Prévia do material em texto
L. Nelson Carvalho Sirlei Lemes Fábio Moraes da Costa CONTABILIDADE INTERNACIONAL Aplicação das IFRS 20051 Perspectivas da Contabilidade Internacional 1.1 Introdução Este livro sobre Tópicos de Contabilidade Internacional para alunos de gra- duação em Ciências Contábeis pretende oferecer, adicionalmente, contribuições a quem se dedica ao estudo desse tema em outros cursos correlatos finanças, administração, economia das empresas e direito empresarial, entre outros. Ademais, servirá de guia básico ou inicial para pessoas envolvidas em ati- vidades profissionais que requeiram, no mundo empresarial ou nas esferas go- vernamentais, algum domínio das Normas Internacionais de Relatórios Finan- ceiros (tradução literal adotada neste livro para a expressão original em inglês International Financial Reporting Standards IFRS, que designa normas emitidas pela Junta de Normas Internacionais de Contabilidade International Accounting Standards Board). Foi este livro substancialmente baseado nas normas vigentes em de ja- neiro de 2005, e o motivo fundamental para isto é que este é ano de adoção compulsória das IFRS em todos os países da União Européia razão pela qual IASB adotou uma postura de fazer do ano de 2005 um "período de silêncio" quanto a novas normas, permitindo que as empresas se preparassem para im- plementações sem constantes alterações de última hora. Ao longo deste livro a referência às Normas Internacionais de Relatórios Fi- nanceiros, as IFRS, compreende: a) as IFRS propriamente ditas; b) as Normas Internacionais de Contabilidade - IAS (International Accoun- ting Standards) -, emitidas pelo predecessor do IASB, IASC; e2 Contabilidade Internacional Carvalho, Lemes Costa c) as Interpretações originadas do Comitê de Interpretações de Relatórios Financeiros IFRIC (International Financial Reporting Interpretations Committee) e do seu antecessor, Comitê de Interpretação de Normas SIC (Standing Interpretations Committee). Por certo alterações, melhorias e correção de omissões virão ao longo dos ou talvez décadas; novas normas serão inevitáveis, pois, contra- riamente próximos à anos percepção dos não iniciados em questões de normatização elaborá-las é missão interminável na exata medida em que as transações, mundo não repousam. A cada nova forma de contratar negócios, leituras de cada al- negócios, as formas uma de contratar e a dinâmica da vida empresarial ou ao a redor do de formas já conhecidas, surge potencial de novas normas teração contábeis existentes ou detecta-se a inexistência de normas para situações novas específicas. 1.2 "Contabilidade X contabilidades" uma visão alternativa Rumo ao entendimento do porquê de uma "contabilidade internacional", cabe registrar o dilema ainda presente entre os envolvidos no manejo da contabi- lidade tanto os que a preparam quanto os que a utilizam no tocante às suas di- ferentes "especializações". Mesmo menos especializado dos cidadãos, se estiver minimamente informado em termos de conhecimentos gerais, jamais confundirá as especializações em outros ramos de formação acadêmica. Nenhuma pessoa detentora de informações básicas se ilude quanto às di- ferentes especializações, por exemplo, no campo da engenharia não ocorrerá ao pai de família de classe média dos subúrbios das grandes cidades brasileiras buscar projeto de expansão de sua casa própria com um engenheiro naval ou engenheiro químico, da mesma forma como não ocorrerá à grande empresa do ramo de petroquímica fina contratar, para trabalhar em sua linha de produção no processamento de petróleo e derivados, um engenheiro de fundações, ou civil, ou especializado em solo e cimento. Ainda tomando por comparação outros campos de atividade freqüentes no dia-a-dia da vida moderna, eventuais questionamentos que uma pessoa ou em- presa tenha junto às autoridades tributárias autos de infração, por exemplo não levariam, em sã consciência, pretenso faltoso a buscar apoio jurídico num especialista em direito de família, ou em direito societário: contribuinte teria uma reação intuitiva de buscar auxílio num advogado TRIBUTARISTA. Da mesma forma, uma querela envolvendo relações de consumo entre loja e cliente poderia desaguar numa demanda na qual um advogado constitucionalista, ou um traba- lhista, dificilmente seria primeiro a ser solicitado a oferecer orientação legal. Por último nesta pequena lista de comparações entre conhecimentos gerais e conhecimentos especializados, tomemos mundo da medicina exceto em si-Perspectivas da Contabilidade Internacional 3 tuações de emergência absoluta, com total ausência de alternativas, casal de pais não levaria sua criança a tratar-se com um geriatra, assim como uma um cirurgia nem a um cancerologista. plástica rejuvenescedora não seria solicitada a um especialista em dermatologia Estes exemplos, alguns propositalmente anedóticos pelos extremos das situa- ções caracterizadas, sugerem que até mesmo pessoas com escolaridade apenas básica têm percepção até inconsciente, talvez de que todos esses profissionais dominam os fundamentos de suas ciências mas optaram por aprofundar-se em um ou outro aspecto particular das mesmas. Tal escolha os afasta do ideal talvez inatingível de "ser especialista em tudo". Ninguém duvida de que, sendo bem for- mado, um engenheiro, um advogado ou um médico dominam os conhecimentos básicos de suas disciplinas profissionais; no entanto, isso apenas não qualifica engenheiro de barragens hidrelétricas a opinar sobre oxidação à beira-mar, nem advogado falencista a emitir julgamentos analíticos sobre direitos autorais, nem médico hematologista a diagnosticar lesões oftalmológicas. As