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Processo_e_Tecnica_Legislativa_2011_ALDEMIR_BERWIG

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EaD
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVAUNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ
VICE-REITORIA DE GRADUAÇÃO – VRG
COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – CEaD
Coleção Educação a Distância
Série Livro-Texto
Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil
2011
Aldemir Berwig
PROCESSO
E TÉCNICA
LEGISLATIVA
EaD Aldemir Berwig
2
 2011, Editora Unijuí
Rua do Comércio, 1364
98700-000 - Ijuí - RS - Brasil
Fone: (0__55) 3332-0217
Fax: (0__55) 3332-0216
E-mail: editora@unijui.edu.br
www.editoraunijui.com.br
Editor: Gilmar Antonio Bedin
Editor-adjunto: Joel Corso
Capa: Elias Ricardo Schüssler
Designer Educacional: Jociane Dal Molin Berbaum
Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa:
Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)
Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí
B553p Berwig, Aldemir.
Processo e técnica legislativa / Aldemir Berwig. – Ijuí :
Ed. Unijuí, 2011. – 156 p. – (Coleção educação a distân-
cia. Série livro-texto).
ISBN 978-85-7429-929-7
1. Direito. 2. Atividade legislativa. 3. Atos normativos.
4. Processo legislativo. I. Título. II. Série.
CDU : 34
 342.52
EaD
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
SumárioSumárioSumárioSumárioSumário
CONHECENDO O PROFESSOR .............................................................................................. 7
INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 9
UNIDADE 1 – ATIVIDADE LEGISLATIVA ............................................................................. 11
Seção 1.1 – História e evolução do processo legislativo ........................................................ 11
Seção 1.2 – Supremacia da lei e primado da razão ................................................................ 15
Seção 1.3 – Tripartição dos Poderes e processo legislativo clássico ..................................... 17
Seção 1.4 – Surgimento da atividade legislativa .................................................................... 19
Seção 1.5 – Elaboração da lei e processo legislativo brasileiro ............................................ 20
UNIDADE 2 – QUESTÕES FUNDAMENTAIS DE TÉCNICA LEGISLATIVA .................. 27
Seção 2.1 – Finalidade das normas jurídicas .......................................................................... 28
Seção 2.2 – Atividade legislativa............................................................................................... 28
Seção 2.3 – Princípios informadores da elaboração normativa ............................................ 31
2.3.1 – Princípio da segurança jurídica ........................................................................ 31
2.3.2 – Princípio da legalidade ...................................................................................... 32
2.3.3 – Princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso ........................ 33
Seção 2.4 – Lei e respeito às situações jurídicas consolidadas ............................................. 34
Seção 2.5 – Processo legislativo interno .................................................................................. 35
2.5.1 – Problema .............................................................................................................. 35
2.5.2 – Diagnóstico e causas.......................................................................................... 35
2.5.3 – Objetivos pretendidos com a elaboração da norma ....................................... 36
2.5.4 – Crítica das propostas .......................................................................................... 36
Seção 2.6 – Há necessidade de controlar os resultados da lei? ............................................ 37
Seção 2.7 – Valores dominantes e a supremacia do Direito .................................................. 38
Seção 2.8 – Interesse público e Direito .................................................................................... 42
EaD Aldemir Berwig
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Seção 2.9 – Menos leis, melhores leis ...................................................................................... 47
Seção 2.10 – Legística ................................................................................................................ 51
2.10.1 – Necessidade de normatizar ............................................................................. 52
2.10.2 – Compreendendo a legística ............................................................................. 54
2.10.3 – Principíos da legística ...................................................................................... 55
Seção 2.11 – Questões a serem analisadas na elaboração de atos normativos ................. 56
UNIDADE 3 – ESPÉCIES DE ATOS NORMATIVOS ........................................................... 65
Seção 3.1 – Emendas constitucionais ...................................................................................... 68
Seção 3.2 – Lei ordinária ............................................................................................................ 73
Seção 3.3 – Lei complementar ................................................................................................... 74
Seção 3.4 – Distinções entre lei complementar e lei ordinária ............................................. 78
3.4.1 – Existe hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária? ...................... 79
Seção 3.5 – Lei delegada ............................................................................................................ 79
3.5.1 – Natureza jurídica da lei delegada .................................................................... 80
3.5.2 – Processo de elaboração da lei delegada .......................................................... 80
3.5.3 – O Poder Legislativo exerce algum controle sobre a lei delegada? ............... 81
3.5.4 – É possível controle de constitucionalidade de lei delegada? ........................ 81
Seção 3.6 – Medida provisória .................................................................................................. 82
3.6.1 – Qual o procedimento legislativo para aprovação da medida provisória? ... 85
3.6.2 – É necessária a sanção do presidente da República à conversão?................ 86
3.6.3 – Medida provisória no âmbito dos Estados-membros e dos municípios ...... 88
Seção 3.7 – Decreto legislativo .................................................................................................. 88
3.7.1 – Processo legislativo especial do decreto legislativo ....................................... 89
Seção 3.8 – Resolução ................................................................................................................ 90
3.8.1 – Processo legislativo para a elaboração das resoluções .................................. 91
Seção 3.9 – Atos normativos de competência do chefe do Executivo ................................. 91
3.9.1 – Decreto ................................................................................................................. 91
3.9.2 – Portaria ................................................................................................................. 92
Seção 3.10 – Sistema legislativo estadual e municipal.......................................................... 93
UNIDADE 4 – PROCESSO LEGISLATIVO............................................................................. 95
Seção 4.1 – Iniciativa do projeto de lei .................................................................................. 101
4.1.1 – Iniciativa comum ou concorrente .................................................................. 1034.1.2 – Iniciativa reservada .......................................................................................... 103
4.1.3 – Iniciativa vinculada .......................................................................................... 103
Seção 4.2 – Apresentação e distribuição dos projetos de lei ............................................... 107
Seção 4.3 – Regimes de tramitação dos projetos de lei ........................................................ 108
Seção 4.4 – Discussão .............................................................................................................. 109
Seção 4.5 – Emendas ao projeto de lei ................................................................................... 109
Seção 4.6 – Deliberação parlamentar ..................................................................................... 110
Seção 4.7 – Apreciação do projeto de lei no plenário .......................................................... 114
Seção 4.8 – Prazo para deliberação parlamentar ................................................................. 116
Seção 4.9 – O Projeto de Iniciativa Reservada pode ser emendado? ................................. 117
4.9.1 – É possível emenda ao projeto de leis orçamentárias? .................................. 117
Seção 4.10 – Votação ................................................................................................................ 118
Seção 4.11 – Deliberação do Poder Executivo ao projeto de lei aprovado ....................... 118
4.11.1 – Qual a natureza jurídica da deliberação do Poder Executivo? ................ 119
4.11.2 – Sanção ............................................................................................................. 120
4.11.3 – Veto ................................................................................................................... 120
Seção 4.12 – Fase complementar ............................................................................................ 123
4.12.1 – Promulgação ................................................................................................... 123
4.12.2 – Obrigatoriedade de promulgar ...................................................................... 123
4.12.3 – Casos e formas de promulgação ................................................................... 123
Seção 4.13 – Publicação .......................................................................................................... 125
4.13.1 – A sanção de projeto de lei convalida o vício de iniciativa? ...................... 125
4.13.2 – Publicação e início da vigência da lei ......................................................... 126
4.13.3 – Cláusula de vigência ...................................................................................... 126
4.13.4 – Vacatio legis ....................................................................................................... 126
4.13.5 – Vacatio legis e o início da obrigatoriedade
 da lei brasileira no estrangeiro ..................................................................... 127
4.13.6 – Vacatio legis e normas complementares,
 suplementares e regulamentares .................................................................. 127
4.13.7 – Vacatio legis e republicação do texto para correção .................................. 127
UNIDADE 5 – FORMA E ESTRUTURA DA LEI SEGUNDO
 A LEI COMPLEMENTAR Nº 95/1998 ......................................................... 129
Seção 5.1 – Ordem legislativa ................................................................................................. 130
5.1.1 – Epígrafe .............................................................................................................. 130
5.1.2 – Ementa ou rubrica da lei ................................................................................. 131
5.1.3 – Preâmbulo .......................................................................................................... 131
5.1.4 – Âmbito de aplicação ......................................................................................... 131
Seção 5.2 – Vigência da Lei ..................................................................................................... 132
Seção 5.3 – Cláusula de revogação ........................................................................................ 132
Seção 5.4 – Repristinação ........................................................................................................ 133
Seção 5.5 – Fecho da lei ........................................................................................................... 134
Seção 5.6 – Assinatura e referenda ......................................................................................... 134
Seção 5.7 – Parte normativa da Lei ........................................................................................ 134
5.7.1 – Sistemática da Lei ............................................................................................. 135
Seção 5.8 – Desenvolvimento de uma lei ............................................................................... 139
Seção 5.9 – Organização interna da lei ................................................................................. 141
Seção 5.10 – Critérios de sistematização ............................................................................... 142
Seção 5.11 – Remissões legislativas ........................................................................................ 144
Seção 5.12 – Consolidação da legislação .............................................................................. 147
CONCLUSÃO – AVALIAÇÃO LEGISLATIVA COMO INÍCIO E FIM .............................. 151
REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 153
EaD
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Conhecendo o ProfessorConhecendo o ProfessorConhecendo o ProfessorConhecendo o ProfessorConhecendo o Professor
ALDEMIR BERWIG
O autor é natural de Ijuí, RS. Possui Graduação em Direito
(1993) e Mestrado em Educação nas Ciências (1997), ambos pela
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul (Unijuí). Atualmente é professor assistente na Unijuí. Tem ex-
periência na área de Direito, com ênfase em Direito Administrati-
vo, Urbanístico, Eleitoral, Ambiental e Legística, atuando princi-
palmente nas seguintes áreas: cidadania e participação, adminis-
tração pública, planos diretores municipais, elaboração e consoli-
dação de legislação.
