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Peste Suína Africana Introdução A peste suína africana (PSA) é um arbovírus, mas não é considerada uma zoonose. Foi detectada pela primeira vez no Quênia, em meados da década de 1920, e desde então se espalhou por diversos países, causando impactos significativos na suinocultura global. Etiologia A PSA é uma doença altamente contagiosa causada pelo Vírus da Peste Suína Africana (VPSA), um vírus de DNA fita dupla pertencente à família Asfarviridae. Ele possui conformação icosaédrica e é altamente resistente no ambiente, podendo sobreviver por longos períodos em carcaças, fômites e produtos suínos contaminados. ➢ O vírus pode permanecer totalmente viável por até uma semana nos dejetos dos suínos e em alimentos crus e cozidos. ➢ A patogenicidade é um dado obtido a partir da relação entre o número de animais doentes e o número de animais infectados. ➢ Possui dois genótipos de relevância: Genótipo I, associado a infecções assintomáticas ou brandas, e Genótipo II, altamente virulento e responsável por surtos severos. ➢ O ciclo de transmissão do VPSA envolve uma série de fatores e hospedeiros, como suínos domésticos, javalis selvagens e carrapatos do gênero Ornithodoros sp. ➢ O vírus pode ser transmitido de forma direta (contato entre animais infectados e saudáveis) ou indireta (fômites, alimentos contaminados e vetores artrópodes). ➢ Uma vez dentro do organismo do animal, o VPSA infecta principalmente monócitos e macrófagos, células pelas quais possui predileção, através de endocitose ou macropinocitose. ➢ Endocitose – Processo em que a célula "engole" partículas externas formando uma vesícula ao redor do vírus. ➢ Macropinocitose – Uma forma específica de endocitose que envolve grandes quantidades de fluido extracelular. O VPSA explora esse mecanismo para entrar nas células sem ser reconhecido rapidamente pelo sistema imunológico. ➢ Os monócitos e macrófagos desempenham um papel fundamental na resposta imune inata, sendo células especializadas na fagocitose de patógenos e na ativação da resposta imunológica. No caso da Peste Suína Africana (PSA), essas células não apenas são responsáveis pela defesa do organismo, mas também se tornam alvos principais da infecção pelo Vírus da Peste Suína Africana (VPSA). ➢ Monócitos: São células precursoras presentes no sangue, que, ao migrarem para os tecidos, diferenciam-se em macrófagos ou células dendríticas, dependendo do ambiente e dos sinais recebidos. ➢ Macrófagos: São células residentes nos tecidos, especializadas na fagocitose de microrganismos, remoção de células morta e apresentação de antígenos para ativação do sistema imune adaptativo. Epidemiologia ➢ A PSA foi identificada pela primeira vez no Quênia, em meados da década de 1920; ➢ Despertou interesse da comunidade científica internacional quando passou a causar sérios problemas na Europa em 1957. ➢ O primeiro surto de PSA fora do continente africano ocorreu em Portugal, se disseminando com sucesso e causando epidemias através da Península Ibérica na década de 1960. ➢ Na década de 1970, chegou às américas, se disseminando em países como cuba, sendo este o primeiro país do continente americano a notificar a doença, República Dominicana, Brasil e Haiti. ➢ A doença ingressou pela primeira vez no Brasil em 1978 e se manteve endêmica em vários estados até 1980. Patogenia ➢ O VPSA ataca principalmente o sistema linfóide, onde infecta células de defesa chamadas monócitos e macrófagos. No início da infecção, o vírus se multiplica em órgãos como tonsilas e linfonodos, espalhando-se rapidamente pelo sangue e atingindo outros tecidos. ➢ Os macrófagos infectados sofrem mudanças visíveis, como inchaço do citoplasma e alteração no núcleo, sinais de que o vírus está se multiplicando dentro deles. ➢ A destruição dessas células pelo vírus provoca inflamação intensa e danos nos vasos sanguíneos, podendo levar a hemorragias generalizadas e problemas na coagulação do sangue. Além disso, com o sistema imunológico comprometido, o animal fica mais vulnerável a outras