classe  dos  proprietários  privados  dos meios  de  produção  ou  classe  dominante.  Ele
“não é uma imposição divina aos homens nem é o resultado de um pacto ou contrato social, mas é
a maneira pela qual a classe dominante de uma época e de uma sociedade determinadas garante
seus interesses e sua dominação sobre o todo social”[9].
Para  ele,  o  Estado  é  o  braço  repressivo  da  burguesia.  Ele  utiliza­se  da  coerção  para
garantir a ordem infra­estrutural. As forças produtivas do modo de produção capitalista deveriam
ser  desenvolvidas  ao  máximo  até  as  contradições  entre  as  classes  tornarem­se  insuportáveis.
Nesse  momento,  o  povo  chegaria  ao  poder  e  as  decisões  seriam  tomadas  pela  própria  massa
popular. Dentre essas decisões, estaria a socialização das propriedades, enquanto que o Estado e,
conseqüentemente, o Direito (já que este é produto daquele)  iriam perdendo as suas funções até
se  extinguirem  completamente.  Isso  porque  tais  institutos  não  seriam  mais  necessários  numa
sociedade na qual todas as pessoas estariam numa mesma situação diante da base material (não
existiriam  mais  classes  sociais,  então  não  haveria  mais  necessidade  de  algo  que  regulasse  as
contradições entre elas).
4. O DIREITO EM MARX
Já o Direito é a seara que se estabelece dentro do modelo epistemológico de Marx como
fenômeno social, ocupante da posição superestrutural, determinada dialeticamente pela economia,
que  compreende a base material. Seu estudo, desse modo, há de  ser  feito  relacionado a outras
ciências  (especialmente  a  Economia),  porquanto  incorpora  valores  sociais.  Essa  tese  é
veementemente contraposta por Hans Kelsen, eminente jurista austríaco, de formação positivista,
que  defendeu  a  teoria  pura  do  Direito,  sob  o  fundamento  de  que  para  a  construção  de  um
conhecimento consistentemente científico o Direito deve abstrair­se dos aspectos políticos, morais,
econômicos e históricos[10]. No entanto, um pensamento coerente e estruturado não admite um
estudo do Direito isolado das demais ciências, de maneira que a teoria pura do Direito de Kelsen
sucumbiu, ante a clareza com que a palavra Direito designa um acontecimento que tem conexão
com outro conjunto de fenômenos sociais que se inscrevem no contexto do exercício do poder em
uma sociedade.
Karl Marx organizou uma tese em que o Direito, como regra de conduta coercitiva, nasce
da ideologia da classe dominante, que é precisamente a classe burguesa. Assim, qualquer que seja
a  forma  que  o  direito  assuma  (lei,  jurisprudência,  costume),  a  essência  do  direito  está  sempre
referida  à  vontade  da  classe  dominante,  que  nunca  é  a  vontade  do  conjunto  do  corpo  social.  O
Direito  é  percebido  como  síntese  de  um  processo  dialético  de  conflito  de  interesses  entre  as
classes sociais, que Marx denominou de luta de classes.
Tanto  as  relações  jurídicas  quanto  as  formas  de  Estado  não  podem  ser  compreendidas
nem por si mesmas, nem pela chamada revolução geral do espírito humano, mas antes têm suas
raízes  nas  condições  materiais  deexistência.  Ademais,  o  Direito  não  nasce  espontaneamente
03/08/2015 ASSIS, Marselha Silvério de. DIREITO E ESTADO SOB A ÓPTICA DE KARL MARX
http://www.sociologiajuridica.net.br/numero­10/234­assis­marselha­silverio­de­direito­e­estado­sob­a­optica­de­karl­marx?tmpl=component&print=1&pa… 5/8
dessas  relações,  mas  é  posto  pela  vontade.  O  problema  que  se  verifica  é  que  tal  vontade  é
somente aquela dos que possuem o poder estatal, ou seja, a vontade da classe dominante, sendo
o Direito expresso de um lado pela lei e, de outro, como o conteúdo determinado dessa lei. Assim,
a  dominação  econômica  de  uns  poucos  sobre  tantos  outros  se  legitima  por  intermédio  de  um
Estado de Direito, cujo princípio capital é a lei.
