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ANAMNESE DA CRIANÇA COM CEFALÉIA Marco A. Arruda INTRODUÇÃO O diagnóstico das cefaléias depende fundamentalmente das informações dadas pelo paciente sobre a sua dor. Este aspecto semiológico, eminentemente clínico, justifica as dificuldades encontradas no diagnóstico das cefaléias na criança, sobretudo nas mais novas, por suas naturais limitações para a descrição de sintomas. A anamnese das cefaléias na infância apresenta numerosas particularidades referentes à obtenção das informações. Interroga-se a criança ou seus pais? Qual a confiabilidade das informações obtidas indiretamente? Devemos utilizar interrogatórios estruturados? As dificuldades da anamnese, aliadas às peculiaridades das cefaléias nesta idade evolutiva, exigem perícia e curiosidade “sherloquianas” do médico examinador. Arruda e colaboradores (1), estudando um grupo de crianças com diagnóstico clínico-intuitivo de migrânea (sem o auxílio de critérios diagnósticos operacionais), testaram a positividade de vários critérios já propostos para o diagnóstico da migrânea na infância, entre eles os da IHS (1988) (2). Os autores observaram que as crianças que não preenchiam os critérios diagnósticos, a despeito de um diagnóstico clínico-intuitivo de migrânea, apresentavam médias de idade e de tempo de evolução da cefaléia inferiores às das crianças que preenchiam todos os critérios testados. Concluíram que quanto mais nova a criança e menor o tempo de evolução da sua cefaléia, maiores as dificuldades para o diagnóstico. Em crianças muito novas, devemos ir à busca de informações indiretas que auxiliem a melhor caracterização dos sintomas. Por exemplo, a ocorrência de fotofobia e fonofobia nas crises pode ser inferida pela informação de que a criança procura um lugar escuro e silencioso para ficar. Como também a recusa da alimentação como um sinal indireto das repercussões da crise de migrânea sobre o aparelho digestivo. A intensidade da dor, importante no diagnóstico diferencial das cefaléias, pode ser indiretamente avaliada através da observação do comportamento da criança durante as crises. O caráter pulsátil da dor, característica peculiar das cefaléias vasculares, é referido por apenas 60% das crianças com migrânea. Por outro lado, o impedimento das atividades físicas como pular e correr no momento da crise, é quase universalmente relatado pela criança com migrânea, ou por seus pais, apresentando um elevado valor preditivo positivo (3). A utilização de gestos que exprimam o caráter pulsátil da dor pode contribuir com a anamnese, mas, indesejavelmente, também pode sugestionar uma criança que tenha dúvida, se sinta inibida ou pressionada pela situação. Em geral, no início da anamnese deve-se aguardar um relato espontâneo da criança ou de seus pais sobre a cefaléia. Em seguida, perguntas dirigidas aos pais devem permitir a definição do padrão temporal da cefaléia em questão, se aguda ou crônica, contínua ou recorrente (com intervalos livres de dor), progressiva ou não progressiva, bem como sua freqüência e duração. Dando prosseguimento, a criança deve ser questionada quanto à localização, qualidade e intensidade da dor e, finalmente, se há ou não piora da cefaléia com a atividade física. A seguir, um interrogatório dirigido, preferencialmente estruturado (ou semi- estruturado), pode ser aplicado à criança ou aos seus pais, para a obtenção de informações adicionais que serão de grande importância para o plano diagnóstico e terapêutico: sinais e sintomas associados, horário preferencial das crises, ocorrência preferencial nos finais de semana, ocorrência de despertar noturno provocado pela dor, pródromo (s), aura (s), fatores desencadeantes, de alívio e de agravamento das crises. A criança e seus pais devem ser instruídos sobre cada um desses aspectos antes de serem interrogados. É comum que alguns desencadeantes sejam confundidos com fatores de agravamento das crises e isto tem importância prática. Por exemplo, quando o esforço físico desencadeia crises de cefaléia devemos ter em mente a possibilidade de má- formação vascular ou aneurismas. Por outro lado, durante uma crise de cefaléia, o agravamento da dor pelo esforço físico é característica quase universal da migrânea. O relato de despertar provocado pela cefaléia sempre deve ser conferido, muitas vezes refere-se ao fato da criança já despertar pela manhã se queixando da dor ou, tendo ido dormir com a cefaléia, despertar no meio da noite se queixando da mesma, característica comumente referida na migrânea. O fato que levanta a suspeita de uma cefaléia de causa ominosa é a criança, tendo iniciado o sono sem a dor, ser despertada pela mesma durante a noite ou de madrugada, especialmente quando acompanhada por vômitos (características encontradas na cefaléia secundária à Hipertensão Intracraniana). As informações referentes aos exames complementares e tratamentos (profiláticos ou das crises) já realizados encerram essa primeira parte da anamnese, complementada a seguir pelos antecedentes pessoais e familiares do paciente. O uso de interrogatórios estruturados (ou semi-estruturados) nos garante uniformidade à anamnese e evita que nos esqueçamos de inquirir dados importantes para o diagnóstico. Para o paciente, especialmente crianças e adolescentes, estes interrogatórios oferecem opções múltiplas de resposta, permitindo a obtenção de informações que seriam facilmente omitidas em um relato espontâneo. Quando necessário (e na medida do possível) confronte as informações dadas pela criança com as fornecidas pelos pais, mas lembre-se que a anamnese pode ser facilitada ou indesejavelmente contagiada pela experiência pessoal de pais que também apresentam cefaléia, especialmente migrânea, condição cuja hereditariedade é patente. Nos anexos deste livro é apresentado um modelo de interrogatório semi-estruturado para anamnese de crianças e adolescentes com cefaléia. Vejamos, a seguir, como as informações obtidas na anamnese podem dirigir o diagnóstico diferencial das cefaléias na infância e