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ABERTURA CORONÁRIA EM MOLARES
1. Conceito e Objetivos da Abertura Coronária
A abertura coronária é o preparo da cavidade no dente que permite o acesso direto e desobstruído à câmara pulpar e, consequentemente, aos orifícios dos canais radiculares.
1.1. Objetivos Fundamentais:
· Remoção de Cárie e Restaurações Deficientes: Antes de qualquer acesso à câmara pulpar, toda cárie e restaurações inadequadas devem ser removidas para evitar a contaminação do sistema de canais radiculares.
· Acesso Reto e Desobstruído aos Canais: Criar uma via de acesso que permita que os instrumentos endodônticos entrem e trabalhem nos canais radiculares em uma linha reta, minimizando o estresse e o risco de fratura dos instrumentos.
· Localização de Todos os Orifícios: Encontrar e visualizar todos os orifícios dos canais radiculares presentes no dente, sem os quais o tratamento seria incompleto e fadado ao fracasso.
· Remoção Completa do Teto da Câmara Pulpar: A câmara pulpar deve ser completamente "destetada" para permitir a visibilidade e o acesso.
· Conservação da Estrutura Dental Sadia: Realizar a abertura coronária com o mínimo de desgaste desnecessário da estrutura dentária remanescente para não comprometer a resistência do dente.
· Permitir Instrumentação, Irrigação e Obturação Adequadas: Uma abertura bem executada facilita todas as etapas subsequentes do tratamento endodôntico.
2. Princípios Fundamentais da Abertura Coronária (L. I. Grossman)
Os princípios que guiam a confecção de uma cavidade de acesso são universais para todos os dentes, mas sua aplicação em molares requer atenção especial:
· Forma de Contorno: A forma da cavidade de acesso deve corresponder à projeção da câmara pulpar e à localização dos orifícios dos canais. Em molares, essa forma é geralmente triangular ou quadrilátera.
· Remoção Completa do Teto da Câmara Pulpar (Unroofing): Nenhuma porção do teto da câmara pulpar deve ser deixada para trás, pois dificulta a localização dos orifícios, a instrumentação e a limpeza.
· Acesso Retilíneo (Straight-line Access): O acesso aos orifícios dos canais deve ser o mais reto possível. Isso é crucial em molares, que possuem canais curvos e múltiplos. Um acesso retilíneo previne desvios, perfurações, transporte apical e fraturas de instrumentos.
· Preservação da Estrutura Dental Sadia: Deve-se remover apenas a quantidade necessária de tecido dentário para atingir os objetivos da abertura, evitando a fragilização do dente.
· Remoção de Interferências: Eliminação de dentina secundária, protuberâncias dentinárias e remanescentes de restaurações ou teto pulpar que possam obstruir a entrada ou o acesso reto aos canais.
3. Considerações Anatômicas Específicas em Molares
Molares são dentes multirradiculares, com anatomia complexa e alta variação, o que torna a abertura coronária um desafio. A radiografia pré-operatória (e, se disponível, a tomografia computadorizada de feixe cônico - CBCT) é indispensável para um planejamento adequado.
3.1. Molares Superiores
· Número de Raízes: Geralmente três raízes – uma mesiovestibular (MV), uma distovestibular (DV) e uma palatina (P).
· Formato da Câmara Pulpar: Tende a ser triangular ou romboidal com a base voltada para vestibular e o ápice para palatina.
· Número de Canais: Comumente 4 canais:
· Um na raiz palatina (maior e mais acessível).
· Um na raiz distovestibular.
· Dois na raiz mesiovestibular (MV1 e MV2 ou MB1 e MB2) – o canal MV2 (ou MB2) é o mais desafiador de encontrar e tratar, sendo encontrado em alta frequência (acima de 90% em alguns estudos). Ele geralmente se localiza mais para palatina em relação ao MV1 e pode ser difícil de visualizar.
3.2. Molares Inferiores
· Número de Raízes: Geralmente duas raízes – uma mesial (M) e uma distal (D).
· Formato da Câmara Pulpar: Tende a ser quadrilátera ou trapezoidal.
· Número de Canais: Comumente 3 ou 4 canais:
· Dois na raiz mesial (ML – mesiolingual e MV – mesiovestibular), e frequentemente um terceiro canal (Médio Mesial ou Istmo).