Presta consultoria na área de elaboração legislativa e de pro-
jetos de extensão.
Além das áreas anteriormente elencadas, é fascinado pela
Educação a Distância – EaD. Concluiu, em 2008, o curso de Espe-
cialização em Direito Tributário na modalidade EaD, ofertada pela
Unisul, em parceria com a Rede LFG, em que o sistema de educa-
ção é telepresencial.
Desenvolve suas atividades docentes na Unijuí desde o se-
gundo semestre de 1997, e está vinculado ao Departamento de
Estudos Jurídicos, curso de Direito, área de Direito Público, lecio-
nando principalmente os componentes curriculares Direito Admi-
nistrativo, Processo e Técnica Legislativa, Direito Público Munici-
pal e Processo Administrativo Disciplinar. No curso de Gestão Pú-
blica Municipal, em todas as suas edições, ministrou o componen-
te Direito Administrativo Municipal. Atua também como professor
em cursos de Pós-Graduação lato sensu.
Na Unijuí já desempenhou as funções de coordenador-ad-
junto do curso de Direito no campus Santa Rosa, coordenador do
curso de Pós-Graduação em Direito Público e chefe do Departa-
mento de Estudos Jurídicos, além de ser membrodo Conselho Uni-
versitário – Consu –, dentre outras atribuições.
EaD Aldemir Berwig
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É consultor para projetos de extensão da Universidade da
Região de Joinville (SC) – Univille.
Atuou na Administração Municipal de Boa Vista do Cadea-
do (RS) nos cargos de secretário de Administração, Planejamento
e Fazenda e é assessor de Projetos e Legislação. Atua na advoca-
cia extrajudicial, principalmente na área de Direito Público.
Desenvolve atividades voluntárias. Foi vice-presidente na
Região Sul da Associação de Juristas para a Integração da Améri-
ca Latina – Ajial. É membro titular do Conselho Municipal do Pla-
no Diretor – Compladi de Ijuí. É sócio-fundador da Associação de
Políticas e Desenvolvimento – AIPD.
EaD
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução
Processo legislativo e técnica legislativa são duas questões importantes do Direito,
especialmente porque o Estado de Direito é aquele em que todas as relações jurídicas são
nele fundamentadas.
Para abordar o tema, inicialmente é necessária uma reflexão acerca do Direito para
verificar seu relacionamento com a lei. O Direito, assim, vai ser entendido como a grande
área na qual estão inseridas, axiologicamente, as leis. Para falarmos em leis, teremos de
falar em normas jurídicas e salientar que aí estão assentados os princípios e as regras jurídi-
cas como um todo.
Pensando nisso, uma questão a ser abordada trata do processo legislativo para verificar
como ocorre o procedimento formal de elaboração das leis, as espécies de procedimentos e de leis
e os requisitos estabelecidos para que elas sejam preparadas e se acomodem sistematicamente no
ordenamento jurídico. É a abordagem da sistemática externa da lei. Além disso, serão lembradas
as formas de controle estabelecidas para serem desenvolvidas pelos órgãos do Estado.
Vamos fazer alguns apontamentos sobre a história da elaboração das leis, para verificar
que o processo legislativo, tal como o conhecemos, é algo relativamente novo que ganha espaço
apenas no século passado. A análise conta com alguns registros que nos indicarão que durante
toda a História da humanidade a lei foi (e continua sendo) objeto de poder, de dominação. Para
fazer esta abordagem, vamos conhecer diversas épocas na visão de diferentes autores.
Outra questão trata da técnica legislativa, mais especificamente da sistemática inter-
na da lei. Neste ponto vamos verificar que a doutrina tem tratado da legística ora como uma
ciência, ora como uma “arte de bem fazer leis”. Vamos, então, olhar para a lei e verificar
como ela é estruturada e o que deve ser feito para que ela desempenhe suas finalidades,
alcançando os objetivos para os quais tenha sido aprovada, e, principalmente, vamos fazer
uma reflexão sobre a introdução, acomodação e permanência da leis no ordenamento jurí-
dico e sua conformidade ao sistema como um todo.
Na abordagem da técnica, vamos verificar que a elaboração de boas leis não prescinde
de uma boa equipe técnica que tenha os conhecimentos necessários para torná-las adequa-
das à realidade social. Veremos que a elaboração de boas leis não é atividade para ser desen-
volvida por burocratas segundo sua intuição. As leis, no Estado de Direito, estabelecem
condutas e regram a vida de todos, causando impactos positivos ou negativos. No Estado
Democrático de Direito, há uma condição constitucional que assegura a participação da
coletividade na condução do poder e, consequentemente, que faz com que tome parte da
estruturação do ordenamento jurídico e contribua com o seu controle na sociedade.
EaD Aldemir Berwig
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Neste contexto, faremos uma abordagem das competências dos órgãos estatais na
elaboração das leis, sem nunca esquecer que eles desempenham essas funções para atender
à vida na coletividade. Dessa forma, vamos lembrar que o desempenho das funções estatais
é um dever-poder desempenhado unicamente para salvaguardar o “interesse público” den-
tro de uma concepção finalística que é bem-atender à coletividade.
Assim, vai se demonstrar que na elaboração da lei é necessário o desenvolvimento de
metodologias de análise do custo/benefício de uma medida legislativa com uma visão
transdisciplinar, que cruza o Direito com outras áreas do conhecimento.
Na abordagem do tema, vamos verificar a crítica da doutrina constitucional moderna
acerca da utilização de fórmulas obscuras ou criptográficas, por razões políticas ou de outra
ordem, contrárias a princípios básicos do Estado de Direito, como os da segurança jurídica
e os postulados de clareza e de precisão da norma jurídica. Vamos ver que a boa lei deve ser
clara, simples e precisa. Clara, para que seja fácil de compreender, sem ambiguidades; sim-
ples, para que não contenha elementos supérfluos, seja concisa; e precisa, para que não
deixe quaisquer dúvidas na sua interpretação.
Feitas essas considerações iniciais, é importante afirmar ainda que, para “pensar” o
conteúdo do componente curricular, o seu desenvolvimento foi organizado trazendo diver-
sos textos sobre a atividade normativa, principalmente para demonstrar que, embora alguns
doutrinadores falem em “processo legislativo” até mesmo na Antiguidade, o contexto em
que eram apresentadas as leis era totalmente distinto, um fator interessante para reflexão,
sempre levando-se em conta as peculiaridades de cada época.
Assim, durante a produção deste livro, além do tratamento formal da processualidade
de elaboração da lei, chamaremos a atenção para algumas peculiaridades que são impor-
tantes para o desenvolvimento de uma boa técnica de elaboração normativa, especialmente
para atender àquilo que normalmente entendemos por interesse público.
Finalmente, é necessário esclarecer que, no texto que está sendo apresentado, por
vezes vamos nos referir ao Congresso Nacional, ao Poder Legislativo, ao Senado Federal e à
Câmara dos Deputados. A dificuldade de unificar o discurso ocorre basicamente em razão
de que se pretendia fazer uma linguagem simplificada a partir de um “sistema processual
legislativo” universal para nosso contexto, mas tal iniciativa foi dificultada basicamente por
duas questões: a primeira, de ordem formal, em razão de que a realidade constitucional
brasileira prevê dois sistemas, o bicameral e o unicameral; a segunda, de ordem técnica, em
razão de que se pretendia produzir um material que abordasse o processo legislativo em
ambas as esferas, embora sem pretensão de esgotar o assunto. Assim, quando nos referirmos
ao Poder Legislativo, estaremos nos reportando a ambos; quando não for possível, faremos o
devido esclarecimento.
EaD
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Unidade 1Unidade 1Unidade 1Unidade 1Unidade 1
ATIVIDADE LEGISLATIVA
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
• Apresentar uma noção de processo legislativo e a evolução do método de elaboração das leis.
• Abordar o desenvolvimento do processo legislativo brasileiro descrevendo sua previsão
constitucional desde a Constituição do Império.