Nessa  linha,  na  obra  de  Marx,  verifica­se  uma  inquietação  sobre  a  injustiça  econômica
estar representada nas formas jurídicas e, assim, a insurgência contra o modelo liberal do Direito
de propriedade, uma vez que a liberdade no capitalismo clássico é meramente formal, e sem um
amparo da igualdade material, torna­se pó, isto é, oprime.
Sobre o núcleo do sistema jurídico,  isto é, o  judiciário, parafraseando o sociólogo Niklas
Luhmann,  sinaliza  a  obra de Marx pelo menos duas  críticas.  Primeiro,  o  velho  adágio  de que  “a
justiça  é  cega”,  no  sentido  de  imparcial,  imune,  é  um  contra­senso,  porque  se  os  juízes  são
apartidários,  quando  a  lei  é  partidária,  a  propaganda  de  neutralidade  dos  magistrados  cai  por
terra,  principalmente  tendo  em  conta  que  o  corpo  de  magistrado  tem  origem  normalmente  na
classe dominante. De outro  lado, o autor  critica a despersonalização ou desumanização dos atos
judiciais, operada pela burocracia, e que conduzem a uma identificação da redenção do condenado
por ele mesmo, e não pela aplicação do Direito.
Nesse sentido, oportuna a  lição do doutrinador Ricardo Nery Filho[11], para quem “Marx
‘humaniza’  o  direito  ao  afirmar  que  ele  é  um  fenômeno  derivado  das  condições  econômicas  de
produção  capitalista  que  estão  na  sua  base  e  ao  fazer  com  que  ele  apareça  como  ideologia  e
superestrutura burguesas.”
Assim,  o  Direito  e  seus  institutos  constituem  fenômenos  ideológicos,  parte  da  realidade
social  capitalista,  seja  no  processo  de  elaboração  das  leis,  seja  no  de  sua  aplicação  pelos
magistrados.  No  entanto,  de  proposta,  os  ensinamentos  de  Marx  sobre  o  Direito  devem  ser
acoplados  à  sua  concepção  de  homem  enquanto  produto  e  produtor  da  realidade  social  em  que
vive e, assim, promover a superação da dogmática normativista, da  lógica  formal e de  todo um
universo  rígido  de  normas.  Desse  modo,  e  com  a  possibilidade  de  transformação  histórica  da
sociedade pela mudança no Direito, o projeto de aproximação da justiça social pode ser efetivado.
5. CONCLUSÃO
A obra de Marx é inegavelmente de suma importância para a Idade Contemporânea, seja
na Filosofia, Economia Política, na Sociologia ou no Direito. Ela não constituiu apenas um grito de
dor do proletariado, já que sua dialética econômica da história denunciou “uma guerra ininterrupta
entre  homens  livres  e  escravos,  patrícios  e  plebeus,  burgueses  e  operários,  enfim,  entre
dominantes  e  dominados”[12],  mas  não  se  restringiu  a  isso.  Propôs  uma  mudança  através  da
revolução proletária.  É  então,  impossível  desconsiderar  o pensamento de Marx em seu profundo
papel modificador e crítico da sociedade, do Estado e do Direito.
De seus ensinamentos não se pode abstrair uma teoria sistêmica sobre o Direito. Apesar
disso,  através  de  seus  escritos,  evidencia­se  um  direito  de  papel  decisivo  na  fixação  das
contradições  do  Sistema  Social  Ocidental.  O  Direito  coloca­se  muito  mais  que  um  instrumento
pacificador  dos  conflitos  sociais.  Isso  porque  sob  sua  perspectiva  ideológica  verifica­se  que  o
Direito representa um discurso do Poder.