adolescência. PADRÃO TEMPORAL E MODO DE INSTALAÇÃO DAS CRISES O padrão temporal das cefaléias é a chave inicial de importância fundamental ao diagnóstico diferencial. De acordo com esse aspecto, as cefaléias podem ser classificadas em agudas ou crônicas, contínuas ou recorrentes, progressivas ou não progressivas. A literatura não estabelece precisamente uma margem de tempo entre as cefaléias agudas e crônicas, no entanto, se analisarmos a história natural das principais cefaléias primárias e secundárias, um período de dois meses parece razoável para sua distinção. As cefaléias agudas podem ter uma instalação abrupta (quando ocorre em segundos ou minutos) ou gradual (ao longo de horas ou dias) e uma evolução do tipo contínua ou recorrente, progressiva ou não progressiva. Cefaléias agudas de instalação abrupta, evolução contínua e progressiva merecem nossa atenção especial e quase sempre indicam a necessidade de investigação complementar. Este é o padrão observado na cefaléia secundária à hemorragia intracraniana. Por outro lado, quando a cefaléia aguda de instalação abrupta apresenta duração de segundos ou minutos e não evolui progressivamente, devemos pensar na possibilidade de cefaléia primária em facada, cefaléia trovoada primária, má-formação vascular não rota, feocromocitoma, hidrocefalia obstrutiva intermitente ou neuralgias cranianas (Figura 1). Figura 1. Padrão temporal das cefaléias. Cefaléia aguda de instalação abrupta e curso contínuo progressivo (hemorragia subaracnóidea). Cefaléia aguda de instalação gradual e curso contínuo progressivo (infecções SNC, sinusite aguda). Cefaléia crônica recorrente não progressiva (migrânea, cefaléia do tipo tensionalepisódica). Cefaléia crônica recorrente progressiva (cefaléia da hipertensão intracraniana). Cefaléia crônica contínua progressiva (cefaléia da hipertensão intracraniana). Cefaléia crônica contínua não progressiva (cefaléia crônica diária, cefaléia do tipo tensional crônica). A cefaléia secundária às infecções agudas do sistema nervoso central e seus envoltórios geralmente se instalam aguda e gradualmente e cursam de forma contínua e progressiva. Este padrão também é observado nas sinusites agudas (Figura 1). Embora a crise de migrânea seja um evento agudo trata-se de uma doença de evolução crônica por crises com intervalos livres de dor, portanto, didaticamente a classificamos como uma cefaléia crônica recorrente não progressiva (Figura 1). Observe que as crises são proteiformes, com freqüência, intensidade e duração variáveis. Eventualmente as crises de migrânea apresentam aspecto subentrante, condição que denominamos por estado migranoso, como ilustra o segmento final da curva (Figura 1). A IHS (2004) define o estado migranoso como uma crise de migrânea de forte intensidade e duração maior que 72 horas (4). Tempo Minutos - horas Dias - semanas - meses In te ns id ad e A cefaléia do tipo tensional episódica também cursa de forma crônica recorrente não progressiva, mas, por definição, com menor intensidade e freqüência menor que 15 dias ao mês. Já a cefaléia do tipo tensional crônica pode apresentar o padrão crônico recorrente não progressivo ou crônico contínuo não progressivo, mas sempre com freqüência maior que 15 dias ao mês (Figura 1). O padrão crônico recorrente também é observado em outras cefaléias primárias de rara ocorrência na infância e adolescência como a cefaléia em salvas, a hemicrania paroxística e o SUNCT (sigla inglesa para cefaléia de curta duração, unilateral, neuralgiforme com hiperemia conjuntival e lacrimejamento). Todas essas cefaléias serão descritas ao longo dos próximos capítulos, cada qual com suas características e critérios diagnósticos. Veremos a seguir outras características clínicas que auxiliarão de forma decisiva o diagnóstico diferencial. IDADE DE INÍCIO Enquanto a quase totalidade das cefaléias primárias tem início na infância, adolescência ou meia idade, determinadas cefaléias secundárias praticamente restringem-se à terceira idade, como a neuralgia trigeminal e a arterite temporal. Há consenso de que a migrânea freqüentemente tem início na infância ou adolescência (5, 6, 7, 8, 9, 10, 11). Em mais da metade das crianças e adolescentes com migrânea, a cefaléia tem início antes dos 7 anos de idade e em um terço antes dos 5 anos (7, 12, 13). O sexo é considerado como um fator determinante da idade de início da migrânea, sendo nos meninos inferior às meninas (13, 14, 15). Por interferência de fatores hormonais, o predomínio da migrânea nos meninos antes da puberdade, passa a ser das meninas a partir daí até a vida adulta. Hackzell e colaboradores (1949) descreveram um grupo de crianças com crises de vômitos, palidez, irritabilidade, foto e fonofobia de início entre o primeiro e o quarto ano de vida. As crises persistiram com a idade e, a partir da aquisição da fala, estas crianças puderam verbalizar a ocorrência de cefaléia como sintoma central destes episódios, sugerindo que a migrânea pode ter um início bastante precoce e muitas vezes não identificado. Posteriormente outros autores descreveram casos semelhantes e o quadro foi denominado por migrânea de início precoce (14, 16, 17). TEMPO DE EVOLUÇÃO É sempre importante conferir o tempo de evolução da cefaléia explicando ao paciente que o mesmo reporta-se às primeiras crises. Com grande freqüência a criança ou seus pais referem o início da cefaléia a partir da piora das crises e não ao seu momento inicial. Em geral, cefaléias com evolução inferior a 6 meses requerem reavaliações amiúde antes que seja dado um diagnóstico definitivo de uma cefaléia primária. Honig e Charney (1982) avaliaram retrospectivamente 72 crianças com cefaléia secundária a tumores cerebrais e verificaram que na ocasião do diagnóstico 94% delas apresentavam alguma anormalidade no exame neurológico. Em 85% das crianças a anormalidade foi constatada em até dois meses após o início da cefaléia. Para os autores, toda criança com cefaléia de evolução inferior a quatro meses deve ser periodicamente reexaminada em intervalos curtos de tempo (18). Um amplo estudo de crianças com cefaléia secundária a tumor cerebral revelou que raramente esta cefaléia tem evolução superior a um ano em crianças abaixo de 5 anos de idade. Em crianças com idade maior que 5 anos pode ser observada cefaléia de evolução mais longa, sobretudo em tumores de localização supratentorial. Os tumores localizados abaixo do tentório provocam quadro sintomático e déficits neurológicos que geralmente abreviam o tempo necessário ao diagnóstico (19). O tempo de evolução da cefaléia sofrerá variações de um estudo para o outro em função de vários fatores: tipo de cefaléia estudada, de amostra (clínica ou populacional), desenho do estudo (retrospectivo ou prospectivo) e padrões de encaminhamento dos pacientes que, em última análise, refletem diferentes graus de impacto da cefaléia sobre a criança e sua família. HORÁRIO PREFERENCIAL DAS CRISES O horário preferencial das crises pode auxiliar o diagnóstico diferencial e, eventualmente, indicar um fator causal ou desencadeante da cefaléia. A migrânea na infância geralmente não exibe um horário preferencial para as crises. No entanto, quando um horário preferencial é identificado pela criança ou por seus pais, devemos investigar persistentemente a concorrência de fatores desencadeantes “horário-relacionados” como a ingestão de determinados alimentos, jejum prolongado, esforço físico, reação de abstinência à cafeína ou analgésicos, fobia escolar, esforço visual, etc. A identificação desses fatores desencadeantes poderá ser de grande utilidade no tratamento da criança. A cefaléia em salvas e a cefaléia secundária à hipertensão intracraniana apresentam predileção pelo período noturno, provocando o despertar da criança (5, 7, 18). Rossi e Vassela (1989) compararam as características da cefaléia de um grupo de 63 crianças com tumor cerebral e de outro constituído por 600 crianças com migrânea. Os autores identificaram algumas características que alertam para a possibilidade de uma cefaléia secundária a tumor cerebral: horário noturno preferencial ou cefaléia já referida ao despertar matinal, cefaléia associada a vômitos e de evolução progressiva. Estas características foram observadas em 65 das 67 crianças com tumor cerebral em até dois meses de evolução da cefaléia e em todas elas em até seis meses de evolução (20). Honig e Charney (1982) estudando retrospectivamente uma série de crianças com cefaléia secundária à tumor cerebral, obtiveram o relato de despertar noturno pela cefaléia ou de cefaléia já presente ao despertar matinal em 67% delas (18). Barlow (1984) estudou um grupo de 300 crianças e adolescentes com migrânea e observou o relato deste evento em apenas 9% dos pacientes. No entanto, comenta a falta de sistematização para a obtenção dos seus dados (5). FREQÜÊNCIA DAS CRISES A freqüência das crises pode auxiliar o diagnóstico diferencial de cefaléias de rara observação na infância como a cefaléia em salvas, a hemicrania paroxística, as neuralgias e o SUNCT. Estas cefaléias caracteristicamente cursam com numerosas crises em um mesmo dia. Na cefaléia em salvas a freqüência de crises pode variar de uma em dias alternados até oito crises ao dia, na hemicrania paroxística crônica cinco ou mais crises ao dia e nas neuralgias e no SUNCT, uma freqüência ainda maior. A cefaléia primária em facadas também pode cursarcom uma alta freqüência de crises diárias, caracteristicamente unilaterais e de duração de segundos (21). A migrânea e a cefaléia do tipo tensional apresentam uma freqüência de crises bastante variável de um paciente para outro e em um mesmo paciente ao longo da vida. Todavia, diante de uma criança com migrânea ou cefaléia do tipo tensional cuja freqüência das crises aumenta progressivamente, sempre devemos avaliar a necessidade de investigação complementar, “uma vez que ter uma cefaléia primária não torna o paciente imune a uma cefaléia secundária”. Quando nesses pacientes a investigação complementar for negativa, estas cefaléias recebem a denominação de cefaléia crônica diária. DURAÇÃO DAS CRISES A classificação e critérios diagnósticos propostos pela IHS (1988 e 2004) estabelecem a duração das crises para determinados tipos de cefaléia. Na cefaléia do tipo tensional episódica a duração é de 30 minutos a sete dias, na cefaléia em salvas de 15 a 180 minutos e na hemicrania paroxística de 2 a 30 minutos. Uma duração bastante breve é observada na neuralgia trigeminal (de poucos segundos a 2 minutos), na cefaléia primária em facadas (de segundos) e no SUNCT (de cinco a 240 segundos). Esses critérios diagnósticos estabelecem uma duração das crises de migrânea entre quatro a 72 horas, insatisfatoriamente ou não tratadas. No entanto, ressalva é feita às crises de migrânea na infância, que podem ter duração mais breve, de uma hora. Em 80% da casuística de Congdon e Forsythe (1979), a duração média das crises de migrânea situou-se entre 30 minutos e 10 horas (12). No estudo clássico de Bille (1962), 94% das crianças com migrânea pronunciada relatavam uma duração das crises inferior a 12 horas. Para o autor, as crises de migrânea na infância raramente duram mais que 12 horas (14). Embora os critérios da IHS estabeleçam a duração mínima de uma hora para as crises de migrânea na infância, vários estudos apontam para a possibilidade de uma duração inferior (22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31). Para maiores detalhes veja o capítulo referente às peculiaridades da migrânea na infância. LOCALIZAÇÃO DA DOR A lateralidade da dor é de grande importância diagnóstica para as cefaléias. A classificação e critérios diagnósticos das cefaléias da IHS (1988, 2004) não caracterizam como obrigatória a unilateralidade da cefaléia na migrânea, nem a bilateralidade na cefaléia do tipo tensional, como se acreditava no passado. Por outro lado, estabelecem como obrigatória a unilateralidade nas denominadas cefaléias estritamente unilaterais, quais sejam: a cefaléia em salvas, a hemicrania paroxística, a hemicrania contínua, o SUNCT, a cefaléia atribuída a procedimentos