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
Seção 1.1 – História e evolução do processo legislativo
Seção 1.2 – Supremacia da lei e primado da razão
Seção 1.3 – Tripartição dos Poderes e processo legislativo clássico
Seção 1.4 – Surgimento da atividade legislativa
Seção 1.5 – Elaboração da lei e processo legislativo brasileiro
Seção 1.1
História e Evolução do Processo Legislativo
Ao longo da História verificamos que a lei não foi sempre fruto de um processo legislativo.
Durante um grande período ela foi resultado da vontade humana sem estar vinculada a um
processo formal que estabelecesse previamente o modo de sua elaboração. É com a
modernidade, mais precisamente com o nascimento do Estado de Direito, que vão se estabele-
cer as balizas para a criação da lei mediante um processolegislativo. Como afirma Ferreira
Filho (2002, p. 19), a concepção de lei que vinga com a Revolução Francesa e inspira o pro-
cesso legislativo dos regimes pluralistas, é a ideia de que a lei estabelece a vontade geral do
povo. Tal concepção traduz a ideia de “soberania popular” e de “separação de poderes”.
EaD Aldemir Berwig
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Embora muitos doutrinadores façam referência ao processo de elaboração da lei na
Antiguidade, temos clareza de que tais “processos” em praticamente nada se assemelham
com a atualidade, pois “a cidade era um pequeno Estado dominado por uma classe, dos
‘cidadãos’, colocados uns perante os outros como seres com igual direito de participar da
administração da coisa pública” (Reale, 1999, p. 626).
Conta Fustel de Coulanges, em seu livro “A Cidade Antiga” (1961), que entre gregos,
romanos e hindus “a lei era o princípio da religião”. Havia uma mescla entre lei e religião na
qual ambas se confundiam, pois eram aplicadas tanto ao culto quanto às relações da vida
civil. Os códigos das cidades antigas eram um conjunto de ritos, de prescrições litúrgicas, de
preces, e, ao mesmo tempo, de disposições legislativas.
Quando o autor aborda o papel do legislador, questiona se aquele que apresenta as
leis é de fato o criador das normas.
Qual é, portanto, o verdadeiro autor das leis? Quando falamos acima da organização da família,
e das leis gregas ou romanas que regulamentavam a propriedade, a sucessão, o testamento, a
adoção, observamos como essas leis correspondiam exatamente às crenças das gerações antigas.
Se colocarmos essas leis em confronto com a eqüidade natural, descobriremos muitas contradi-
ções, e parece assaz evidente que os antigos não as foram procurar na noção do direito absoluto
e no sentimento de justiça (Fustel de Coulanges, 1961, p. 262).
O autor enfatiza que o processo de geração das leis antigas não é atividade outorgada
a alguém, mas decorre da tradição. Embora possam ter sido escritas por um homem – Sólon,
Licurgo, Minos, Numa –, estes não as fizeram. As leis foram estabelecidas pelo fundador da
cidade, fundamentadas nas crenças das gerações antigas.
Fustel de Coulanges expressa que a lei antiga não vem fundamentada em critérios
axiológicos, valorativos. Não se preocupa com o valor justiça. É a simples expressão da
crença.
O homem não esteve a estudar sua consciência dizendo: Isto é justo, isto não. Não foi assim que
apareceu o direito antigo. Mas o homem acreditava que o lar sagrado, em virtude da lei religio-
sa, passava de pai para filho; daí resultou que a casa se tornou bem hereditário. O homem que
havia sepultado o pai em seu campo acreditava que o espírito do morto tomava posse perpétua
do mesmo, e exigia de sua posteridade um culto perpétuo; daí resultou que o campo, domínio do
morto e lugar dos sacrifícios, tornou-se propriedade inalienável da família. A religião dizia: o
filho, e não a filha, é o continuador do culto; e a lei diz, conformando-se à religião: o filho herda,
a filha não; o sobrinho pela linha masculina herda, o sobrinho pela linha feminina, não. Eis
como se fez a lei; ela se apresentou por si mesma, sem que a precisassem procurar. A lei era
conseqüência direta e necessária da crença; era a própria religião aplicando-se às relações dos
homens entre si (1961, p. 262).
EaD
13
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Foi longo o trajeto para a libertação do ser humano da crença na lei divina. Por muito
tempo a lei não era considerada obra humana, mas coisa sagrada. Quando Platão afirma
que obedecer às leis é obedecer aos deuses, exprime o pensamento grego de que desobedecê-
las é sacrilégio. É o caráter sagrado que a torna imutável.
Essas disposições do antigo direito eram de uma lógica perfeita. O direito não nascera da idéia de
justiça, mas da religião, e não podia ser concebido fora dela. Para que houvesse relação de direito
entre dois homens, era necessário que antes houvesse entre eles uma relação religiosa, isto é, que
ambos rendessem culto ao mesmo lar, e oferecessem os mesmos sacrifícios. Quando não existia
essa comunhão religiosa entre dois homens, parece que não poderia existir nenhuma relação de
direito. Ora, nem o escravo, nem o estrangeiro participavam da religião da cidade. O estrangeiro
e o cidadão podiam viver lado a lado durante longos anos, sem que se pensasse em estabelecer um
vínculo de direito entre os mesmos. O direito não era nada mais que uma das faces da religião. Sem
comunidade de religião não podia haver comunidade de lei (1961, p. 289-300).
Em sentido diverso, Reale (1999, p. 622-625) destaca que na Grécia e Roma antigas,
entre os pré-socráticos, encontramos a distinção fundamental entre justo por natureza e
justo por convenção, que, para ele, é nada mais que a distinção entre lei natural e lei positi-
va. Não há, entretanto, um destaque para o Direito, o qual se confunde com o conceito
universal de justo. Na Grécia, o Direito permaneceu dependente da Retórica e da Moral,
não havendo diferenciação entre o filósofo, o jurista e o homem de Estado, talvez pela pró-
pria formação e estruturação da cidade.
Em Roma, verificamos a ideia de Direito autônomo e a presença do jurisconsulto, que,
aos poucos, se converte no especialista na nova Ciência. Ali se percebe a distinção já exis-
tente na Grécia entre o justo por lei e o justo por natureza (Reale, 1999, p. 628), especial-
mente na obra de Cícero. Nesta época histórica, aparece a dicotomia entre o lícito e o ho-
nesto e a dificuldade de discernir entre uma e outra órbita.
Na Idade Média, com o advento do Cristianismo, ocorre a diferenciação entre Política
e Religião, entre a esfera estatal e da pessoa, a qual deixa de ser apenas “cidadão” (alguns
homens, na Grécia) para valer como homem. Grande matriz do pensamento medieval vai ser
Santo Agostinho, seguido por Santo Tomás de Aquino, o qual, fundamentado nas obras de
Aristóteles e seguindo as lições de Agostinho, apresenta teoria que
encontra-se desenvolvida especialmente na Summa Theologica. Quando o grande pensador me-
dieval trata da questão da lei e da justiça, cuida com admirável penetração, de problemas jurídi-
co-políticos. Há uma completa Teoria do Direito e do Estado admiravelmente integrada no
sistema tomista, concepção essa que tem sido estudada e relembrada através dos tempos, como
ainda o é hoje, uns conservando-a em sua autenticidade originária, outros pretendendo adaptá-
la ao mundo contemporâneo (...).
(...)
EaD Aldemir Berwig
14
Lei e ordem são dois conceitos que se completam e se exigem em sua doutrina. Por lei, entende ele
“uma ordenação da razão no sentido do bem comum, promulgada por quem dirige a comunida-
de” (...). Esta noção de lei tem valor universal, porquanto não só se aplica ao mundo humano,
como também se refere à ordem cósmica. O universo é “cosmos”, ou seja, uma ordem, porque o
Legislador supremo subordina todas as coisas às suas normas (Reale, 1999, p. 638).
Após esse período, em que transcende o aspecto divino do Direito, o Renascimento é
época de uma nova ordem de valores, na qual, segundo Reale (1999), domina a ideia crítica
de redução do conhecimento a seus elementos mais simples, distanciando-se de valores
transcendentes para estabelecer o universo jurídico e político em aspectos estritamente hu-
manos. O homem passa a ser o centro do universo.
Enquanto na Idade Média existia um sistema ético subordinado a uma ordem transcendente, o
homem renascentista procura explicar o mundo humano tão somente segundo exigências hu-
manas.
Pode-se dizer que a Lex aeterna é posta entre parêntese: – Machiavelli e Hobbes querem explicar
o Direito e o Estado sem transcender o plano simplesmente humano (Reale, 1999, p. 644).
De forma muito simplificada, para fins de provocação ao debate, abordamos a gênese
daelaboração legislativa, que desemboca no Estado moderno, buscando expor alguns pon-
tos acerca do seu desenvolvimento na História.