· Um ou dois na raiz distal (D – distal, ou DV – distovestibular e DL – distolingual). A raiz distal pode ter um canal largo e ovalado ou se dividir em dois.
3.3. Variações Anatômicas e Desafios
· Dens in Dente, Taurodontismo.
· Raízes Fusionadas: Podem ter anatomia interna complexa.
· Canais em C (C-shaped canals): Particularmente comuns em segundos molares inferiores, onde a configuração dos canais se assemelha à letra "C". Exige técnicas específicas de instrumentação e obturação.
· Calcificações Pulpares: Dificultam a localização dos orifícios e podem exigir o uso de ultrassom.
· Curvaturas Radiculares Acentuadas: Podem começar logo na junção da câmara pulpar.
4. Etapas da Abertura Coronária em Molares
A execução passo a passo, com precisão, é fundamental para evitar iatrogenias e garantir o sucesso.
1. Anestesia e Isolamento Absoluto:
· Anestesia: Garante o conforto do paciente.
· Isolamento Absoluto (com lençol de borracha): Indispensável para:
· Manter o campo operatório seco e limpo.
· Evitar a contaminação dos canais por saliva e microrganismos bucais.
· Proteger o paciente da deglutição de instrumentos ou soluções irrigadoras.
· Melhorar a visibilidade.
2. Remoção de Cáries e Restaurações Antigas/Deficientes:
· Realizada antes da penetração na câmara pulpar para prevenir a contaminação.
· Pode ser feita com brocas esféricas de aço em baixa rotação ou brocas diamantadas em alta rotação.
3. Ponto de Eleição:
· É o local inicial de penetração na superfície oclusal.
· Molar Superior: No centro da fossa central, ligeiramente para mesial em dentes com três raízes ou no centro da oclusal se forem quatro canais.
· Molar Inferior: No centro da fossa central ou no ponto mais mesial da fossa central.
4. Direção de Trepanação (Penetração Inicial):
· A broca esférica (preferencialmente diamantada) deve ser posicionada perpendicularmente à face oclusal no ponto de eleição.
· Após a penetração inicial no esmalte, a broca deve ser inclinada na direção do longo eixo do dente e ligeiramente na direção da câmara pulpar, que geralmente está no centro do assoalho da cavidade.
· Cuidado: Evitar inclinar excessivamente para mesial ou distal para não perfurar as paredes da câmara ou o assoalho.
5. Penetração na Câmara Pulpar:
· A broca avança com movimentos suaves e intermitentes até sentir uma "queda" ou "vazio", indicando a entrada na câmara pulpar.
· Pode-se usar uma broca esférica (nº 2, 3 ou 4) em alta rotação com irrigação constante ou, para maior segurança, uma broca endo Z em baixa rotação para remover o teto.
6. Remoção do Teto da Câmara Pulpar (Unroofing):
· Com brocas diamantadas troncocônicas (como a Endo Z ou 1093/1094), com a ponta não cortante, realiza-se movimentos de "raspar" ou "pincelar" de dentro para fora.
· Isso remove as paredes laterais do teto da câmara pulpar e elimina os ângulos internos que podem atrapalhar o acesso.
· A ponta não cortante da broca Endo Z é crucial para proteger o assoalho da câmara pulpar, evitando perfurações.
7. Localização dos Orifícios dos Canais:
· Após a remoção completa do teto e a eliminação de restos pulpares coronários, a câmara é irrigada (com hipoclorito de sódio) e seca.
· Utiliza-se um explorador endodôntico (Ex: DG16) para localizar os orifícios. A ponta do explorador deve ser guiada suavemente para as áreas onde a anatomia sugere a presença dos canais.
· A presença de calcificações ou dentina secundária pode dificultar. O uso de ultrassom com pontas diamantadas finas pode auxiliar na remoção seletiva dessa dentina.
· Dica: A irrigação com hipoclorito de sódio pode fazer "borbulhar" nos orifícios ativos devido à reação com o tecido pulpar remanescente.
8. Desgaste Compensatório e Triangulação:
· Após localizar os orifícios, as paredes da cavidade de acesso são suavizadas e alargadas na entrada dos canais para garantir o acesso retilíneo.
