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Técnicas Psicanalíticas 3 As Técnicas Não-Freudianas e Técnicas Especiais e Resultados Organizado por Benjamin Wolman IMAGOTítulo original: Psychoanalytic Techniques J. BENJAMIN B. WOLMAN (Org.) Copyright © 1967 by Basic Books, Inc TECNICAS Editoração PSICANALITICAS-3 Coordenação: Pedro Paulo de Sena Madureira Tradução: Marina de Camargo Celidônio Revisão: H. A. Matos Revisão tipográfica: Sonia Regina Cardoso Capa: Paulo de Oliveira As Técnicas Não-Freudianas e Técnicas Especiais e Resultados Coleção Psicologia Psicanalítica 1977 Direção de JAYME SALOMÃO Membro-Associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro. Membro da Associação Psiquiátrica do Rio de Membro da Sociedade de Psicoterapia Analítica de Grupo do Rio de Janeiro. Direitos para a língua portuguesa adquiridos por IMAGO EDITORA LTDA., Av. N. Sra. de Copacabana, 330, andar, tel.: 255-2715, Rio de Janeiro, que se reserva a 616.8917 propriedade desta tradução. T253 Impresso no Brasil ex:3 26769 Printed in Brazil IMAGO EDITORA LTDA. Rio de Janeiro 509/95 Data 2/5/95sou obrigado a fornecer uma imagem bastante incompleta da técnica da psicologia analítica. MÉTODOS DE TRATAMENTO NA PSICOLOGIA ANALÍTICA Isto me leva ao segundo problema: a mudança constante de técnica que está tendo lugar na psicologia analítica. Seria uma crítica deplorável para qualquer escola analítica se ela se tornasse presa de uma abordagem dogmática e estática com relação tanto à teoria como Gerhard Adler à prática um ponto, estou certo, com o qual os psicanalistas concordarão. Assim como Jung que, escrevendo, formulando e refor- Observações Gerais: A Base Teórica do Tratamento mulando por mais de sessenta anos, persistentemente desenvolveu e modificou suas idéias, desconcertando assim os leitores que não Se devo contribuir com um capítulo sobre métodos de trata- compreendem inteiramente os fenômenos do pensamento criativo, de mento na psicologia analítica, devo salientar, desde já, dois problemas igual modo a técnica passou por consideráveis mudanças durante as que dificultarão meu trabalho. o primeiro é que a técnica específica seis décadas da atividade psicoterapêutica de Jung, e está continua- da psicologia analítica não exclui o emprego de técnicas analíticas mente passando por mudanças e alterações sob a luz de nova experiên- mais generalizadas; o segundo é que a técnica da psicologia analítica cia e teoria entre seus seguidores. sofreu, como a de todas as outras escolas analíticas, e está continua- Tal processo conduz invariavelmente a certas divergências entre mente sofrendo, mudanças consideráveis. os seguidores de qualquer escola e ao desenvolvimento de certas Com relação ao primeiro problema basta-me citar o próprio tendências que, freqüentemente, estão relacionadas com a distribuição geográfica. Assim, hoje em dia, entre os psicólogos analíticos existem ponto de vista de Jung (Jung, 1929, pp. 55 ff.), de acordo com o vários pontos que recebem ênfases diferentes e que criam uma espécie qual ele distingue quatro estágios diferentes de análise, cada qual de série contínua de uma abordagem "ortodoxa" para uma "não- exigindo uma abordagem técnica especial: o primeiro estágio de "con- ortodoxa"; esta afirmação também se aplica à técnica. Não é trabalho fissão" (ou método catártico); o segundo estágio de "elucidação" meu entrar nessas divergências in extenso. Dando uma indicação bem ou "interpretação" (em especial a interpretação da transferência, curta das mesmas, a abordagem "ortodoxa" tende a manter os concei- estando assim muito próximo da abordagem "freudiana"); o terceiro tos de Jung "puros" e virtualmente inalterados, com a ênfase de seu estágio de "educação" (a adaptação às exigências e necessidades trabalho prático na interpretação arquetípica (o método "sintético- sociais, expressando assim muito de perto o ponto de vista de Alfred construtivo"); do outro lado estariam o que talvez se pudesse chamar e finalmente o que ele denomina de estágio de "transforma- de "neo-junguianos", modificando os conceitos de Jung em propor- ção" (ou "individuação"), no qual o