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Prezada Diretoria, Apresento-lhes, na forma de carta, uma análise técnica e argumentativa sobre a contabilidade de bibliotecas, entendida como o conjunto de princípios, procedimentos e controles aplicados à gestão econômico-financeira de unidades de informação. Acontece, na prática, uma tensão entre a natureza cultural e utilitária dos acervos e a exigência de mensuração, registro e accountability próprios da contabilidade científica. Defendo que uma contabilidade específica para bibliotecas é não apenas possível, como necessária para garantir transparência, sustentabilidade financeira e decisões gerenciais informadas. Primeiro, convém delimitar o objeto: bibliotecas reúnem ativos tangíveis (edifícios, mobiliário, equipamentos), ativos intangíveis e semivalorizáveis (acervos de livros, periódicos, coleções especiais, bases de dados) e fluxos operacionais (receitas por serviços, doações, subvenções). A contabilidade tradicional fornece categorias úteis — ativos circulantes e não circulantes, receitas, despesas, passivos —, mas requer adaptação para lidar com especificidades como coleções doadas, itens patrimoniais não depreciáveis (obras de valor histórico) e custos de preservação. Uma abordagem científica prescreve procedimentos padronizados para mensuração, enquanto a prática administrativa demanda flexibilidade para políticas locais. No que tange à mensuração do acervo, proponho critério híbrido: capitalização dos itens cujo custo é quantificável e cuja vida útil contribui para serviços ao longo de vários exercícios; registro como ativo cultural não depreciável quando a mensuração comercial é inadequada e o valor reside na singularidade ou no valor histórico. A capitalização permite amortizar custos, compatibilizando despesas com uso; por outro lado, classificar como patrimônio cultural exige controles de inventário rigorosos e divulgação em notas explicativas, de modo a atender ao princípio contábil da relevância informativa. A depreciação e o gasto de conservação merecem tratamento distinto. Equipamentos e mobiliário seguem métodos convencionais de depreciação sistemática; já as obras e acervos, salvo quando de uso evidente e quantificável em serviços (livros de empréstimo cujo valor de reposição é conhecido), podem ser sujeitos a políticas de reavaliação periódica ou a provisões para conservação. A contabilização de despesas de conservação deve discriminar manutenção rotineira (despesa do exercício) e investimentos que aumentem a vida útil (capitalizáveis). Essa distinção influencia indicadores gerenciais como custo por empréstimo e custo de preservação por item. Outro ponto crítico é a gestão de doações e transferências governamentais. A contabilidade de bibliotecas, sobretudo no setor público, transita entre contabilidade orçamentária e patrimonial. Recomenda-se rigor na aceitação de doações — com laudos de avaliação quando necessário — e políticas padronizadas para incorporar ou registrar como restritas as receitas vinculadas a projetos, preservando a rastreabilidade exigida por auditorias. Fundos vinculados devem ser segregados tanto no plano orçamentário quanto no patrimonial, para evitar distorção de resultados operacionais. A digitalização e os ativos intangíveis (licenças de bases de dados, software de gestão, direitos digitais) exigem atenção especial. Essas aquisições muitas vezes não se traduzem em itens físicos, mas representam valor econômico e operacional. Aplicam-se critérios de capitalização quando o ativo gerar benefícios futuros identificáveis e mensuráveis; caso contrário, o gasto é reconhecido como despesa. Ademais, contratos de licença devem constar em notas explicativas, com avaliação de risco e contingências. Quanto ao controle interno, a contabilidade de bibliotecas necessita de sincronização entre sistemas de gestão de acervo (ILS/RM) e o sistema contábil. A integração minimiza erros de baixa, furtos não detectados e inconsistências em inventário. Recomendo procedimentos de inventário rotativo, reconciliação periódica e políticas de baixa fundamentadas em laudo técnico. Métricas de desempenho — custo por empréstimo, custo por atendimento, taxa de circulação, prazo médio de permanência —, devidamente suportadas por dados contábeis, permitem avaliar eficiência e orientar alocação de recursos. Argumento, finalmente, que a adoção de práticas contábeis robustas aumenta a legitimidade da biblioteca perante financiadores e sociedade. Transparência financeira facilita captação e demonstra retorno social, sobretudo quando combinada a indicadores de impacto (ex.: SROI). Ainda que existam custos administrativos para implantar esse arcabouço, tais custos são justificáveis pela redução de desperdícios, pela melhoria de tomada de decisão e pela maior conformidade regulatória. Concluo que a contabilidade de bibliotecas deve ser concebida como um campo aplicado: científica ao adotar normas, metodologias e evidências; argumentativa ao justificar opções contábeis que reconciliem valores culturais com exigências financeiras. Recomenda-se a elaboração de manual contábil-bibliotecário, políticas de capitalização e depreciação adaptadas, integração de sistemas e capacitação de equipes para que a contabilidade efetivamente sustente a missão de acesso, preservação e fomento ao conhecimento. Atenciosamente, [Especialista em Contabilidade de Bibliotecas] PERGUNTAS E RESPOSTAS: 1) Como registrar doações de acervo? Resposta: Avaliar e, quando mensurável, contabilizar como ativo ou receita vinculada; caso de valor histórico, registrar como patrimônio cultural em notas explicativas. 2) Os livros devem ser depreciados? Resposta: Depende: livros de uso corrente podem ser capitalizados e depreciados; obras patrimoniais e únicas, normalmente, não se depreciam e merecem controle patrimonial. 3) Como tratar licenças digitais? Resposta: Capitalizar se gerarem benefícios futuros mensuráveis; caso contrário, reconhecer como despesa do exercício, com nota sobre riscos contratuais. 4) Que indicadores contábeis são úteis? Resposta: Custo por empréstimo, custo por atendimento, taxa de circulação, custo de preservação por item e retorno social estimado (SROI). 5) Qual o papel do inventário? Resposta: Inventário rotativo e reconciliação com o sistema contábil são essenciais para prevenção de perdas, ajustamento patrimonial e credibilidade financeira.