· Isso envolve o desgaste de protuberâncias de dentina que podem estar bloqueando o caminho direto para os canais, especialmente nas raízes mesiais de molares inferiores (para o canal MV) e na raiz mesiovestibularde molares superiores (para o canal MV2).
5. Instrumentos Utilizados
A seleção correta dos instrumentos é vital para a segurança e eficácia do procedimento.
· Brocas:
· Esféricas (diamantadas ou de aço): Para remoção de cáries e penetração inicial na câmara pulpar (Ex: nº 2, 3 ou 4).
· Trancocônicas de ponta inativa (Ex: Endo Z, 1093/1094): Essenciais para a remoção do teto da câmara pulpar e desgaste compensatório, pois sua ponta inativa previne perfurações do assoalho.
· Gates Glidden: Podem ser usadas para ampliar a entrada dos canais e remover interferências na porção cervical.
· Explorador Endodôntico (Ex: DG16): Instrumento fundamental para localizar orifícios e verificar a patência.
· Ultrassom: Com pontas diamantadas finas, para remover dentina secundária ou localizar canais calcificados com precisão e menor risco.
· Seringa e Agulha para Irrigação: Com solução de hipoclorito de sódio para limpeza e visualização.
6. Erros Comuns e Como Evitá-los
· Perfurações:
· Do Assoalho da Câmara Pulpar: Causa mais comum por excesso de penetração ou inclinação incorreta da broca. Evitar: Usar brocas de ponta inativa, não forçar a broca após a sensação de "queda", conhecer a anatomia.
· Da Parede Lateral: Ocorre por desgaste excessivo ou inclinação inadequada da broca. Evitar: Seguir os princípios de forma de contorno e acesso retilíneo, não exagerar no desgaste.
· Remoção Incompleta do Teto da Câmara Pulpar: Deixa "overhangs" de dentina que impedem o acesso e a limpeza. Evitar: Movimentos de "dentro para fora" com broca Endo Z, boa iluminação e magnificação.
· Não Localização de Todos os Canais: A falha em encontrar e tratar todos os canais é uma das principais causas de insucesso do tratamento endodôntico. Evitar: Conhecimento aprofundado da anatomia, uso de exploradores, ultrassom, magnificação, e análise cuidadosa da radiografia pré-operatória.
· Acesso Inadequado: Cavidade muito pequena ou com paredes convergentes, que causa deflexão dos instrumentos e dificulta o trabalho. Evitar: Seguir a forma de contorno correta.
· Remoção Excessiva de Estrutura Dental: Fragiliza o dente e aumenta o risco de fratura coronária ou radicular pós-tratamento. Evitar: Conservar a estrutura sadia, remover apenas o necessário.
7. Importância do Selamento Coronário Pós-Abertura
Após a conclusão da abertura coronária e início do tratamento endodôntico, um selamento coronário temporário de qualidade é essencial.
· Prevenção de Recontaminação: Impede a entrada de bactérias e saliva nos canais radiculares.
· Proteção da Estrutura Dental: Protege o dente da fratura antes da restauração definitiva.
· Material Restaurador Provisório: Deve ser resistente, com boa adaptação marginal. Materiais como cimento de ionômero de vidro (CIV) de alta viscosidade ou resina composta são boas opções.
· Restauração Definitiva: O paciente deve ser encaminhado para a restauração definitiva o mais rápido possível após o término do tratamento endodôntico, preferencialmente com cobertura da cúspide (coroa ou onlay), para proteger o dente da fratura.
PONTOS CHAVE PARA REVISÃO:
· A abertura coronária em molares é um procedimento crítico que define o sucesso do tratamento endodôntico.
· O isolamento absoluto é não negociável.
· Conheça profundamente a anatomia dos molares (número, localização e variação dos canais). A radiografia e o explorador endodôntico são seus melhores aliados.
· Priorize o acesso retilíneo a todos os orifícios, removendo completamente o teto da câmara pulpar.
· Utilize brocas de ponta inativa (Endo Z) para evitar perfurações do assoalho.
· Não forçar a localização dos canais. Se encontrar dificuldade, reavalie a radiografia, use magnificação e ultrassom.
· O selamento coronário provisório deve ser de alta qualidade, e a restauração definitiva é fundamental para a longevidade do dente tratado endodonticamente.

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