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ISSN 1809-0648 Outubro/Nov/Dezembro 2009 8 N.16 Ano 4 Ed. Paralogike - Santos - SP Brasil ISSN 1809-0648 ATC2 12/ 2009 O Pensamento e a Lógica de Newton C. A. Da Costa João Inácio da Silva Filho Da Silva Filho, J.I. inacio@unisanta.br GLPA – Grupo de Lógica Paraconsistente Aplicada UNISANTA - Universidade Santa Cecília Rua Osvaldo Cruz, 266 CEP 11045-000- Santos-SP – Brasil IHGS – Instituto Histórico e Geográfico de Santos Avenida Conselheiro Nébias, 689 - CEP 11045-003 Boqueirão - Santos/SP Resumo Neste trabalho procurou-se reunir algumas declarações feitas pelo eminente professor Newton C. A. Da Costa recolhidas em suas inúmeras entrevistas concedidas na imprensa falada e escrita. Uma análise mais aprofundada de suas palavras mostra que o conjunto desses depoimentos expressa, de certo modo, o seu pensamento sobre a nossa realidade e o significado da lógica paraconsistente, uma das suas maiores realizações. Palavras chave lógica, lógica clássica, lógica paraconsistente, teoria da quase verdade. Abstract - In this paper the author tried to gather some declarations done by the eminent Professor Newton C. A. Da Costa collected in their countless interviews granted in newspapers and magazines. One analyzes deepened of their words it demonstrates that the group of their expressed depositions, in certain way, his thought on our reality, and the meaning of the Paraconsistent logic, that it is one of their more important accomplishments. Keywords: logic, classic logic, paraconsistent logic, quasi-truth theory. I INTRODUÇÃO O cientista brasileiro Newton Carneiro Affonso da Costa, filósofo e matemático, é reconhecido mundialmente como uma das personalidades importantes no cenário da lógica contemporânea. Completanto 80 anos de idade nesse ano de 2009, uma de suas maiores realizações foi romper com a tradição aristotélica de mais de 2.000 anos, quando criou na década de 60 sistemas inconsistentes que admitiam contradições. Essa teoria de Da Costa onde aparecem sistemas que aceitam informações contraditórias em sua estrutura sem provocar trivialização, foi, mais tarde, em 1976, denominada de Lógica Paraconsistente. Com o tempo a suas idéias, que propunha a aceitação da contradição, aos poucos foram e estão atraindo estudiosos de diversas áreas, que exergam aí um grande campo de pesquisa, com possibilidades de aplicação no mundo real. Figura 1 Newton Carneiro Affonso Da Costa - fonte [5] Ao ser indagado sobre como foi o início que deu origem a idéia de uma lógica que suporta contradição o Prof. Newton da Costa afirma que desde jovem sempre se interessou muito, pelas mais variadas razões, em saber exatamente o que é o conhecimento científico. Entender, realmente, a natureza do conhecimento científico e do conhecimento em geral sempre foi a sua meta, e assim foi levado a estudar várias ciências, em especial a matemática e a física. Tudo isso resultou em que optasse por fazer graduação em Engenharia porque é a área que trata das aplicações dos conceitos da ciência. Segundo ele, para se ter uma idéia sensata da noção de aplicação de uma ciência pura à realidade, nada melhor do que estudar engenharia. Uma segunda razão dessa sua escolha em se formar em Engenharia foi porque achava que no estudo dessa área havia bastante matemática, o que, na verdade, acabou não sendo para ele o bastante e, portanto, logo a seguir se formou em matemática. A partir daí surgiu o seu interesse em estudar temas complexos de ciência, como a mecânica quântica, que acabou levando-o ao campo das pesquisas em lógicas não-clássicas. Ciente de que vários autores, desde a década de 30, diziam que a lógica clássica não podia ser aplicada aos fundamentos da mecânica quântica, resolveu então a trabalhar com outros tipos de lógica e com os fundamentos da matemática. Dessa forma, o professor Newton da Costa ao estudar a lógica tradicional, logo