Prévia do material em texto
Teorias Políticas e Éticas Você vai compreender os fundamentos do empirismo, explorando como Bacon, Locke e Hume defenderam a experiência sensível como base do conhecimento, além de estudar o contratualismo e suas implicações na origem da sociedade civil. Profa. Clara Maria Cavalcante Brum de Oliveira 1. Itens iniciais Propósito O estudo do empirismo e do contratualismo é fundamental para a formação crítica do aluno, pois desenvolve a capacidade de analisar a origem do conhecimento e da organização social, habilidades essenciais para profissionais da educação, ciências humanas e sociais. Objetivos Reconhecer os filósofos fundadores do empirismo e suas teses fundamentais sobre a origem do conhecimento. Identificar os elementos essenciais da doutrina do contrato e a tese central de Thomas Hobbes. Analisar os elementos essenciais das doutrinas contratuais de John Locke e Jean-Jacques Rousseau. Introdução Ao longo deste conteúdo, será possível explorar duas importantes correntes do pensamento filosófico moderno: o empirismo e o contratualismo. Ambas desempenharam papéis fundamentais na construção de ideias que moldaram a ciência, a política e a sociedade ocidental. O empirismo, como doutrina do conhecimento, defende que toda compreensão do mundo tem origem na experiência sensível. Os filósofos empiristas — Francis Bacon, John Locke e David Hume — foram os principais responsáveis por estabelecer os fundamentos dessa corrente. Cada um, a seu modo, argumentou que o conhecimento não nasce de ideias inatas ou da razão pura, mas sim da observação e da vivência concreta. Com isso, o empirismo se tornou uma base essencial para o desenvolvimento do método científico e da filosofia moderna. Já o contratualismo, inserido no campo da filosofia política, busca explicar a origem da sociedade civil e a legitimidade do poder político por meio da ideia de contrato social. Essa doutrina propõe que os indivíduos, originalmente livres e iguais, teriam concordado em estabelecer regras comuns para garantir a convivência e a proteção de seus direitos. Serão analisadas as contribuições de Thomas Hobbes, que via o contrato como uma forma de conter a violência natural do ser humano; de John Locke, que defendeu a liberdade individual e a propriedade privada; e de Jean-Jacques Rousseau, que destacou a soberania da vontade popular como fundamento da autoridade legítima. Compreender essas correntes filosóficas é essencial para refletir criticamente sobre o conhecimento, a sociedade e os direitos humanos, temas centrais para diversas áreas do saber e da atuação profissional. • • • 1. Filósofos empiristas Francis Bacon Para começar, assista ao vídeo e aprenda sobre Francis Bacon. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. A Filosofia considera Francis Bacon (1561-1626) um dos fundadores do pensamento moderno, que refutou a Filosofia escolástica, o pensamento medieval. Esse filósofo promoveu a defesa do método experimental em face de um modelo de ciência que era meramente teórico e especulativo, ou seja, não passava pelo crivo da experiência. Quais são as obras mais importantes de Bacon? Novum organum (1620), que traz uma crítica ao modelo dedutivo inspirado em Aristóteles. The Advancement of Learning (1650), em que sustenta a ideia de progresso da ciência e técnica. New Atlantis (1627), com uma concepção de pesquisa científica. Contribuições de Francis Bacon De um modo geral, a tradição destaca a concepção de pensamento crítico contida na Teoria dos ídolos e a sua defesa do método indutivo num modelo de ciência integrado com a técnica. O pensamento de Bacon rompe com a mentalidade escolástica de base aristotélica e busca um método capaz de se afastar dos erros para o conhecimento correto. Essa era a grande preocupação moderna. A Teoria dos ídolos, formulada por Bacon, aparece na obra Novum organum e marca um dos sentidos do pensamento moderno que se opunha às superstições, preconceitos e crendices da fase medieval. O que seriam ídolos para o filósofo? Ídolos seriam ilusões que impediriam a mente de buscar o verdadeiro conhecimento. São de quatro gêneros os ídolos que bloqueiam a mente humana. Para melhor apresentá-los, lhes assinamos nomes, a saber: ídolos da Tribo; ídolos da Caverna; Ídolos do Foro e ídolos do Teatro. (Bacon, 2002, I, XXXIX) Vamos conhecer um pouco mais sobre os quatro tipos de ídolos? • • • Ídolos da tribo Estariam ligados à natureza humana e o sentido do termo tribo é o de espécie humana. Dentro dessa ideia, o ser humano não tem nenhuma relação com o universo, não seria um microcosmo em um macrocosmo, rompendo com a ideologia renascentista e clássica que concedia ao ser humano um status privilegiado na natureza. Segundo Bacon (2002), nessa concepção, indaga-se os limites do conhecimento humano e afirma-se que o intelecto é como um espelho que reflete as coisas e como todo espelho, promove suas distorções. Michelangelo da Caravaggio, Narciso, 1599. Veja o que Bacon diz o sobre isso: Os ídolos da tribo estão fundados na própria natureza humana, na própria tribo ou espécie humana. (...) O intelecto humano é semelhante a um espelho que reflete desigualmente os raios das coisas e, dessa forma, as distorce e corrompe. (Bacon, 2002, I, XLI) Ídolos da caverna Referem-se às características físicas e intelectuais individuais de cada sujeito, bem como às influências de seu meio social. Os ídolos da caverna são os dos homens enquanto indivíduos. Pois, cada um — além das aberrações próprias da natureza humana em geral — tem uma caverna ou uma cova que intercepta e corrompe a luz da natureza: seja devido à natureza própria e singular de cada um; seja devido à educação ou conversação com os outros. (Bacon, 2002, I, XLII) Ídolos do foro Também conhecidos como ídolos do mercado, que resultam das relações interpessoais e dos modos de comunicação, a importância da linguagem em um sentido performativo. Há também os ídolos provenientes, de certa forma, do intercurso e da associação recíproca dos indivíduos do gênero humano entre si, a que chamamos de ídolos do foro devido ao comércio e consórcio entre os homens. (Bacon, 2002, I, XLII) Ídolos do teatro São aqueles derivados de doutrinas filosóficas e científicas. Há, por fim, ídolos que imigraram para o espírito dos homens por meio das diversas doutrinas filosóficas e também pelas regras viciosas da demonstração. São os ídolos do teatro: por parecer que as Filosofias adotadas ou inventadas são outras tantas fábulas, produzidas e representadas, que figuram mundos fictícios e teatrais. (Bacon, 2002, I, XLIV) Segundo Bacon, a ciência só poderá progredir e se libertar dos erros do passado se buscar apoio no novo método científico, que é o método da indução, em que o cientista observa o funcionamento da natureza, a regularidade dos fenômenos, estabelece relações e, assim, formula leis científicas. Para Bacon, saber é poder (The Advancement of Learning). O método correto propicia novos conhecimentos e essa é a tarefa da modernidade, buscar um modelo novo, uma ciência ativa, aplicada e crítica. Foi nesse sentido que Bacon se tornou importante pensador de sua época. John Locke John Locke (1632-1704) foi considerado o fundador do empirismo e um ferrenho opositor da teoria das ideias inatas. O interesse pela questão do conhecimento ficou evidente na obra Ensaio sobre o entendimento humano, de 1690. Estudou na Universidade de Oxford em que obteve o título de Master of Arts em 1658, mas descontente com a linha filosófica baseada no peripatismo escolástico, buscou novos campos de conhecimento. Assista ao video para aprender sobre John Locke. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. A obra de Locke ganhou força na sua crítica às ideias inatas. A rigor, Locke teve a ideia de escrevê-la por ocasião em que leu O verdadeiro sistema intelectual do universo, de Ralph Cudworth (1617-1688), filósofo que afirmava que as demonstrações da existênciaConteúdo interativo Características desse período Comentário Thomas Hobbes Conteúdo interativo Do cidadão Leviatã Comentário Conteúdo interativo Verificando o aprendizado 3. As teorias do contrato John Locke Conteúdo interativo O que isso significa? Como Locke compreendeu o estado natural A finalidade do contrato social Da liberdade natural à submissão ao poder político Por que os indivíduos livres no estado de natureza decidem constituir o Estado e submeter-se ao controle do poder político? Para Locke, os homens desejam instituir a sociedade civil porque o usufruto da propriedade é inseguro e incerto no estado de natureza, submetem-se para preservá-la, por isso mencionou expressamente que a finalidade do governo é a conservação da propriedade. Como se faz a passagem para a propriedade privada Comentário Jean-Jacques Rousseau Conteúdo interativo Como Rousseau compreendeu esse homem original – bom selvagem? Mas, se a condição civil é ruim e incompatível com a independência natural do bom selvagem, por que abandonar o estado de natureza? Por que sair de uma vida tranquila? Exemplo Comentário Conteúdo interativo Verificando o aprendizado 4. Conclusão Considerações finais Explore + Referênciasde Deus exigiam como pressuposto a existência das ideias inatas, ou seja, ideias que existem na alma independentemente da experiência. Para Locke, como já tinham afirmado os filósofos do estoicismo, o ser humano é um papel em branco que vai sendo preenchido aos poucos pela experiência. A experiência se divide em duas dimensões: Experiência interna que seria a reflexão.