Por outro lado, a partir da classificação dos tipos de processo legislativo apresentada
por Sampaio (1996, p. 36-43), é possível voltar à questão da participação no processo de
produção da lei já pontuada no segundo parágrafo deste texto. Ao citar o “processo legislativo
autocrático”, como aquele no qual o governante propõe as leis que devem ser obedecidas
pelo povo, afirma que se manifesta nas monarquias absolutas, nas ditaduras e nos governos
de fato. É o mais antigo modo de legislar, não existindo forma fixa de processo legislativo. O
método foi utilizado largamente quando os Estados do Oriente antigo entraram na fase do
Direito escrito, de modo que todos os seus monarcas empregaram esse método. Ainda, acres-
centa o autor, “toda a legislação de fonte autocrática se reveste do aspecto de mandamen-
tos ou ordens do governante, como denunciam as expressões editos, ordonnances, ordenanzas,
ordenações, devendo vigorar, por isso, apenas durante a vida do seu promulgador” (Sampaio,
1996, p. 39). Importante ressaltar que o autor defende que todo o Direito canônico tem
matriz autocrática, como o teve todo o Direito divino. Além disso, diz que, embora hoje
possa se falar em democracia e, consequentemente, em um verdadeiro processo de elabora-
ção da lei, ainda persistem formas autocráticas de legislar.
Mesmo após a Revolução Francesa, no século 18, a Constituição do Ano 8 (1799)
estabelece dois órgãos de aparência legiferante, mas entrega todo o poder a Napoleão I. Os
órgãos não são verdadeiras assembleias legislativas, pois são destituídas de poder que se
EaD
15
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
concentra nas mãos do soberano. No século 19, Napoleão III segue a mesma prática auto-
crática. No século 20, embora tentando dar uma aparência representativa, o processo
legislativo autocrático persiste em vários Estados: na União Soviética, na Itália Fascista e
na Alemanha de Hitler.
Então, fica demonstrado que a lei pode decorrer de um processo legislativo ou, sim-
plesmente, de sua promulgação pelo soberano.
Análise inicial
Faça uma leitura dos livros “A Cidade Antiga” (Fustel de Coulanges) e Filosofia do
Direito (Miguel Reale) e reflita a respeito do papel do legislador e da lei durante a
História, sobre a igualdade material e formal, a justiça, as relações jurídicas, entre
outros aspectos relevantes. Para o desenvolvimento da reflexão você poderá utili-
zar quaisquer materiais disponíveis, inclusive na Internet (desde que citada a fon-
te). Faça uma reflexão a respeito do assunto. Durante o desenvolvimento do com-
ponente curricular vai ser explicitada a forma de exposição da pesquisa.
Seção 1.2
Supremacia da Lei e Primado da Razão
Falar no contexto atual de processo legislativo, de legalidade e de democracia, é perti-
nente a partir do contexto de Estado de Direito. O Estado de Direito, nascido dos movimen-
tos revolucionários liberais do século 18, é o Estado no qual vamos verificar a supremacia
da lei, não uma lei qualquer, mas uma lei garantidora de direitos e liberdades do cidadão,
principalmente ante ao próprio Estado.
Fustel de Coulanges (1961), neste sentido, nos diz que na Antiguidade, entre gregos,
romanos e hindus, a lei era parte da religião, e que os códigos da cidade antiga eram um
conjunto de ritos, prescrições litúrgicas, preces e disposições legislativas. As leis reais apli-
cavam-se ao culto e à vida civil. As leis apareciam como algo antigo, imutável e venerável,
tão antigas quanto as próprias cidades. Ou seja, a lei, mesmo que não escrita, era imposta
pelo próprio fundador da cidade como divina, portanto sem qualquer possibilidade de alte-
EaD Aldemir Berwig
16
ração, tendo como “legislador” aquele que tinha “poder” para controlar seu povo. O direito
antigo não surgiu fundado na ideia de justiça, mas como norma que correspondia ao co-
nhecimento das gerações antigas. Talvez aí, verifiquemos o traço do costume como
ordenamento de condutas futuras fundado na crença.
A própria estruturação de um regime constitucional pluralista somente vai ser possível
a partir da supremacia da lei, mas uma lei que regule e controle o exercício do poder, ao
mesmo tempo em que ela própria é controlada. Desta forma, vamos pressupor que será ne-
cessário o estabelecimento de regras de conduta gerais e impessoais, visando a controlar a
conduta pessoal e estatal.
Ferreira Filho (2002, p. 21), ao abordar a ambiguidade do termo lei, afirma que ele tanto
pode ser adequadamente empregado para indicar o justo, quanto ser mera ordem do legisla-
dor, independentemente de seu conteúdo. Diz o autor, portanto, que são dois significados: o
primado do justo, ou seja, a supremacia do Direito, ou a ideia de ordem do legislador, que, em
caráter absoluto, deve ser obedecida pela coletividade, isto é, a supremacia da lei.
Nos parece que devemos sempre entender a supremacia da lei como uma supremacia do
Direito, muito embora estejamos falando em lei em sentido estrito. No moderno Estado de
Direito somente tem sentido falar em supremacia do Direito, posto que a lei deverá atender a
alguns pressupostos estabelecidos na lei máxima da nação. Ou seja, de certa maneira o legis-
lador está vinculado às leis constitucionais, salvo no caso do Poder Constituinte originário.
 Ademais, é necessário lembrar que a lei
no Estado de Direito diferencia-se daquela do
Estado antigo, no qual se confunde com o sa-
grado e, como tal, prescinde de um processo de
formação, uma vez que não tem data e se trans-
mite pela tradição.
Se, portanto, se por um lado temos uma
lei imutável aos olhos do povo, por outro temos uma que pode ser alterada lentamente em
razão de que são apenas guardadas na memória sem estarem escritas.
Embora Ferreira Filho (2002) afirme que a democracia ateniense previa o processo
legislativo e que todo cidadão era detentor de iniciativa legislativa, entendemos que o con-
texto de democracia era outro, pois poucos homens pertenciam à categoria de cidadãos e,
portanto, não vamos aqui aprofundar o tema. Assim, se quisermos fazer um estudo da lei e
de seu processo de elaboração, temos de partir do processo legislativo clássico, instaurado
por decorrência da criação do Estado de Direito com suas variantes.
1
1
 Disponível em: <http://www.iasddutra.wordpress.com>. Acesso em: 10 jan. 2011.
EaD
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Seção 1.3
Tripartição dos Poderes e Processo Legislativo Clássico
A História é testemunha da preocupação com o desempe-
nho do poder político, das formas de governo e das funções esta-
tais. Passando pelo pensamento de Aristóteles, Platão, Políbio,
Heródoto, Xenofonte, Maquiavel e Althusius (Clève, 2000, p.
23-24), é um debate atual. É a Montesquieu, entretanto, que se
deve a formulação da teoria da tripartição de poderes, constru-
ção que leva em consideração as funções do Estado, por meio de
órgãos que desempenham poderes dotados de independência e
harmonia, adotadas pelas sociedades políticas atuais.
No Iluminismo, a preocupação com a lei ganha atenção
nas reflexões, bastando citar Montesquieu, na França, Filangieri,
na Itália, e Benthan, na Inglaterra. Mais tarde, no século 19, os
debates desenvolvem-se na Alemanha, especialmente com
Savigny. É um período em que os debates restringem-se essenci-
almente a uma perspectiva jurídica, especialmente em questões
relativas à redação legislativa, tendência que se acentua no final
do século 19 e no início do século 20, com a produção de impor-
tantes codificações civis e criminais.
A partir dessas considerações, é possível afirmar que a ideia
clássica de supremacia da lei, adotada a partir das grandesrevo-
luções do século 18 – a Revolução de Virgínia e a Revolução Fran-
cesa –, é a de que o governo das leis é uma recusa ao arbítrio dos
governantes. Desta forma, este entendimento veda qualquer ten-
tativa de arbitrariedade mediante o estabelecimento de leis for-
mais. Em outras palavras, o estabelecimento de leis formais deve
seguir um processo legitimador e nunca servir para o exercício
arbitrário por aqueles que detém o poder. A legislação, portanto,
não pode ter primazia sobre o Direito.
Fundamentado nas concepções de Montesquieu, o Estado
de Direito é estruturado a partir de uma organização em que se
separam os poderes de forma que todo o exercício do poder seja
controlado e que o fundamento de todo o ordenamento jurídico
Disponível em: <http://
www.benitopepe.com.br>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
Aristóteles (384-322 a.C.) –
Um dos maiores filósofos
gregos. É o fundador de uma
escola filosófica de renome: o
Liceu. Devemos a ele o
essencial de nossa informação
sobre as noções de cidadão e
cidadania e nosso conhecimen-
to sobre as instituições. Suas
obras incluem ainda tratados
de lógica, obras de metafísica,
moral, filosofia política,
retórica, ciências naturais e
críticas literárias.
Disponível em: <http://
www.dombosco.com.br>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
Disponível em: <http://
www.claudiofilosofo.blogspot.com>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
Platão (429-347 a.C) –
Filósofo, discípulo de Sócrates,
é o fundador de uma impor-
tante escola filosófica da
Antiguidade: a Academia. Além
da célebre Defesa de Sócrates,
sua obra contém 25 diálogos,
em especial O Banquete e A
República. Ele desenvolveu
uma crítica da democracia.