endovasculares intracranianos e a hemicrania epiléptica. A bilateralidade da dor é critério não-obrigatório para a cefaléia do tipo tensional, a cefaléia persistente e diária desde o início (CPDI) e para as seguintes cefaléias atribuídas a: hipertensão liquórica, uso de substância ou sua supressão (ergotamina, analgésicos, CGRP, histamina, maconha, cocaína, álcool, componentes alimentares, aditivos e monóxido de carbono), infecções (encefalites, meningites e abscessos cerebrais) e transtornos da homeostase (cefaléia das grandes altitudes, da apnéia do sono, da hipertensão arterial e do hipotiroidismo). A unilateralidade da dor é critério não-obrigatório para a migrânea, para a cefaléia pós-endarterectomia, para a cefaléia por uso excessivo de triptanos e a atribuída a empiema subdural. Embora não conste dos critérios diagnósticos como critério obrigatório, subentende- se que a unilateralidade da dor seja patente na maioria dos casos de neuralgias cranianas, de cefaléia cervicogênica e de outras cefaléias ou dores faciais que constam no capítulo 11 da classificação da IHS (cefaléia ou dor facial atribuída a distúrbios do crânio, pescoço, olhos, ouvidos, nariz, seios da face, dentes, boca ou outras estruturas faciais ou cranianas). No que se refere à migrânea, os estudos anteriores aos critérios diagnósticos da IHS mostravam uma grande variabilidade de achados em relação a uni ou bilateralidade da dor, de 12 a 66% em crianças e de 75 a 91% em adultos (5, 13, 32, 33). Muitos autores atribuem a menor freqüência relatada de unilateralidade da migrânea na infância às limitações na descrição do sintoma próprias dessa idade (5, 7, 14, 16, 33). Embora a ocorrência de cefaléia unilateral fixa, sem alternância de lados, seja referida como um sinal de alerta para uma cefaléia secundária, em nossa casuística essa característica foi relatada por metade das crianças, proporção idêntica à observada em séries de pacientes adultos com migrânea (9, 10). Na migrânea observa-se a predileção da dor pelo segmento cefálico anterior e na cefaléia do tipo tensional o posterior, embora os critérios da IHS para essas cefaléias não façam referência à localização (5, 7, 14). Nas várias séries de crianças com migrânea o relato de dor no segmento anterior do crânio varia de 53 a 70% enquanto no segmento posterior de apenas 3 a 8% (13, 14, 31). Para a cefaléia em salvas, a hemicrania paroxística e o SUNCT, os critérios diagnósticos da IHS estabelecem como obrigatória a localização da dor em região orbitária, supra-orbitária ou temporal. Outros exemplos são encontrados na classificação: regiões de distribuição da primeira divisão do trigêmeo (órbita, têmpora ou região parietal) na cefaléia primária em facada, occipital ou suboccipital na cefaléia atribuída a malformação de Chiari tipo I e frontotemporal em muitas cefaléias atribuídas a uma substância ou a sua supressão, na cefaléia das grandes altitudes e na cefaléia do jejum. Nas cefaléias do glaucoma agudo, das inflamações oculares e dos erros de refração a dor é referida no próprio olho ou em suas imediações, na cefaléia do estrabismo é a região frontal. Na cefaléia atribuída a distúrbios das orelhas, a dor é referida na própria orelha ou em suas imediações, já nas cefaléias das rinossinusites, a dor é localizada na região frontal, na face, nas orelhas ou mesmo nos dentes. Nas neuralgias cranianas os critérios da IHS estabelecem a localização da dor no território de inervação do nervo em questão. QUALIDADE DA DOR A qualidade da dor pode ser um descritor importante no diagnóstico diferencial das cefaléias. Os critérios diagnósticos da IHS estabelecem a qualidade da dor para determinadas cefaléias. A dor pulsátil ou latejante, sincrônica aos batimentos cardíacos, é um critério não- obrigatório para o diagnóstico da migrânea, do SUNCT, da cefaléia da hipertensão arterial e da maioria das cefaléias atribuídas a uma substância ou sua supressão, mas é um critério obrigatório para o diagnóstico da cefaléia primária do esforço físico. Dalessio (1987) acrescenta à lista das cefaléias pulsáteis a cefaléia desencadeada pela febre e a cefaléia dos tumores angiomatosos do SNC (6). Para Raskin (1988) o caráter pulsátil da dor na migrânea muitas vezes só é observado em crises de grande intensidade ou em resposta ao esforço físico durante a crise (8). Na prática clínica diária de crianças com cefaléia, essa observação é bastante freqüente. Muitas crianças caracterizam sua cefaléia como em peso ou aperto, mas ao realizarem algum esforço físico observam a piora da dor, “correm para a mãe” e então referem o caráter pulsátil. Por isso, é importante avaliarmos a qualidade da dor em diferentes momentos da crise, durante o repouso e com o esforço físico. No grupo de crianças com migrânea pronunciada estudado por Bille (1962), 68% relataram cefaléia de qualidade pulsátil (14). Na série de Barlow (1984) esse achado foi de 66% (5). Barlow (1984) relata que em sua experiência, termos como “marteladas” e “batidas” são mais familiares às crianças e por elas mais freqüentemente utilizadospara descrever a dor na migrânea. Esse autor acredita também que a gesticulação possa auxiliar a criança a expressar melhor a qualidade de sua cefaléia (5). A dor em pressão ou aperto é caracteristicamente referida na cefaléia do tipo tensional. Apesar dos critérios da IHS ressaltarem que nessa cefaléia a dor não é pulsátil, por tratar-se de critério não-obrigatório, é possível que pacientes com cefaléia pulsátil sejam aqui classificados como tendo cefaléia do tipo tensional, condição inadmissível para uma boa parte dos cefaliatras. Na cefaléia persistente e diária desde o início (CPDI), a qualidade da dor em peso ou pressão é um critério não-obrigatório segundo a IHS. A dor em peso, por sua vez, é relacionada como um critério obrigatório no diagnóstico da cefaléia pré-orgástica e da cefaléia hípnica. A dor em pontadas é critério obrigatório para o diagnóstico da cefaléia primária em facada e pode também ser referida no SUNCT. A criança e mesmo o adulto com migrânea podem