• Experiência externa que seria a experiência dos sentidos. Os conteúdos da experiência As ideias ou representações que podem ser simples ou complexas. Assim, o pensamento limita-se a unir os diferentes dados da experiência, por isso, o filósofo afirma que todos os conteúdos do conhecimento procedem da experiência e nossa mente é um papel em branco (HESSEN, 1987). A tese mais importante de Locke foi a de que as ideias decorrem da experiência e, portanto, pode-se dizer que a experiência é o limite de todo conhecimento humano (REALE; ANTISERI, 1990). Locke enxergou a Filosofia com a tarefa de realizar um pensamento crítico e formativo para uma nova ciência em um novo tempo do mundo, rompendo com a tese das ideias inatas e reforçando o papel da experiência na construção do conhecimento verdadeiro. A obra configura uma análise dos limites, das condições e possibilidades do conhecimento humano. A pesquisa seguiu a linhagem dos pensadores da tradição inglesa de Bacon a Hobbes e resgatou o conceito de ideia, presente na Filosofia de Descartes, para situá-lo como algo que deriva da experiência. Essa concepção que liga ideia e experiência assegurou à dimensão empírica o lugar de limite para o conhecimento. A tradição empirista inglesa e a ideia cartesiana são os componentes de cuja síntese nasce o novo empirismo lockeano. (Reale; Antiseri, 1990, p. 509) O termo ideia em Descartes e Locke assumiu um sentido muito diferente do sentido atribuído pelos antigos, e passou a designar o conteúdo de nossa mente, de nosso pensamento, em um deslocamento de sentido típico da idade moderna. No Livro I dos Ensaios (1999), Locke rejeita as ideias inatas, pois acredita que essa tese reforça visões dogmáticas e preconceituosas. Se existissem ideias inatas, todos os indivíduos as teriam indistintamente, o que não acontece. Todos teriam o mesmo conhecimento sobre tudo. Para Locke, a mente pode ser vista por meio da metáfora de um papel em branco ou, na expressão latina, tabula rasa, já mencionada na Filosofia estoica (LOCKE, 1999, II, seção 3). Com os dados da sensibilidade, e não ideias inatas, a mente promove a reflexão porque possui disposições que permitem o conhecimento. Temos os dados da experiência e as operações mentais que trabalham tais dados (LOCKE, 1999, II, seção 4). • O ponto fundamental na doutrina lockeana é que o conhecimento humano é limitado, não alcança as essências e, por conseguinte, não temos o conhecimento verdadeiro e sim o conhecimento demonstrativo, que é o que deriva de nossa percepção que relaciona ideias. Locke não pode ser considerado um empirista radical porque admite o conhecimento não empírico como possível, por exemplo, o conhecimento geométrico, embora não aceite a tese das ideias inatas (MARCONDES, 1997). Para Locke, o conhecimento decorre da percepção que envolve intuição, razão e sensação. É claro que a razão exerce papel importante no processo de abstração e na elaboração de novas ideias. Qual o critério para saber se há conformidade entre ideias e as coisas? As ideias simples, para Locke, têm sua origem na experiência, decorrem de coisas exteriores. Há a figura de um Deus externo, que assegura a regularidade do mundo externo, porque o nada não pode produzir coisas exteriores (LOCKE, 1999, IV, cap. IV, § 5). David Hume Além de Francis Bacon e Locke, David Hume (1711-1776) foi considerado o mais influente dos empiristas, mesmo não tendo vivenciado o ambiente acadêmico. Não obteve a cátedra na Universidade de Edimburgo, nem na Universidade de Glasgow. Sua experiência ocorreu em ambiente diverso. Ele foi preceptor do Marquês de Annandale em 1754 e, posteriormente, tornou-se secretário do general Saint Clair e foi a uma expedição à França em 1746. Também integrou missões diplomáticas a Viena e Turim. Assista ao vídeo para aprender sobre David Hume. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Durante a década de 1760, foi secretário do embaixador inglês em Paris, momento em que estreitou laços com os iluministas, inclusive Rousseau, que o acompanhou à Inglaterra e lá permaneceu sob sua proteção (REALE; ANTISERI,1990). Inspirado em Bacon e Newton, Hume procurou aplicar o método construído pela física para a natureza humana, com o objetivo de fundar uma ciência do ser humano em bases experimentais, que seria a ciência mais importante porque todas as demais ciências dependem do ser humano. Para ele, era importante investigar o intelecto humano e as operações do raciocínio. Diferentemente de seus antecessores, Hume criticou os empiristas que ainda se vincularam à ideia de Deus como fundamento último de verdade. Locke havia sustentado essa ideia. Racionalistas e empiristas aceitaram uma relação entre causa e efeito. Partindo do princípio de que todo ser tem uma causa, os filósofos colocavam Deus como fundamento último, como a verdade primeira da realidade. Hume investigou essa conexão e observou que não há vinculo necessário entre causa e efeito, mas uma crença nessa relação apenas. E essa relação só é encontrada na experiência. Hume retomou uma postura cética e voltou seu olhar para a regularidade dos fenômenos. Kant mencionou em seus Prolegômenos que Hume o despertara de seu sono dogmático: Confesso francamente: foi a advertência de David Hume que, há muitos anos, interrompeu o meu sono dogmático. (Kant, 1988, A13) O despertar de um sono dogmático Parar de conceber a ideia de que a nossa razão é capaz de apreender as ideias em si mesmas, acreditando que somos capazes de conceber ideias que correspondem à realidade dos objetos exteriores. Significa parar de aceitar verdades sem examiná-las, indagá-las. Acordar de um sono dogmático significa investigar se a metafísica é possível ou não. Hume analisou a relação entre causa e efeito e questionou em que sentido a razão é capaz de estabelecer essa conexão de maneira segura, porque a relação causa e efeito requer uma necessidade que não é alcançável a priori pela razão. Não podemos aceitar que porque algo existe, deva existir necessariamente outra coisa. A uma ilusão da razão que estabelece essa relação, conhecimentos que se diziam a priori, mas que decorrem da experiência. Logo, é impossível à razão pensar essa conexão a priori, sem a interveniência da experiência (KANT, 1988). Na segunda parte do Ensaio do entendimento humano, Hume analisa essa conexão: Quando se pergunta: qual é a natureza de todos os nossos raciocínios sobre os fatos? A resposta conveniente parece ser que eles se fundam na relação de causa e efeito. Quando se pergunta: qual é o fundamento de todos os nossos raciocínios e conclusões sobre essa relação? Pode-se replicar numa palavra: a experiência. Mas, se ainda continuarmos com a disposição de esmiuçar o problema e insistirmos: qual é o fundamento de todas as conclusões derivadas da experiência? (Hume, 2004, Parte 2, 14) As principais obras de Hume são: Tratado sobre a natureza humana (1739). Investigações sobre o entendimento humano (1748). A tese fundamental de Hume é a concepção segundo a qual nossas ideias decorrem da nossa experiência sensível. Assim, tomou a percepção como elemento importante para conferir validade às ideias. Quando uma ideia estiver mais próxima da percepção que a ocasionou será nítida e forte, mas será fraca e obscura quando distante (MARCONDES, 1997). Quando analisamos nossos pensamentos ou ideias, (...), sempre descobrimos que se resolvem em ideias simples que são cópias de uma sensação ou sentimento anterior. (Hume, 2004, seção II, 14) Em sua análise, os conteúdos da mente são percepções, queestão divididas em impressões e ideias. Impressões são mais fortes, mais vivas e as ideias mais fracas e, nesse sentido, ressaltou a diferença entre ambas. Impressões são percepções vivas que decorrem das sensações, paixões e emoções logo que aparecem em nossas almas. Ideias são imagens enfraquecidas dessas impressões. • • • • Sentir é diferente de pensar, pois sentir significa ter percepções vivas, o que não ocorre com o pensar. Por isso, a percepção tem dupla dimensão: sentida e como ideia. Há em Hume uma prioridade em que a “a impressão é originária, a ideia é dependente” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 560). O que ele quer dizer é que para identificar o sabor amargo, por exemplo, primeiramente passo pela sensação do gosto amargo ao provar determinado alimento. Existem coisas que não podem ser concebidas ou conhecidas simplesmente pelas ideias. Essa prioridade das impressões evidenciam que são as causas das ideias. Dessa relação, Hume derivou o primeiro princípio da sua