distâncias que os separam provêm de uma visão elementar: quanto mais profundo campo do conhecimento, menor a sua extensão "lateral". Tal capacidade de distinção de especializações, no entanto, não parece estar presente no dia-a-dia dos leigos no tocante ao mundo dos profissionais de conta- bilidade. Perguntando-se a uma pessoa qualquer não oriunda dos campos das fi- nanças, contabilidade e economia que é um quase que com certeza a resposta, em muitas partes do planeta e seguramente no Brasil, tenderá a ser um profissional especializado em matéria A espécie tributarista tende a substituir o gênero contador em culturas como a nossa. Tão antiga e tamanha é a presença das imposições tributárias na vida do ci- dadão e da empresa entre nós que as forças do conhecimento na atividade contá- bil estão brutalmente concentradas em entendê-las e mitigar seus efeitos na vida econômica. Desde os comezinhos trabalhos de mera manutenção de registros contábeis para fins fiscais até sofisticadas elaborações de planejamentos tributá- rios, a classe dos contabilistas no Brasil (embora não seja privilégio nosso) se de- bruça preponderantemente sobre a matéria tributária, em alguma de suas dimen- sões: impostos diretos ou indiretos, da pessoa física ou da jurídica, ditados pela União, pelos Estados ou pelos Municípios, além das onerações sobre fenômenos econômicos específicos como, por exemplo, folhas de pagamento. Aí reside dificuldade: dizer-se a um leigo em economia, finanças e maté- con- tabilidade a pode existir um contador que NÃO SEJA especialista profissional em ria tributária que pode causar enorme espanto e incompreensão esse entende então DE QUÊ?4 Contabilidade Internacional Carvalho, Lemes Costa matéria de conhecimento contábil que prescindem, total ou de do. em Visitemos, ainda que brevemente, algumas das possíveis especializações mínio sobre a matéria tributária. Um bom ponto de início é profissional especializado em contabilidade vernamental aquela voltada para autarquias e entidades da administração blica direta e indireta. Não são elas contribuintes, no sentido clássico voltando às lições básicas de economia, Estado não "cria" riqueza, A ele cabe a tarefa primordial de assegurar que a riqueza criada por outros seja adequadamente distribuída e também lhe compete (financiando-se via impostos. isto é, confiscando legalmente parte da riqueza criada por outros) exercer certas funções a sociedade lhe atribuiu: segurança pública, administração da vigilância que de fronteiras, saúde, educação e saneamento básicos, entre ça, Ao profissional encarregado das funções atinentes à contabilidade das entidades governamentais (aí incluídos os órgãos dos três poderes da República) a necessi- dade de domínio de conhecimentos de Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídi- ca, de ICMS, de IPI, por exemplo, vai pouco além de mera informação superficial basta-lhe "saber que isso o coração do conhecimento especializado re- querido em profundidade não está nos tributos (claro que não se está aqui falan- do dos fiscais de impostos, necessariamente superespecialistas). Outro especialista nem sempre percebido com nitidez por quem não convi- ve com a rotina das empresas é o contador de custos figura relevantíssima na medida em que a qualidade de seu conhecimento será fundamental para que OS recursos obtidos ou gerados na atividade empresarial sejam alocados com profi- ciência, competência e adequação. Conhecer onde os custos podem ser reduzi- dos sem afetar negócio principal da empresa requer enorme dose de esforço e competência, desenhando-se e implantando-se sistemas adequados de "captura" dos momentos em que os custos "ocorrem", e canalizando as informações de tais ocorrências para um mecanismo de gestão que permita atuação dos administra- dores sobre tais custos. Já é ditado comum que não se gerencia que não se co- nhece, e não se conhece que não se mede" no mundo empresarial. Custos, para serem gerenciados, precisam ser conhecidos e medidos e há um profissional que lida com isto cotidianamente nas empresas, sejam elas comerciais, industriais ou de serviços. Deste profissional são exigidos conhecimentos sempre atualizados aí está, por exemplo, "Custeio Baseado em Atividades" revolucionando a forma com que custos são identificados, mensurados e sumariados, para comprovar que conhecimento nesta área ainda está evoluindo. Dominar detalhes da matéria tributária é algo a que especialista em custos não tem nem tempo nem razão para dedicar-se. Lembrando de custos surge nova especialidade também divorciada da neces- sidade de ser um expert em tributos: profissional dedicado a montagem, mode- lagem e acompanhamento de fluxos e posições orçamentárias nas empresas.Perspectivas da Contabilidade Internacional 5 "orçamentista" aciona na prática, ou interage com todas as áreas da orga- nização sejam elas de linha ou de staff e delimita modelos, técnicas, práticas e critérios para que, ao cabo do tempo, as visões sobre futuro da organização estejam equalizadas, organizadas e consensadas entre os componentes da engre- nagem empresarial. A linguagem do orçamento é, fundamentalmente, uma lin- guagem contábil. No fundo busca-se projetar capital circulante, relações dívida/ patrimônio, retornos ou margens esperadas e outras metas, tudo com base no jar- gão contábil e financeiro. Ao contador especialista em budgets a matéria tributária representa uma ou duas linhas nos demonstrativos que irá gerar, com números alimentados pela área de gestão tributária ou outra equivalente. Não precisa sa- ber mais do que isto em matéria de impostos, mas tem um universo de conheci- mentos outros a