referir, num primeiro momento, a qualidade de sua cefaléia como em pontadas, no entanto, refinando as informações poderemos constatar tratar-se de dor com exacerbações rítmicas, sincrônicas com o coração, característica da dor pulsátil. INTENSIDADE DA DOR Por convenção, assim definimos os diferentes graus de intensidade das cefaléias de forma adaptada à infância: a) Fraca: não interfere com as atividades da vida diária. A criança continua a brincar e pular sem qualquer interferência. b) Moderada: inibe, mas não proíbe as atividades da vida diária. A criança brinca com moderação, pára de correr e pular. c) Forte: proíbe as atividades da vida diária. A criança pára completamente de brincar, deita-se e pode chorar por causa da dor. No entanto, para que a criança possa caracterizar melhor a intensidade da cefaléia, tanto na crise quanto durante a própria anamnese, podemos utilizar escalas analógicas visuais como a Escala de Faces de Wong-Baker (Figura 2). Após uma orientação prévia sobre a graduação da dor de acordo com a face correspondente, o médico assistente solicita à criança que assinale a face que ilustra melhor a intensidade da maioria das suas últimas crises de dor de cabeça. Com o intuito de correspondermos ambas as definições, podemos inferir que as faces 1 e 2 representam o grau leve, a 3 o grau moderado e a 4 e 5 o grau forte. Na literatura encontramos relacionadas como cefaléias de forte intensidade as seguintes: cefaléia atribuída a ruptura de aneurisma, a meningites, a febre e a hipertensão arterial, migrânea, cefaléia orgástica, hemicrania paroxística, neuralgia trigeminal e cefaléia em salvas (2, 4, 6, 8, 9, 11, 34). Figura 2. Escala de Faces de Wong-Baker. 0 = sem dor; 1 = dói um pouco; 2 = dói um pouco mais; 3 = dói ainda mais; 4 = dói bastante; 5 = pior dor Em uma época em que não existiam medicamentos eficazes para o seu tratamento, a cefaléia em salvas recebeu a alcunha de “cefaléia suicida”, por, de tão intensa, ter induzido alguns pacientes ao suicídio. Há consenso entre os especialistas em cefaléia que a cefaléia em salvas é a mais intensa de todas as cefaléias, sendo essa característica um descritor importante no diagnóstico diferencial com outras cefaléias trigêmino-autonômicas (hemicrania paroxística e SUNCT) e outras cefaléias unilaterais (migrânea e cefaléia cervicogênica). Para a IHS, a intensidade da dor não é um critério obrigatório para o diagnóstico da migrânea e da cefaléia do tipo tensional. Estabelece que na migrânea a intensidade seja de moderada a forte, capaz de inibir ou proibir as atividades da vida diária, e na cefaléia do tipo tensional de fraca a moderada, capaz de inibir, mas não proibir tais atividades. Dessa forma poderemos ter pacientes com cefaléia de fraca intensidade preenchendo os critérios da migrânea, bem como pacientes com cefaléia excruciante preenchendo os critérios para a cefaléia do tipo tensional, condições também não aceitas por grande parte dos estudiosos dessa área. Hockaday (1988) indica a investigação complementar em crianças cuja cefaléia interfira nas atividades diárias, desde que esta cefaléia não apresente um padrão de migrânea (7). Sparks (1978), numa casuística clínica de 504 crianças e adolescentes com migrânea, obteve o relato de cefaléia de moderada a forte intensidade em 83% dos pacientes (35). SINTOMAS PREMONITÓRIOS São sintomas que precedem e que prenunciam uma crise de migrânea por duas a 48 horas. Ocorrem antes da aura na migrânea com aura e antes do início da dor na migrânea sem aura. Entre os sintomas premonitórios mais comuns estão: fadiga, euforia, depressão, fome excessiva e avidez por determinados tipos de alimentos (4). Embora a definição acima relacione esses sintomas como uma manifestação exclusiva da migrânea, na literatura alguns autores relatam a sua ocorrência também na cefaléia em salvas (36, 37). Quintella e colaboradores (38) avaliando um grupo de 100 indivíduos com migrânea, selecionados em consulta ao clínico geral por outro motivo que não a cefaléia, obteve o relato de sintomas premonitórios em 84% deles. Os principais sintomas relatados foram: ansiedade, fonofobia, irritabilidade, tristeza e bocejos. Os autores identificaram como fatores de risco para os sintomas premonitórios a presença de migrânea com aura e crises de grande intensidade, assim como ressaltam a menor freqüência e intensidade dos mesmos em pacientes sob tratamento profilático. A identificação de sintomas premonitórios pelo paciente com migrânea, pode permitir a administração mais precoce da medicação abortiva das crises promovendo uma maior eficácia da mesma. É importante não confundir os sintomas premonitórios com os fenômenos da aura da crise migranosa. AURA A IHS define a aura como um complexo de sintomas neurológicos focais, completamente reversíveis, que se desenvolvem gradualmente em cinco a 20 minutos e duram menos que 60 minutos, podendo preceder ou acompanhar a cefaléia da crise migranosa, ou mais raramente, sem a concorrência de cefaléia. Os sintomas de aura podem indicar topografia cortical ou de tronco cerebral. São exemplos de aura visual: fosfenos (pontos de luminosidade intermitente), escotomas (pontos cegos centrais ou paracentrais), as teicopsias (imagens que se assemelham às ameias de muralha de antigas fortificações), amaurose transitória, deformação dos objetos similares às descritas em Alice no País das Maravilhas, distorções no tamanho dos objetos (micro e macropsias), sensação de que objetos fixos se deslocam e diplopia (11). Muitas vezes nos surpreendemos ao constatar, através de desenhos feitos pela própria criança, a ocorrência inconteste do fenômeno de aura. Outros exemplos de sintomas de aura: déficit motor, déficits sensitivos positivos (parestesias) e negativos (hipoestesias), distúrbios da linguagem e da fala (disfasias e disartrias), distúrbios estetoacústicos (disacusias, tinitos e atitos), vertigem, ataxias, alterações da consciência, alucinações olfativas e sensações do tipo deja vu e jamais vu. Aura com características similares à da migrânea