Disponível em: <http://
www.dombosco.com.br>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
EaD Aldemir Berwig
18
interno de cada Estado seja estabelecido por uma lei suprema, a
Constituição. A Constituição cria o Estado e sua estrutura deter-
minando as competências que serão exercidas por cada um dos
órgãos estatais, sob influência direta da legalidade criada e me-
diante a separação dos poderes estatais.
A teoria da tripartição dos poderes consolida-se na prática,
principalmente como evolução do Estado revolucionário francês
crescendo e se solidificando como Estado Liberal ao final do sé-
culo 18, rompendo com os postulados do Antigo Regime vigentes
desde o final da Idade Média; Estado Liberal que se constrói sob
os princípios da plenitude do homem e da perfectibilidade da so-
ciedade racional, extensíveis à estrutura estatal e à divisão de
suas funções precípuas. Esta concepção torna possível instalar
no Estado a distribuição das funções relativas à elaboração, apli-
cação e controle do Direito estabelecido, de forma que cada um
dos Poderes desempenhe alguma função precipuamente, não ex-
clusivamente. Nasce a ideia das competências estatais.
Essa concepção vai demonstrar que no Estado de Direito
não há monopólio da produção de leis nas mãos do Legislativo,
uma vez que todos os poderes concorrem para a sua aprovação.
O poder desempenhado no Estado não está centrado em um
governante, sendo necessária a existência de uma fórmula que
permita, de modo equilibrado e moderado, o desempenho do go-
verno. Isso é possível com a distinção dos poderes estatais, a par-
tir da identificação dos órgãos autônomos responsáveis por espe-
cíficas funções públicas. A partir do ideário de Montesquieu há o
entendimento de que é preciso que o próprio poder se encarregue
de controlar e limitar o desempenho do poder, o que mais tarde
vem a configurar a divisão de suas funções essenciais – a
legislativa, a executiva e a jurisdicional. Tal concepção é expres-
sa nos seguintes termos:
O poder político é indivisível, teoricamente, porque o seu titular é o
povo e não o divide, senão que, em face da ação do Poder Constituin-
te, confere o exercício a diferentes órgãos encarregados de exercer
distintas tarefas ou atividades, ou ainda diferentes funções. Ademais,
o poder é indivisível por natureza. Não corresponde a uma coisa que
a ela se possa aceder, algo com fim e começo, um objeto capaz de ser
Disponível em: <http://
www.politicaparapoliticos.com.br>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
Políbio (203-120 a.C.) – Foi
um geógrafo e historiador da
Grécia Antiga, famoso pela sua
obra Histórias, cobrindo a
História do mundo Mediterrâ-
neo no período de 220 a.C. a
146 a.C. É-lhe também
atribuída a invenção de um
sistema criptográfico de
transliteração de letras em
números.
Disponível em: <http://
pt.wikipedia.org/wiki/
Pol%C3%ADbio>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
Disponível em: <http://
www.dombosco.com.br>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
Heródoto (485-420 a.C.) –
Contemporâneo das Guerras
Médicas, Heródoto percorreu
todo o universo conhecido de
seu tempo. Fundou a ciência
histórica com sua obra
Pesquisa, também chamada
Histórias. Ele é tido como o
primeiro historiador e também
o primeiro geógrafo e
etnógrafo.
Disponível em: <http://
www.dombosco.com.br>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
EaD
19
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
tomado, destruído e multiplicado. O poder político soberano
substancia uma relação de forças entre as classes e grupos antagôni-
cos; relação sem forma definida, mas que, de qualquer modo se
condensa e, por vezes, se materializa, dando origem a instituições,
práticas sociais, convenções, aparatos funcionais, como, inclusive,
o Estado e o direito. Logo, não pode ser dividido. Quando a doutrina
tradicional trata do poder, dentro do contexto da célebre teoria em
discussão, certamente com esse significante está querendo fazer
menção a um órgão estatal autônomo ou a uma função de Estado.
Nada mais do que isso (Clève, 2000, p. 30-31).
A lei estabelece a divisão das funções do Estado com a cria-
ção de um sistema conhecido como de freios e contrapesos a par-
tir da concepção de Montesquieu, essencial para garantir a li-
berdade individual.
Seção 1.4
Surgimento da Atividade Legislativa
A História nos mostra que desde a Antiguidade sempre hou-
ve regulação do comportamento humano por meio de leis das
mais diversas espécies, embora tais leis não tivessem o mesmo
sentido que hoje. Desde a dominação presente na mais rudimen-
tar convivência dos homens das cavernas ao patamar mais eleva-
do de desenvolvimento das sociedades, sempre houve alguma for-
ma de controle das condutas humanas, embora não se possa con-
siderar que nos primórdios existissem leis.
Verificamos, portanto, que a produção legislativa é, de cer-
ta forma, uma criação moderna. Embora existam regras de con-
duta desde os primórdios da humanidade, podemos até afirmar
que as regras não decorriam de um processo legislativo, sendo
impostas a partir da vontade de determinada pessoa que era, em
algum momento, detentor do poder. Por mais que, portanto, pos-
samos ter o entendimento de que as regras organizadoras da vida
em sociedade sejam inerentes a qualquer agrupamento humano,
podemos igualmente acrescentar que nem sempre as regras são o
resultado da participação humana na sociedade, mas que, em
muitas oportunidades, tal respeito é resultado da imposição uni-
lateral da vontade de quem detém o poder.
Disponível em: <http://
www.dombosco.com.br>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
Xenofonte (430-355 a.C.) –
Discípulo de Sócrates por 15
anos, escreveu sobre todos os
assuntos relativos à política,
filosofia, guerra e até questões
técnicas. Talvez por isso os
antigos o chamassem de “abelha
Ática”. Ele compôs um romance
histórico e filosófico, A Educação
de Ciro, em que esboça um
retrato do chefe de Estado ideal.
Disponível em: <http://
www.dombosco.com.br>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
Disponível em:
 <http://www.arqnet.pt>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
Nicolau Maquiavel (3 de maio de
1469 – 21 de junhode 1527) – Foi
um historiador, poeta, diplomata e
músico italiano do Renascimento. É
reconhecido como fundador do
pensamento e da ciência política
moderna pelo fato de haver escrito
sobre o Estado e o governo como
realmente são e não como
deveriam ser. Os recentes estudos
do autor e da sua obra admitem
que seu pensamento foi mal
interpretado historicamente. Desde
as primeiras críticas, feitas
postumamente por um cardeal
inglês, as opiniões, muitas vezes
contraditórias, acumularam-se, de
forma que o adjetivo maquiavélico,
criado a partir do seu nome,
significa esperteza, astúcia.
Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/
Nicolau_Maquiavel>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
EaD Aldemir Berwig
20
Feitas essas considerações, é possível afirmar que, embora
existam inúmeros elementos históricos sobre a atividade
legislativa, devemos nos prender à ideia de que o processo
legislativo, tal como conhecemos hoje, é uma construção moder-
na não presente na Antiguidade, o qual deve ser entendido como
o amadurecimento de uma prática que em alguns momentos pres-
cindia da participação da sociedade, mas que, com a atual evolu-
ção, parece tornar inequívoca a ideia de participação e de justiça
social.
Compreendendo as diversas fases do pensamento sobre a
elaboração das leis
Para que você tenha uma compreensão da evolução do
pensamento sobre a elaboração legislativa, sugiro que
pesquise a existência de teorias da elaboração das leis.
Seção 1.5
Elaboração da Lei e Processo Legislativo Brasileiro
Um estudo da elaboração legislativa brasileira não pode se
apartar do método estabelecido nas Constituições brasileiras. A
evolução da lei e do processo legislativo brasileiro, se podemos
assim considerar, é prevista desde a primeira Constituição brasi-
leira, a Constituição Imperial de 1824.
Analisando a evolução histórica, verificamos que a Consti-
tuição da República de 1988 estabelece o processo legislativo que
segue as linhas gerais do processo clássico, obedecendo uma es-
trutura básica. Verifica-se, entretanto, que houve um aperfeiçoa-
mento de seu método visando a aprimorar o funcionamento da
estrutura legislativa e dar maior celeridade ao processo de forma-
ção das leis, além, é claro, de estabelecer boas leis que venham a
atender ao interesse da coletividade.
Disponível em: <http://
www.medievalrealm.blogspot.com>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
Johannes Althusius (1557 –
12 de agosto, 1638) – Foi um
filósofo e teólogo calvinista
alemão, conhecido por sua
obra “Politica methodice
digesta et exemplis sacris et
profanis illustrata” (A política
metodicamente concebida e
ilustrada com exemplos
sagrados e profanos); edições
revisadas foram publicadas em
1610 e 1614. As ideias
apresentadas nessa obra
serviram de base para conside-
rar Althusius o primeiro
federalista autêntico, pai do
federalismo moderno e
defensor da soberania popular.