ciência humana: todas as ideias simples provêm das impressões. É claro que essa ideia coloca em frágil situação a teoria das ideias inatas, que não são mais inatas e, sim, dependentes das impressões. Nesse estudo, observa que existem impressões simples e complexas e, do mesmo modo, ideias simples e complexas. As impressões são dadas imediatamente, até mesmo as complexas. As ideias não, porque ideias complexas podem ser a cópia das impressões complexas e, também, resultarem de combinações variadas feitas pelo nosso intelecto. Nós temos a memória e também a imaginação que poderá compor inúmeras combinações. Posso ver uma fotografia de determinado lugar em que já estive com alguém anteriormente. Nesse ato, minha imaginação me leva a pensar no lugar como bom lugar de viagem, os motivos que levam alguém a escolhê-lo, o perfil das pessoas que se sentiriam atraídas pelo local etc. A imaginação faz a conexão entre tais ideias (HUME, 2004). Assim, Hume construiu o seu segundo princípio: a validade de uma ideia depende necessariamente da impressão correspondente. E essa ideia se complica na hipótese das ideias complexas. E mais. Se as ideias são imagens, são necessariamente individuais e particulares. A questão que Hume coloca é a possibilidade de uma ideia particular ser usada como geral. Existem ideias universais? Como chegamos a ela? Segundo o filósofo, nós identificamos semelhanças entre ideias que surgem e essa semelhança nos permite nomeá-las da mesma forma, a despeito de algumas diferenças que podem aparecer. Temos, portanto, o hábito de ao ver aquele nome ou ouvi-lo, despertar a nossa mente, em nossa memória, uma das ideias particulares que atribuímos àquele nome anteriormente. Para o empirismo, a novidade de Hume foi introduzir o papel do hábito na associação das ideias: a palavra desperta a ideia e, esta, desperta o hábito (HUME, 2004). Hume direciona seu olhar a dois princípios ou pressupostos: a ideia de causalidade e a noção de identidade pessoal. • • Com relação à causalidade como elemento fundamental dos fenômenos naturais, lei universal capaz de explicar a própria racionalidade, Hume refuta com a ideia segundo a qual a conexão entre fenômenos não é o mesmo que a conexão necessária entre dois elementos e que designamos por causalidade na natureza. Causa e efeito são ideias distintas e a análise de qualquer uma das duas não nos conduz à ideia da outra e vice-versa. O fundamento de todas as conclusões que relacionam uma causa a um efeito é fruto da experiência. Da experiência posso inferir que se faço A, o resultado será B. Há uma conexão necessária que foi experimentada e que posteriormente será inferida. Inferimos porque já experimentamos e, pelo hábito, constatamos uma regularidade que passa a ser percebida como algo natural: colocar a mão no fogo queimará. O costume ou hábito é o princípio que nos autoriza a produzir nexos necessários. Esse costume propicia a formação de crenças que darão impressão de estarmos diante de uma relação necessária entre causa e efeito. Então, hábito e crença estão no fundamento da causalidade (HUME, 2004). A causalidade, na verdade, é uma maneira de percebermos o real, decorre da reflexão, de nossa mente e não de uma relação necessária de causa e efeito no mundo natural – está em nós (MARCONDES, 1997). De acordo com essa experiência, podemos definir uma causa como um objeto seguido de outro, de tal forma que todos os objetos semelhantes ao primeiro são seguidos de objetos semelhantes ao segundo. (...) O aparecimento de uma causa sempre traz à mente, por uma transição costumeira, a ideias de efeito. Disso também temos experiência. (...) Ouso assim afirmar como uma proposição geral que não admite exceção que o conhecimento dessa relação não se obtém em nenhum caso pelo raciocínio a priori, mas que ela nasce inteiramente da experiência quando descobrimos que os objetos particulares estão em conjunção uns com os outros. (Hume, 2004, seção VII) Acompanhe: Hume observa que não temos a percepção do eu senão por meio de experiências. Não há um eu de existência contínua. O eu é aquilo que supomos a partir de nossas impressões. As percepções e o eu O meu eu se configura a partir das percepções e a cada percepção seremos novos, não somos os mesmos sempre. Continuidade do eu Tudo decorre do hábito, dos nossos costumes e da nossa memória e, nesse horizonte, é que percebemos uma certa continuidade do nosso eu. • • Como as impressões não são contínuas ou constantes, são variadas, a identidade do eu é resultado da regularidade, da repetição, do costume e hábito, o que significa dizer que não alcançaremos um conhecimento certo e definitivo. O que temos é a probabilidade, por isso foi chamado de cético. Verificando o aprendizado Questão 1 Com base nos estudos sobre o empirismo como doutrina moderna responda: por que Francis Bacon, John Locke e David Hume foram tidos como fundadores do empirismo? Chave de resposta Esses pensadores inserem-se na tradição moderna, em uma fase em que os pensadores indagaram sobre os limites do conhecimento, os limites da razão. E cada um a seu modo buscou na experiência sensível a fonte para conhecimento, desnaturando o papel da metafísica. Questão 2 Lei o texto a seguir: David Hume foi um filósofo e historiador escocês do século XVIII que influenciou fortemente o surgimento da psicologia como ciência. Embora tenha estudado na Universidade de Edimburgo, nunca foi professor universitário devido à sua postura crítica em relação à religião, o que gerou oposição do clero. Hume acreditava que a religião era irracional e impraticável, além de ser uma fonte de conflitos e censura. Para ele, compreender a natureza humana era tarefa da ciência, e por isso propôs uma “ciência do homem”, baseada na filosofia empirista e nos princípios da ciência newtoniana. Essa ciência seria experimental, mas com um enfoque diferente da ciência física. Enquanto nas ciências naturais se manipulam variáveis observáveis, no estudo do comportamento humano, Hume defendia a observação das relações entre experiências e comportamentos, já que as variáveis envolvidas são cognitivas e não diretamente mensuráveis. Para Hume, todo o conhecimento provém da experiência sensorial. Ele compartilhava com John Locke a ideia de que as ideias derivam da experiência, mas divergia ao afirmar que não conhecemos o mundo físico diretamente — nesse ponto, ele se aproximava de George Berkeley. Contudo, ao contrário de Berkeley, Hume acreditava na existência da matéria. Hume distinguia dois tipos de impressões: as fortes (como percepções sensoriais e emoções) e as fracas (as ideias mentais geradas pela reflexão e imaginação). A mente só conhece o mundo por meio das impressões fornecidas pelos sentidos, não de forma direta. Esse pensamento abre caminho para seu estudo posterior sobre a imaginação, a associação de ideias e a relação de causa e efeito. (Texto baseado no vídeo O estudo da natureza humana | empirismo britânico,disponível no canal Didatics no YouTube). Agora, responda: como Hume concebeu a ciência e qual a sua relação com o método de Francis Bacon? • • Chave de resposta David Hume compreendeu a ciência como experimentação. Ele investigou como a experiência interfere em nossas atitudes. Assim, observou que não temos a percepção do eu senão por meio de experiências. A relação com Bacon está na utilização de seu método indutivo, que parte da observação de objetos singulares para se alcançar as generalizações. Questão 3 A teoria designada como teoria dos ídolos, bem como a defesa do método indutivo em um modelo de ciência integrado com a técnica foi elaborada por: A Francis Bacon B John Locke C David Hume D Isaac Newton E Immanuel Kant A alternativa A está correta. A Filosofia que ressalta a concepção de pensamento crítico contida em uma teoria designada como teoria dos ídolos, bem como a defesa do método indutivo em um modelo de ciência integrado com a técnica foi elaborada por Francis Bacon. Questão 4 Locke foi considerado o fundador do empirismo. A teoria das ideias, refutada por ele, era designada como teoria das ideias: A Dos ídolos B Inatas C Empíricas D Distintas E Sensíveis A alternativa B está correta. Locke foi considerado o fundador do empirismo e um ferrenho opositor da teoria das ideias inatas que existem na alma, independentemente da experiência. Questão 5 David Hume, como empirista, afirmou a prioridade das impressões sobre as ideias. Assim, refutou a maneira de percebermos o real. Para ele: A O conhecimento decorre do hábito. B A razão é anterior à experiência. C Prevalecem as ideias inatas. D A nossa percepção nos conduz ao erro. E A consciência é um dado original. A alternativa A está correta. A causalidade é uma forma de perceber o real e esta forma decorre do hábito, dos nossos costumes e da nossa memória; nesse horizonte é que percebemos uma certa continuidade do nosso eu. 2. O contratualismo Introdução ao contratualismo O filósofo Norberto Bobbio (1997) nos ensina que, de um modo geral, o contratualismo é uma doutrina na área da Filosofia