paciente descobre e desenvolve ções algumas vezes consideráveis, e introduzindo uma mistura seu padrão individual singular, o estágio da análise propria- relativamente bem integrada de conceitos psicanalíticos variados mente dita. (como os de Erik Erikson nos Estados Unidos e os de Melanie Klein Estes estágios não tencionam representar fases mutuamente na Inglaterra), e com a ênfase do seu trabalho prático na interpreta- exclusivas ou consecutivas do tratamento, mas diferentes aspectos ção "redutiva". Finalmente, haveria um grupo central sólido, firme- deste, que se interpenetram e variam de acordo com as necessidades mente ligado aos ensinamentos de Jung, mas aceitando modificações do paciente em e da situação terapêutica. Assim, o trata- à luz da experiência posterior, e utilizando em seus trabalhos uma mento tem que ser não-dogmático, flexível e adaptado às necessidades combinação da interpretação construtiva e redutiva. Tentarei escrever do próprio paciente, e esta especificação é um dos princípios impor- este capítulo do ponto de vista deste grupo central. tantes da psicologia analítica. De qualquer forma, deve ser entendido Para leitor interessado nestes problemas particulares gostaria que o que Jung denominou "análise em oposição à análise de mencionar primeiro as publicações do C. G. Jung Institute em "sintética" ou "construtiva" (Jung, 1926-1943, pp. 81 ff.) representa Zurique (Studien aus dem C. G. Jung Institut), dezessete volumes até um papel muito importante na teoria e técnica da psicologia analítica. agora, que seguem, no conjunto, uma linha mais conservadora; Assim, ao escrever sobre a técnica da psicologia analítica, considerarei segundo, o Journal of Analytical Psychology, publicado pela Society significado da abordagem técnica específica e, of Analytical Psychology, Londres, com a ênfase num ponto de vista limitar-me-ei a isso. Mas deve ficar bem claro que com tal limitação "neo-junguiano". Neste rápido levantamento não entrarei nas varia- 52 53ções dessas abordagens nem em seus prós e contras, mas tentarei teoria dos tipos de Jung (Jung, 1923) pode ser adequadamente me concentrar em tudo o que exprime os acréscimos e modificações compreendida; estes tipos não são posições estáticas mas uma inte- específicas que a psicologia analítica tem feito na estrutura da técnica ração dinâmica de padrões psíquicos polarizados de comportamento analítica. Uma imagem completa da abordagem da psicologia analíti- e adaptação, em que qualquer unilateralidade é complementada pelo ca de ser encontrada nas atas dos Congressos da Associação Interna- seu oposto, formando, assim, o ponto de partida para assimilações cional da Psicologia Analítica, dos quais apareceram até agora dois posteriores de conteúdos inconscientes. volumes o primeiro sob o título de Current Trends in Analytical Este conceito de uma psique auto-reguladora explica o papel Psychology (Adler, 1961b), e o segundo intitulado The Archetype fundamental da interpretação dos sonhos (cf. abaixo) na prática da (Guggenbühl-Craig, 1964). psicologia analítica, já que é aqui que as imagens arquetípicas se Considerando, assim, que a psicologia analítica tem que ser manifestam sob a forma de símbolos (Jacobi, 1959, p. 74). Aqui deve ser mencionado o conceito específico do símbolo de Jung compreendida apenas como parte de uma estrutura geral da psicologia (Jung, 1923, pp. 601 ff.). Para ele, um símbolo não é a tradução profunda, seu ponto de partida e objetivo são decididamente diferentes fixada, de modo irreduzível, de um elemento de um sonho em uma daqueles das outras escolas (embora, mesmo aqui, recentes desen- imagem, mas expressa um fato novo e complexo, o qual, justamente volvimentos de ambos os lados, psicologia analítica e psicanálise, devido a esta novidade e complexidade, transcede a formulação pareçam ter diminuído a brecha) ponto de partida é o do conceito consciente. símbolo age como um transformador psicológico de da psique como um sistema auto-regulador, por força de uma relação energia; é o meio pelo qual o fluxo meramente instintivo de energia compensadora entre consciente e inconsciente (cf. Jung, 