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Direito Tributário Internacional: um debate necessário para a justiça fiscal global O Direito Tributário Internacional deixou de ser um tema técnico restrito a gabinetes de contadores e escritórios de advocacia; tornou-se peça central para a justiça social, para a soberania dos Estados e para a adequada distribuição dos encargos da globalização. Como editorial, defendo que é urgente repensar paradigmas que hoje permitem erosão da base tributária, concorrência fiscal destrutiva e assimetrias que favorecem corporações transnacionais em detrimento de cidadãs e pequenos negócios. Não se trata apenas de arrecadação: trata-se de legitimidade do sistema fiscal e da capacidade do Estado de cumprir funções essenciais. Historicamente, o regime tributário internacional assentou-se em princípios como residência e fonte, complementados por convenções bilaterais que buscam evitar a dupla tributação. Contudo, o avanço tecnológico e a criatividade planejada — muitas vezes agressiva — das estruturas empresariais tornou essas balizas insuficientes. Empresas digitais prestam serviços sem presença física, lucros são realocados por meio de preços de transferência e estruturas de propriedade que borram fronteiras. O resultado prático é simples: países, sobretudo em desenvolvimento, perdem receitas vitais; cidadãos percebem injustiça quando lucros gigantescos convivem com déficits públicos. A resposta internacional até agora tem sido ambivalente. Iniciativas multilaterais, como os projetos do OCDE sobre BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) e a proposta de imposto mínimo global, são avanços relevantes, pois procuram coordenar regras e reduzir a competição por alíquotas. Ainda assim, faltam mecanismos eficazes de implementação e soluções adaptadas às realidades dos países mais frágeis, que dispõem de menor poder de barganha nas negociações e de menos capacidade técnica para fiscalizar estruturas complexas. Do ponto de vista normativo, é essencial combinar três diretrizes: harmonização seletiva, reforço da cooperação administrativa e fortalecimento das regras antiabuso. Harmonização seletiva não significa homogeneizar alíquotas, mas adotar padrões mínimos — por exemplo, em critérios de substância econômica e no tratamento da economia digital — que reduzam brechas exploráveis. Cooperação administrativa, por sua vez, deve ampliar o intercâmbio automático de informações, promover assistência mútua em cobranças e robustecer mecanismos de resolução de conflitos, como procedimentos multilaterais de acordo (MAP) ou arbitragem vinculante. As regras antiabuso, incluindo GAARs bem calibradas e normas sobre empresas controladas no exterior (CFC), precisam ser aprimoradas para capturar estruturas artificiais sem tolher investimento legítimo. Há, também, um imperativo moral: a tributação internacional deve sustentar políticas públicas que promovam desenvolvimento sustentável. Receitas fiscais são fundamentais para saúde, educação e infraestrutura; sem elas, a desigualdade se amplia e a confiança nas instituições diminui. Portanto, medidas que aumentem a transparência, como registros de beneficiários finais e relatórios country-by-country, não só servem para conter evasão, mas também para fortalecer accountability e responsabilidade dos atores privados. No plano prático, proponho quatro linhas de ação convergentes. Primeiro, adotar instrumentos multilaterais que facilitem a implementação coordenada de mudanças, evitando um mosaico de regras conflitantes. Segundo, criar mecanismos de compensação e assistência técnica para países de baixa capacidade, garantindo que possam cobrar o que lhes é devido. Terceiro, promover normas robustas de substância que distingam planejamento legítimo de abuso e coíbam a fácil deslocação artificial de lucros. Quarto, modernizar a resolução de controvérsias: decisões fiscais transfronteiriças demandam celeridade e previsibilidade, não embates jurídicos intermináveis. O Brasil, inserido numa economia global complexa, deve ser protagonista nessas discussões. Tem interesse em proteger sua própria base tributária e em garantir condições equitativas para empresas nacionais. Ao mesmo tempo, a adoção interna de normas antiabuso modernas, melhora na administração tributária e investimentos em sistemas de informação são passos concretos que podem ampliar receitas e atrair investimento de qualidade. A busca por acordos multilaterais deve ser acompanhada de políticas domésticas que assegurem transparência, simplificação e segurança jurídica. Em última análise, o Direito Tributário Internacional é política pública sob outra forma: regula quem paga, quanto e onde. Ignorar a necessidade de atualização normativa e cooperativa equivale a aceitar que a globalização continue a beneficiar majoritariamente os mais poderosos. O caminho plausível e justo passa por uma combinação de coragem política — para adotar padrões mínimos e combater práticas predatórias — e cooperação técnica — para que todos os países, independentemente de tamanho, possam participar e se beneficiar de um sistema tributário global mais equitativo. É hora de transformar princípios em práticas e retomar a capacidade coletiva de financiar o bem comum. PERGUNTAS E RESPOSTAS 1) O que é dupla tributação e como se evita? Dupla tributação ocorre quando dois países tributam a mesma renda. Evita-se por tratados bilaterais, créditos fiscais, isenções e regras de alocação de direitos de tributação entre fonte e residência. 2) O que é BEPS e por que importa? BEPS refere-se a práticas que erodem a base tributária e deslocam lucros. Importa porque reduz receitas públicas e exige coordenação internacional para fechar lacunas legais. 3) Como a economia digital desafia regras tradicionais? Negócio digital pode gerar valor sem presença física, tornando difícil vincular lucros a um território; isso exige novos critérios de nexus e tributação por mercado ou usuários. 4) O que é imposto mínimo global? É uma proposta para estabelecer um piso de tributação corporativa internacional, reduzindo concorrência fiscal e limitando incentivos para transferência de lucros a jurisdições de baixa tributação. 5) Como países em desenvolvimento podem se proteger? Investindo em cooperação internacional, capacitação administrativa, adoção de relatórios transparentes e normas antiabuso, além de buscar assistência técnica e soluções multilaterais.