que apresenta uma teoria política sobre a suposta origem da sociedade e o fundamento do poder político na figura jurídica do contrato. Essa ideia de um acordo tácito ou expresso entre indivíduos marcaria o fim do estado natural e o início do Estado político. Em sentido restrito, o contratualismo designa uma escola que floresceu na Europa entre meados do século XVI e o fim do século XVIII, que teve os seguintes expoentes: Johannes Althusius (1557-1638). Thomas Hobbes (1588-1679). Baruch Espinoza (1632-1677). Samuel Pufendorf (1632-1694). John Locke (1632-1704). Immanuel Kant (1712-1778). Jean-Jacques Rousseau (1724-1804). Esses autores apresentaram o uso comum de uma mesma estrutura conceitual para racionalizar o exercício do poder no consenso e não mais na tradição. Assista ao vídeo e conheça os dois níveis distintos de contratualismo: Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. São eles: • • • • • • • Os que sustentavam a passagem do estado de natureza ao nível de sociedade civil como um fato histórico realmente ocorrido para dar conta do problema antropológico da origem do homem civilizado. O estado de natureza como mera ficção a fim de ressaltar a ideia racional ou jurídica do Estado. Esta corrente filosófica sustenta a ideia da legislação como a única fonte de racionalização das relações sociais. A lei passa a fundamentar as decisões e a organizar a comunidade e não mais a vontade arbitrária do soberano. Três fatores explicam essa ideia: A influência da escola do direito natural com a qual o contratualismo está relacionado nesta fase. A necessidade de legitimar o Estado, as leis criadas pelo soberano que tenderiam a substituir o direito consuetudinário (direito costumeiro). A construção de um sistema político que evidencie a autonomia dos sujeitos do contrato/pacto, tendo como base jurídica o pacta sunt servanda. O período moderno, fase em que tais ideias se fortaleceram, estendeu-se do Absolutismo ao movimento iluminista. Nesta fase, progressivamente, o homem é colocado no cerne do debate filosófico em ruptura com a tradição. O Absolutismo representou uma solução política interessante para época, porque resgatou a tese do poder temporal fundado em um suposto poder divino e que, anteriormente, na Idade Média, havia legitimado o poder do senhor feudal de maneira absoluta. Como contradição no interior do cenário renascentista, o Absolutismo legitimou o seu poder real e temporal com argumentos teológicos. Pacta sunt servanda “Pacta sunt servanda é o princípio da força obrigatória que abrange os contratosfirmados entre duas ou mais partes. Consiste na ideia de que aquilo que está estabelecido no contrato e assinado pelas partes deve ser cumprido. Esta é uma expressão em latim e significa "pactos devem ser respeitados" ou "acordos devem ser mantidos", em português”. (Significados. Consultado na internet em: 30 abr. 2019) O monarca não se justificava pela moralidade de cada um dos seus atos, mas sim por uma espécie de competência originária de poder que lhe era dado por Deus. O Absolutismo se afirma, então, teologicamente, como uma espécie de contrato de procuração ou mandato realizado entre Deus, o outorgante, e o Rei, o outorgado, com delegação total de poderes de um a outro. (Mascaro, 2010, p. 131) • • • • • O movimento iluminista, ou seja, movimento dos pensadores dos séculos XVII e XVIII, valorizou a razão como a única possibilidade de leitura de mundo, uma razão oposta às crenças e costumes e se tornaram o contraponto ao Absolutismo. Características desse período Surgimento e consolidação do capitalismo. O Estado começa a ser exaltado. Advento do Individualismo e sua relação com o interesse privado burguês. Esse foi o cenário do surgimento de ideias que caracterizaram a corrente do contratualismo (MASCARO, 2010). Nesta fase, o pensamento filosófico se envolveu com algumas novidades: O sentido do Individualismo e a correspondente ideia de direitos subjetivos. A necessidade de limitação o poder do Estado através da lei. A concepção universalista dos direitos. O advento de teorias contratualistas e o movimento antiabsolutista. Por que tais ideias foram importantes? Porque, em seu conjunto, contribuíram para uma mudança de paradigma e para o advento do Estado moderno. O Individualismo implicou uma reflexão sobre as relações da sociedade e do Estado com o interesse privado burguês. A Filosofia moderna iluminista representou a necessidade das revoluções liberais, burguesas. Os direitos naturais são os direitos necessários à burguesia contra os privilégios nobres. Os burgueses eram os comerciantes que movimentavam a economia com muita força, mas não tinham poder político. O Absolutismo promoveu a unificação da sociedade. A sociedade se tornou um bom mercado e propiciou o advento da classe burguesa que, adiante, uniu-se aos iluministas para combater o próprio Estado absolutista. Para a burguesia, o Estado deveria estar subordinado aos interesses individuais. Como compreender a relação entre Individualismo e Iluminismo? No pensamento clássico, antigo, o paradigma era a concepção das virtudes políticas, ou seja, bom cidadão como homem bom e vice-versa. A ação virtuosa • • • • • • • era política e não individual. O cristianismo medieval inverteu esse padrão. A Filosofia medieval valorizou a individualidade, pois a salvação passou a ser identificada como individual. Como o contratualismo, Individualismo e Iluminismo se interligaram? Os teóricos do contratualismo defenderam a tese de que o início da vida social seria marcada pela presença de homens iguais por natureza. E, em razão do indivíduo e seus interesses, criou-se o Estado. Em particular, a propriedade privada. Uma ideia totalmente revolucionária. A sociedadepolítica é, por conseguinte, uma invenção para a garantia e manutenção da propriedade privada que passaria a existir em razão da força do trabalho, categoria resgatada de um sentido pejorativo. O trabalho era visto como labor de pessoas inferiores, mas com o advento da burguesa passa a ter dignidade. Comentário Para os modernos, a sociedade configura a união de indivíduos, uma ficção de que, em princípio, haveria seres humanos isolados e, depois, estes decidiram viver em sociedade por meio de um pacto ou contrato livremente firmado. A sociedade teria surgido do contrato, não seria natural como pensava Aristóteles. Thomas Hobbes Assista ao vídeo para aprender sobre Thomas Hobbes. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Thomas Hobbes (1588-1679) foi um filósofo de matriz empirista, defensor do Absolutismo, mas em uma vertente considerada mais racional. Suas obras mais importantes são Do cidadão (1642) e Leviatã (1651). Para Hobbes, a vida seria o bem maior e a justiça ou injustiça seriam resultados das convenções, dos acordos. Em seu olhar antropológico, o homem é por natureza egoísta e provoca, sempre, uma situação de violência: homo est homo hominis lupus: o homem é o lobo do próprio homem. bellum omnium contra omnes: a guerra de todos contra todos. Hobbes nasceu no mesmo ano da invasão da Inglaterra pela Armada Espanhola (1588). Seu pai era um clérigo em Malmesbury que o abandonou aos 16 anos. Suas ideias políticas foram marcadas por tensões políticas vivenciadas pela Inglaterra, entre o rei Carlos I e o Parlamento. Em 1640, refugiou-se em Paris, permanecendo por lá por 11 anos (FRATESCHI, 2008). • • Com a publicação do Leviatã em 1651, foi acusado de heresia por causa de um suposto ateísmo e, paulatinamente, perdeu apoio de segmentos franceses. No mesmo ano, retornou à Inglaterra sob o comando de Cromwell, passando por momentos difíceis em razão da obra publicada. Conheça a origem da frase O homem é o lobo do homem, usada por Thomas Hobbes, em sua obra Leviatã. O pensamento de Thomas Hobbes contrariou a tese aristotélica segundo a qual o ser humano é um ser social, por natureza, a cidade é natural e não produto de uma escolha, bem como anterior aos indivíduos e que seria um fim em si mesma. Para Hobbes, o homem é o mal, a cidade é fruto de uma escolha – o pacto; o indivíduo é anterior à cidade, que é apenas um meio para que todos possam obter seus interesses (FRATESCHI, 2008). Capa do livro Leviatã publicado em 1651. Hobbes sugeriu um pacto social em que o soberano posicionaria-se acima do bem e do mal, acima de todas as instituições, com poder absoluto. Há em sua tese a servidão no Estado. Por conseguinte, não é a boa vontade que permite a convivência, mas o medo, pois a inclinação natural dos homens seria a satisfação de seus próprios desejos. Sobre isso Hobbes afirma que: A maior parte daqueles que escreveram alguma coisa a propósito das repúblicas ou supõe, ou nos pede ou requer que acreditemos que o homem é uma criatura que nasce apta para sociedade. (...) Axioma este que, embora acolhido pela maior parte, é, contudo, sem dúvida falso – um erro que procede de considerarmos a natureza humana muito superficialmente. Devemos, portanto, concluir que a origem de todas as grandes e duradouras sociedades não provém da boa vontade (...), mas do medo recíproco. (Hobbes, 2002, p. 25) Devemos, portanto, concluir que a origem de todas as grandes e duradouras sociedades não provém da boa vontade (...), mas do medo recíproco. (Hobbes, 2002, p. 28) Para ele, a igualdade humana se revela na condição de medo. A paz é resultante do contrato que nasce do medo de um estado de guerra de todos contra todos. Por isso, o indivíduo transfere todo o seu poder a um só homem, o soberano. Hobbes inova quando fundamenta o poder absoluto no contrato social por meio do consenso e não do poder divino — pacto de submissão. Ele percebe o monarca como apto ao exercício do poder, mas reivindica que o mesmo deve ser escolhido pelos súditos. No estado de natureza de Hobbes, que antecede a sociedade, “todo homem tem direito a todas as coisas, incluindo os corpos dos outros” (2008, Parte I, Cap. XIV, p. 82). Toda a humanidade tem “uma inclinação geral” que ele caracteriza como “um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que somente cessa com a morte” (2008, Parte I, Cap. XI, p. 64). Assim, o estado de natureza ou situação natural é a situação de guerra generalizada e, em seu modo de ver, “não haverá como negar que o estado natural dos homens, antes de ingressarem na vida social, não passava de guerra” (HOBBES, 2002, p. 33). Por isso, é necessário um soberano com mão de ferro, pois a liberdade irrestrita é ineficaz e não pode se harmonizar com a segurança. Então, é o medo da morte e o desejo de satisfazer seus interesses a causa para o pacto. • • • • Nesse aspecto, temos que observar que o filósofo é um pensador de transição, ao mesmo tempo que é absolutista, ou seja, ainda reconhece o monarca como apto ao exercício do poder, busca fundamento ou legitimação em sentido diverso do fundamento teológico para os monarcas. Até então, os monarcas eram escolhidos por Deus. Hobbes, em razão dessa mudança no olhar, apresentou-se como um absolutista inovador, um absolutista e contratualista. Assim, a sua ideia de justiça ligava-se ao cumprimento das determinações do soberano pela força do contrato. A submissão absoluta ao soberano não negaria uma lei natural que decorre da razão, mas pela insuficiência do homem em realizá-la no estado de natureza, submete-o à lei civil. É por isso que as leis naturais para Hobbes precedem a vida e o pacto social. Do cidadão Na obra Do cidadão (2002, p. 38), Hobbes define lei natural como o ditame da reta razão no tocante àquelas coisas que, na medida de nossas capacidades, devemos fazer, ou omitir, a fim de assegurar a conservação da vida e das partes do nosso corpo. Leviatã Na obra Leviatã (2008, p. 136) apresenta que “as leis da natureza são imutáveis, pois a injustiça, a ingratidão, a arrogância, o orgulho, a iniquidade, a acepção de pessoas etc. jamais podem se tornados legítimos”. Em sua perspectiva, acessamos a lei natural pela recta ratio e o sentido clássico de direito natural sofre um deslocamento de sentido para preservação do interesse próprio. O que ele designa como natural liga-se mais ao sentido de um Individualismo e de um instinto de sobrevivência (MASCARO, 2010). O direito de natureza, a que os autores geralmente chamam jus naturale, é a liberdade que cada homem possui de usar o seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação da sua própria natureza, ou seja, da sua vida; e consequentemente de fazer tudo aquilo que o seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios mais adequados a esse fim (HOBBES, 2008, p. 168-9). Entretanto, há uma exceção à submissão total do súdito ao soberano em Hobbes porque há o direito à autodefesa. O direito de autodefesa constituiu, neste autor, a possibilidade de desobediência civil se o soberano não cumpre o que prometeu, garantir a ordem e a segurança. Recta ratio Recta ratio (loc. do Latim reta razão), «expressão usada por Cícero (De Legibus) para definir a lei, e retomada por Grócio (De iure belli ac pacis) para afirmar o direito como a razão, que, reta, é o único critério de verdade reservado ao homem dentro de suas possibilidades. (juris.wiki.br. Consultado na internet em: 30 abr. 2019) Comentário O paradoxo no pensamento de Hobbes está na submissão de indivíduos racionais ao poder exterior do soberano, ou seja, a vinculação de contratualismo com monarquia. E o fato da violência no estado pré- jurídico, permite que se evidencie uma racionalidade instrumental, ou seja, racionalidade prática (imperativo hipotético, se quero A faço B) em que o súdito abre mão de sua liberdade em troca de segurança e ordem. Nesse aspecto, o uso da força irrestrita, pelo Leviatã, passa a estar legitimado paramanter a ordem e a segurança. O fundamento do Estado, segundo Hobbes, estaria no pacto social, fruto de uma racionalidade instrumental e a desobediência civil poderia ser invocada apenas na hipótese de o soberano não cumprir o pacto. Thomas Hobbes foi um importante pensador político na criação de um Estado concentrador de poder em que se configura o uso da força para combater a violência própria de um estado de natureza. Vale ressaltar que definiu o estado de natureza e legitimou o uso da força. No estado de natureza de Hobbes, “todo homem tem direito a todas as coisas, incluindo os corpos dos outros” (2008, Parte I, Cap. XIV, p. 82). Mais adiante assevera que toda a humanidade tem “uma inclinação geral” que ele caracteriza como “um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que somente cessa com a morte” (2008, Parte I, Cap. XI, p. 64). Assim, para cada um, o outro é um concorrente, ávido de poder. O pensador coloca o homem a partir do olhar de uma antropologia pessimista. Acrescente-se que todo o seu pensamento filosófico está calcado na busca de uma suposta estabilidade para a vida em sociedade, a despeito de uma tendência ao mal, garantindo-se, assim, a manutenção dos bens. Em Hobbes, os indivíduos autorizam que o soberano atue sem limites para manutenção da paz. Em verdade, nada garante que consiga esse fim e é possível até que atente contra a vida dos súditos, mas segundo Hobbes, isso é melhor do que viver em um estado de natureza. Assista ao video para aprender um pouco mais sobre a obra o Leviatã. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. É mais seguro viver sob a mão de ferro do Leviatã do que sob uma liberdade irrestrita. Hobbes nos incentivou reflexões sobre uma teoria da soberania absoluta que justifica o uso da força irrestrita e o sacrifício de muitos para manutenção da segurança. Verificando o aprendizado Questão 1 O contratualismo designa uma escola que floresceu na Europa entre meados do século XVI e fins do século XVIII. Qual a tese central dessa doutrina? Chave de resposta A tese central da doutrina do contratualismo é a de que os indivíduos são livres e iguais no estado de natureza, compreendido como momento anterior à sociedade civil que nasce a partir do contrato. Questão 2 Leia o texto a seguir: Thomas Hobbes foi um matemático e filósofo inglês do século XVII, conhecido por sua contribuição à filosofia política. Estudou na Universidade de Oxford, foi amigo de figuras como Galileu, Descartes e Francis Bacon, e teve grande influência do pensamento mecanicista da época. Inspirado pela geometria de Euclides e pelo modelo científico de Galileu, Hobbes acreditava que o ser humano poderia ser estudado como uma máquina composta de matéria e movimento. Defendia que todas as funções humanas — como o pensamento, as emoções e o comportamento — têm origem na experiência sensorial, e que não há ideias inatas nem mente imaterial. Para ele, corpo e mente são uma só entidade material. Seu principal interesse era a política. Hobbes via os seres humanos como naturalmente egoístas, violentos e ambiciosos. Por isso, acreditava que a melhor forma de governo era a monarquia absolutista, pois apenas um poder central forte poderia conter as tendências destrutivas humanas e garantir paz e ordem social. Sua obra mais importante, Leviatã (1651), apresenta essa visão. No livro, Hobbes argumenta que o medo da morte e o desejo de segurança levam os indivíduos a abrir mão de parte de sua liberdade em troca da proteção de um soberano. Esse soberano teria autoridade total sobre leis, moral e religião. Sem essa autoridade, a vida humana seria “solitária, sórdida, brutal e curta”. Embora Hobbes preferisse o método dedutivo (como Galileu e Descartes), ele compartilhava com Bacon a valorização da experiência sensorial como base de todo conhecimento. Em resumo, Hobbes propôs uma explicação científica e mecanicista da natureza humana, que serviu de base para sua teoria política autoritária. (Texto baseado no vídeo Thomas Hobbes – Mecanicismo, Leviatã e Empirismo, disponível no canal Didatics no YouTube). Agora, responda: Qual a teoria antropológica sobre o ser humano elaborada por Hobbes e qual sua relação com Galileu? Chave de resposta Em seu olhar antropológico, o homem é por natureza egoísta e provoca, sempre, uma situação de violência, por isso promoveu a frase: homo es homo hominis lupus (O homem é o lobo do homem) e bellum