dominar: curvas de comportamento de receitas e custos, riscos identificados com volumes e preços, leitura do posicionamento da concorrência, crescimento do conhecimento de sua empresa (e da concorrência) sobre proces- sos de produção e distribuição e sobre patentes, análises de normalidade ou de não-recorrência, e conjugação de todos estes exemplos em modelagem matemáti- ca para inferir tendências em que três dados estarão sempre presentes: o que FOI passado, que PODERÁ acontecer exogenamente que influenciará a empresa (cenário econômico, taxas de juros e câmbio, nível de emprego e renda, por exem- plo) e o que SERÁ de seus ativos, exigibilidades, margens de lucro e patrimônio líquido nos próximos meses ou anos dadas a força de trabalho possível (instala- da ou por instalar), capacidade produtiva, capacidade de investimento e fatia de mercado. trabalho destes profissionais não depende do domínio de alíquotas de tributos nem de incidências ou dedutibilidades, mas é por seu lado tão vital que as peças geradas por eles são matéria nobre em reuniões de conselhos de admi- nistração, reuniões com acionistas e reuniões com credores ou investidores ou seja, os que financiam a existência e a expansão da empresa. 1.3 Dentro das "contabilidades", uma de especial importância: a financeira, também chamada de societária Não bastassem os exemplos anteriores (contabilidade governamental, con- tabilidade de custos, contabilidade e orçamento) para demonstrar que a matéria tributária embora nobre, importante e exigente quanto ao seu domínio não é certamente a única nem necessariamente a principal especialização dos profis- sionais de finanças voltados à contabilidade, dois últimos casos exemplificativos elucidarão mais claramente a tese de que os contadores deixaram que se passasse uma imagem errônea porque viesada e parcial das opções de aprofundamento de seus conhecimentos, ou opções de especialidades. Quem demanda por, e contribui para, tais conhecimentos são os acadêmi- cos, os setores empresariais em sentido amplo (gestores, tomadores e doadores de recursos, analistas, auditores e advogados societários) e os envolvidos com6 Contabilidade Internacional Carvalho, Lemes e Costa tais atividades em distintas esferas de governo. Há um último grupo demandan- te, do qual aqui não se tratará mas que merece registro, composto pelas Organi- zações Não Governamentais e as Entidades do Terceiro Setor, que ainda esperam por uma atuação mais ativa e participativa destes profissionais, e cujos interes- ses pela informação contábil não se confundem com os de empresas nem com os de governos. Trata-se dos casos da contabilidade financeira, também dita societária, e por fim da contabilidade internacional propriamente dita. Comecemos pela dita "contabilidade Ela nos permite identificar uma segunda miopia presente em países como Brasil, no processo de enxergar trabalho do contador em seu patamar mais nobre: tolerou-se que a sociedade como um todo salvo as exceções de praxe entendesse que um balanço é peça informativa de um passado que já foi. Tal demonstrativo contábil é, errônea mas freqüentemente, identificado apenas como uma simples "fotografia do ativo que a empresa "tinha" em 31 de dezembro, as exigibilidades que "devia" naquela data, qual 0 patrimônio dos acionistas "naquele momento" lá atrás. Esse entendimento é incorreto, pois um balanço tem um grande, enorme conjunto de itens avaliados de maneira subjetiva, e a subjetividade é necessária para permitir que leitores do balanço tenham condições de inferir sobre QUAL 0 FUTURO daquela empresa UMA VEZ CONHECIDO seu passado. Um balanço é um exercício profissional, organizado, extremamente com- plexo de antecipar QUAIS SERÃO FUTUROS FLUXOS DE CAIXA. Quanto es- timamos, hoje, que será recebido dos clientes que nos devem? Quanto preve- mos, hoje, que pagaremos aos fornecedores a quem devemos? Quanto sobra de capacidade produtiva futura de nosso equipamento industrial ou operacional, após tê-lo usado nas operações deste ano e dos anos passados? Todas estas inferências ou juízos de valor são capturados pelos modelos con- tábeis e transformados em informação pelo uso da metodologia largamente de- senvolvida mas ainda em evolução do processo de geração ou elaboração de um balanço. Ainda que os clientes aos quais vendemos a crédito tenham excelente histó- rico de adimplência conosco, nunca deixamos de avaliar se a concorrência ou 0 cenário econômico não os afetarão no futuro e, embora não vamos abrir mão de nosso sagrado direito de receber que nos é legitimamente devido, fazemos uma estimativa (veja-se: uma subjetividade ou um juízo de valor) de perdas pro- váveis e as reconhecemos no modelo contábil pelo mecanismo das provisões para devedores duvidosos (as chamadas PDD) e, se decidirmos que nenhuma pro- visão é eventualmente necessária, isto é uma leitura do futuro, ou um juízo de valor.Perspectivas da Contabilidade Internacional 7 Numa empresa comercial ou industrial, estoques são indiscutivelmente ati- vos tangíveis e sobre sua existência física, de resto, não cabe dubiedade: ou exis- tem (e são da empresa) ou não existem (ou não são da empresa). Alternativas mutuamente exclusivas e evidentemente objetivas. A subjetividade surge na hora de precificá-los para colocar no balanço: há estoques com rotação morosa? há estoques obsoletos? há prazos de validade vencida ou a vencer? perderam condi- ções de uso, e assim tendem a prestar-se mais para venda como resíduos, sobras, sucatas ou produtos fora de linha? reduziram seu valor de realização em função da concorrência? A resposta "sim" a algumas destas perguntas irá requerer uma ESTIMATIVA da