tem sido descrita em associação com outras cefaléias bem definidas, incluindo a cefaléia em salvas (IHS). Considerando genericamente a concorrência de cefaléia e fenômenos neurológicos focais, além da migrânea, devemos pensar nas seguintes afecções do sistema nervoso: ataque isquêmico transitório, acidente vascular cerebral tromboembólico, hematoma intracraniano, trombose venosa cerebral, Síndrome de Tolosa-Hunt, neurite óptica, neuralgia trigeminal sintomática e anestesia dolorosa. Em tais afecções, a duração prolongada dos fenômenos neurológicos focais, bem como a investigação complementar apropriada, normalmente auxilia-nos no diagnóstico diferencialcom a migrânea com aura. A aura de sintomatologia visual é isoladamente a mais freqüente na migrânea (6, 8, 9, 39). Por razões metodológicas, são bastante heterogêneos os achados na literatura referentes à freqüência de aura na migrânea na infância. Em oito séries publicadas encontramos freqüências que variaram de 5 a 50% (5, 7, 12, 13, 14, 40, 41). Em crianças com migrânea com aura geralmente não encontramos dificuldades na caracterização da reversibilidade dos sintomas de aura, nem da localização temporal da mesma em relação à cefaléia, no entanto, é muito difícil obtermos informações referentes ao tempo em que a aura se desenvolve, sua duração e intervalo até o início da cefaléia. Dessa forma, os critérios diagnósticos da migrânea com aura deveriam sofrer modificações que melhorassem sua aplicabilidade nesta faixa etária (3). SINAIS E SINTOMAS ACOMPANHANTES DA DOR A ocorrência de determinados sinais e sintomas nas crises de cefaléia nos auxilia nos diagnósticos etiológico e diferencial das cefaléias. Esses sinais e sintomas acompanhantes ocorrem, sobretudo, nas cefaléias primárias e indicam a participação, direta ou indireta, do sistema nervoso autônomo na sua fisiopatogenia. Na migrânea é freqüente a ocorrência de múltiplos sinais e sintomas acompanhantes, como náuseas, vômitos, anorexia, dor abdominal, fotofobia, fonofobia, osmofobia, palidez, sudorese e outros. Muitos desses sintomas não são referidos pela criança por limitações na percepção ou descrição dos mesmos, no entanto, pais atentos e adequadamente orientados pelo médico assistente, passam a observar a sua ocorrência durante as crises, auxiliando definitivamente no diagnóstico da migrânea nessa faixa etária. Em 15 séries de crianças com migrânea publicadas na literatura, a freqüência de náuseas e/ou vômitos variou entre 44 e 100% (12, 13, 15, 32, 41). No entanto, muitos desses autores utilizaram critérios que previam a obrigatoriedade da ocorrência de náuseas e vômitos para o diagnóstico da migrânea, ao contrário do que estabelece atualmente a IHS. Na infância, a cefaléia da hipertensão intracraniana por tumor cerebral freqüentemente é acompanhada por náuseas e vômitos, ocorre preferencialmente durante a noite ou de madrugada e provoca o despertar da criança. Nessa situação, freqüentemente os vômitos são incoercíveis e sobressaem à cefaléia (18, 42). As hiperamonemias devem também ser lembradas na cefaléia acompanhada de vômitos na infância (43). Entre os 15 estudos acima mencionados, apenas um avaliou a freqüência de anorexia nas crises de migrânea. Barlow (1984) obteve o relato de anorexia em apenas 12% das crianças por ele estudadas e atribuiu essa baixa freqüência à irregularidade de apetite própria da infância, bem como à curta duração das crises de migrânea nesta idade, dificultando a observação deste sintoma (5). Na literatura, a freqüência de dor abdominal nas crises de migrânea na infância varia de 11 a 19%, sendo considerada uma peculiaridade da migrânea na infância, dada à raridade em que é referida por adultos (7, 13, 14, 40). A foto e a fonofobia, tipicamente associadas à migrânea, podem ainda estar presentes nas cefaléias das infecções do sistema nervoso e seus envoltórios, dos transtornos oculares, das sinusites e da hipertensão intracraniana. Os critérios diagnósticos da IHS (2004) estabelecem que a foto ou a fonofobia podem ocorrer na cefaléia do tipo tensional, uma ou outra mas não ambas. A ocorrência de osmofobia é bastante específica da migrânea, não sendo observada em outras cefaléias. No entanto, é referida por apenas 20 a 40% dos pacientes, entre eles adultos e crianças, o que reflete sua baixa sensibilidade para esse diagnóstico (44, 45). Uma série de manifestações cutâneo-mucosas podem acompanhar a cefaléia da migrânea, entre elas: palidez, olheiras, congestão conjuntival, sudorese, piloereção e sensação de boca seca. Na infância, a palidez é a mais freqüentemente relatada na literatura (5, 7, 14). Nas cefaléias trigêmino-autonômicas (CTA), especialmente na cefaléia em salvas, as manifestações acompanhantes da cefaléia são exuberantes e freqüentemente definem o diagnóstico. Na cefaléia em salvas, caracteristicamente observa-se hiperemia conjuntival, lacrimejamento, congestão nasal, rinorréia, edema palpebral, sudorese facial e frontal, miose e ptose ipsilateralmente à dor. Estas manifestações podem ser também relatadas na hemicrania paroxística e na hemicrania contínua. Já no SUNCT, a dor se acompanha principalmente de hiperemia conjuntival e lacrimejamento ipsilaterais. Na cefaléia hípnica esses sinais autonômicos estão ausentes, mas náusea, foto ou fonofobia podem ocorrer isoladamente. FATORES DESENCADEANTES A identificação de fatores desencadeantes das crises pode definir o diagnóstico de várias cefaléias. Para muitas das cefaléias abaixo relacionadas, o fator desencadeante na verdade constitui-se no fator causal, sua relação temporal e exclusiva com a cefaléia é bem identificada: - Cefaléia por compressão externa (chapéu, boné, óculos de natação, tiara, etc.) - Cefaléia por estímulo frio - Cefaléia primária da tosse, do esforço físico e da atividade sexual - Cefaléia pós-traumatismo craniano - Cefaléia induzida por uso ou abuso, agudo ou crônico, de substâncias (nitrito, nitrato, glutamato monossódico, álcool, ergotamina, analgésicos, anticoncepcionais, etc.) - Cefaléias atribuídas aos transtornos