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Em uma manhã de ambulatório, chega um bebê encaminhado por pediatria com uma malformação vascular extensa que invade o couro cabeludo e parte da face. O relato dos pais descreve crescimento irregular, episódios de sangramento e repercussão psicológica imediata. Esse cenário é habitual na prática da dermatologia pediátrica avançada: casos que exigem diagnóstico preciso, hierarquização de risco e estratégias terapêuticas multidisciplinares. A narrativa clínica é simultaneamente técnica — porque demanda instrumentos e protocolos — e científica — porque se apoia em evidências emergentes e biologia molecular.
O primeiro passo é sistematizar a avaliação. Anamnese dirigida contempla início, ritmo de crescimento, sintomas associados (dor, sangramento, infecções), antecedentes familiares e exposição a medicamentos. O exame físico registra topografia, profundidade aparente, presença de ulceras, sinais inflamatórios e impacto funcional (olfato, visão, respiração). Ferramentas complementares frequentemente empregadas incluem dermatoscopia pediátrica, ultrassom de alta frequência para delimitar extensão e fluxo, ressonância magnética quando há suspeita de comprometimento profundo ou intracraniano, além de biópsia orientada quando o diagnóstico histopatológico pode alterar conduta. Métodos não invasivos como reflectance confocal microscopy e optical coherence tomography ganham espaço na infância para evitar procedimentos traumáticos.
No campo molecular, a dermatologia pediátrica avançada incorpora testes genéticos direcionados. Painéis de sequenciamento por próxima geração (NGS) detectam mutações germinativas e mosaicas associadas a genodermatoses (por exemplo, síndromes de sobrecrescimento mediadas por PIK3CA) e epidermólises bolhosas com implicações prognósticas e terapêuticas. A detecção de mosaicismo requer técnicas sensíveis e às vezes biópsias de áreas afetadas; os resultados orientam aconselhamento genético e potencial inclusão em ensaios clínicos.
Terapêuticas contemporâneas aliam farmacologia, procedimentos e reabilitação. Para hemangiomas infantis, a introdução do propranolol revolucionou a prática, reduzindo lesões e complicações quando iniciado precocemente. Em malformações e lesões proliferativas, a sirolimus oral — modulador da via mTOR — demonstrou eficácia em controlar crescimento e sintomas, exigindo monitoramento laboratorial rígido. Avanços em biológicos e pequenas moléculas também se infiltram na pediatria: dupilumabe transformou o manejo de dermatite atópica moderada a grave em crianças maiores, e inibidores de JAK estão sendo avaliados e usados com critérios estritos. Em doenças genéticas cutâneas severas, terapias emergentes — correção genética ex vivo, terapia celular e enxertos geneticamente modificados — já trouxeram resultados promissores em centros de referência, embora ainda sob avaliação longitudinal.
Procedimentos minimamente invasivos são ferramenta central: laser de corante pulsado para manchas vasculares, laser de CO2 e terapia fotodinâmica em indicações selecionadas, sempre ponderando sedação, dor e curso de cicatrização na pele infantil. Cuidados com feridas crônicas, prevenção de infecções e manejo da dor exigem protocolos adaptados ao crescimento e à sensibilidade imunológica das crianças. A prescrição tópica precisa considerar absorção sistêmica e formulações pediátricas; corticosteroides tópicos de alta potência têm limitações temporais e acompanhamento de efeitos adversos como atrofia cutânea e supressão adrenal.
O trabalho em equipe é indispensável. A dermatologia pediátrica avançada opera em rede com genética clínica, cirurgia plástica, radiologia intervencionista, otorrinolaringologia, oftalmologia, psicologia e serviço social. A integração permite planejamento cirúrgico quando necessário, reabilitação funcional, suporte psicossocial para famílias e encaminhamento para programas educativos. A conversa com os pais deve ser científica — explicando mecanismos, riscos e evidências — e técnica — detalhando cronograma terapêutico, monitorização e metas realistas.
A medicina baseada em evidências estrutura decisões: escalonamento terapêutico segundo gravidade, utilização de medidas de desfecho validadas (por exemplo, índices para dermatite atópica, escalas de qualidade de vida e medidas objetivas de lesão) e participação em registros e estudos clínicos. Telemedicina ampliou acesso e possibilita triagem, monitorização e educação, embora exames físicos detalhados e procedimentos exijam avaliação presencial.
Ética e comunicação ocupam papel central em pediatria avançada. Explicar incertezas, opções experimentais e possíveis efeitos de longo prazo exige linguagem acessível aos cuidadores, respeitando normas de consentimento e assentimento conforme a idade. A transição do cuidado pediátrico para a dermatologia do adulto deve ser planejada desde a adolescência para preservar continuidade terapêutica e vigilância de complicações tardias.
Finalmente, a formação continuada é imperativa: cursos específicos, rotação em centros especializados e participação em estudos translacionais são caminhos para manter a prática atualizada. A pesquisa na área avança em duas frentes complementares: terapias dirigidas baseadas em alterações moleculares e estratégias de implementação que garantam segurança, equidade de acesso e impacto em qualidade de vida. Na prática diária, cada criança é uma narrativa clínica singular que exige abordagem técnica rigorosa, juízo científico e sensibilidade humana.
PERGUNTAS E RESPOSTAS
1) Quais exames são essenciais em malformações vasculares pediátricas?
Resposta: Ultrassom Doppler, ressonância magnética para extensão profunda e, ocasionalmente, biópsia dirigida; testes genéticos se houver síndrome associada.
2) Quando considerar terapia sistêmica com sirolimus em crianças?
Resposta: Em malformações complexas ou lesões proliferativas refratárias com impacto funcional ou risco de complicações, com monitoramento laboratorial contínuo.
3) Quais são os cuidados importantes ao prescrever tópicos em pediatria?
Resposta: Atenção à potência, área tratada e duração para evitar absorção sistêmica; monitorar sinais de efeito adverso (atrofia, supressão adrenal).
4) Como a genética influencia o manejo em dermatologia pediátrica avançada?
Resposta: Identifica etiologias, orienta prognóstico, habilita terapias direcionadas e elegibilidade para ensaios genéticos ou correção molecular.
5) Que papel tem a equipe multidisciplinar?
Resposta: Fundamental para planejar cirurgias, reabilitação, suporte psicológico, acompanhamento longitudinal e tomada de decisão compartilhada com a família.

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