se defrontou com as dificuldades conhecidas como paradoxos. Segundo ele, o interesse pelo estudo das ISSN 1809-0648 Outubro/Nov/Dezembro 2009 9 N.16 Ano 4 Ed. Paralogike - Santos - SP Brasil ISSN 1809-0648 ATC2 12/ 2009 lógicas não-clássicas, que nesse caso se interessou e o levou a criar a lógica paraconsistente, nasceu principalmente do problema ligado aos paradoxos. Esse era um problema que o intrigava e, inicialmente considerou o que Georg Cantor dizia, que a essência da matemática está na sua liberdade, e no entanto, os paradoxos que surgiram no começo do século, em geral, foram eliminados com a manutenção da lógica tradicional, que introduzia restrições nos postulados da teoria dos conjuntos. Nessa época o Prof. Newton considerou que se a matemática é absolutamente livre, como afirmava Cantor, então sem introduzir restrições nos postulados da teoria dos conjuntos, era possível mudar a lógica e com isso, reconstruir a matemática clássica inteira. II. A LÓGICA PARACONSISTENTE E A IMPORTÂNCIA DA MATEMÁTICA Em suas diversas entrevistas o Professor Newton Da Costa ressalta o significado da Matemática e da lógica, nos seguintes têrmos: “A matemática e a lógica são para mim instrumentos para entender o que é o conhecimento científico. Este é o caminho que vai levar, depois, ao que é o conhecimento em geral e se há conhecimento metafísico. Daí a necessidade de me embrenhar na filosofia. Ainda não cheguei à metafísica porque preciso compreender direito o conhecimento científico. Veja que em 1874, um matemático russo chamado Georg Cantor criou a teoria dos conjuntos. Em pouco tempo se viu que toda a matemática padrão poderia ser construída sobre a teoria dos conjuntos e ela se tornou essencialmente a base da matemática. Convém observar, no entanto, que a noção de conjunto é algo extremamente abstrato e não se confunde com o sistema de objetos ou totalidades da vida cotidiana. Mas cerca de 30 anos depois começaram a surgir paradoxos nessa teoria. O paradoxo de Russell, o paradoxo de Burali-Forti e vários outros, que não convém explicar aqui porque levaria muito tempo. Essas questões se tornaram um problema filosoficamente incrível: como eram possíveis paradoxos na matemática e na lógica tradicionais, até então o exemplo mais perfeito de conhecimento? Aquilo era aterrador, completamente estranho, ninguém conseguia explicar, causou um rebuliço. Essa foi considerada a terceira grande crise da história da matemática. A primeira foi com os pitagóricos, quando descobriram os números irracionais. A segunda foi com o cálculo diferencial e integral, que era uma área completamente sem fundamento lógico, mas também foi superada. E, finalmente, a terceira grande crise foi a cantoriana, quando se descobriu que a teoria dos conjuntos era inconsistente e contraditória, não se sustentava.” Figura 2 Newton Carneiro Affonso Da Costa - fonte [4] Explicando como surgiu suas idéias a partir das três crises classificadas após o surgimento da teoria dos conjuntos por Georg Cantor, o Professor Newton Da Costa complementa, dizendo: “Tentou-se então resolver a questão mantendo a lógica clássica e imaginando quais as modificações que poderíamos fazer na teoria dos conjuntos para superar os paradoxos. A lógica clássica é essencialmente a lógica que nasceu com Aristóteles eteve sua formulação atual por Gottlob Frege e Russell por volta de 1870 e 1914, respectivamente. O problema da contradição é absolutamente fundamental para a lógica clássica, que não a admite. Então a grande questão que surgiu era como corrigir a teoria dos conjuntos sem destruí-la ou abandoná-la. Em meio a esses estudos e análises apareceu algo interessantíssimo. Ficou claro que havia caminhos alternativos para superar essas dificuldades, que não eram equivalentes entre si. Ou seja, havia várias teorias de conjuntos possíveis baseadas na lógica clássica. A idéia básica quando se começou a estudar essas questões