perda de valor provocada por morosidade de rotação ou por ob- solescência, por exemplo, que nos conduzirá ao registro de uma PROVISÃO res- pectiva (veja-se: novamente uma subjetividade ou um juízo de valor). Nossos ativos imobilizados terrenos, edifícios, máquinas e equipamentos, móveis e utensílios, veículos, entre outros são igualmente tangíveis, como os estoques. Cumprem uma função: permitir que a empresa opere e busque seus objetivos de negócios. Se pensarmos numa empresa industrial, que transforma matérias-primas em produtos, as máquinas e equipamentos permitem que obje- tivo de vender produtos a clientes seja alcançado na primeira etapa: produzi-los. Pensando numa empresa de transporte rodoviário de passageiros, por exemplo, os ônibus de sua frota por igual permitem que seu objetivo de negócios obter receita com transporte seja buscado. A quem pergunte: "onde está a subjetivi- dade, então?", a resposta virá da constatação de que ativos imobilizados existem para gerar valor para a empresa NAS OPERAÇÕES. É inconteste que, sendo usa- dos, "consome-se" parte de sua capacidade produtiva futura, sendo fato trivial a observação de que um equipamento produtivo usado tende a produzir menos (em algum sentido do termo: velocidade, qualidade, quantidade etc.) do que um novo. E como retiramos do valor do ativo do balanço a "capacidade produtiva consumida"? Por meio de uma estimativa desse consumo a qual apelidamos, no jargão de finanças, economia e contabilidade, de DEPRECIAÇÃO (veja-se: mais uma vez uma subjetividade ou um juízo de valor): um cálculo de quanto uso pretérito requereu ("consumiu") de capacidade produtiva, sendo resíduo pós- depreciação (ou que chamamos de valor do imobilizado LÍQUIDO de deprecia- futuro ção) uma expectativa de quanto restou de capacidade produtiva para (veja-se: outra vez uma subjetividade ou um juízo de valor). Nos passivos exigíveis, tome-se o caso de fornecedores de matérias-primas uma lon- mercadorias. Se um fornecedor mantém com uma empresa cliente com ou de parceria bem-sucedida e subitamente tal fornecedor depara apela ga uma tradição de iliquidez talvez provocada por seus OUTROS clientes e nos para atender para preservar a perenidade de nossas boas relações vencimento será situação uma quitação antecipada do passivo que temos para com ele, e a de que negó- interessa fatalmente a concordância em pré-pagar passivo antes do 100% do va- precedida cios, de um cálculo do valor presente da dívida; pagaríamos8 Contabilidade Internacional Carvalho, Lemes e Costa lor nominal no vencimento, e pagaríamos antes do vencimento um valor tal que desconte custo do dinheiro no tempo (que terá sido embutido na formação do preço quando nosso fornecedor nos deu crédito). Não descontar exigibilidades a valor presente na data do balanço implica que, econômica e financeiramente ESTIMAMOS que não haverá antecipação de pagamentos (veja-se: mais vez uma subjetividade ou um juízo de valor). Dentro de uma lógica econômica, há exatamente e apenas três coisas ob- jetivas num balanço corretamente elaborado: a data, saldo de caixa (existên- cia física ou titularidade) e a quantidade de ações em circulação na data desse balanço. Esses três itens não comportam aproximações nem estimativas: são concretos, definidos, definitivos e objetivos. Todos os demais números do ba- lanço comportam estimativas, julgamentos, juízos de valor. Nesse sentido, muitos dos que pretendem tirar a dignidade da contabilidade conferindo-lhe um status inferior no mundo do conhecimento sugerem que "sal- do de caixa é um fato, e lucro é uma daí tentando concluir que demons- trações de fluxo de caixa são superiores a balanços porque estes estão repletos de julgamentos ou "opiniões". Estão certos na segunda parte: balanços, como se demonstrou neste capítulo, estão abarrotados de opiniões; estão errados os de- tratores da contabilidade quanto à supremacia do fluxo de caixa como revelador da variação da riqueza. Definir como "disponibilidades financeiras em mãos" é deturpar séculos de conhecimento estabelecido: que vendi e não rece- bi TAMBÉM é riqueza neste caso, riqueza a ser transformada em numerário na cobrança, mas não menos riqueza antes da cobrança se a venda foi lícita a um de- vedor com capacidade de adimplir. Entendendo despesas como consumo de ati- vos no esforço de produzir receita, ativos assim consumidos ou despesas assim incorridas são decréscimos patrimoniais AINDA QUE desembolso dos compro- missos exigíveis que representam seja no futuro, após balanço. Não há sentido nem lógica econômica em se afirmar que fluxo de caixa supera balanço como elemento informativo da formação, natureza e estado da riqueza. que nunca deve ser perdido de vista, no caráter subjetivo das estimativas, é a COMPETÊNCIA PROFISSIONAL ou preparo técnico de quem as faz, aliado à sua motivação. Uma estimativa feita com competência, apoiada em ferramental técnico moderno, sofisticado na medida das necessidades, e desenvolvida dentro do propósito de prever melhor número hoje visível nas condições analisadas é insuperável como elemento informativo de como passado condiciona 0 futu- ro. "Quão boas foram as minhas vendas a crédito" é conclusão que se irá inferir lendo, no balanço, não apenas valor de vendas e de contas a receber, mas tam- bém da PDD.Perspectivas da Contabilidade Internacional 9 A contabilidade societária ou financeira é a janela da empresa para mun- do, principalmente (não apenas) para acionistas e credores. E meio de comu- nicação por excelência não apenas do desempenho pretérito mas, mais ainda, do que se espera de fluxos de caixa futuros decorrentes do desempenho passado. Ademais, balanços