1928a, "pode ser utilizado para trabalho eficaz" (Jung, 1928a, pp. 42 ff.) pp. 177 ff.; 1933, 153). Na estrutura especial deste livro parece A psique, como um sistema auto-regulador; a relação construtiva desnecessário salientar que a psique não é idêntica à consciência, e entre consciente e inconsciente; o inconsciente coletivo, como o assen que a totalidade da psique somente pode ser compreendida como um tador dos reguladores alimentadores da psique; o símbolo como sistema energético de consciência e inconsciência. Neste sistema "rela- transformador de energia todos estes estão combinados no conceito tivamente fechado" (Jung, 1928a, p. 7) qualquer coisa psíquica que de Jung de individuação, um processo no qual o indivíduo alcança se associa com o ego empregará a qualidade da consciência (Jung, seu padrão único de personalidade através da integração progressiva 1926, p. 323); caso contrário, permanece inconsciente. dos conteúdos inconscientes. É nestes conceitos que o tratamento da Este conceito da psique como um sistema auto-regulador é o psicologia analítica tem suas bases e é nelas que tem sido desenvol- corolário do conceito de individuação de Jung (Jung, 1923, pp. 561 vida sua técnica específica. Mas, novamente aqui, deve ser lembrado ff.), isto é, de uma integração constantemente progressiva dos conteú- que este processo de individuação somente pode ocupar seu lugar dos inconscientes que leva a uma síntese, continuamente crescente, verdadeiro quando já tiverem sido elaboradas (worked through), as entre a mente consciente (com o ego como seu centro) e o incons- fixações e complexos infantis e que, para esta parte do tratamento ciente. Isto pressupõe, novamente, uma função potencialmente cons- métodos com um caráter psicanalítico mais geral têm que ser aplica trutiva do inconsciente, manifestando-se principalmente nos sonhos dos. Contudo, o alvo em questão, o objetivo de tratamento em seu (o qual é, assim, afastado da teoria do sonho como realização do sentido ideal e num caso adequado, é, certamente, o da individuação desejo). Somente de passagem pode-se salientar quão estreitamente o da integração da personalidade levando a uma orientação este conceito da função construtiva-compensatória está ligado à teoria diferente em relação à vida e a um centro diferente de gravidade: de Jung do inconsciente coletivo e suas imagens arquetípicas, como eu (self) como a "totalidade da psique consciente e inconsciente' o substrato impessoal (ou transpessoal) da psique. conhecimento (Jung, 1955-1956. 110) em contraste com o "ego" como " dos conceitos básicos relacionados devem, aqui, ser admitidos como ponto-referencial fundamental do consciente e no qual as verdadeiros.) Estas imagens arquetípicas atuam como "reguladores" opostas à psique atingiram sua síntese. inconscientes ou "dominantes", ou formas típicas de comportamento (Jung, 1954, 204) (assim como os instintos são formas típicas de ação: cf. Jung, 1919, 135). Estes reguladores se lançam em ação A Primeira Entrevista onde quer que haja desequilíbrio psíquico: o inconsciente contém todos aqueles elementos que são necessários à auto-regulação da A importância da primeira entrevista está no fato de que el psique (Jung, 1928a, pp. 177 ff.). Somente sob este ângulo a famosa estabelece o padrão do futuro trabalho e relação analítica. Parec 54 5:haver dois meios principais pelos quais isto poderá ser conseguido. analítica subjacente à atitude do analista. É a respeito disto que a primeiro é tornar bem claro para o paciente porque ele está ali e questão do divã ou poltrona parece importante porque, embora não que está implicado na análise. segundo diz respeito à atitude do surgindo necessariamente na primeira entrevista pode surgir e, de analista, que produz um certo padrão transferencial exatamente desde qualquer modo, tem o conteúdo de uma "primeira Claro, começo. Conquanto posamos estar em terreno comum a outras o divã e a poltrona são altamente significativos para o próprio padrão escolas no que se refere ao primeiro ponto, o segundo pode revelar de transferência e contratransferência, e tal questão terá que ser, diferenças