era manter a lógica clássica nas soluções usuais desses paradoxos e mudar os princípios da teoria ingênua dos conjuntos. Baseado numa frase do próprio Cantor – A essência da matemática radica na sua completa liberdade - , sendo assim, pensei, “Por que não fazer o contrário? Eu quero manter o máximo possível dos princípios da teoria dos conjuntos, mas mudar a lógica subjacente clássica. Isso significa que a essa lógica tem de suportar contradição. Como na lógica clássica, a razão básica de ela não aceitar a contradição, do ponto de vista técnico, é que a mais simples contradição numa teoria a destrói, porque tudo vira teorema. Era preciso mudar e eu comecei a construir várias lógicas. Demonstrei que existem infinitas lógicas que satisfazem essas condições e que existem infinitas teorias dos conjuntos correspondentes. Comecei a desenvolver e aplicar a lógica em outras coisas. Mas, na verdade, a saída, o pontapé inicial, foi um ponto puramente matemático relativo aos fundamentos da teoria dos conjuntos da obra cantoriana.” III. O INÍCIO DA LÓGICA PARACONSISTENTE Segundo declarações de Newton da Costa em inúmeras entrevistas o início da Lógica Paraconsistente pode ser considerada com a sua tese de cátedra "Sistemas Formais Inconsistentes", de 1963, apresentada na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal do Paraná. Para explicar o seu trabalho em lógica Paraconsistente ele inicia falando sobre o significado da lógica, onde esta pode ser entendida como o estudo dos processos pelos quais certas sentenças ou proposições podem ser deduzidas de outras. E destaca que desde a época de Aristóteles, um dos princípios da lógica é o de não- contradição que estabelece a impossibilidade de que uma sentença qualquer e sua negação sejam ambas verdadeiras. E assim, na explicação da lógica paraconsistente Newton Da Costa exemplifica, dizendo: “Tome, por exemplo, a sentença - eu moro em São Paulo -. Não é possível admitir, com base nesse princípio que essa sentença e sua negação, - eu não moro em São Paulo - , sejam ISSN 1809-0648 Outubro/Nov/Dezembro 2009 10 N.16 Ano 4 Ed. Paralogike - Santos - SP Brasil ISSN 1809-0648 ATC2 12/ 2009 verdadeiras. Desse modo, a lógica clássica não admite contradições. A grosso modo, na nossa experiência cotidiana, é assim que as coisas são e é por isso que a lógica clássica tem seu campo de aplicação. Mas acontece que quando diferentes campos da ciência evoluem e se tornam mais complexos, as contradições aparecem. Na física, por exemplo, as partículas atômicas, em determinadas circunstâncias, não se comportam como partículas, mas como ondas. Isso significa, sob certos aspectos, que elas são e não são partículas. Essa dificuldade pode ser superada, como usualmente os físicos fazem, tentando, de uma maneira ou outra eliminar a contradição e manter a lógica clássica. O que acredito é que a lógica clássica tem um domínio de aplicações, mas, em certas circunstâncias, não se aplica. Vou dar só um exemplo: a teoria geral da relatividade e a mecânica quântica são duas das teorias mais assombrosas que apareceram na história da cultura até hoje – pelas aplicações, pela precisão das medidas, por tudo enfim. É uma loucura o que elas explicam. Por exemplo, mecânica quântica explica o laser, o maser, a estrutura química... No entanto, essas duas teorias, se você olhar bem de perto, são logicamente incompatíveis. Só tem uma maneira de juntar as duas e os físicos fazem isso com freqüência, embora não saibam como isso se faz, do ponto de vista lógico. Porém, se quisermos tratar diretamente do problema, sem desvios teóricos, torna- se necessária a utilização de uma lógica diferente da clássica, que aceite contradições. Essa lógica é a lógica paraconsistente.” IV. A LÓGICA PARACONSISTENTE E A APLICAÇÃO NA FÍSICA Ao ser indagado como a lógica Paraconsistente pode ser aplicada no campo da Física o Professor Newton Da Costa afirma que tem pensado