Disponível em: <http://
pt.wikipedia.org/wiki/
Johannes_Althusius>.
 Acesso em: 10 jan. 2011.
EaD
21
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
A partir deste breve intróito, passaremos a discorrer sobre os principais pontos estabe-
lecidos em cada uma das Constituições brasileiras.
A primeira Constituição Brasileira, a “Constituição Política do Império do Brazil”, de
25 de março de 1824, foi a primeira experiência constitucional da nação recém-declarada
independente, “oferecida e jurada” por sua Majestade o imperador Dom Pedro I. Filiou-se
ao constitucionalismo clássico construído a partir da ideia proposta no artigo 16 da Decla-
ração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que estabelecia: “Toda sociedade na
qual a garantia dos direitos não for assegurada, nem a separação dos poderes determinada,
não tem Constituição”. Sofreu considerável influência da Constituição Francesa de 1814.
Estava estabelecido um regime constitucional que propunha a separação dos poderes
e garantia dos direitos individuais pela lei, ou seja, um regime ou sistema político de liberda-
des. É importante ressaltar que, segundo Mendes, Coelho e Branco (2008, p. 163), esta
primeira Constituição brasileira marca a ruptura entre o absolutismo e o liberalismo, para se
constituir no “texto fundador da nacionalidade e no ponto de partida para a nossa maiori-
dade constitucional”. Vale dizer, marca o nascimento de uma nova nação.
Esta Constituição destaca a separação de poderes no Brasil de forma peculiar, pois
estabelece um quarto poder no seu artigo 98, o Poder Moderador, chave de toda a organiza-
ção política, “delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação e seu
Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Indepen-
dência, equilíbrio, e harmonia dos demais Poderes Políticos”.
Verificamos, portanto, que a Constituição do Império estabelece um Poder Superior
atribuído ao Imperador para inspecionar e conduzir as atividades dos poderes segundo os
interesses da Coroa, e que o Poder Legislativo é exercido pela Assembleia Geral, composta
pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.
Esta primeira Constituição brasileira já prevê um sistema bicameral, embora não pos-
samos verificar qualquer processo legislativo que se aparte do Poder Supremo do Imperador.
Segundo Lenza (2009, p. 53), o Poder Moderador era, sem dúvida, “o mecanismo que serviu
para assegurar a estabilidade do trono do Imperador durante o reinado no Brasil”.
Embora a Constituição estabeleça a existência de duas casas legislativas com compe-
tências próprias, verifica-se, numa análise das normas constitucionais, que ambas as casas
praticamente se submetem à vontade do Imperador, que detém, inclusive, o Poder Modera-
dor, e é quem efetivamente termina aprovando ou não as novas leis.
É de se ressaltar, inclusive, que, em caso de silêncio do Imperador quanto à sanção
da lei, significa que estará negando sanção à lei aprovada em ambas as câmaras
legislativas, o que poderá ocorrer por mais duas legislaturas, caso o mesmo projeto seja
EaD Aldemir Berwig
22
novamente encaminhado à sanção do Imperador. Silenciando nestas duas últimas, da
mesma forma que na primeira, a lei seria reputada obrigatória a todos, mesmo sem a
sanção deste.
Verifica-se, portanto, que neste período da História Imperial, embora a Constituição
faça previsão de um processo legislativo, praticamente o que prepondera é a vontade do
Imperador, que detém um grande poder de decisão mesmo nas questões em que seja
estabelecida a necessidade de lei. Por outro lado, verifica-se que na Constituição Imperial já
há previsão de que a proposição de lei com proposta orçamentária é atribuída ao Poder
Executivo, em tese, por ser quem conhece melhor a realidade sociopolítica em que irá atuar,
possibilitando o fornecimento de maiores elementos ao legislador, para análise e decisão
sobre a peça orçamentária. Não significa, entretanto, dizer que ele era independente.
Posteriormente, em 24 de fevereiro de 1891, temos a promulgação da Constituição da
República dos Estados Unidos do Brasil, que, segundo Mendes, Coelho e Branco (2008, p.
164-165), trata-se de uma Constituição influenciada pelo modelo norte-americano sem uma
necessária e cautelosa adaptação sociológica. A influência da Constituição norte-america-
na de 1787 foi tanta que a República passa a se chamar “República dos Estados Unidos do
Brasil”, embora os modelos de federação brasileira e norte-americana em muito se distanci-
assem.
A Constituição de 1891 põe fim ao Poder Moderador e adota a teoria clássica da
tripartição de Poderes proposta por Montesquieu, o que fica estabelecido no seu artigo 15,
ao determinar que “são órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o
Judiciário, harmônicos e independentes entre si”.
O Poder Legislativo passa a ser exercidopelo Congresso Nacional, que é composto de
duas casas – a Câmara dos Deputados e o Senado Federal –, com a sanção do presidente da
República. É o nascimento do bicameralismo federativo.
Especificamente no que se refere à iniciativa de proposição de projetos de leis, é que o
artigo 36 prevê que todos os projetos podem ter origem em qualquer das casas legislativas
por iniciativa de qualquer um de seus membros, ressalvadas algumas exceções asseguradas
exclusivamente para a Câmara dos Deputados no seu artigo 29. Ao chefe do Executivo fica
reservado o poder de sanção ou veto ao projeto aprovado pelas Câmaras do Congresso Na-
cional no prazo de dez dias úteis após ter recebido o projeto para apreciação.
Outra alteração substancial no processo legislativo é que a Constituição de 1891 ins-
titui que o silêncio do presidente da República no prazo de dez dias úteis ocasiona a sanção
do projeto de lei, de forma que praticamente passa a exigir o seu pronunciamento. Em caso
de veto presidencial, fica estabelecido que cada uma das Câmaras do Congresso poderá, por
EaD
23
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
voto de dois dos presentes, derrubar o veto ao projeto de lei. Além disso, prevê a
obrigatoriedade de promulgação da lei no prazo de 48 horas pelo presidente, e, na sua falta,
pelo presidente ou vice-presidente do Senado. Passa a prever também que os projetos rejei-
tados ou não sancionados não poderão ser renovados na mesma sessão legislativa.
A segunda Constituição Republicana, a “Constituição da República dos Estados Uni-
dos do Brasil”, foi promulgada em 16 de julho de 1934, elencando como atribuição ao Sena-
do Federal funções assemelhadas às do imperial Poder Moderador, incubindo esta Casa
Legislativa de coordenar os poderes federais entre si e velar pela Constituição.
Especificamente no que trata do processo legislativo, inovou ao estabelecer competên-
cias privativas para a propositura de projetos de leis, ampliando o rol dos órgãos competentes:
a Câmara dos Deputados, o Senado Federal, os Tribunais e o presidente da República.
Quanto à sanção ou veto do projeto de lei, em relação à Constituição de 1891, prevê
que, em caso de veto, o projeto será devolvido à Câmara dos Deputados, que poderá derru-
bar o veto por maioria absoluta dos seus membros, encaminhando-o, em seguida, ao Sena-
do Federal, que o submeterá à aprovação pelo mesmo quórum. Se o projeto for sancionado
pelo presidente ou, em caso de veto, derrubado pelas duas Câmaras Legislativas, o presiden-
te deverá em 48 horas promulgar a lei sancionada. Caso o presidente não a promulgue no
tempo prescrito, o presidente da Câmara dos Deputados o fará.
Pouco se diferencia, portanto, o processo legislativo do previsto na anterior Constituição.
A Constituição de 10 de novembro de 1937 estabelece competência de iniciativa de lei
“em regra” ao governo, vedando expressamente a qualquer das Câmaras Legislativas a pro-
posição de projetos de lei em matéria tributária ou que acarrete aumento de despesa. Em
caso de iniciativa destas Casas, exige que esta seja proposta por, no mínimo, um terço de
seus membros e pelo Conselho da Economia Nacional. Estabelece ao governo a prerrogati-
va de retirar o projeto de lei quando ele já estiver tramitando nas Casas Legislativas.
A Constituição de 18 de setembro de 1946 apresenta algumas alterações substanciais
e tem uma melhor redação que as anteriores.
No que se refere à iniciativa de leis, a novel Constituição delimita mais rigidamente as
competências estabelecendo atribuições concorrentes para a propositura de leis ao presi-
dente da República e a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados e do
Senado Federal, ao lado das competências exclusivas, tanto do presidente da República
quanto das Casas Legislativas e dos Tribunais Federais.
Determinou ainda que as leis de iniciativa do presidente da República iniciam sua
tramitação na Câmara dos Deputados seguindo para o Senado Federal e depois para a san-
ção presidencial, caso aprovado na íntegra, e seu retorno à Casa propositora em caso de
EaD Aldemir Berwig
24
modificação. Em caso de veto ao projeto aprovado nas duas Casas Legislativas, prevê que o
presidente do Senado Federal convoque as duas Casas Legislativas para, em sessão conjun-
ta, se manifestarem, podendo derrubar o veto por dois terços dos votos dos presentes, envi-
ando, posteriormente, ao presidente da República para promulgação em 48 horas. Em caso
de silêncio, o presidente do Senado Federal ou seu vice a promulgarão.