resultantes da contabilidade societária ou financeira são legítimos e adequados mecanismos para regular relações contratuais, particular- mente com acionistas, gestores e credores: é com base neles que dividendos são quantificados, direitos e obrigações são caracterizados, expectativas de conduta são pactuadas. Os bônus dos diretores e gerentes provêm de mensurações "foto- grafadas" nas demonstrações contábeis ou financeiras; relações mínimas dívidas/ patrimônio contratadas com credores encontram sua expressão de cumprimento ou não em balanços; dividendos mínimos, dividendos de preferencialistas, ou re- tenções de lucros são nelas apoiadas. A contabilidade financeira ou societária, pelas enormes e potencialmente saudáveis implicações na exposição da empresa bem gerida aos mercados doado- res de recursos crédito e valores mobiliários -, deveria assim merecer enorme cuidado e atenção dos profissionais nela especializados. Em países culturalmen- te defasados em matéria contábil há que esculpir algumas das sadias normas em termos de contabilidade financeira nos diplomas legais, quando em jurisdições mais amadurecidas do mundo capitalista a lei se afasta do detalhe e delega a nor- matização a diplomas infralegais a cargo de normatizadores capacitados. profissional especializado em contabilidade societária ou financeira deve- ria (e a causa do condicional deveria será desvendada no próximo item, "Relações incestuosas das contabilidades para fins regulamentares com a contabilidade fi- nanceira") ter centenas de outras preocupações principais antes de se deter nos comandos da contabilidade tributária aquela pela qual quase todos os contado- res são, quase sempre única e sempre incorretamente, conhecidos em ambientes de negócios como brasileiro. Na contabilidade financeira 0 profissional confia em dois mecanismos de cap- tura de fenômenos econômicos: 0 sistema de informações contábeis (muitas vezes acoplado ao sistema de informações para apoio à tomada de decisões) e sistema de controles internos que "policia" a eficácia do primeiro. funcionamento do sistema de informações contábeis implica perpétuo monitoramento para detectar em que momento um fenômeno altera uma de duas coisas, ou ambas: quando um fenômeno ou transação muda TAMANHO do patrimônio, e quando um fenô- meno ou transação muda A NATUREZA do patrimônio. A depreciação pelo uso de uma máquina, a venda de uma mercadoria, pagamento de horas extras, todos mudam TAMANHO do patrimônio por representarem ou receitas ou despesas que irão compor um LUCRO ou um PREJUÍZO que afetam tal tamanho. A venda de um imobilizado a vista pelo valor de custo muda a NATUREZA do patrimônio,10 Contabilidade Internacional Carvalho, Lemes e Costa sem mudar-lhe valor: antes era "Imobilizado a Capital", hoje é "Caixa a Capi. tal": mesmo tamanho, natureza (liquidez) totalmente distinta. o trabalho especializado desse profissional no campo da contabilidade ceira ou societária é, então, o de vislumbrar, num movimento de constante busca e investigação, onde estão ou poderão vir a estar ocorrendo fenômenos micos que alterem tamanho e/ou a natureza do patrimônio empresarial. técnico Isto, assim dito de maneira simples, oculta a enormidade do desafio da tarefa: momento econômico de reconhecimento de receitas, investimentos societários consolidações, preços de transferência, custeio de atividades, ava- liação permanentes, de riscos contabilizáveis como perdas em clientes ou contingências, de ativos cus- to do produto X custo do período, perda de capacidade econômica de (o híbridos, impairment além das dificuldades de mensuração são alguns dos financeira of assets, ainda pouco conhecido entre nós), tratamento desafios passivos enfren- tados diariamente pelos profissionais especializados em contabilidade ou societária. Não se agregou nesta discussão a questão tributária, embora fosse de se es- perar: no Brasil, esta questão contamina balanço societário numa extensão ina- ceitável, e isso é assunto para o próximo item. 1.4 Relações incestuosas das contabilidades para fins regulamentares com a contabilidade financeira Nos países com mercados de capitais amadurecidos, 0 instrumento de análise para permitir decisões de investir ou emprestar é balanço, sem prejuízo de ou- tras informações sempre solicitadas ele é condição necessária mas não suficien- te para a tomada de decisão do doador de recursos financeiros. Para que balanços possam ser assim utilizados é imprescindível que repre- sentem, com o maior rigor técnico e baseado em normas claras e publicamente conhecidas e aceitas -, o melhor julgamento da posição patrimonial e financeira naquele momento, o que pode ser traduzido como a mais honesta e bem elaborada avaliação dos fluxos de caixa futuros dadas as transações e even- tos econômicos corolário do pensamento do parágrafo anterior é: nenhuma regra de agên- cias reguladoras governamentais deve se sobrepor à busca da essência na repre- sentação do estado patrimonial, jamais. Ou a regra das agências repete que diz a sadia norma contábil e aí a regra reguladora é inócua ou tal regra deturpa a norma contábil e aí deve ser repudiada por conduzir à falsa representação patrimonial. Sem estender a discussão além do óbvio no Brasil, a agência reguladora com larga tradição de incursão pela contabilidade societária é 0 Fisco federal. PelasPerspectivas da Contabilidade Internacional 11 regras vigentes há décadas, não resta ao empresário que aqui opera senão fazer planejamento tributário no balanço societário é retirado do mundo empresa- rial que devia ser seu sagrado direito, de pagar seus impostos e planejar sua vida tributária sem