omnium contra omnes (a guerra de todos contra todos). Hobbes utilizou o método dedutivo de Galileu em detrimento do método indutivo de Francis Bacon. Questão 3 A doutrina que apresenta uma teoria política sobre a suposta origem da sociedade e o fundamento do poder político na figura jurídica do contrato foi denominada de: A Racionalismo B Empirismo C Criticismo D Contratualismo E Universalismo A alternativa D está correta. A doutrina que apresenta uma teoria política sobre a suposta origem da sociedade e o fundamento do poder político na figura jurídica do contrato, foi denominada de contratualismo. Questão 4 Um dos fatores que explicam o advento do contratualismo foi: A A necessidade de legitimar o Estado. B A necessidade de fundamentar o conhecimento. C A necessidade de fortalecer as ideias da tradição. D A necessidade de embasar o feudalismo. E A necessidade de proteger o monarca. A alternativa A está correta. Um dos fatores que explicam o advento do contratualismo foi a necessidade de legitimar o Estado na figura do contrato social. Questão 5 Thomas Hobbes foi um importante pensador político na criação de um Estado centralizador em que se configura o uso da força para combater a violência própria de um estado de natureza. Os indivíduos abrem mão de sua liberdade em troca de: A Segurança para todos. B Guerra de todos contra todos. C Maior liberdade. D Igualdade absoluta. E Igualdade entre os iguais. A alternativa A está correta. Thomas Hobbes foi um importante pensador político na criação de um Estado centralizador em que se configura o uso da força para combater a violência própria de um estado de natureza. Os indivíduos abrem mão de sua liberdade em troca de segurança, já que o homem é o lobo do próprio homem. 3. As teorias do contrato John Locke Assista ao vídeo e aprenda sobre john Locke. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. John Locke (1632-1704) foi um dos mais importantes pensadores do empirismo. Suas obras mais relevantes são: Carta sobre tolerância (1689) Em que manifesta a preocupação com as perseguições aos protestantes. Ensaio sobre o entendimento humano (1690) Trata da teoria empirista. Dois tratados sobre o governo civil (1689) No Segundo Tratado sobre o Direito Civil, Locke apresentou a teoria do contato social. Foi considerado o filósofo moderno que, pela primeira vez, elaborou uma defesa dos direitos individuais baseada em valores das revoluções liberais que ocuparam o cenário da Europa e da América, em uma postura contrária aos valores políticos tradicionais ligados à monarquia. Por isso, vinculou-se à tese de limitação ao poder real e ao direito de resistência ao absolutismo. O que isso significa? Significa que os direitos estariam assegurados se o Parlamento limitasse o poder do monarca. Com essa ideia, combateu o pensamento absolutista no Primeiro Tratado sobre o Governo Civil, em particular, a tese formulada por Sir Robert Filmer (1588-1653), segundo a qual o poder real estaria fundado em um poder divino, os reis seriam descendentes de Adão e Eva e os homens não seriam livres por natureza. • • • Locke refutou isso, pois entendeu que é o consenso por meio do contrato social que legitima o poder político e não um poder divino. Além disso, existem direitos naturais no estado de natureza. Locke se aproximou do pensamento de Thomas Hobbes quando apresentou a tese da passagem de um estado de natureza para a sociedade civil, legitimada pelo contrato social. Neste ponto, os doisautores ingleses se afastaram da tese aristotélica sobre a sociedade como um dado natural e não como fruto do contrato. Entretanto, Locke se afastou igualmente de Hobbes quando afirmou que o estado de natureza não se caracterizava pelo fato da violência, ao contrário, era um lugar pacífico em que os indivíduos compreendem a lei natural. No Segundo Tratado (LOCKE, 2005, II) observou que o estado de guerra não era igual ao estado de natureza. Como Locke compreendeu o estado natural O estado de natureza para esse pensador é o lugar da liberdade natural em que os indivíduos são livres e iguais. Essa liberdade natural não é para Locke um obstáculo ao cumprimento das leis naturais e da vida em sociedade. Uma suposta situação de guerra decorre do descumprimento das leis naturais, uma possibilidade que pode ocorrer tanto no estado de natureza quanto na sociedade civil. Não é como em Hobbes uma situação constante. Escolher viver em sociedade decorre da necessidade de estabilidade (LOCKE, 2005). Nessa ideia, percebemos que o estado de natureza não é anarquia como pensara seu antecessor, Hobbes, mas ausência de um poder político centralizado para dirimir conflitos. O que Locke pretendia afirmar era que os indivíduos isoladamente não conseguiriam suportar um possível estado de conflito, porque sempre existirá uma possibilidade de conflito – só não será a violência generalizada pensada por Hobbes. Os indivíduos aceitam que a vida em sociedade é mais interessante para proteger os direitos naturais de cada um, e precisam de um poder político centralizado para resolver eventuais conflitos. Subjaz, portanto, um interesse em proteger a propriedade privada de cada um. Para Locke, a ausência de um governo pode comprometer a vida, a liberdade e o gozo dos bens. A finalidade do contrato social Sim. Para Locke, a finalidade é a proteção da propriedade privada e o seu gozo. O consentimento permite o nascimento do corpo social que irá legislar e, assim, o Estado se afigura como o garantidor dos direitos dos indivíduos (LOCKE, 2005). O que os homens renunciam no contrato de Locke? Para Locke, os indivíduos renunciam o direito à preservação de si por conta própria, ou seja, fazer tudo quanto considerem necessário para preservar seus próprios interesses. Em uma linguagem contemporânea, seria a possibilidade de uso arbitrário das próprias razões, a vingança, a vindita. • • • • Os indivíduos renunciam o direito de fazer justiça com as próprias mãos, que poderia acarretar certa instabilidade. Logo, não há submissão como em Hobbes, mas uma melhoria na organização da vida não mais arbitrária, mas em que cada um encontra limites dos seus direitos nos direitos dos demais. A finalidade da união é “submeterem-se a um governo (...)., portanto, à conservação de sua propriedade” (LOCKE, 2005, II, 124). Da liberdade natural à submissão ao poder político Por que os indivíduos livres no estado de natureza decidem constituir o Estado e submeter-se ao controle do poder político? Para Locke, os homens desejam instituir a sociedade civil porque o usufruto da propriedade é inseguro e incerto no estado de natureza, submetem-se para preservá-la, por isso mencionou expressamente que a finalidade do governo é a conservação da propriedade. A propriedade se relaciona com o estado de natureza porque é anterior à criação da sociedade civil. Em seu modo de ver, a terra foi dada por Deus a todos, mas a sua individualização decorre do trabalho e, assim, o que era coletivo passa a ser privado. Essa é a tese do pensamento burguês liberal dos séculos XVII e XVIII. Como se faz a passagem para a propriedade privada O trabalho e a invenção do dinheiro permitem possuir coisas, acumular bens para além da subsistência. Nesse sentido, com o acúmulo de bens, o indivíduo opta por deixar o estado de natureza e ingressar em sociedade civil. Na visão de Locke, os indivíduos têm uma inclinação para viver em sociedade, mas em um sentido muito diferente da tese aristotélica que traz a ideia da sociabilidade natural porque, para Locke, é fruto de um contrato, de um consenso. A experiência em sociedade é resultado de uma escolha de pôr fim ao estado de natureza, uma decisão de substituir a liberdade irrestrita pela liberdade segundo leis. Ao afirmar que o fundamento da sociedade está no contrato, Locke, além de refutar a explicação dada por Aristóteles acerca da comunidade política como natural, nega igualmente o fundamento teológico, muito comum naquele momento histórico, que atribuía força divina aos reis (MACEDO JR., 2008). Locke formulou a base do pensamento liberal, pois admitiu que o Estado surge do pacto entre os homens para proteger a liberdade. Estes, no estado de natureza não são violentos, mas livres, e buscam o bem-estar e a felicidade. Apenas não sabem em que consiste o bem-estar. Comentário No estado de natureza vivem uma inquietude e há a necessidade de um terceiro que seja capaz de julgar os conflitos. Os homens necessitam de leis que dirijam suas ações. Torna-se necessário o contrato. Renunciam o direito de fazer justiça com as próprias mãos e passam a viver sob as leis do Estado para garantir os direitos fundamentais como: o direito à vida, à propriedade e à liberdade. Como filósofo, John Locke assumiu uma importância no contexto da filosofia política e trabalhou os conceitos de estado de natureza, concepção de homem, liberdade lei e propriedade. Nesse sentido, é pertinente ressaltar o seu pensamento político, situando-o na tradição filosófica como um pensador preocupado em refletir sobre a defesa do direito de propriedade. Deve-se ainda observar que esse pensador compreendeu o direito natural como um direito evidenciado pela razão, que assume o sentido de uma capacidade de compreensão existente em todos os homens. Tais direitos não seriam, por conseguinte uma dádiva do Estado ou da lei, mas um ditame da recta ratio que mostraria aos homens os limites daquilo que convém em uma sociedade civil, ou seja, direitos naturais, racionais. O jusnaturalismo de Locke pressupõe, portanto, uma ordem universal em que os homens pudessem construir sua própria prosperidade. Locke, diferentemente de Hobbes, não concebe uma sociedade civil vivendo sob o arbítrio do poder absoluto, acima do bem e do mal. O poder absoluto é contrário aos interesses de todos, pois ameaça a propriedade e o trabalho cotidiano dos indivíduos. Locke foi importante no cenário político moderno, tido como precursor do liberalismo, doutrina que fundamental para os movimentos do século XVIII, como a Independência dos Estados Unidos (1776) e a Revolução Francesa (1789). Jean-Jacques Rousseau Para começar, assista ao vídeo e aprenda sobre Jean-Jacques Rousseau. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Rousseau foi o mais popular e crítico dos filósofos modernos. Muitos revolucionários franceses, como Robespierre, fizeram de suas ideias lemas para a revolução francesa. Pierre Burgelin (1996) observa que Rousseau realizou uma reflexão sobre os princípios de uma sociedade justa fundada no sentido de uma vontade geral, uma República. Suas obras mais importantes são: • Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1755). • O contrato social (1762). O século de Rousseau, século XVIII, foi chamado de século das luzes, a Idade da Razão. Nessa fase, o Iluminismo estava envolvido com uma visão positiva da vida em decorrência do desenvolvimento da ciência experimental. Na ocasião, os pensadores acreditavam poder aplicar a todas as dimensões da vida humana a visão imposta pelo pensamento científico em prestígio (SILVA, 2008). Rousseau não via dessa forma. A sua vida fora marcada por muitas privações materiais – era pobre. Para ele, sua época estava muito distante de uma vida na forma imaginada pelos iluministas. Apesar dos avanços da ciência e da técnica, evidenciava-se uma desigualdade extrema. Assim, considerou, em suas críticas, esse paradoxo em que a sociedade era responsávelpela perda da liberdade e da moralidade inerentes à natureza humana (SILVA, 2008). Apesar de avanços, o ser humano experienciava a deterioração de sua independência e integridade. A leitura da obra Discurso (2002) é importante para o entendimento do modelo de contrato social de Rousseau, pois nela o autor evidencia a ideia de homem original, que chamou de bom selvagem. Como Rousseau compreendeu esse homem original – bom selvagem? O homem original é um ser tranquilo, pacífico, com poucas necessidades. Ele vivência uma existência feliz, garante a subsistência de maneira simples e independente dos demais indivíduos. Vive como nômade, não precisa da palavra, de invenções, sobrevive do que pode obter na natureza e não faz guerra com ninguém porque não há motivos para disputas. As paixões do homem natural estão ligadas, apenas, a sua vida na natureza, são simples (SILVA, 2008). Rousseau não pensou o estado de natureza como legitimação para direitos inatos, como Locke, mas para promover uma reflexão sobre a liberdade humana. Esse lugar fictício seria um suposto estado de paz, prazeres fáceis e inofensivos. Nele, o homem original experimentava uma liberdade natural, ou seja, uma independência em relação aos demais. Vivia na total independência material que se caracterizava pela ausência de formas de dominação. Portanto, insistiu que o suposto estado de natureza estaria distante dos modelos de socialização conhecidos em sua época (SILVA, 2008). Assim, não propôs um retorno ao estado de natureza, mas apresentou a sua crítica ácida à civilização que, em verdade, corrompe o homem (SANTILLÁN, 1992). Os filósofos (...) sentiram todos as necessidades de voltar até ao estado de natureza, mas nenhum deles chegou até lá (...). Enfim, todos, falando incessantemente de necessidades, avidez, opressão, desejos e orgulho, transferiram para o estado de natureza ideias que tinham adquirido em sociedade; falavam do homem selvagem, mas descreviam o homem civil. (Rosseau, 2002, p. 45) O homem nasceu livre e por toda a parte ele está agrilhoado. (Rosseau, 1991, Livro I, Cap. 1) Rousseau não queria legitimar a submissão a uma autoridade, mas conceder a cada um a condição de criador e participante da autoridade política – uma cidadania ativa em uma República (SILVA, 2008). Mas, se a condição civil é ruim e incompatível com a independência natural do bom selvagem, por que abandonar o estado de natureza? Por que sair de uma vida tranquila? Para Rousseau, novas condições de vida propiciaram o surgimento de desigualdade e dependência. Para ele, ocorreu enfraquecimento paulatino, ou seja, um esgotamento natural do estado de natureza por causa dos acasos naturais, como: inundações, tremores de terra, invernos rudes etc. que contribuíram para a formação de laços coletivos. Os indivíduos foram progressivamente se unindo e formando a sociedade civil (SILVA, 2008). Exemplo Ocorreu um caminhar histórico natural que propiciou a passagem do estado natural para a sociedade civil. O filme Gangues de Nova York (2002), com a direção de Martin Scorsese, pode nos ajudar a entender um pouco melhor o que Rousseau quis dizer que as sociedades foram surgindo aos poucos dessa aproximação para melhorar as condições de sobrevivência. Acesse o site adorocinema.com e assista ao trailer. Os laços coletivos configuraram, inicialmente, cooperações eventuais, com uma possível relação de dependência. Nessas novas relações, surgiram as condições para a superação de uma situação de mera sobrevivência individual para o sentido de uma convivência com o outro e que permite, de certo modo, o aparecimento da comparação, disputa, ganância, ambição e inveja. Nesse lento processo, os homens passam de uma vida isolada de prazeres simples e condição itinerante para uma experiência de vida comunitária em que o outro passa a interferir na minha existência (SILVA, 2008). Rousseau indicou, em sua tese sobre a origem da sociedade civil, as etapas de um suposto processo de civilização, o nascimento da divisão do trabalho, da agricultura e da metalurgia. É significativa a ideia de proteção da propriedade privada, o que de certa forma o aproxima do pensamento de Locke (SANTILLÁN, 1992). Rousseau desejava pensar uma sociedade realmente justa, uma República. Compreendeu o pacto social como possibilidade de proteção da pessoa e seus bens, a partir do sentido de associação. Nesse contrato, o indivíduo assume o status de associado, ou seja, um integrante da comunidade que está realmente comprometido com a vida comunitária. Não há situação de submissão como em Hobbes, mas trata- se de uma associação que personifica uma autoridade coletiva existindo a partir de todos os membros (ROUSSEAU, 1991). Em seu modo de ver, o cidadão é aquele que participa e integra a sociedade, assumindo uma dupla dimensão: a de autor das leis para todos e seu próprio destinatário. Por conseguinte, a liberdade natural se afiguraria como autogoverno em que cada um se submeteria às leis que decorrem de sua própria autonomia, de autônomos, dar leis para si mesmo. O corpo político seria, então, uma espécie de corpo coletivo, cuja autonomia denominou de vontade geral, ou seja, o conjunto da vontade de todos os membros e que não se confunde com a soma de interesses individuais, mas que configura o interesse pelo bem comum. O conceito de vontade geral de Rousseau significou a vontade de um corpo político, como o conjunto de vontades de todos os membros da República. Essa integração de vontades não se reduz à mera soma de interesses pessoais, mas configura o interesse coletivo, o bem comum. A lei expressa uma ideia ou sentido de universalidade, ou seja, fortalece a concepção de ser soberana. O que significa essa universalidade da lei em Rousseau? Significa que as leis possuem uma forma geral e abstrata e que valem para todas as pessoas. Na passagem para República, o sentido do justo substitui a ideia de força, o compromisso substitui o egoísmo. A igualdade torna-se o princípio basilar da convivência. Ser livre e igual significa poder participar ativamente das decisões em busca do bem comum. A submissão é substituída pela associação. O núcleo do sistema republicano de Rousseau está na relação entre o indivíduo e o coletivo, em que cada um é soberano enquanto membro do corpo político – a vontade geral. E o objetivo, o bem comum e os bens fundamentais, são a liberdade e igualdade de todos os membros. Por isso, a única forma válida de Estado, para ele, é a República, já que o corpo político deve estar constituído por cidadãos que participam diretamente do poder (ROUSSEAU, 1991). A passagem do estado de natureza para sociedade civil ocorreu, supõe-se, nas condições