no método. portanto, debatida com mais detalhes na seção sobre transferência. Quanto ao primeiro ponto, o paciente não pode ficar com qual- Nesta altura, quero apenas mencioná-la brevemente e com referên- quer dúvida quanto ao motivo pelo qual está ali, isto é, deve-se cia à situação inicial, já que a abordagem específica da psicologia torná-lo cônscio do fato de que ele veio descobrir suas capacidades, analítica alcança sua característica num ponto específico de método. relacionando-se com o processo inconsciente. Ele tem que compreen- Os prós e contras do divã e poltrona têm sido bastante debatidos der que seus sintomas se devem a um conflito entre conscientes e sendo portanto bem conhecidos. Quase que se tornaram símbolos de inconscientes e que tal conflito não pode ser solucionado mediante atitude para os analistas. o divã, com o analista sentado atrás do conselhos por parte do analista, ou por "boa vontade" por parte do paciente, almeja claramente em firmar, o mais distante possível (não paciente, mas apenas pela tentativa do paciente em compreender o acredito que seja muito distante no momento atual), uma figura que está acontecendo em seu inconsciente. "objetiva" e "impessoal" de analista. evidente que isto constitui Em relação a isto, tem-se que esclarecê-lo quanto à necessidade um dos mecanismos de defesa usados pelos analistas para auto- de franqueza absoluta assim como quanto ao fato de que, apesar de proteção, como o é sua importância para a contratransferência As seu desejo em cooperar, encontrará resistências que tentarão cons- razões para o divã são bastante conhecidas sendo portanto menciona- tantemente interferir e que terá que tentar estar cônscio de todas as das brevemente: a liberdade do paciente para usar o analista para suas tentativas de sua parte para reprimir ou excluir, por quaisquer meios, fantasias transferenciais; a criação de uma posição "dependente", material que lhe pareça incompatível. Em outras palavras, a regra facilitando a aparição de material infantil, relaxamento auxiliado e básica da psicanálise se aplica exatamente do mesmo modo à psicolo- uma atitude útil à associação livre etc. divã pode também permitir gia analítica. Particularmente, o paciente deverá ser alertado para o que o paciente desenvolva uma espécie de afastamento intelectual do fato de que a obediência rigorosa à regra básica implica no sacrifício seu material inconsciente; mas todas estas considerações especiais, de muitas atitudes que, geralmente, ocupam um lugar importante na que de qualquer modo variam com o tipo de paciente, são secundá- hierarquia dos valores conscientes: lealdade, discrição, "decência", rias ao princípio básico, subjacente ao uso de divã ou poltrona. É autocontrole etc. que a poltrona permite uma maior flexibilidade na situação analítica Os aspectos práticos terão que ser discutidos com toda a clareza: e, mais importante ainda, "à relação dialética" entre paciente e problemas de dinheiro, tais como método de pagamento, pagamento analista, e, desta forma, ao processo dialético da análise (Jung, por feriados ou entrevistas perdidas, a necessidade de regularidade 1935, p. 3). o analista está exposto, e se expõe deliberadamente, ao severa nas entrevistas, períodos de férias do analista e do paciente. olhar observador e escrutinizador do paciente. Assim, ele está no O problema do conselho terá que ser apresentado detalhadamente: mesmo plano que o paciente e portanto, simbólica e praticamente, paciente não veio para obter conselho e o analista não está ali muito mais companheiro e parte de uma relação mútua. (Voltaremos para dá-lo. Aqui a questão da transferência pode ser levantada: pedir a este problema quando debatermos transferência e contratransfe- rência.) conselho é, na verdade, tratar o analista como uma figura paterna ou materna. Por outro lado, deve-se reconhecer que a poltrona pode ter suas desvantagens em certas situações; por exemplo, quando um Aqui, então, estamos no início do problema transferencial. paciente está particularmente tenso e necessita do auxílio do divã Embora no sentido exato da palavra isto não pertença a este debate para relaxar, ou quando as fantasias transferenciais estão fortemente sobre a primeira entrevista, desejo mencionar um problema parti- reprimidas por encarar o analista. Este fato é apenas outro aspecto cular, do "divã versus poltrona". Obviamente, todo o analista (ou da flexibilidade necessária na abordagem do analista; e, é claro, tanto escola analítica) se esforçará em estabelecer a espécie de modelo o divã como a poltrona podem ser usadas pelo mesmo paciente con- de entrevista que corresponda ao conceito de análise e ao da relação forme sua situação especial durante processo analítico. 