infecções. Manifestações Clínicas ➢ O período de incubação da Peste Suína Africana (PSA) varia entre 4 e 19 dias, dependendo da virulência da cepa e da resistência do animal. Durante esse período, o vírus já está se multiplicando no organismo, mas os sinais clínicos ainda não aparecem. ➢ A doença pode se manifestar em quatro formas principais, que variam em gravidade: hiperaguda, aguda, subaguda e crônica. Forma hiperaguda ➢ Os animais morrem rapidamente, entre um e quatro dias após a infecção, sem apresentar sintomas clínicos evidentes. ➢ Em alguns casos, observa-se apenas uma discreta vermelhidão na pele (hiperemia cu- tânea). ➢ Esse tipo de apresentação está associado a cepas altamente virulentas e tem taxa de mortalidade próxima de 100%. Forma aguda. ➢ Os suínos desenvolvem febre alta (40-42°C), anorexia, prostração e fraqueza. ➢ Podem apresentar diarreia aquosa ou com sangue, hemorragias pelo nariz (epistaxe), dificuldade respiratória (dispneia), conjunti- vite e falta de coordenação motora (ataxia). ➢ Exames laboratoriais revelam leucopenia (redução dos glóbulos brancos) e tromboci- topenia (redução das plaquetas), aumen- tando o risco de hemorragias. ➢ A morte pode ocorrer entre 4 e 10 dias após o início dos sintomas. Forma subaguda ➢ Apresenta sintomas semelhantes à forma aguda, mas de forma mais branda e prolon- gada. ➢ A mortalidade varia entre 30 e 70%, e os óbi- tos costumam ocorrer após 20 dias da infec- ção. ➢ Alguns animais podem se recuperar, mas permanecem portadores do vírus, contribuindo para a disseminação da doença. Forma crônica ➢ Evolui lentamente, com sintomas inespecífi- cos, como crescimento lento, perda de peso e baixa mortalidade. ➢ As lesões hemorrágicas típicas da PSA po- dem não estar presentes. ➢ No entanto, os suínos frequentemente desenvolvem infecções secundárias, como pneumonia e artrite, devido à imunossupressão causada pelo vírus. Diagnóstico O diagnóstico da Peste Suína Africana (PSA), assim como em outras doenças infecciosas, exige uma abordagem ampla, considerando diversos fatores, como histórico da propriedade, manejo nutricional, condições das instalações e presença de vetores. Além disso, é fundamental a análise clínica, laboratorial e post mortem para a confirmação da doença. A Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) publicou, em 2019, um manual intitulado "OIE Manual of Diagnostic Tests and Vaccines for Terrestrial Animals", que apresenta protocolos padronizados para a detecção e diagnóstico da PSA. Métodos laboratoriais utilizados no diagnóstico da PSA: ➢ Reação em Cadeia da Polimerase em Tempo Real (RT-PCR): Método altamente sensível e específico que detecta o material genético do vírus em amostras de sangue, órgãos ou tecidos. ➢ Ensaio de Imunoabsorção Enzimática (ELISA): Teste utilizado para identificar anticorpos contra o vírus, indicando exposição prévia ou infecção ativa. ➢ Técnicas de imunocoloração indireta: Métodos histológicos que utilizam anticorpos marcados para detectar a presença do vírus nos tecidos infectados. Diagnóstico post mortem ➢ A necropsia permite a identificação de lesões características da PSA, que variam conforme a forma clínica da doença. ➢ As principais alterações incluem hemorragias em múltiplos órgãos (baço, rins, linfonodos e coração), esplenomegalia (baço aumentado), edema pulmonar e petéquias na mucosa gastrointestinal. ➢ Em casos crônicos, podem ser observadas infecções secundárias, necrose de pele e artrite. Diagnóstico diferencial A Peste Suína Africana (PSA) apresenta sinais clínicos semelhantes a diversas outras doençasque afetam suínos, tornando o diagnóstico diferencial essencial para evitar erros na identificação da doença. De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA, 2020), as principais doenças a serem consideradas no diagnóstico diferencial da PSA incluem: ➢ Peste Suína Clássica (PSC) – também causa febre, hemorragias e alta mortalidade, mas é causada por um vírus de RNA da família Flaviviridae. ➢ Doença de Aujeszky (DA) – afeta o sistema nervoso, podendo causar convulsões