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1967, é que veio a estabelecer
verdadeiro processo legislativo mediante expressa previsão.
Elencou em seu artigo 49 as espécies legislativas compreendidas no processo legislativo:
as emendas à Constituição, as leis complementares à Constituição, as leis ordinárias, as leis
delegadas, os decretos-leis, os decretos legislativos e as resoluções. Inovou ao apresentar em
seu artigo 50 a possibilidade de emenda à Constituição mediante proposta de membros da
Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, do presidente da República e de Assembleias
Legislativas dos Estados, e por estabelecer cláusulas pétreas.
Instituiu, ainda, que o presidente da República, reputando urgente o projeto de lei,
poderia solicitar que fosse apreciado em 45 dias a partir do recebimento em cada casa. Pas-
sava, portanto, a prever um regime de urgência para votação da matéria, determinando que
a falta de apreciação neste prazo acarretaria a aprovação tácita dos mesmos.
Também apresentou diferenciação entre a lei ordinária e a complementar, prescreven-
do que a aprovação destas últimas ocorre por maioria absoluta dos membros das duas Casas
do Congresso Nacional. Fez previsão de uma espécie de transferência de competência, des-
de que não exclusiva, de um Poder a outro, a qual denominou lei delegada.
Talvez, no entanto, a alteração constitucional mais importante ocorrida com a nova
Constituição tenha sido a atribuição de Poder superior ao presidente da República em
relação às casas legislativas, ao lhe possibilitar a edição de Decretos-Leis. Os decretos
com força de lei poderiam versar sobre duas matérias: segurança nacional e finanças
públicas, devendo ser apreciados pelo Congresso Nacional no prazo de 60 dias, não
sendo possível a sua emenda. Em caso de não apreciação no prazo, o decreto-lei seria
dado como aprovado.
A Constituição da República Federativa do Brasil, resultante da Emenda 1/69, teve
poucas alterações em relação ao processo legislativo. Uma alteração que chamou a atenção
foi a supressão das Assembleias Legislativas dos Estados como legitimadas a propor emen-
das à Constituição. Quanto aos Decretos-Leis, a nova Constituição ampliou o poder do
presidente da República, estabelecendo que poderia expedi-los sobre as seguintes matérias:
segurança nacional, finanças públicas (inclusive normas tributárias) e criação de cargos
públicos e fixação de vencimentos.
EaD
25
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Realizadas essas considerações, chega-
mos à Constituição da República Federati-
va do Brasil de 1988. A atual Constituição
manteve as mesmas espécies legislativas da
Constituição anterior, apenas substituindo
o Decreto-Lei pela Medida Provisória. Uma
inovação inserida foi a previsão de que a ela-
boração, redação, alteração e consolidação
das leis será regrada por Lei Complementar.
É importante lembrar que a Lei Com-
plementar nº 95/1998 estabelece tal
regramento de observância obrigatória ape-
nas para a União.
Em razão de que as normas da Lei Complementar nº 95/1988 são o próprio objeto de
estudo de nosso componente curricular, vamos deixar para abordar suas especificidades no
momento oportuno.
Reflexão sobre o processo legislativo brasileiroA partir das considerações até o momento, faça uma pesquisa sobre a evolução
do procedimento de elaboração de leis no Brasil, desde as primeiras ordenações.
A pesquisa será apresentada em ocasião própria.
SÍNTESE DA UNIDADE 1
Nesta Unidade apresentamos uma noção de processo legislativo e
a evolução do processo de elaboração das leis, na perspectiva de
demonstrar a você a importância de se fazer uma análise de obras
clássicas, especialmente por intermédio do estudo da Filosofia do
Direito, para compreender o momento atual da produção legislativa.
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 Disponível em: <http://www.edu-cacao.blogspot.com>. Acesso em: 10 jan. 2011.
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Abordamos o surgimento do processo legislativo propriamente dito
e sua perspectiva na modernidade, especialmente a partir das re-
voluções liberais do século 18 e da tripartição dos poderes.
Finalizando, abordamos o desenvolvimento do processo legislativo
brasileiro, descrevendo sua previsão constitucional desde a Cons-
tituição do Império para demonstrar a mutação ocorrida nesse pe-
ríodo.
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Unidade 2Unidade 2Unidade 2Unidade 2Unidade 2
QUESTÕES FUNDAMENTAIS
DE TÉCNICA LEGISLATIVA
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
• Apresentar o objeto da atividade legislativa e das normas no ordenamento jurídico, bem
como os princípios do processo legislativo e da legística.
• Proporcionar uma reflexão sobre a elaboração legislativa no Estado Democrático de Direi-
to e a garantia dos direitos do cidadão, enfatizando as fases de desenvolvimento da ela-
boração legislativa propriamente dita.
• Destacar a importância da competência estatal na elaboração da lei como aspecto de
validade e eficácia da norma jurídica e a necessidade de que se produzam leis com boa
técnica legislativa.
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
Seção 2.1 – Finalidade das normas jurídicas
Seção 2.2 – Atividade legislativa
Seção 2.3 – Princípios informadores da elaboração normativa
Seção 2.4 – Lei e respeito às situações jurídicas consolidadas
Seção 2.5 – Processo legislativo interno
Seção 2.6 – Há necessidade de controlar os resultados da lei?
Seção 2.7 – Valores dominantes e a supremacia do Direito
Seção 2.8 – Interesse público e Direito
Seção 2.9 – Menos leis, melhores leis!
Seção 2.10 – Legística
Seção 2.11 – Questões a serem analisadas na elaboração de atos normativos
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Seção 2.1
Finalidade das Normas Jurídicas
O ordenamento jurídico é um conjunto de regras jurídicas que tem por finalidade esta-
belecer os fundamentos de justiça e segurança, que assegurem um desenvolvimento social
harmônico dentro de um contexto de paz e de liberdade nos termos da Constituição da
República. É composto, portanto, de um conjunto de normas jurídicas que visam a
concretização da Constituição.
Para analisar os objetivos das normas jurídicas é necessário analisá-las dentro do con-
texto da lei. Assim, podemos dizer que a lei e suas normas jurídicas têm como objetivos o
expresso nas seguintes funções (Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 78):
– de integração: ao compensar as diferenças jurídico-políticas no quadro de formação da
vontade do Estado (desigualdades sociais, regionais, etc.);
– de planificação: como instrumento básico de organização, definição e distribuição de com-
petências;
– de proteção: como instrumento de proteção contra o arbítrio, ao vincular os próprios ór-
gãos do Estado e suas ações;
– de regulação: ao direcionar condutas e atividades mediante a imposição de condições e
restrição ao seu desenvolvimento;
– de inovação: pois é o único ato estatal, abaixo da ordem constitucional, que pode inovar
na ordem jurídica e no plano social.
Seção 2.2
Atividade legislativa
 No Estado de Direito a lei tem relevante
papel na ordem jurídica, posto que ela é a
única que pode inovar de forma a impor con-
dutas ao cidadão e ao próprio Estado.
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 Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em: 10 jan. 2011.
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Significa que a lei é que vai estabelecer as condutas permitidas e as proibidas, de
modo que o Estado as instale de forma imperativa e, em regra, independentemente da con-
cordância do cidadão, e tal se concretiza em razão de que no Estado Democrático de Direito
o cidadão é retratado pelos seus legítimos representantes que exercem a missão de proceder
a elaboração legislativa estatal, regulamentando o seu ordenamento jurídico.
Em princípio, ao abordarmos a competência para elaborar as normas legais, temos de
ressaltar que essa atribuição é do Estado, que a elabora por intermédio de seus agentes
públicos. Igualmente, no caso destes, temos de falar em competência para exercer a função
pública. Ao tratarmos da competência para legislar, portanto, temos de verificar qual o ente
político-administrativo (União, Estado, Distrito Federal e Município) a detém. Esse é o pri-
meiro cuidado que se deve ter na elaboração legislativa.
Reconhecida a competência do ente político-administrativo, temos de verificar qual o
órgão público que detém a competência. Ao falarmos em órgão público, temos de compreendê-
lo em seu sentido amplo: órgão público pode ser o ente abstrato ou o agente público a que
a lei tenha dado competência para o ato. E quando falamos em lei, temos de observá-la em
seu contexto hierárquico: averiguar a norma fundamental e aquelas que dela decorrem.
Consiste em fazer uma análise de todo o ordenamento jurídico vigente em um determinado
ente estatal.
A competência legislativa é ilimitada? Dependendo do ângulo em que formos analisar
a questão, poderemos afirmar que sim ou que não. Se analisarmos o desempenho do Poder
Constituinte, poderemos arriscar a dizer que é ilimitado ou que o limite é a delegação do
poder. Tal afirmação, entretanto, geraria inúmeras controvérsias. Embora, portanto, se pos-
sa afirmar que quanto à matéria a competência para editar normas quase não conhece
limites (universalidade da atividade legislativa), a atividade legislativa é, e deve continuar
sendo, uma ação subsidiária.