De  fato,  o  Direito,  assim  como  a  Justiça,  não  é  um  fenômeno  universal,  conforme  a  classe
03/08/2015 ASSIS, Marselha Silvério de. DIREITO E ESTADO SOB A ÓPTICA DE KARL MARX
http://www.sociologiajuridica.net.br/numero­10/234­assis­marselha­silverio­de­direito­e­estado­sob­a­optica­de­karl­marx?tmpl=component&print=1&pa… 6/8
dominante insiste em afirmar. Como bem ressalta o professor Roberto Aguiar, in verbis:
“as  normas  jurídicas  e  os  ordenamentos  jurídicos,  como  todos  os
atos normativos editados pelo poder de um dado Estado,  traduzem
de forma explícita, seja em seu conteúdo, seja pelas práticas que o
sustentam,  as  características,  interesses,  e  ideologia  dos  grupos
que legislam.”[13]
Assim, o Direito não pode ser entendido como um acontecimento neutro e desinteressado
nas lutas de classes. Ele não é idealista, mas vinculado à práxis. Prova disso é que quando ocorre
uma revolução, a primeira mudança ocorre na esfera jurídica. Esta irá traduzir outros interesses.
Afinal: “ninguém legisla contra si mesmo”.[14]
Ora, as leis beneficiam muito mais os proprietários. Isso se verifica, por exemplo, quando
o Ordenamento Jurídico reprime mais os crimes contra as coisas, que aqueles contra as pessoas,
demonstrando  que  aquelas  são  mais  importantes  que  os  seres  humanos.  De  outro  lado,  o
judiciário, sob o falso manto da imparcialidade, perpetua a ideologia dominante.
É  preciso  recolocar  o  homem  no  centro  das  relações  sociais;  conceber  o  Direito  como
fenômeno  parcial  e  comprometido  sim,  mas  não  com  as  minorias.  Isto  significa  perceber  uma
ordem jurídica respaldada nos  interesses das maiorias. Tal sistema transformador há de ter uma
chance muito grande de ser justo, haja vista que configuraria uma antítese para a tese do sistema
opressor  em que  vivemos. Até  a  sua  concepção,  a  postura  do  conformismo é  que não deve  ser
adotada.  Isso  porque  a  imagem do  direito  justo  pode  aparecer  na  aplicação  das  leis  burguesas,
desde que se utilize uma idéia renovadora, envolta ao viés do uso alternativo do Direito.
1.   REFERÊNCIAS
AGUIAR, Roberto A. R. O que é Justiça: uma Abordagem dialética. 5 ed. São Paulo: Alfa­ômega,
1999.
BOTTOMORE, Tom & NISBET, Robert. História da análise sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.
CARNOY, Martin. Estado e teoria Política. São Paulo: Papirus, 1994.
CARVALHO,  José Murilo. Cidadania  no  Brasil:  o  longo  caminho.  2  ed.  Rio  de  Janeiro:  Civilização
brasileira, 2001.
CHAUÌ, Marilena. O que é ideologia? 14 ed. São Paulo: Braziliense, 1984.
_______________. Convite à Filosofia. 12 ed. 4ª impressão. São Paulo: Ática, 2001.
COTRIM, Gilberto. História Global: Brasil e Geral. 1 ed. Vol único. São Paulo: Saraiva, 1999.
CORREA.  Oscar.  A  concepção  juridicista  do  estado  no  pensamento  Marxista.  In
PLASTINO, Carlos Alberto  (org.).  Crítica  do Direito  e  do  Estado.  Rio  de  Janeiro:
Graal, 1984, p. 147.
CUEVA, Augustin. A concepção marxista das classes sociais. In Debate e Crítica, n°03. São Paulo:
Hucites, 1974, p. 83­106.
DELLA  CUNHA,  Djason  B.  A  perspectiva  sociológica  no  estudo  do  Direito.  Revista  do  Curso  de
03/08/2015 ASSIS, Marselha Silvério de. DIREITO E ESTADO SOB A ÓPTICA DE KARL MARX
http://www.sociologiajuridica.net.br/numero­10/234­assis­marselha­silverio­de­direito­e­estado­sob­a­optica­de­karl­marx?tmpl=component&print=1&pa… 7/8
Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Vol.2. nº2. Natal: EDUFRN, 1996. p.101 a
130. Janeiro/junho 1997.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito.  6  ed.  Tradução  de  João  Baptista  de Machado.  São  Paulo:
Martins Fontes, 1998.