muito sobre essa possibilidade, dizendo: “No momento estou trabalhando nisso, esclarecendo que a lógica da física tem de ser uma lógica paraconsistente. Ela é localmente clássica, mas globalmente paraconsistente. A física atual, que trabalha com uma combinação de teorias incompatíveis, só é possível porque existe a lógica paraconsistente. Por exemplo, a teoria do plasma tem muitas aplicações e envolve três outras teorias: a mecânica clássica, o eletromagnetismo e a quantização. Duas a duas, elas são contraditórias. No entanto, são usadas. Todo o estudo que faço no momento utiliza a teoria quântica de campo, a mecânica quântica, a relatividade e outras, para sistematizar a ciência. Essa é uma das tarefas do filósofo da ciência, sistematizar diversas ciências e compará-las. Não há solução se não fizermos isso com uma lógica diferente da lógica tradicional. Não nos dias de hoje. A Lógica Paraconsistente pode ser aplicada, por exemplo, na computação em sistemas especialistas. Um sistema especialista de suporte a diagnósticos médicos baseado na lógica paraconsistente pode processar dados contraditórios sobre as condições de saúde de um paciente, quando é impossível verificar qual deles é o verdadeiro. Os motivos principais para a utilização de lógicas diferentes da clássica, é que em certas situações, como na mecânica quântica parece ser imprescindível o uso de lógicas não-clássicas. As principais teorias físicas, como a relatividade geral e a mecânica quântica, são incompatíveis, contraditórias, e a única maneira no momento de compatibilizá-las consiste no uso de algum tipo de lógica paraconsistente.” V. LÓGICA PARACONSISTENTE E LÓGICA CLÁSSICA Para explicar as vantagens em utilizar lógicas não- clássicas, como a paraconsistente, em vez da lógica clássica, o Professor Newton Da Costa faz a seguinte referência: “A lógica clássica, bem como várias outras lógicas, não é apropriada para a manipulação de sistemas de premissas ou de teorias que encerram contradições (nas quais sem a proposição e sua negação são ambas teoremas da teoria ou conseqüências dos sistemas de premissas). Porém, nas ciências figuram contradições que são difíceis ou impossíveis de ser eliminadas (o que ocorre, por exemplo, em física, onde a teoria da relatividade geral e a mecânica quântica são logicamente incompatíveis, em direito, onde os códices jurídicos sempre apresentam inconsistências etc.). Por isso, tornou-se imperativo que se criassem lógicas que pudessem “suportar” contradições: tal é essa essência da paraconsistência. Em geral, uma lógica paraconsistente não implica que a clássica está errada, mas a generaliza. A lógica paraconsistente engloba a lógica fuzzy e tem encontrado as mais variadas aplicações, tanto teórica como prática. Em especial, ela inspirou uma nova filosofia da ciência e estendeu o campo da razão.” VI. OS ESTUDOS LÓGICOS FORMAIS Em diversas entrevistas professor Newton Da Costa sempre declara que uma das coisas quemais faz, e mais gosta de fazer, é exatamente os estudos lógico-formais dos fundamentos das ciências, especialmente da física, pois no seu entender essa parte lógico-formal capta aspectos importantes da estrutura da ciência. Sendo assim, ao ser indagado faz uma comparação, dizendo: “Esse processo é a mesma coisa que tirar uma chapa de raios X de uma pessoa. Não capta tudo, mas dá uma idéia perfeita da estrutura óssea, que está por trás da pessoa.” E, finalizando, dá um exemplo: “Pouca gente percebe que as duas grandes teorias físicas do nosso século, a mecânica quântica e a relatividade geral, são logicamente incompatíveis. Então, de duas, uma: ou essas teorias vão sendo superadas por alguma teoria mais nova, ou vamos ter sempre de trabalhar com teorias inconsistentes. E em geral as pessoas não percebem isso. Dessa forma deve-se perguntar o caminho que deve ser adotado diante dessa incompatibilidade. Talvez seja conviver com essa dualidade