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A cidadania como possibilidade
Cada época e cada lugar produziram um sentido diferente para a cidadania. É um termo que, de tão amplo, pode nos confundir. No entanto, é bom mesmo que seja amplo e, por isso, trivial, pois quanto mais tentarmos aprisionar seu conceito, tanto menores serão as possibilidades de que ele seja efetivamente incorporado como práxis cotidiana.
Uma das primeiras explicações para a palavra cidadão, que desde cedo recebi, foi bastante singela. Rezava mais ou menos o seguinte: aquele que participa das coisas da cidade. Isso, ao mesmo tempo, explicava tudo e nada. Afinal, que coisas seriam essas? Como eu poderia – e deveria – participar delas? E quem não vivia na cidade? Pois bem, descobri primeiro que as tais coisas eram problemas, questões relacionadas à organização da vida coletiva sobre as quais teríamos responsabilidades. Daí para a frente, fui colhendo, em muitos lugares, seus vários sentidos.
Por vezes, cidadania é vista como algo que se concede. No fundo, é uma visão moralista, algo que se ganha como prêmio por bons antecedentes ou por bom comportamento em sociedade. Sendo assim, também é como se fosse um objeto, que se possui, ou não. Como objeto, teria um formato bem definido, produzido por alguém, que, em algum momento, dá de presente a mim, para meu desfrute particular.
Logo pude perceber que não era bem desse jeito. Vi que vários grupos, na sociedade, lutavam muito para obter o direito de participar das “questões da cidade”. Não se esforçavam para ser bem comportados. Ao contrário, denunciavam com veemência a própria exclusão e, por isso mesmo, demonstravam uma grande consciência de seu papel transformador da própria organização da vida em comum. Isso me ensinou a ver a cidadania como algo a ser buscado e conquistado, não como algo que eu pudesse apenas esperar que me fosse concedido. Por outro lado, também demonstrou que essa busca não era individual, mas um esforço coletivo e contínuo.
Pois, então, a cidadania não seria mais um objeto, pronto para ser concedido ou tomado, de modo a ser desfrutado. Seria algo em permanente construção, sempre por terminar, em que as diferenças e os conflitos de interesses, vontades, opiniões e expectativas são uma regra, não uma exceção. Um estado ou condição que se alcança, embora sempre de forma provisória. Um processo de construção histórica, indispensável ao ethos da convivência democrática. 
Simeone, Márcio. A cidadania como possibilidade. Diversa, Belo Horizonte, Ano 3, nº 8, out. 2005. Disponível em: https://www.ufmg.br/diversa/8/artigo-acidadaniacomopossibilidade.htm. Acesso em 31, ago , 2025. 
A cidadania como possibilidade: Quem pode ser cidadão? 
Sejam quais forem os vários sentidos do termo cidadania, definir o cidadão foi, desde sempre, definir possibilidades – um sujeito capaz de interferir na ordem social em que vive. A cada momento de cada história particular, tratava-se de definir a que sujeitos seria legado o direito de participar dos “problemas da cidade”, das questões públicas, debatendo e deliberando sobre elas. Lutar pela cidadania constitui-se, dessa forma, em luta por inclusão, no sentido de garanti-la como uma possibilidade universal, não-restrita a determinados grupos ou classes. Nos últimos tempos, a luta por direitos – políticos, civis e sociais – veio ampliar extraordinariamente essas possibilidades.
Mesmo assim, a cidadania não se completa com a inscrição desses direitos nos dispositivos legais, mas apenas quando os sujeitos têm consciência dessas possibilidades, podendo usar de tais prerrogativas. Essa consciência cívica é algo que se adquire no processo, na própria vivência da cidadania, com todas as suas contradições. Sem isso, não há como garantir que, mesmo instituídos, esses direitos tenham efetividade, concretizando-se no cotidiano.
Um dilema crucial no mundo moderno consiste em lidar com a complexidade dos “problemas da cidade”. Afinal, não se trata apenas de resolver questões locais, mas de preocupar-se com uma extraordinária teia de interdependências, de lidar com questões sobre as quais se aplica um enorme volume de conhecimentos técnicos e científicos. Somos chamados a ser não apenas cidadãos do nosso local, mas cidadãos do mundo. Os meios de comunicação nos põem diante de toda sorte de problemas, em todos os níveis de abrangência e em tal velocidade, que podemos nos sentir completamente impotentes para dar conta de todas as questões que julgamos publicamente relevantes, o que pode obstar nossa própria consciência cívica.
Diante disso, efetivar a possibilidade de cidadania depende da geração de um poder cívico, diretamente relacionado à capacidade de organização dos sujeitos. Sua mobilização é essencial para a geração de uma potência cívica, seja para, diretamente, participar de uma instância deliberativa, seja para fazer chegar a esse nível a voz que contenha suas aspirações. Essa dinâmica envolve tanto a cooperação e a formação de vínculos de co-responsabilidade com os destinos da vida coletiva, como o confronto com as opiniões, interesses e expectativas dos outros.
Simeone, Márcio. A cidadania como possibilidade. Diversa, Belo Horizonte, Ano 3, nº 8, out. 2005. Disponível em: https://www.ufmg.br/diversa/8/artigo-acidadaniacomopossibilidade.htm. Acesso em 31, ago , 2025.