da homeostase (hipóxia, hipercapnia, diálise, hipertensão arterial, hipotireoidismo, jejum, etc.) Para outras cefaléias como a migrânea e a tensional, podemos verificar as seguintes ocorrências: - um fator desencadeante é identificado e guarda relação temporal com algumas crises; - outros fatores desencadeantes também são identificados e atuam algumas vezes de forma isolada e outras vezes em conjunto; - crises sem fator desencadeante identificado. A literatura relaciona diversos fatores desencadeantes na migrânea: emoções negativas e positivas, privação ou excesso de sono, exposição ao sol ou efeito estroboscópico, barulho, odores, alimentos, menstruação, exercício físico, jejum, mudanças de temperatura, traumatismo craniano, viagens etc. (5, 6, 7, 8, 9, 11, 14, 46, 47). No que se refere aos alimentos, poderemos ter duas situações distintas, a cefaléia induzida por componentes alimentares e aditivos (cefaléia alimentar, 8.1.5) e a migrânea. A cefaléia induzida por componentes alimentares e aditivos tem características semelhantes à migrânea (pulsátil e agravada por atividade física), desenvolve-se em até 12 horas após a ingestão do alimento, desaparece em até 72 horas após uma única ingestão e ocorrem exclusivamente com o alimento em questão. Na migrânea, no entanto, outros alimentos e outros fatores desencadeantes geralmente estão envolvidos, além da ocorrência de crises sem fator identificado. Os seguintes alimentos são freqüentemente relacionados como desencadeadores de crises de migrânea: chocolate, queijos, cítricos, embutidos, leite e seus derivados, alimentos gordurosos, frituras e álcool (5, 6, 7, 8, 9, 14, 34, 46, 47). Outros fatores são descritos como desencadeantes de outras cefaléias primárias: o álcool na cefaléia em salvas, a tensão e as emoções negativas na cefaléia do tipo tensional. O esforço visual prolongado pode desencadear cefaléia em crianças que apresentem erros de refração. Na cefaléia atribuída à hipotensão liquórica, a dor geralmente é desencadeada por sentar-se ou levantar-se. Na cefaléia ou dor facial atribuída a transtorno da articulação temporomandibular a dor é desencadeada por movimentos mandibulares ou pela mastigação de alimentos duros ou resistentes. FATORES DE ALÍVIO E AGRAVAMENTO DA CEFALÉIA Os critérios diagnósticos da IHS (2004) e a literatura em geral relacionamfatores de alívio para algumas cefaléias: - A redução dos níveis pressóricos na cefaléia da hipertensão arterial - O decúbito na cefaléia atribuída à hipotensão liquórica - A oclusão de um dos olhos na cefaléia da heteroforia ou heterotropia - O bloqueio anestésico de estruturas cervicais ou seu suprimento nervoso cefaléia cervicogênica - A ingestão de alimento na cefaléia atribuída ao jejum - A inalação de oxigênio a 100% (7 litros por minuto) na cefaléia em salvas - O relaxamento na cefaléia do tipo tensional Entre os fatores que aliviam a cefaléia na crise de migrânea são referidos: a compressão da artéria temporal superficial, o uso de compressas quentes ou frias sobre as têmporas, o repouso em lugares escuros e silenciosos, o sono e os vômitos (5, 6, 7, 8, 9, 11, 32, 34, 43, 46, 47, 48). O agravamento da dor com o esforço físico é referido nas seguintes cefaléias: - migrânea - cefaléia da hipertensão intracraniana ou hidrocefalia (por tumor cerebral ou outras causas) - cefaléia da má-formação de Chiari tipo I - cefaléia atribuída a substâncias (doadores de óxido nítrico como nitroglicerina, “cefaléia do cachorro quente”, inibidores de fosfodiesterase, álcool, componentes alimentares e aditivos, cocaína e histamina) - cefaléia das grandes altitudes - cefaléia da hipertensão arterial - cefaléia cardíaca (concomitante à isquemia miocárdica) Dada a rara ocorrência destas outras condições na infância, a piora da cefaléia com o esforço físico indica, com alta chance de acerto, o diagnóstico de migrânea. Esta informação tão útil para o diagnóstico da migrânea na infância, especialmente em crianças de menor idade, pode ser facilmente obtida. Durante as crises de cefaléia os pais devem observar se a criança evita esforços físicos neste momento e se a dor se agrava ao agachar, pular ou correr. INVESTIGAÇÃO COMPLEMENTAR E TRATAMENTOS REALIZADOS É de importância fundamental na anamnese da criança com cefaléia checarmos os exames complementares, as interconsultas e os tratamentos previamente realizados. Com grande freqüência a criança com cefaléia crônica é desnecessariamente submetida à avaliação oftalmológica e radiológica, antes de ser avaliada pelo neurologista. Numa amostra de 100 crianças com cefaléia crônica e idade entre 2 e 12 anos, atendidas em uma clínica especializada em cefaléia, 39% já haviam sido avaliadas pelo oftalmologista previamente ao neurologista, a despeito de 98% delas apresentarem migrânea (3). Embora a cefaléia dos erros de refração seja de rara observação na infância e a cefaléia das rinossinusites tenha um curso quase que exclusivamente agudo, a conduta pediátrica usual para uma criança com cefaléia crônica ainda é a solicitação da avaliação oftalmológica e das radiografias do crânio e dos seios da face que pouco contribuirão para o diagnóstico final da cefaléia. Em um outro estudo realizado com 417 crianças com cefaléia crônica atendidas em um ambulatório terciário, Arruda e colaboradores (3) avaliaram a utilidade dos exames complementares rotineiramente ali solicitados. Das 375 crianças que realizaram eletrencefalograma, 52 apresentavam anormalidades, mas em nenhum destes casos a anormalidade encontrada contribuiu para o diagnóstico final da cefaléia. Foram realizadas radiografias de crânio em 302 crianças e de seios da face em 72 tendo sido observadas anormalidades em 3 e 32 crianças respectivamente, no entanto, em nenhuma delas a anormalidade contribuiu para a definição diagnóstica da cefaléia. A tomografia de crânio foi realizada por 57 crianças, 11 delas com achados anormais que definiram o diagnóstico final da cefaléia em apenas 3. A partir desses achados os autores consideraram desnecessária a solicitação rotineira