ou então procurar uma unificação. No entanto, é uma coisa mais ou menos delicada. Em geral, os físicos da atualidade buscam superar essas dificuldades por meio de uma teoria, a chamada grande teoria unificada. Mas talvez não seja possível e a priori não existe nenhuma razão para que seja dessa forma. Sendo assim é possível um caminho alternativo, que é mantermos as teorias, mesmo sendo contraditórias entre si, porém mudando a lógica: recorrendo-se à lógica ISSN 1809-0648 Outubro/Nov/Dezembro 2009 11 N.16 Ano 4 Ed. Paralogike - Santos - SP Brasil ISSN 1809-0648 ATC2 12/ 2009 paraconsistente. No momento, não sei qual desses dois caminhos é o mais adequado.” VII A LÓGICA PARACONSISTENTE E O CONCEITO DA QUASE VERDADE Admirador de William James, de Charles Sanders Peirce e John Dewey, os quais indiretamente o levaram a aceitar que na ciência há um nível pragmático extremamente importante, em sua obra "O Conhecimento Científico" o Prof. Newton C. Da Costa, influenciado pelo notável lógico e filósofo italiano Federico Enriques, ressalta a importância da dimensão pragmática da ciência. Figura 3 Newton Carneiro Affonso Da Costa - fonte [12] Para fixar a idéia, o Professor Newton Da Costa utiliza como exemplo o caso da mecânica clássica newtoniana, isto é a ciência do movimento de Isaac Newton. E exemplifica, afirmando: “Como a relatividade de Einstein mostrou, a teoria de Newton não se aplica, por exemplo, ao caso de corpos muito pesados ou de velocidades muito altas, próximas da velocidade da luz. No entanto, guardados certos limites, e em determinados domínios, como na engenharia usual, tudo se passa como se a mecânica newtoniana fosse estritamente verdadeira. Ela salva as aparências. Ou seja, ela é quase-verdadeira em um certo sentido técnico. Essa é a essência da noção de quase-verdade. Desse modo fica a indagação que, se a meta da ciência é encontrar a verdade ou a quase-verdade, por que o estudo filosófico da racionalidade científica deveria envolver uma noção robusta ou rígida de verdade ou de quase-verdade? Por que não uma teoria "menos robusta", que eliminasse o conceito de verdade? A teoria da ciência deve repetir em grande parte o que o cientista faz. De fato, os grandes cientistas, como Erwin Schrõdinger, Albert Einstein e Werner Heisenberg, sempre defenderam a tese de que, subjacente à ciência, há um conceito robusto de verdade, isto é, que faz indagações relativas à ciência. Para eles, o conceito de verdade não pode ser eliminado ou restringido sem descaracterizar a ciência empírica. E, de meu ponto de vista, é esse conceito robusto de verdade que se deve tratar na teoria da ciência empírica. Por outro lado, a tecnologia, por seu lado, com a bomba atômica, com a engenharia genética, com uma porção de outras coisas, mostra, de uma maneira óbvia, que a ciência envolve algum tipo forte de verdade, nem que seja a verdade pragmática. A bomba atômica é o exemplo crucial disso, a navegação aérea, o radar, o sonar, o rádio, a televisão, toda a informática. Tudo isso mostra que a ciência acaba encontrando algum tipo de verdade. Acho que a ciência hoje não é algo que procura retratar o real. Quando uma proposição quer refletir o real como ele é, isso se chama teoria da correspondência da verdade. Quer dizer, o pensamento corresponde à verdade. Eu acho que a ciência não é assim, ela reflete apenas em parte o real. Ela é uma quase verdade.” VIII A LÓGICA DA QUASE VERDADE E A LÓGICA PARACONSISTENTE Em suas entrevistas o Professor Newton Da Costa costuma relacionar os estudos que resultaram na teoria da Quase Verdade com a Lógica Paraconsistente. Para exemplificar ele inicia, dizendo: “A mecânica quântica funciona por quê? Porque ela diz que, em certas circunstâncias, se eu apertar um parafuso, obtenho certo resultado. As grandes proposições, as grandes teorias, tudo se passa no Universo como se isso fosse verdade. Formalizei essa noção de verdade – é uma