conspurcar balanço societário. Ao exigir registros no ancião geral" para que os tratamentos contábeis de transações específicas mere- çam acolhida no cálculo de impostos, as regras ainda vigentes entre nós consa- gram, por exemplo, que só será, na grande maioria das vezes, "despesa" para acionista, para credor e para dirigente aquilo que é "dedutível". Não há proi- bição de se adotar correto tratamento contábil em muitos itens embora haja em alguns; no entanto, para todos há desestímulo. A depreciação linear do ativo imobilizado, esse verdadeiro atentado à lógica econômica, tornou-se um vício de contadores e empresários a partir da conjugação perversa de dois elementos: uma escolaridade técnica voltada à exaltação da contabilidade tributária em de- trimento de todas as outras, e um desânimo em elaborar mais criteriosamente a medição da posição patrimonial e dos resultados (fontes de indício dos fluxos de caixa futuros) por absoluta falta de estímulo. Parece que pensamento pre- dominante durante décadas foi: para que investir num preparo mais acurado da posição de ativos, exigibilidades, patrimônio e lucros se a regra que prevalece é sempre a fiscal? caminho para a contabilidade internacional tem pedágios. Um deles é que- brarmos este perigoso e inconveniente paradigma: de que um balanço interessa primariamente ao Fisco e é a ele que toda a atenção deve ser dada. Claro que manejo inadequado ou incompetente da matéria tributária na empresa pode ser extremamente punitivo, e pode até inviabilizar empreendimento. Mas atentar para a gestão tributária nunca deveria ter ido até ponto e deve voltar dele, no nosso caso de publicar para o acionista o balanço da declaração de Imposto de Renda como se fosse o balanço societário. Balanço societário é aquele que os administradores são capazes de expli- car a seus acionistas, a seus credores, a seus funcionários que participam dos lucros, a seus clientes, a seus fornecedores como sendo 0 que melhor represen- ta a posição patrimonial e financeira numa determinada data e o que melhor captura seus exercícios especializados de julgamento profissional sobre quais os fluxos de caixa futuros que desse balanço advirão. Com certeza esta não é a definição de balanço nem a preocupação das autoridades tributárias. As democracias modernas e louve-se a extraordinária contribuição intelec- tual dada pelos franceses ao exporem ao mundo espírito das leis e a montagem do Estado moderno sob a égide da igualdade social já encontraram há muito antídoto contra essa intromissão perversa de um agente de um interesse social justo dentro da esfera de outro interesse: no caso, a invasão, pela regra tributária, da informação economicamente sustentável para fins de mercados. A solução é12 Contabilidade Internacional Carvalho, Lemes e Costa apartar esses irmãos não é do interesse dos mercados, nem dos nem dos credores, nem dos investidores que balanços societários sejam mascara- dos por regras de intenção alheia; ao Fisco compete tributar, é seu pleno direito constitucional, e mecanismo para capturar os fenômenos passíveis de tributa- ção estão, de fato, repousados nos registros contábeis. Daí cabe discordar que, exercício de seu indiscutível direito, se lhe confira a prerrogativa de ma- para cular mensuração do patrimônio e do lucro para todos os demais usuários da informação a contábil. Não é assim nas economias de países com mais desenvolvi- econômico e mais justiça social, e não deveria ser assim aqui. E um passo mento rumo a essa independência é propiciado pelo surgimento do desejo de convergir- mos rumo à contabilidade internacional. 1.5 Razões que justificam uma contabilidade internacional Até grande parte de meados do século XIX que então se chamaria de "glo- balização da economia" era dado pelas relações entre as cortes e as suas colônias estas, meras unidades produtivas, não raro espoliadas e despidas de seus re- cursos naturais quando não de povos que viravam mão-de-obra escrava de colo- nizadores. Na segunda metade dos anos 1800 o surgimento da máquina a vapor foi um marco fundamental na mudança das relações de propriedade e, por via de conseqüência, de riqueza esta não advinha mais, apenas, do "ter" em sentido de extensões de terra e propriedades produtivas agropecuárias. Quatro paredes que abrigassem inteligentemente, num layout sensato, equipamento produtivo per- mitiam que escalas artesanais fossem suplantadas por escalas industriais, e pela primeira vez a nobreza não era pré-requisito de acumulação de riqueza. Gestão, administração de insumos produtivos, produção sem sobressaltos, tudo era variável nova para a classe emergente a classe industrial. Mercados eram virtualmente cativos posto que artesanato que precedeu a industrializa- ção era incapaz de atender a demandas, que ficavam reprimidas. A Revolução Industrial trouxe uma nova leitura: da economia" passava a ser si- nônimo de busca de mais e mais mercados consumidores para uma produção que se pretendia ascendente. final do século XIX e começo do XX já viram empreendimentos empresa- riais muito mais bem montados, e as técnicas e modelos de gestão de negócios bem mais evoluídos. Foi momento de desenvolvimento, no campo específico de finanças e contabilidade, dos segmentos da contabilidade divisional, da contabi- lidade de custos, da contabilidade tributária, e da contabilidade societária. Con- quanto globalização ainda fosse termo voltado à busca de mais e mais mercados compradores de produções centralizadas nas economias mais ricas, começo do século passado celebrizou os mecanismos de captação de recursos em bolsas de valores como alternativa ou complemento ao crédito para