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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO COORDENAÇÃO DO CURSO DE LETRAS Docente: Ana Paula Costa de Arruda Disciplina: Literatura Portuguesa do Período Medieval Discentes: Yasmim Vitória da Silva Menezes Turma: 2018.2 ANÁLISE LITERÁRIA DA OBRA A FARSA DE INÊS PEREIRA INTRODUÇÃO Portugal vivenciava um momento histórico do século XVI, era uma nação rica em conquistas ultramarinas, mas deficiente em produção agrícola e manufatureira. Para conseguir abastecer-se internamente a única saída é trazer ouro e prata das viagens pelo mar. A crise econômica gera um desconforto que ameaça os antigos valores, desfazendo a aliança entre clero e nobreza, entre mercadores e soberanos. Essa crise é retratada na obra de Gil Vicente pelas personagens que buscam enriquecer a qualquer preço, aproveitando a situação caótica do país. Gil Vicente foi um dramaturgo de sucesso em Portugal, criando diversas peças que são lidas até hoje. Tratou de vários temas, ilustrou muitos falares e representou uma sociedade em transição: a sociedade portuguesa nos fins do feudalismo e ascensão do capitalismo, da Idade Média para o Renascimento. Analisando assim o contexto social daquela época e evidenciando-a em suas obras. Além de escrever para o teatro, acredita-se que atuou como músico e ator também. Um dos mais conhecidos autos de Gil Vicente, A Farsa de Inês Pereira, relata a vida de uma moça que é à frente de seu tempo, pois ela questiona o desígnio que naquele tempo era imposto à mulher na sociedade quinhentista. Com a ironia característica das farsas medievais, o auto apresenta um desfecho um tanto quanto inesperado, sugerindo as transformações que ocorriam à época e o autor as descreve fielmente. As personagens apresentam diferenças marcantes entre si, pois representam de fato aquela sociedade portuguesa, como escudeiros, ermitões, casamenteiros (as) e etc. Pelas diferenças nos discursos enunciados por elas, o texto mostra o pensamento de cada uma, numa mistura de ideologias e falas. Ao fazer crítica aberta à burguesia, às moças que desejam se ver livres dos afazeres de casa, aos padres pervertidos e aos cavaleiros fracos covardes, fujões das batalhas e mentirosos, que não levam uma vida “honrada”. Uma das principais características do teatro de Gil Vicente, é seu foco no ser-humano. É considerada a peça mais divertida, complexa e humanista. A personagem principal trai o marido e nada acontece com ela, sendo esse o ponto chave para o aspecto humanístico apresentando-o em suas diversas facetas através de tipos e estereótipos sociais encontrados por Gil Vicente (MOISÉS, 1995) através da observação da sociedade em que vivia. DESENVOLVIMENTO A trama acontece na medida em que Inês percebe a necessidade de casar para ter sua emancipação e sair do cativeiro que é o lar de sua mãe, nada feliz em realizar suas tarefas domésticas, crê que casando, sua vida irá melhorar. Inês: Renego deste lavrar e do primeiro que o usou! Ao diabo que o eu dou, que tão mau é d'aturar! Ó Jesu! Que enfadamento, e que raiva, e que tormento, que cegueira, e que canseira! Eu hei de buscar maneira d'algum outro aviamento. (VICENTE, 1984: 303-304.) Partindo disso é que a Inês descreve à sua mãe, as características que seu futuro amado deve ter, para assim conquistá-la. Educado, cavalheiro, elegante e etc. Porém, sua mãe não concorda com tais qualidades, uma vez que ela prioriza um rapaz afortunado e que possa sustentar Inês. Alguns personagens se juntam a esse enredo e dão um novo caminho para a história. A alcoviteira, Lianor Vaz e os judeus casamenteiros, Latão e Vidal. Eles representam uma parte da sociedade que é interesseira. Eles se aproveitam do desespero de encontrar um marido e acrescentam qualidades que não existem nos pretendentes. E então as moças são enganadas. Dessa forma pode-se perceber como os casamentos eram arranjados no século XVI em Portugal. Lianor Vaz, a alcoviteira, apresenta Pêro Marques a Inês, é um camponês rico, porém não letrado e nem culto. O que não agrada em nada a futura possível esposa. Os judeus casamenteiros, apresentam a Inês um homem de acordo com suas exigências, Inês não sabe, mas o rapaz não era nada daquilo, o escudeiro Brás da Mata. Gil Vicente faz uma crítica aos escudeiros e a aristocracia, pois Brás da Mata representa uma parte da sociedade decadente. Eles se casam, contra a vontade da mãe e logo depois percebe que foi enganada por Latão e Vidal, pois o seu marido era uma pessoa dissimulada, mentirosa e falsa, totalmente contrário do que lhe fora apresentado. Brás da Mata a mantinha em cativeiro, dentro da própria casa. Ela não podia cantar e o Escudeiro a ameaçava fisicamente em caso de desobediência. Escudeiro: Ó esposa, não faleis, Que casar é cativeiro. (...) Vós cantais, Inês Pereira? Em vodas m'andáveis vós? Juro ao corpo de Deus Que esta seja a derradeira! Se vos eu vejo cantar Eu vos farei assoviar. (...) Vós não haveis de falar com homem nem mulher que seja; nem somente ir à igreja não vos quero eu leixar Já vos preguei as janelas, porque vos não ponhais nelas; estareis aqui encerrada, nesta casa tão fechada, como freira d'Oudivelas. (...) (Ibidem, p. 