generalização da noção clássica de verdade. Ela é uma generalização da definição clássica de verdade de Tarski. Esse lógico deu uma definição notável para se poder tratar da noção de verdade em matemática, que é onde funciona. Quando se trata de física, é preciso de algo mais elástico. Propus para isso o conceito de quase verdade ou verdade parcial. Mas acho que minha concepção de verdade, rigorosamente, que é matemática, reflete mais ou menos as idéias de Charles Sanders Peirce, um dos maiores filósofos de todos os tempos. E acho que as grandes teorias, como a teoria quântica de campo, a mecânica quântica, a mecânica clássica de Newton, todas elas são quase verdadeiras, por exemplo. É comum dizerem que a relatividade desbancou a mecânica newtoniana. Isso é falso. Um avião ou uma ponte, por exemplo, são calculados pela mecânica newtoniana. E a mecânica quântica e a relatividade precisam da mecânica newtoniana. Senão, não funcionam. Como algo falso é usado em ciência? Exatamente porque, embora seja falso, é quase verdadeiro entre certos limites. Tudo se passa em certas circunstâncias como se ela fosse verdadeira. E isso é expresso matematicamente. Sistematizei a teoria da ciência atual na quase verdade. Todas as grandes teorias físicas não são verdadeiras ipsis litteris, são quase verdadeiras. Se compararmos exatamente a relatividade com a realidade, há divergências. E, mesmo que ela refletisse exatamente a realidade, como é que saberíamos que ela reflete? Não dá para comparar teoria com realidade, estritamente falando. Veja que essa teoria é da década de 1980, portanto já faz algum tempo. E, note o seguinte, para a mesma teoria quase verdadeira há infinitas outras teorias quase verdadeiras, posso provar isso. E essas infinitas teorias quase verdadeiras são incompatíveis entre si. Então, a lógica da quase verdade é uma lógica paraconsistente.” IX OS PENSAMENTOS DE NEWTON C. A. DA COSTA Alguns pensamentos de Newton Da Costa podem ser pincelados das suas entrevistas traduzindo assim uma notável percepção da realidade, toda ela mesclada com o sensibilidade de um cientista que teve a sua vida dedicada ao ISSN 1809-0648 Outubro/Nov/Dezembro 2009 12 N.16 Ano 4 Ed. Paralogike - Santos - SP Brasil ISSN 1809-0648 ATC2 12/ 2009 estudo do Conhecimento Científico. Desse modo, alguns de seus pensamentos podem ser registradosconforme mostra o texto a seguir: Figura 4 Newton Carneiro Affonso Da Costa - fonte [11] “Acho que com a idade vamos nos tornando mais sábios. Espero que não seja um retrocesso, mas um progresso.” Newton C. A. Da Costa “Especialmente importante para mim é que a ciência se faz também com história e, sem a história, não se faz a evolução do pensamento científico” Newton C. A. Da Costa “Sei que para alguns trabalhos é preciso ter um grande senso de abstração, principalmente em física-matemática e física teórica. É preciso dizer que há um sentido de beleza nessas teorias” Newton C. A. Da Costa “Fazer o que faço é um prazer tão grande que sou capaz de pagar para continuar fazendo. O dia em que não puder estudar o que gosto, dar minhas aulas, é melhor morrer mesmo.” Newton C. A. Da Costa “A música de Bach é eterna porque se pode ouvir milhões de vezes sem cansar. Sempre veremos um aspecto novo nela. Se ouvirmos uma música comum qualquer ela não desperta novas idéias, basta repetir três ou quatro vezes e ela não oferece nada a mais. Um artigo de matemática trivial você lê e não se interessa mais. Agora, a um bom artigo podemos voltar dezenas, centenas de vezes. Sempre tem mais uma coisinha, mais uma idéia, mais um aspecto que não percebemos antes. Sempre digo aos meus alunos que a matemática tem uma suprema beleza exatamente por isso. Mesmo em obras como a de Isaac Newton, em que ninguém mais vai estudar mecânica, nem astronomia pelos princípios já muito conhecidos e, algumas vezes, superados, isso ocorre. Mas se voltarmos lá e entrarmos nos detalhes