56 57Quero mencionar, em nome da perfeição, que alguns dos meus quais, então, representam material infantil reprimido ou, num sentido colegas, particularmente aqueles influenciados até certo ponto por mais amplo, outros materiais reprimidos); porém, mais especifica- conceitos freudianos ou neo-freudianos, utilizam com mais freqüência mente, a transferência almeja trazer à consciência conteúdos sublimi- assim como alguns psicanalistas parecem ter se tornado mais nares de natureza potencialmente previsora e construtiva. Os conteú- flexíveis com referência ao uso da poltrona (cf. Fairbairn, 1937, dos previsores não estão reprimidos mas representam potencialidades pp. 378 f.). Mas o princípio básico da relação dialética é aceito por irrealizadas e não vividas, no inconsciente. Falando de modo geral, a todos os psicólogos analíticos como ponto fundamental de seu método transferência não é apenas um mecanismo para a reexperiência dos de impulsos sexuais infantis reprimidos, mas um instrumento com cujo auxílio o paciente pode integrar faculdades psíquicas até então irreali- zadas. Neste sentido, a transferência pode ajudar o paciente a se Transferência e Contratransferência conscientizar dos conteúdos inconscientes, que são necessários para futuro desenvolvimento, isto é, para o processo da individuação. Para voltar com mais detalhes aos problemas duplos da trans- Entre tais materiais inconscientes previsores, as imagens arque- ferência e contratransferência, deve-se dizer, antes de mais nada e típicas primitivas têm importância especial, e é sobre isto que se falando em geral, que a psicologia analítica, aqui, novamente concor- focaliza a abordagem específica da psicologia analítica. Aplicado à da com a enorme importância da transferência como meio de terapia. interpretação dos fenômenos transferenciais isto significa que, por Jung afirmou, em um de seus últimos trabalhos, que "quase todos os baixo do que aparece simplesmente como uma relação transferencial casos exigindo tratamento longo, giram em torno dos fenômenos da pessoal, estão ativas imagens transpessoais e arquetípicas. Toda expe- transferência, e que o sucesso ou fracasso do tratamento parece estar riência intensa de natureza pessoal irá também atualizar a imagem estreitamente ligado, de maneira muito fundamental, à transferência" arquetípica correspondente. Em outras palavras, toda a experiência (1946, p. 164). É através da transferência que são ativados, liberados real, digamos, com pai ou mãe, consiste numa mistura complexa de e tornados conscientes, os conflitos infantis não resolvidos, as emoções dois componentes: os pais como tal e a imagem arquetípica projetada inconscientes, os problemas de relação etc. Nem é preciso dizer que nos mesmos. A experiência pessoal atua como fator evocativo da a análise da transferência, em seus aspectos positivos e negativos imagem arquetípica (Neumann, 1961, p. 40), e as duas juntas, em constitui parte crucial de toda análise. Frente aos fenômenos transfe- sua interpenetração, formam o imago. o aspecto arquetípico jamais renciais como: ambivalência, resistência, atuação (acting out), pro- deve ser negligenciado ao se interpretar processos inconscientes em gressos ou pioras devidas à transferência, as atitudes do psicólogo geral (cf. Adler, 1961a, pp. 13 ff.) e na relação transferencial em bem como su ainterpretação destes fenômenos são, muito particular. provavelmente, e em grande parte, idênticas às do psicanalista na medida em que tais fenômenos se referem às figuras paternas e