LIMA,  Martônio  Montálverne  Barreto.  BELLO,  Enzo  (org.).  Direito  e  Marxismo.  Rio  de  Janeiro:
Lumen Juris, 2010.
MACHADO NETO, A. L. Sociologia Jurídica. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1987.MARX, Karl  e ENGELS,  Friedrich. Manifesto do Partido Comunista.  Coleção  a  obra­prima  de  cada
autor.Tradução de Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2000.
____________________________. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
RAMOS,  Augusto  César.  O  direito  como  fenômeno  social  na  visão  de  Marx.  In  jusnavigandi
http//:www.jusnavigandi.com.br, acesso em 23 de Maio de 2003.
SPINDEL,  Arnaldo. O  que  é  Comunismo?.  Coleção  Primeiros  Passos.  7  ed.  São
Paulo: Braziliense, 1981.
VICENTINO, Cláudio. História Geral. 8 ed. São Paulo: Spione, 1997.
WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. São Paulo:
Saraiva, 2001.
[1]COTRIM, Gilberto. História Global: Brasil e Geral. 1 ed. Vol único. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 233­234.
[2]WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. São Paulo: Saraiva,
2001, p. 151­153.
[3]MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Coleção a obra­prima de cada
autor.Tradução de Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2000.
[4]COTRIM,  Gilberto. História  Global:  Brasil  e  Geral.  1  ed.  Vol  único.  São  Paulo:  Saraiva,
1999.
[5]CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 12 ed. 4ª impressão. São Paulo: Ática, 2001, p.409.
[6]CUEVA, Augustin. A concepção marxista das classes sociais. In Debate e Crítica, n°03. São Paulo: Hucites,
1974, p. 83­106.
[7]CUEVA, Augustin. A concepção marxista das classes sociais. In Debate e Crítica, n°03. São Paulo: Hucites,
1974, p. 83­106.
[8] CORREA. Oscar. A concepção juridicista do estado no pensamento Marxista. In
PLASTINO, Carlos Alberto (org.). Crítica do Direito e do Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1984,
03/08/2015 ASSIS, Marselha Silvério de. DIREITO E ESTADO SOB A ÓPTICA DE KARL MARX
http://www.sociologiajuridica.net.br/numero­10/234­assis­marselha­silverio­de­direito­e­estado­sob­a­optica­de­karl­marx?tmpl=component&print=1&pa… 8/8
p. 147.
4Sobre o mesmo assunto: “O poder político sempre foi a maneira legal e jurídica pela qual a
classe economicamente dominante de uma sociedade manteve seu domínio. O aparato legal
e  jurídico  apenas  dissimula  o  essencial:  que  o  poder  político  existe  como  poderio  dos
economicamente  poderosos,  para  servir  seus  interesses  e  privilégios  e  garantir­lhes  a
dominação social.” Chauí (2001, P. 411).
[9]CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 12 ed. 4ª impressão. São Paulo: Ática, 2001, p.411.
[10]KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6 ed. Tradução de João Baptista de Machado. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.
[11]FALBO, Ricardo Nery. Direito, Discurso e Marxismo. In Direito e Marxismo. Rio de Janeiro,
Lumen Juris, 2010, p.415.
[12]MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Coleção a obra­prima
de cada autor.Tradução de Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2000, p. 45.
[13]AGUIAR, Roberto A. R. O que é Justiça: uma Abordagem dialética. 5 ed. São Paulo: Alfa­ômega, 1999, p.
115.
[14]AGUIAR, Roberto A. R. O que é Justiça: uma Abordagem dialética. 5 ed. São Paulo: Alfa­ômega, 1999, p.116.

Continue navegando