da obra vai ver que lá não tem fim. É uma sinfonia à la Bach.” Newton C. A. Da Costa “Penso que conhecimento científico é uma crença quase verdadeira e justificada. Essa é minha versão da concepção clássica de conhecimento que remonta a Platão. Nesta, o conhecimento deveria ser verdade estritamente falando; o que fiz foi substituir verdade por quase verdade.” Newton C. A. Da Costa X NEWTON C. A. DA COSTA, 80 ANOS DE VIDA DEDICADOS À CIÊNCIA Finalizando esse trabalho registramos a seguir alguns aspectos biográficos da vida academica do Prof. Newton Carneiro Affonso Da Costa, que é atualmente o personagem de maior destaque na área do estudo da Filosofia no Brasil. Newton da Costa é professor aposentado do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, sendo hoje professor visitante do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina. Foi, durante muitos anos, professor titular do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo, do qual se aposentou em 1982, e do Instituto de Matemática, Estatística e Ciências da Computação e do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência, ambos da Universidade Estadual de Campinas. Ensinou ou fez conferências em várias outras instituições, não apenas brasileiras, como, também, da América Latina, da América do Norte, da Europa e da Oceania. Dedica-se à lógica, aos Fundamentos da Matemática e à Filosofia da Ciência, tendo publicado vários livros e numerosos artigos de pesquisa em revistas especializadas do Brasil, da França, da Alemanha, dos Estados Unidos, da Holanda e do Japão, que lhe granjearam renome internacional. Suas contribuições mais importantes, para a Ciência e a Filosofia, relacionam-se com a lógica paraconsistente (da qual foi um dos criadores, juntamente, mas de forma independente, com o lógico polonês S. Jaskowski). É membro titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo, membro correspondente da Academia de Ciências do Instituto de Filosofia do Peru. Pertenceu ao Comitê para o Desenvolvimento da Lógica na América Latina da Association for Symbolic Logic, de cujo conselho já foi membro, e é membro titular do Institut Internacional de Philosophie de Paris. Contribuiu, de modo decisivo, para a evolução da Lógica na América Latina, especialmente no Brasil, onde organizou grupo de lógicos de grande projeções internacionais. Teve também como principais atividades acadêmicas o cargo de: . Diretor Associado do Instituto de Matemática, Estatística e Ciências da Computação da Unicamp em 1967; . Professor Titular do Instituto de Matemática, Estatística e Ciências da Computação da Unicamp de 1968-1969; - Professor Titular do Instituto de Matemática e Estatística da USP de 1970-1981; . Professor Titular do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia , Letras e Ciências Humanas da USP de 1982-1999; . Pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP desde 1985. Como reconhecimento por ser um dos criadores das Lógicas Paraconsistentes, foi laureado com diversos títulos nacionais e internacionais, dentre os quais: . Membro Honorário do Instituto de Filosofia do Peru, em 1975; . Membro Honorário do Instituto de Investigações Filosóficas da Universidade de Lima, em 1980; ISSN 1809-0648 Outubro/Nov/Dezembro 2009 13 N.16 Ano 4 Ed. Paralogike - Santos - SP Brasil ISSN 1809-0648 ATC2 12/ 2009 . Membro Correspondente da Academia de Ciência do Chile, em 1982; . Membro da Academia de Ciências do Estado de São Paulo, Brasil em 1978; . Membro do Centro de Lógica Epistemologia e História da Ciência da Universidade Estadual de Campinas, em 1979; . Primeiro brasileiro a se tornar membro titular do Instutut International de Philosophie, de Paris, em 1989. Seu trabalho o levou a ser um dos cientistas brasileiros mais citados e homenageados internacionalmente, com prêmios tais como: . I World Congress on Paraconsistency, Ghent, Bélgica, 1997; . Stanislaw Jaskowski Memorial Symposium, Torun, Polônia, 1998; . II World Congress on Paraconsistency, Juquehy, Brasil, 2000, dedicado aos seus 70 anos; . Workshop on “Inconsistency in Data and Knowledge”, Seattle, EUA, 2001; . I International Workshop on Computational Models of Scientific Reasoning and Applications, Las Vegas, EUA, 2001; . 