em que os homens tinham, o estágio natural já não podia subsistir e o ser humano, se não mudasse de modo de vida, pereceria – houve um caminhar histórico natural que viabilizou as condições de possibilidade da passagem. Portanto, os homens trocaram uma liberdade natural pela liberdade civil. Para ele, não foi o pacto ou o contrato que fundou a sociedade civil. O que o contrato promove é a República. Comentário É bem verdade que a sociedade civil, para Rousseau, tem um caráter contraditório, ao mesmo tempo em que assegura com mais eficiência a liberdade civil à natural pela proteção do Estado, também traz consigo a falha de perverter o homem originário, o bom selvagem, atribuindo à propriedade os malefícios sociais até hoje existentes, corrompendo os homens e os atirando ao lamaçal em que se encontram, embora acredite que essa mesma sociedade seja capaz de identificar alternativas ao bem-comum. Enfim, para Rousseau o homem nasceu bom, mas o convívio social o fez decair. A tarefa é, portanto, buscar uma forma de associação que proteja e defenda com toda a força a pessoa e os bens. O Estado deverá configurar a expressão da vontade geral, espírito do povo, orientado pelo bem comum e produzir leis que garantam o bem-estar coletivo. A República deve favorecer o interesse comum (ROUSSEAU,1991). Assista ao vídeo para apender mais sobre Rousseau. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Verificando o aprendizado Questão 1 O filósofo moderno que pela primeira vez elaborou uma defesa dos direitos individuais baseada em valores das revoluções liberais foi: A Hobbes B Locke C Kant D Hegel E Filmer A alternativa B está correta. O filósofo moderno que pela primeira vez elaborou uma defesa dos direitos individuais baseada em valores das revoluções liberais foi Locke. Questão 2 O contrato de Locke se afastou da teoria de Hobbes quando afirmou que o estado de natureza era um lugar: A Pacífico B Belicoso C Perigoso D Anárquico E Utópico A alternativa A está correta. O contrato de Locke se afastou da teoria de Hobbes quando afirmou que o estado de natureza era um lugar pacífico. Questão 3 Para Rousseau o corpo político seria uma espécie de corpo coletivo, cuja autonomia denominou de: A Boa vontade B Vontade geral C Bom selvagem D Leis naturais E Liberdade A alternativa B está correta. Para Rousseau, o corpo político seria uma espécie de corpo coletivo, cuja autonomia denominou de vontade geral, ou seja, o conjunto da vontade de todos os membros e que não se confunde com a soma de interesses individuais. 4. Conclusão Considerações finais Neste conteúdo, foram exploradas duas correntes fundamentais da filosofia moderna: o empirismo e o contratualismo. Inicialmente, foi apresentado o empirismo como uma doutrina do conhecimento que valoriza a experiência sensível como origem de toda compreensão possível. A partir das contribuições de Francis Bacon, John Locke e David Hume, foi possível compreender como essa corrente filosófica rompe com a ideia de conhecimento inato, defendendo que a observação e a vivência concreta são os verdadeiros fundamentos do saber. Essa perspectiva influenciou profundamente o desenvolvimento do método científico e a forma como a ciência moderna passou a investigar o mundo. Em seguida, foi abordado o contratualismo, uma doutrina da filosofia política que busca explicar a origem da sociedade civil e a legitimidade do poder político por meio da noção de contrato social. Foram analisadas as ideias de Thomas Hobbes, que via o contrato como uma forma de conter a violência natural do ser humano; de John Locke, que destacou a liberdade individual e a propriedade como direitos fundamentais; e de Jean- Jacques Rousseau, que introduziu a noção de soberania da vontade popular como base da autoridade legítima. A compreensão dessas correntes filosóficas permite ao estudante desenvolver uma visão crítica sobre o conhecimento, a organização social e os direitos humanos. Esses temas são essenciais para a formação intelectual e ética, além de contribuírem diretamente para a atuação consciente e fundamentada em diversas áreas profissionais, especialmente nas ciências humanas, sociais e na educação. Explore + Acesse o canal Didatics no YouTube e assista aos vídeos que trazem algumas ideias do pensamento empirista: Empirismo. Francis Bacon: o empirismo radical e os quatro ídolos. David Hume: a mente, as emoções e o comportamento. Leia a obra Tabula Rasa, de Steven Pinker, Companhia das Letras, que apresenta estudos na área de ciência da linguagem, psicologia e genética, oferecendo uma tese contrária à tese empirista da folha em branco. Para enriquecer seu olhar, assista aos filmes que apresentam algumas ideias trabalhadas neste conteúdo. Central do Brasil. Dir.: Walter Salles. Brasil, 1998. 113 min. Cidade de Deus. Dir.: Fernando Meirelles, Kátia Lund. Brasil, 2002. 130 min. • • • • • A vila. Dir.: M. Night Shyamalan. Estados Unidos, 2004. 108 min. Ensaio sobre a cegueira. Dir.: Fernando Meirelles. Brasil, Canadá, Japão, 2008. 121 min. Leviatã. Dir.: Andrey Zvyagintsev. Rússia, 2014. 140 min. Leia o livro Hobbes e a liberdade republicana, de Quentin Skinner, editora Unesp. Referências ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1982. BACON, F. Novum organum. Trad. José Aluysio Reis de Andrade. Acrópolis. E-Book Brasil, 2002. Consultadp na internet em: 21 abr. 2019. BOBBIO, N. Thomas Hobbes. Rio de Janeiro: Campus, 1991. BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política. 9. ed. Brasília: UnB, 1997. FRATESCHI, Yara. Estado e Direito em Thomas Hobbes. In: MACEDO JR., R. P. (Org.). Curso de Filosofia Política. Do nascimento da Filosofia a Kant. São Paulo: Atlas, 2008. p. 291-322. FRATESCHI, Yara. John Locke: Estado e Resistencia. In: MACEDO JR., R. P. (Org.). Curso de Filosofia Política. Do nascimento da filosofia a Kant. São Paulo: Atlas, 2008 HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. Tradução António Correia. Coimbra: Armênio Amado, 1987. HOBBES, T. Do cidadão. São Paulo: Martins Fontes, 2002. HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2008. HUME, D. Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral. São Paulo: UNESP, 2004. HULSHOF, M. O critério da verdade e a ação moral no racionalismo e empirismo. In: MACEDO JR., R. P. (Org.). Curso de Filosofia Política. Do nascimento da Filosofia a Kant. São Paulo: Atlas, 2008.p. 387-426. KANT, I. Prolegômenos a toda a metafísica futura. Lisboa: Edições 70, 1988. • • • KAUFMANN, Arthur; HASSEMER, W. (Org.). Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2002. LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1993. LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 2005. LOCKE, J. Ensaio acerca do entendimento humano. São Paulo: Nova Cultural, 1999. LOCKE, John. Ensaios políticos. São Paulo: Martins Fontes, 2007. LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. In: Os pensadores. São Paulo: Abril, 1973. MACEDO JR., R. P. (Org.). Curso de Filosofia Política. Do nascimento da Filosofia a Kant. São Paulo: Atlas, 2008. MASCARO, A. L. Filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2010. MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da Filosofia. 7. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. MARTINS, C.E.; MONTEIRO, J.P. Vida e Obra. In: LOCKE, J. Ensaio acerca do entendimento humano. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p.5-17. MASCARO, A. L. Filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2010. MICHAUD, Ives. Locke. Rio de Janeiro: Zahar, 1991. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. São Paulo: Paulus, 1990. 2 v. OLIVEIRA, Clara M. C. B.; TROTTA, Wellington. Locke e Rousseau: a questão dos direitos civis como extensão dos direitos naturais. Achegas.net. n. 41, jan/jul 2009. Consultado na internet em: 22 jun. 2010. PINTO, M. M. A noção de vontade geral e seu papel no pensamento político de Jean-Jacques Rousseau. Cadernos de Ética e Filosofia Política. N. 7, 2/2005, p. 83-97. Consultado na internet em: 22 jun. 2010. ROUSSEAU, J-J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Martins Fontes, 2002. ROUSSEAU, J-J. O contrato social. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996. ROUSSEAU, J-J. O contrato social. In: Os pensadores. São Paulo: Nova cultural, 1991. SANTILLÁN, José F. Fernández. Hobbes y Rousseau. Entre la autocracia y la democracia. México: Fondo de Cultura económica, 1992. SILVA, F. G. Rousseau e a soberania da vontade popular. In: MACEDO JR., R. P. (Org.). Curso de Filosofia Política. Do nascimento da filosofia a Kant. São Paulo: Atlas, 2008. p. 351-384. Teorias Políticas e Éticas 1. Itens iniciais Propósito Objetivos Introdução 1. Filósofos empiristas Francis Bacon Conteúdo interativo Contribuições de Francis Bacon Ídolos da tribo Ídolos da caverna Ídolos do foro Ídolos do teatro John Locke Conteúdo interativo Os conteúdos da experiência David Hume Conteúdo interativo O despertar de um sono dogmático Verificando o aprendizado 2. O contratualismo Introdução ao contratualismo