expansão das empresas.Perspectivas da Contabilidade Internacional 13 E aí veio 1929; muitas são as causas já identificadas para crash da Bolsa de New York, com suas seqüelas mundo afora. Por certo cabe revisitar razões de política econômica, tais como política monetária e política fiscal do governo ame- ricano de então. Claro que ética nos negócios é uma variável que, em contraste com mundo de hoje, permite encontrar contrastes com mundo empresarial da década de 20 do século passado. Sem dúvida que marco regulatório diplo- mas legais e normas infralegais governando os mercados de capitais teve seu papel no surgimento daquela crise. Mas é no campo da regulação econômica e da contabilidade que nos compete fazer uma incursão que nos levará às razões para uma contabilidade internacional. Relações entre acionistas foram identificadas como foco de problema, e os americanos dos Estados Unidos se dedicaram, nos cinco anos após a crise, a ela- borar e fazer aprovar um novo estatuto que disciplinasse de maneira mais eficaz tais relações uma nova Lei das S.A. Falta de uma agência reguladora do mercado de capitais também foi uma fa- lha percebida que contribuiu para a crise, e também nesse período de cinco anos concebeu-se e instalou-se a Comissão de Valores Mobiliários naquele país a SEC, em cujo modelo nos inspiramos no Brasil em 1976 para criar nossa CVM, mais de 40 anos depois e sobre os escombros de nossa crise particular de mercado de capitais, afundamento das bolsas brasileiras do início dos anos 70. Aí perceberam os americanos dos Estados Unidos, no início dos anos 30 do século passado, que outra razão poderosa havia contribuído para a catástrofe no seu mercado de capitais: as demonstrações financeiras nas quais os investidores se baseavam para tomar suas decisões de comprar, vender ou manter posições acionárias eram "desinformativas". Não havia um conjunto inteligente e sensato de normas contábeis que orientasse a preparação de tais demonstrações, e em conseqüência as análises de balanços podiam levar, e com certeza levaram, a crassos erros na tomada de decisões econômicas (e nisso estão se abstraindo as fraudes não cabe discutir neste momento se existiam ou não: que interessa neste momento é discutir que nem existiam normas). Contrariamente à cultura de outras regiões do mundo, como por exemplo a latino-americana em que nos inserimos, a decisão dos governantes não foi a de impor regras a partir de deliberações de órgãos oficiais. Ao contrário, comissiona- ram setor privado, por meio de uma entidade que passou a englobar, para fins de normatização contábil, os profissionais de contabilidade, finanças, auditoria e mercado de capitais, para produzirem as normas até então incipientes ou inexis- tentes tal tarefa foi atribuída à Junta de Normas de Contabilidade (o Accounting Principles Board APB, uma espécie de "grupo de trabalho" inserido na estrutura do Instituto Americano de Contadores Públicos Certificados, American Institute of Certified Public Accountants AICPA). Às autoridades ficava reservado o poder de veto: se as normas produzidas por uma entidade sem fins lucrativos do setor privado não fossem robustas o suficiente para atender aos interesses do fortaleci-14 Contabilidade Internacional Carvalho, Lemes e Costa mento do mercado de capitais, a agência reguladora SEC simplesmente as vetaria por algum mecanismo. Na ausência desse veto, as normas expedidas pelo APB nhavam 0 status de "princípios contábeis norte-americanos geralmente os Generally Accepted Accounting Principles (US GAAP). Duas lições ofereceram os americanos dos Estados Unidos ao mundo desde então: (1) normatização contábil é tarefa técnica que não compete ao governo fazer e sim a todos os reais interessados: auditores, companhias preparadoras de demonstrações contábeis, analistas de investimentos e de mercados de capitais. credores, acadêmicos que pesquisam nessa área e sindicatos de trabalhadores que negociam remuneração variável com base em lucros e resultados; e (2) não se confunda balanço para mercado de capitais com balanço para 0 Fisco ambos devem e podem conviver sem se contaminarem reciprocamente. A grande lição, no entanto, é a primeira das duas citadas: não há mercados de capitais fortes sem transparência e sem divulgação, e 0 mecanismo por exce. lência da transparência e da divulgação nesses mercados é 0 do conjunto das de- monstrações ditas financeiras ou contábeis. Nunca se alega que são 0 único me- canismo de comunicação entre a empresa e os mercados, e por certo não 0 São apenas um inevitável, imprescindível, vital mecanismo do rol de meios de comunicação de desempenho e de expectativa de fluxos de caixa futuros. Boas no sentido de elucidativas e adequadas ou completas informações financeiras pelo mecanismo das demonstrações contábeis reduzem incertezas do investidor, e a teoria de finanças já nos ensina que incertezas representam riscos, que vão para preços. Reduzir incertezas significa mostrar a boa (e a má) empre- sa tal como são; a má empresa será punida com custo de capital maior mas pro- vavelmente ainda menor do que se não se desse a conhecer. A boa empresa será premiada com custo de capital menor, que significa estímulo para empreender. Essa a razão final para tema deste livro: globalização, neste início de século, são fluxos de capitais não apenas financeiros, mas humanos e de conhecimentos ao redor do planeta. Investidores, dados seus apetites para risco, estão ávidos por oportunidades de investimento; os investidores avessos ao risco buscam opor- tunidades de ganhos modestos, mas consistentes no tempo, virtualmente sem vo- latilidades. Os investidores "amantes