332) Certa vez, ele partiu para a guerra e comunicou ao Moço que Inês deveria permanecer trancada em casa. Ela obedece e o único livramento dela, seria a morte de seu esposo. E isso acontece tempo depois quando o Moço chega com uma carta, informando o falecimento de Brás da Mata dessa forma então, Inês se ver livre. Depois de ter sofrido nas mãos do marido, Inês chega à conclusão: mais vale o asno que a carregue do que o cavalo que a derrube. Numa sociedade em transição, os valores aos poucos se modificam: mais vale o camponês simplório, o asno, do que o representante de uma aristocracia decadente – o cavalo – que simbolicamente a derruba. Lianor, ao saber que Inês estava viúva, ela apresenta novamente Pero Marques como esposo. Ela aceita e eles se casam, porém, Inês é quem dita as regras e seu esposo concorda. Pero dá a liberdade sonhada por Inês e assim se sente realizada. Vale observar que nesse trecho da obra, o autor destaca a degradação de costumes daquela época, pois Inês trai seu atual marido. Embora tenha respeitado seu antigo casamento, Inês se mostra uma pessoa totalmente diferente do que havia aparecido até então. Em dado momento, Inês reencontra um ermitão a quem desprezara no passado, e o texto sugere que ela o tomará como amante. A referência ao asno que a carrega assume aqui uma dimensão literal, uma vez que o casal tem de cruzar um rio, e ela pede que ele a leve às costas. A passagem, que termina o auto, nos apresenta ainda o marido fazendo-lhe as vontades, e Inês, numa dose de ironia, começa a cantarolar, e o marido a acompanha no refrão pois assi se fazem as cousas, num indício de que Inês dará as ordens, cabendo a ele apenas repetir o refrão, uma frase que sintetiza a sua aquiescência: Inês: Pois eu hei só de cantar e vós me respondereis, Cada vez que eu acabar: Pois assi se fazem as cousas. Canta Inês Pereira: Inês: Marido cuco me levades, e mais duas lousas. Pero: Pois assi se fazem as cousas. Inês: Bem sabedes vós, marido, quanto vos amo; sempre fostes percebido pera gamo. Carregado ides, noss'amo, Com duas lousas. Pero: Pois assi se fazem as cousas Inês: Bem sabedes vós, marido, quanto vos quero; sempre fostes percebido pera cervo. Agora vos tomou o demo Com duas lousas. Pero: Pois assi se fazem as cousas (Ibidem, p. 346-347). Pero, na sua ingenuidade, não percebe o comportamento de Inês. Ela, irônica, mostra que o fará de bobo, num discurso em que o chama de gamo, símbolo do homem traído, e em seguida de cervo, numa exploração lúdica do léxico, que reforça a ideia do gamo, e remete, por semelhança fônica, à subserviência do servo. Ambos – traição e submissão – marcarão o casamento de ambos. Observe-se que a mudança de postura de Inês reflete os valores do mundo em que está inserida: do encantamento e da fantasia em relação à figura cortês do cavaleiro – imagem que significativamente desmoronano decorrer da farsa logo após o casamento, a protagonista percebe as vantagens de aceitar a chegada do simplório, porém bem situado Pero Marques, numa troca que sugere as inúmeras mudanças a que a sociedade assistia. A temática da farsa – antes quero asno que me carregue do que cavalo que me derrube - fortalece a ideia estrutural do auto, e a dicotomia que atravessa o texto e a transição da sociedade medieval para a renascentista. Gil Vicente, um homem situado entre dois mundos, soube como poucos escrever a história de uma sociedade ainda guiada por um pensamento super religioso e medieval, mas que se descobria aos poucos tão mais valiosa. CONCLUSÃO Através desse trabalho, pude analisar que existem três fases da Inês, a primeira é Inês fantasiosa, Inês infeliz e Inês infiel. O autor consegue trazer essas personalidades distintas na mesma personagem no decorrer da história. Dessa forma, facilita conhecer os comportamentos significativos e marcantes da época quinhentista. A obra possibilitou análises às críticas feitas pelo autor para esferas sociais até então não reveladas, porém senti dificuldade na leitura, o que me proporcionou uma pesquisa de algumas palavras para poder entender com mais facilidade a obra. Pode-se considerar Gil Vicente como autor-educador, pois ele consegue transmitir a ideia nos dois cenários que ainda estão em transição. Também consegui perceber que Inês esteve à frente do seu tempo, representando um novo pensamento que vinha a surgir naquela época, a desejada emancipação. Contudo, a análise foi de fácil compreensão pelo fato de ser uma leitura interessante, porém um pouco dificultosa para mim, mas no final do enredo, ela se torna surpreendente. Consegui assim entender que a famosa frase: “antes quero asno que me carregue do que cavalo que me derrube” se dá pelo fato da própria Inês se referir ao seu atual marido como “asno” enquanto ele a leva para o encontro com Ermitão. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS http://www.filologia.org.br/ixcnlf/8/03.htm http://professorclaudineicamolesi.blogspot.com/2012/12/analise-09-farsa-de-ines-pereira.html https://pt.calameo.com/read/006249037c43b68c031f2 https://mafua.ufsc.br/2020/a-figura-feminina-em-gil-vicente-uma-analise-da-oposicao-entre-a-tradicao-e-a-modernidade-na-farsa-de-ines-pereira/ image1.png