de radiografias de crânio, seios da face e eletrencefalograma para crianças com cefaléia crônica. Os exames de neuroimagem e outros exames específicos para o diagnóstico em cefaléia, devem ser solicitados de acordo com protocolos internacionais, apresentados em outras sessões deste livro. Os medicamentos anteriormente prescritos para o tratamento profilático ou das crises de cefaléia, devem ser cuidadosamente registrados: dose e posologia, tempo de uso, eficácia e efeitos adversos. ANTECEDENTES PESSOAIS Além dos dados gerais sobre os antecedentes pessoais da criança (gestação, parto, desenvolvimento, nutrição, crescimento, etc.), informações adicionais devem ser obtidas acerca do comportamento, escolaridade e hábitos da criança ou adolescente com cefaléia crônica. Uma desaceleração do crescimento, alteração comportamental ou queda do rendimento escolar recente e de causa desconhecida, se associada a uma cefaléia de curso progressivo, deve despertar no médico assistente a suspeita de tumor cerebral. Especial atenção deve ser dada para identificar a ocorrência de abuso de analgésico, cafeína e outras substâncias, lícitas ou ilícitas. Os horários e hábitos de sono da criança ou do adolescente devem ser registrados uma vez que erros na higiene do sono freqüentemente podem agravar uma cefaléia primária como a migrânea. Os antecedentes mórbidos podem auxiliar, tanto na identificação da causa da cefaléia, quanto na escolha de medicamentos para o tratamento da mesma, como veremos no capítulo sobre o tratamento da migrânea na infância e adolescência. A presença de condições que freqüentemente encontram-se associadas à migrânea na infância também deve ser pesquisada: cinetose, dor abdominal recorrente, dor em membros, vertigem paroxística benigna da infância (VPBI), sonilóquio, bruxismo, terror noturno e sonambulismo (5, 7, 49, 50). ANTECEDENTES FAMILIARES A hereditariedade da migrânea vem sendo confirmada por estudos epidemiológicos clássicos (com famílias e gêmeos) e por estudos moleculares de genes candidatos, apesar de uma série de outros fatores não-genéticos atuarem em sua fisiopatogenia. A presença de uma história familiar positiva de migrânea entre os pais, irmãos e outros familiares em primeiro grau, pode nos auxiliar no diagnóstico diferencial com outras cefaléias que não apresentam tal hereditariedade. Uma vez que a cefaléia pode cursar com outros transtornos neurológicos e sistêmicos, informações sobre a saúde geral dos familiares em primeiro grau também devem ser obtidas. O DIÁRIO DE CEFALÉIA O Diário de Cefaléia é um instrumento fundamental no acompanhamento de pacientes com cefaléia, tendo na infância implicações diagnósticas e terapêuticas. Existem numerosos tipos de diário de cefaléia, uns priorizam aspectos relacionados ao tratamento, outros os fatores desencadeantes das crises. O diário de cefaléia aqui apresentado foi desenvolvido para o acompanhamento de crianças com cefaléia, no entanto, vem sendo adotado pela Sociedade Brasileira de Cefaléia também para o acompanhamento de adultos (51). Trata-se na verdade de um calendário que exibe os dias e horários do mês, dividido em boxes que permitirão o detalhamento de cada crise de cefaléia. A dor pode ser graduada de duas formas, uma tradicional e outra através da escala de faces de Wong-Baker. Na forma tradicional a dor é graduada conforme a interferência que provoca nas atividades da criança: - grau 1 (pequena intensidade): não interfere nas atividades da criança como brincar e pular. - grau 2 (média intensidade): inibe, mas não proíbe tais atividades. - grau 3 (grande intensidade): proíbe tais atividades e a criança deita-se e/ou chora por causa da dor. Na graduação da dor através da escala de Wong-Baker, anteriormente já descrita neste capítulo, a criança escolhe a face que melhor representa a dor que ela sente naquele momento (graus 1, 2, 3, 4 ou 5). O grau de intensidade correspondente é colocado pela criança ou por seus pais no boxe correspondente ao dia e ao horário de ocorrênciada crise de cefaléia. No final do mês a somatória das dores indica o índice de cefaléia que nos auxiliará no acompanhamento do tratamento da criança. Este índice reflete uma razão da intensidade, duração e freqüência das crises. Nos boxes inferiores da coluna referente à crise são assinaladas as características clínicas da mesma: localização uni ou bilateral, tipo de dor, piora com esforço físico, sintomas acompanhantes da dor, aura, resultado da medicação analgésica, menstruação (se houver) e outros fatores desencadeantes. A última linha é utilizada para a marcação de outras informações que interessem ao caso, como por exemplo, a ocorrência de sinais e sintomas recorrentes muito freqüentes no período intercrítico das crises de migrânea: cinetose, dor em membros, dor abdominal recorrente, febre recorrente, sonambulismo, bruxismo e sonilóquio. A determinação de todas estas características clínicas da crise de cefaléia determina uma maior segurança no diagnóstico, sobretudo em crianças. Muitas vezes é aconselhado o uso do diário por um período, antes de definirmos o diagnóstico e tratamento da cefaléia. Figura 3. Diário de Cefaléia (Arruda, 2005). Mês: Ano : Dias 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 S Madrugada (0-6) Manhã (6-12) Tarde (12-18) Noite (18-24) Um lado Dois lados Dor em pressão/aperto Dor latejante/pulsátil Dor piora com esforço Náusea Vômito Dor abdominal Luz incomoda Som incomoda Aura Medicação para dor Resultado (++/+/-) Fator desencadeante REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Arruda MA, Speciali JG, Ciciarelli MC, Bordini CA. Childhood migraine: diagnostic problems. Cephalalgia 1995; 15(47), Suppl 16. 2. Headache Classification Committee of the International Headache Society. Classification and diagnostic criteria for headache disorders, cranial neuralgias and facial pain. Cephalalgia 1988; 8(Suppl. 7):1-96. 3. Arruda MA. Cefaléia crônica na infância: estudo retrospectivo em um ambulatório terciário. 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