e sinais neurológicos distintos. ➢ Circovirose Suína – provoca imunossupressão, retardo no crescimento e aumento da susceptibilidade a infecções secundárias. ➢ Salmonelose – infecção bacteriana que pode causar septicemia e enterite hemorrágica. ➢ Pasteurelose – infecção respiratória associada à bactéria Pasteurella multocida. ➢ Parvovirose Suína – afeta principalmente suínos jovens e gestantes, levando a problemas reprodutivos. ➢ Diarreia Viral Bovina (BVD) – apesar do nome, pode afetar suínos e causar sinais gastrointestinais e imunossupressão. ➢ Leptospirose – doença bacteriana que pode provocar icterícia, febre e abortos. ➢ Infecções por Streptococcus sp. – podem causar septicemia, meningite e artrite. Tratamento Até o momento, não existe tratamento específico para a PSA. Como a doença é causada por um vírus altamente resistente, não há medicamentos antivirais eficazes para combatê-lo. Além disso, não há vacinas disponíveis comercialmente, pois o vírus possui um genoma complexo e altamente variável, dificultando o desenvolvimento de um imunizante eficaz. ➢ Dessa forma, o controle da doença depende da implementação de medidas rigorosas de biossegurança, como: ➢ Eliminação imediata dos animais infectados para evitar a disseminação do vírus. ➢ Desinfecção rigorosa das instalações e equipamentos utilizados na criação dos suínos. ➢ Monitoramento sanitário constante para detectar surtos precocemente. ➢ Controle de entrada e saída de suínos e produtos de origem suína para evitar a introdução do vírus em regiões livres da doença. Prevenção e Controle da Peste Suína Africana (PSA) A prevenção é a principal estratégia para evitar a disseminação da Peste Suína Africana (PSA), pois não há tratamento nem vacina disponível. O controle da doença exige medidas rigorosas de biossegurança, que devem ser adotadas tanto dentro das granjas quanto nas fronteiras dos países. Principais medidas de prevenção e controle: Controle dos animais doentes: ➢ Em casos de surtos, todos os animais infectados e expostos devem ser sacrificados para evitar a propagação do vírus. ➢ O descarte das carcaças deve ser feito por incineração ou enterramento em locais adequados, seguindo normas sanitárias rigorosas. Manejo ambiental adequado: ➢ A PSA pode se manter no ambiente por longos períodos. ➢ As instalações devem ser desinfetadas regularmente com produtos eficazes contra o vírus, como hipoclorito de sódio, formaldeído e hidróxido de sódio. ➢ Roupas, calçados e equipamentos utilizados na criação devem ser higienizados constantemente. Controle de vetores (carrapatos do gênero Ornithodoros): ➢ O vírus pode ser transmitido por carrapatos moles. ➢ A aplicação de acaricidas e o manejo sanitário das áreas onde os suínos são criados ajudam a reduzir o risco de infecção. Situação da PSA no Brasil ➢ No Brasil, a PSA foi erradicada, mas a entrada do vírus ainda representa um grande risco para a suinocultura nacional. ➢ De acordo com o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), a presença de um único foco de PSA no país configura uma "EMERGÊNCIA SANITÁRIA", exigindo ação imediata das autoridades. ➢ Para manter o Brasil livre da PSA, o Programa Nacional de Sanidade Suídea (PNSS), coordenado pelo MAPA e pela EMBRAPA, realiza o monitoramento sanitário de granjas e produtos suínos. Controle de Fronteiras e Alfândegas ➢ Como a PSA já foi detectada em diversos países, é fundamental controlar a entrada de produtos de origem suína no Brasil. ➢ Produtos contaminados podem transportar o vírus e causar surtos. Medidas importantes incluem: ✓ Fiscalização rigorosa em aeroportos, portos e fronteiras terrestres. ✓ Campanhas educativas para conscientizar viajantes e produtores sobre os riscos da PSA. Ausência de Vacina ➢ Até o momento, não há vacina disponível para a PSA. ➢ O desenvolvimento de um imunizante é um grande desafio, pois o vírus apresenta alta variabilidade genética e mecanismos sofisticados para escapar do sistema imunológico. ➢ Pesquisas seguem em andamento, mas ainda não há previsão de uma vacina eficaz para uso comercial.