Significa dizer que o exercício da atividade legislativa está submetido ao princípio
da necessidade, isto é, que a promulgação de leis supérfluas ou desnecessárias configu-
ra abuso do poder de legislar. O limite da atividade legislativa, portanto, deve ser enten-
dido como decorrência da própria delegação de poder presente na representação demo-
crática. É, segundo Mendes e Forster Júnior (2002, p. 78), “a presunção de liberdade,
que lastreia o Estado de Direito democrático, pressupõe um regime legal mínimo, que
não reduza ou restrinja, imotivada ou desnecessariamente, a liberdade de ação no âmbi-
to social”. Trata-se dos fundamentos objetivos que as leis devem ter, sob pena de
inconstitucionalidade.
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Os fundamentos objetivos a
que nos referimos estão estabeleci-
dos como inerentes ao Estado De-
mocrático de Direito e servem de
limite à atividade legislativa. A
Constituição da República institui
competências, dentre as quais as
legislativas, que devem ser
exercidas em conformidade com as
suas normas, especialmente no ar-
tigo 1º e seu parágrafo único, e ar-
tigo 5º, além de outros. A lei e a
atividade legislativa, portanto, de-
vem obedecer aos limites impostos
constitucionalmente.
Podemos olhar e entender o “poder de editar normas” em um sentido mais amplo e
denominá-lo “atividade normativa”. É importante fazer essa distinção em razão de que toda
a atividade de elaboração da lei é atividade normativa, mas nela encontramos outras espé-
cies de atos, como é o caso dos atos administrativos. Neste sentido, temos o exercício do
poder regulamentar estabelecido no artigo 84, IV2 da Constituição da República, observan-do-se os limites determinados pela lei.
Esse entendimento decorre da própria ideia de hierarquia das leis proposta por Kelsen
e significa que a ordem jurídica não tolera contradições entre normas jurídicas ainda que
situadas em planos diversos. Como, entretanto, afirmam Mendes e Forster Júnior (2002, p.
78), nem sempre tais limites normativos são rigorosamente observados. “Fatores políticos ou
razões econômico-financeiras ou de outra índole acabam prevalecendo no processo
legislativo, dando azo à aprovação de leis manifestamente inconstitucionais ou de regula-
mentos flagrantemente ilegais”.
Não é a aprovação da lei, no entanto, que garante a sua aplicação, pois a Constitui-
ção da República estabeleceu controles de legalidade e constitucionalidade a serem exerci-
dos pelo Poder Judiciário. Significa dizer que a publicação de uma lei não é garantia de sua
obrigatória aplicação e respeito, pois o receptor da norma jurídica dispõe de mecanismos
constitucionalmente criados para o seu controle.
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 Artigo 84. Compete privativamente ao presidente da República:
(...)
IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Seção 2.3
Princípios Informadores da Elaboração Normativa
A atividade de elaboração da lei, como todas as atividades estatais, fundamenta-se,
no Estado Democrático de Direito, em alguns preceitos apresentados explícita ou implicita-
mente no sistema constitucional.
A adoção constitucional do modelo de Estado de Direito estabelece que, neste Estado,
todos, inclusive ele, estão sujeitos à lei. Ao caracterizá-lo como democrático, pressupõe que
na adoção das leis que vão ordenar e coordenar as ações do próprio Estado e dos cidadãos,
haverá uma ação conjunta de todos e que representará a vontade da nação, pautado por
um sistema de direitos fundamentais.
Para abordarmos os princípios informadores do processo de elaboração da lei é neces-
sário considerar o modelo de Estado e, a partir dele, verificar quais os princípios que o orien-
tarão. Canotilho (1998) esclarece que o princípio do Estado de Direito exige que as normas
jurídicas sejam dotadas de alguns atributos, tais como precisão ou determinabilidade, clare-
za e densidade suficiente para permitir a definição do objeto da proteção jurídica e o contro-
le de legalidade da ação administrativa.
2.3.1 – PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
Normalmente a doutrina brasileira tem citado vários princípios voltados à legalidade
dos atos do Poder Público. Canotilho (1998, p. 250-259) cita o “princípio geral da segurança
jurídica” relacionando-o com a necessidade humana de segurança para “conduzir, planificar
e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida”. Ao abordar este princípio, afirma que
dois deles estão estreitamente associados – a segurança jurídica e a proteção da confiança –,
a ponto de alguns doutrinadores asseverarem que o segundo é subprincípio do primeiro.
Em regra, diz o autor, a segurança jurídica está relacionada aos elementos objetivos
da ordem jurídica – “garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização
do direito”. Já a proteção da confiança vincula-se mais com os componentes subjetivos da
segurança, como é o caso da previsibilidade e calculabilidade dos indivíduos em relação aos
efeitos jurídicos dos atos dos Poderes Públicos. No fundo, a segurança e a proteção da con-
fiança estabelecem: a) confiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos atos do
Poder Público; b) clareza de que o cidadão tenha, em relação aos atos do Poder Público,
garantida a sua segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus
próprios atos.
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O princípio geral da segurança jurídica (abrangendo a ideia de proteção da confiança),
como citado por Canotilho (1998), portanto, é aplicável a todos os atos do Poder Público. O
cidadão tem o direito de poder confiar que todos os atos ou decisões do Poder Público inciden-
tes sobre seus direitos, posições ou relações jurídicas sejam fundamentados em normas jurídi-
cas vigentes e válidas, se ligam aos efeitos jurídicos previstos e prescritos por tais normas.
Em outras palavras, ainda, utilizando como fonte o “Guia Prático Comum” do Parla-
mento Europeu (União Europeia, 2010), é possível citar alguns requisitos fundamentais
para a boa compreensão da lei. Segundo este guia, os atos legislativos devem ser formulados
de forma clara, simples e precisa, de modo que sua redação será:
a) clara, fácil de compreender, sem ambiguidades;
b) simples, concisa, sem elementos supérfluos;
c) precisa, sem deixar quaisquer dúvidas no espírito do leitor.
A lei deve ser precisa para afirmar o princípio da segurança jurídica. Uma lei imprecisa
não gera qualquer segurança, de forma que o cidadão nem pode confiar em suas disposição.
Ora, o próprio Direito Positivo é escrito para que se dê segurança jurídica. Se a lei não for
precisa, consequentemente não gerará tal segurança ao cidadão.
A segurança jurídica, entretanto, passa pelo pressuposto de normas pautadas pela
precisão e clareza, de modo que o seu destinatário tenha plenas condições de identificar a
situação jurídica que está sendo prevista na lei e as consequências que dela decorrem. De-
vem ser evitadas, portanto, as formulações obscuras, imprecisas, confusas ou contraditórias
(Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 83).
2.3.2 – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
O princípio da legalidade, historicamente, foi sempre apresentado como o cerne do
Estado de Direito, especialmente para limitar a atuação da Administração Pública. Confor-
me Canotilho (1998, p. 249), relacionados à legalidade, são dois os princípios fundamen-
tais: o princípio da supremacia ou prevalência da lei e o princípio da reserva de lei ou
reserva legal.3 Segundo o autor, num Estado Democrático de Direito a lei é ainda o instru-
mento mais apropriado e seguro para definir os regimes de certas matérias, sobretudo os
direitos fundamentais e a “vertebração democrática do Estado”.
3 “Em tema de remuneração dos servidores públicos, estabelece a Constituição o princípio da reserva de lei. É dizer, em tema de
remuneração dos servidores públicos, nada será feito senão mediante lei, lei específica. CF, art. 37, X, art. 51, IV, art. 52, XIII.
Inconstitucionalidade formal do Ato Conjunto n. 01, de 5-11-2004, das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados” (ADI
3.369-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 16-12-04, DJ de 18-2-05).
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Dito isso, é pertinente abordar o princípio da legalidade como um único princípio que
pode ter como especificidades vários subprincípios a ele diretamente vinculados. Não vejo
porquê diferenciar legalidade, de reserva legal, de legalidade em sentido estrito. Aparente-
mente, todos os princípios citados encontram-se intrinsecamente unidos, sendo pratica-
mente impossível separá-los.
A Constituição da República estabelece o princípio da legalidade, pelo menos, em
quatro momentos: no artigo 1º, ao estabelecer que a República Federativa do Brasil é um
“Estado Democrático de Direito”; no artigo 5º, II, ao estabelecer que “Ninguém será obriga-
do a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”; no artigo 37, caput,
quando estabelece que a Administração Pública está submetida, entre outros princípios, ao
da “legalidade”; e no artigo 150, I, quando estabelece que a instituição ou elevação de
tributos somente pode ser levada a efeito mediante lei formal.
O princípio da legalidade estabelece que o instrumento legal adequado à inovação no
mundo jurídico é a lei, de modo que fica vedada “a utilização de fórmulas legais
exageradamente genéricas e a outorga de competência para sua concretização

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