do risco" buscam oportunidades de ganhos mais polpudos em prazos mais curtos. Ambos são protagonistas reais e presentes no jogo econômico no mundo de hoje, e ambos têm seu espaço legítimo. que cabe destacar é que empreendedor, o que tem a idéia, a competência para fazer ou para vender, ou para distribuir ou para anunciar, aquele que é capaz de discernir que produto ou serviço está sendo ou provavelmente será deman- dado, aquele que consegue enxergar onde implantar uma fábrica ou empreendi- mento, onde comprar os equipamentos e matérias-primas, onde recrutar e treinar mão-de-obra, como organizar a força de vendas e a distribuição dos produtos e serviços, esse visionário realizador no mais das vezes precisa de capital de tercei- ros (crédito ou sócios) para materializar suas idéias.Perspectivas da Contabilidade Internacional 15 Isso significa que construir uma ponte entre a boa oportunidade empresarial, em qualquer lugar do mundo onde ela esteja, e capital que busca tal oportu- nidade, em qualquer endereço, é um exercício de comunicação e de redução de incertezas. Isso significa que aproximar capital e empreendedor é viabilizar empreendimento é permitir desenvolvimento econômico, geração de emprego e de renda. É reduzir custo de capital e expandir a oferta de postos de trabalho ao se multiplicar a cadeia produtiva e distributiva de bens e serviços. A contabilidade internacional surgiu para minorar as agruras de quem quer investir fora de seu país e até hoje tinha que manusear balanços em deze- nas de normas contábeis distintas, tentando compatibilizá-las para comparar. Balanços de empresas fabricantes de papel e celulose em diversos países ti- nham que ser comparados quanto a margens, retornos, custos de oportunidade, estruturas patrimoniais e desempenhos, e havia (ainda há) enorme desperdício de tempo e dinheiro para entender as distintas normas contábeis nacionais e re- conciliá-las para um padrão único. Isso deixará de ser um obstáculo e deixará de ser um custo a partir das IFRS as normas das empresas de países que as adota- rem já sairão, na origem, em IFRS, e eventualmente o máximo que se exigirá será a tradução do idioma, e não mais das práticas contábeis. A contabilidade internacional se justifica como contribuição de uma catego- ria profissional ao desenvolvimento econômico. 1.6 IASB Na breve incursão histórica do item anterior falou-se da criação do APB nos Estados Unidos, nos anos 30 do século passado. Em 1970 a visão do mundo desenvolvido sobre globalização se aproximava indus- triais em vários países para montagem do produto acabado em outro país. de da visão de hoje: foi a década que consagrou a produção de componentes Foi produtos, mas produção e consumo amplificados além-fronteiras dos países período que consagrou a visão de que "globalização" não era "exportação" mais desenvolvidos, na busca de economias de escala e vantagens competitivas. Em 1973 os americanos dos Estados Unidos entenderam que modelo doavam de tra- normas contábeis pelo mecanismo de profissionais de mercado mais que ousado, de çar e talento via APB havia se exaurido, e criaram um modelo voltada tempo instituição sem fins lucrativos, privada, total e exclusivamente Contabilidade para uma elaborar normas contábeis criou-se então a Junta de Normas de Financeira, o Financial Accounting Standards Board (FASB).16 Contabilidade Internacional Carvalho, Lemes e Costa As demais economias desenvolvidas reagiram, preocupadas com 0 que deria ser mais um sinal de hegemonia dos americanos dos Estados Unidos nos negócios mundiais, já que estes se preparavam para construir um robusto con- junto de normas contábeis baseadas em fundamentos econômico-financeiros sólidos. Tal reação se deu criando no mesmo ano um organismo igualmente privado e sem fins lucrativos que, em 2000, foi reformado em sua constituição e é hoje a Junta de Normas Internacionais de Contabilidade, o International Accounting Standards Board (IASB), genuinamente supranacional no sentido de que não en- campa nenhuma norma nacional de jurisdição alguma e tem suas normas cons- truídas inteiramente sob a perspectiva internacional. Na sua estrutura conceitual básica (no documento titulado Framework) 0 IASB define em suas próprias palavras e melhor do que ninguém sentido e 0 objetivo das IFRS (a seguir, em tradução livre): "Demonstrações financeiras são preparadas e apresentadas para usuários externos por muitas entidades redor do mundo. Embora tais demonstrações financeiras possam parecer semelhantes de país para país, há diferenças que provavelmente foram causadas por uma variedade de circunstâncias sociais, econômicas e legais e porque diferentes países tiveram em mente as necessidades de diferentes usuários ao definirem as normas nacionais. Estas diferentes circunstâncias levaram a uma variedade de definições dos elementos das demonstrações financeiras como, por exemplo, 0 que são ativos, exigibilidades, patrimônio líquido, receitas e despesas. Tais diferentes circuns- tâncias também resultaram по uso de distintos critérios para reconhecimento de itens nas demonstrações financeiras e em uma preferência por diferentes ba- ses de mensuração de tais itens. IASB está comprometido em reduzir tais diferenças buscando harmonizar as regulamentações, normas contábeis e procedimentos relativos a preparação e apresentação das demonstrações financeiras. IASB acredita que maior harmo- nização pode ser objetivada focando-se nas demonstrações financeiras que são preparadas para propósito de prover informações úteis na tomada de decisões econômicas." Tal é 0 propósito e a razão de ser da contabilidade internacional, e deste li- vro.