1st, 2nd, 3rd and 4th Flemish-Polish Workshops on the Ontological Foundations of Paraconsistency, Bélgica e Polônia, 1999–2001; . 1st and 2nd International Workshops on Living With Inconsistency, EUA / Canadá, 1997 e 2001; . Second International Workshop on Computational Models of Scientific Reasoning and Applications (II CMSRA) Las Vegas, Nevada, EUA, 24-27 de junho de 2002; . Paraconsistent Computational Logic, PCL 2002, Copenhagen, Dinamarca, Julho de 2002; . ESSLLI-2002 14th European Summer School in Logic, Language and Information Workshop on Paraconsistent, 5-16 de agosto, 2002, Trento, Itália. Durante sua carreira o Professor Newton Da Costa tem recebido diversos prêmios no Brasil, dentre eles: . Prêmio Moinho Santista em Ciências Exatas, em 1994; . Prêmio Jabuti em Ciências Exatas, em 1995; . Medalha da Ordem do Pinheiro do Governo do Estado do Paraná, por mérito científico, em 1996; . Medalha do Mérito Científico “Nicolau Copérnico”, outorgado pela Universidade de Torun, na Polônia em 1998; . Medalha do Mérito Científico da Universidade Federal do Paraná e da Associação dos Ex- Alunos em 1998; . Título de Cidadão Emérito do Paraná, conferido pela Assembléia Legislativa do Estado do Paraná, também por mérito científico, em 1999. XI BIBLIOGRAFIA [1] Da Costa, N.C.A. & Abe, J.M. & Subrahmanian, V.S. “Remarks on Annotated Logic” Zeitschrift fur Mathematische Logik und Grundlagen der Mathematik,Vol.37, pp.561- 570,1991 [2] Da Costa, N.C.A“O Conhecimento Científico” Discurso Editoral - São Paulo,1997. [3] Da Costa, N.C.A., On the theory of inconsistent formal systems, Notre Dame J. of Formal Logic, 15, 497-510, 1974. [4]http://www.cle.unicamp.br/arquivoshistoricos/GAZETA_ MERCANTIL_23_AGO_1993.pdf - acesso dia 20/01/2010 [5] http://en.wikipedia.org/wiki/Newton_da_Costa, acesso em 24/02/2010. [6] http://www.apufsc.ufsc.br/noticia/949/ acesso dia 20/08/2009 [7]http://www.cle.unicamp.br/arquivoshistoricos/?destino=ne wtondacosta_biografia.html - acesso dia 09/12/2009 [8]http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/junho20 03/ju215pg11.html - acesso dia 09/11/2009 [9]http://www.cle.unicamp.br/arquivoshistoricos/Livro_Conh ecimento_Cientifico.pdf acesso dia 09/10/2009 [10] Programa Itajubá em Foco - Prof. Newton da Costa parte 1:Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=HZgrkHfdhkg>. Acesso em 13/02/2010. [11] Programa Programa Itajubá em Foco - Prof. Newton da Costa parte 2: Disponível em:<http://www.youtube.com/watch?v=riuz_b45lTg>. Acesso em 23/09/2009. [12] Programa Programa Itajubá em Foco - Prof. Newton da Costa parte 3: Disponível em:<http://www.youtube.com/watch?v=APU8lqGe7dc>. Acesso em 03/08/2009. João Inácio da Silva Filho É Coordenador do GLPA - Grupo de Lógica Paraconsistente Aplicada e membro do Grupo de Lógica e Teoria da Ciência do IEA - Instituto de Estudos Avançados da USP. O Professor Da Silva Filho, em 1999 doutorou-se em Engenharia Elétrica pela POLI/USP na área de Sistemas Digitais, e fez mestrado em Microeletrônica pela mesma Instituição. Em 2009 fez seu Pós–doutoramento no INESC – Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores do Porto, em Portugal. Criador do primeiro Robô a funcionar com Controlador lógico Paraconsistente (Robô Emmy), atualmente se dedica as pesquisas sobre aplicações das Redes Neurais Artificiais Paraconsistentes em Sistemas Especialistas e Robótica. Desde 26 de novembro de 2009 é membro do IHGS - Instituto Histórico e Geográfico de Santos onde ocupa a Cadeira 73, cujo Patrono é Afonso D’ Escragnolle Taunay.
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