Assim a transferência, além de lidar com conflitos infantis repri- maternas. midos, almeja também a irrupção na consciência do substrato trans- A diferença de perspectiva, e no método que dela resulta, parece pessoal, arquetípico da experiência pessoal. Interpretar a transferência se centralizar em três pontos principais: (1) uma visão mais ampla da ao pé da letra, e redutivamente como fantasia sexual infantil, afasta-a, transferência (especialmente com relação aos conteúdos transferen- do seu significado real, que deve ser procurado não ciais (2) a atitude em relação à contratransferência; em seus antecedentes históricos mas em seu objetivo (Jung, 1916a, e (3) a relativa importância dada à transferência, em comparação p. 74) o cenário animado do processo de individuação. Isto se com outros métodos de tratamento. aplica igualmente à transferência positiva e negativa que, em sua (1) Na psicologia analítica, uma visão mais ampla da transfe- ambivalência se referem à bipolaridade fundamental inerente da ima- rência é considerada no sentido de que esta não é concebida como gem arquetípica e ao padrão bipolar da vida em geral. sendo exclusivametne a reprodução dos "conflitos infantis instintivos (2) Quanto à atitude em relação à contratransferência, chega- reprimidos", os quais "encontram sua representação nas relações de mos a um ponto fundamental na teoria e prática da psicologia analíti- sentimento para com o analista" (Fenichel, 1945, 559), mas ca. Aqui devo deixar bem claro, desde o começo, que empregarei o como um fenômeno pelo qual o paciente se torna cônscio das funções termo "contratransferência" num sentido positivo, para indicar a psíquicas em geral, que faltaram em sua vida consciente. Pode ser reação subjetiva construtiva do analista, surgindo do seu próprio um mecanismo para trazer à consciência conteúdos reprimidos (os inconsciente ativado na relação analítica (que, talvez, fosse melhor 58 59descrita como "campo analítico"). Como tal, é um instrumento de ressa com qual analista um determinado paciente faz análise já que o tratamento inevitávei, necessário e realmente desejável. Essa contra- que interessa realmente é que o analista seja adequadamente analisado, transferência construtiva tem que ser, é claro, terminantemente dife- e tenha aprendido sua técnica. Embora seja indiscutível a necessidade renciada de manifestações contratransferenciais indesejáveis, tais como destas duas condições, a questão da individualidade do analista per- identificações inconscientes e projeções devidas aos complexos neuróti- siste, e explica alguns êxitos ou fracassos em algumas constelações cos não analisados do analista, e que levam a envolvimentos incons- individuais da relação analítica. Isto nada tem a ver com a questão cientes prejudiciais; neste caso, é claramente indicada uma análise relacionada com a escolha de um analista masculino ou feminino para posterior do analista. (Em outro contexto, designei estas manifesta- certos pacientes (sobre isto se falará posteriormente). A equação ções contratransferenciais prejudiciais como "contraprojeções" a fim pessoal é parte essencial do que foi dito acima sobre a abordagem de distingui-las da contratransferência construtiva; cf. Adler, 1961a, individual necessária de cada paciente, e sobre as limitações da abor- p. 217). dagem dogmática generalizada. que pretendo é que as reações subjetivas do analista surjam Gostaria de dar dois breves exemplos do que entendo por este do seu padrão psicológico individual saudável, que resultam na sua tipo de relação dialética e contratransferência construtiva. Uma maneira individual de trabalhar. Jung enfatizou inúmeras vezes que a paciente minha, casada, de quarenta e três anos, obsessiva e com análise é um processo dialético que ocorre entre duas pessoas, e que 3 grandes dificuldades para se relacionar com outras pessoas (inclusive o analista igualmente uma parte do processo psíquico do tratamen- o marido) e com a realidade, teve uma péssima relação com sua to e, portanto, igualmente exposto às influências transformadoras" mãe. (Entre outras coisas, ela fora deixada, aos seis meses de idade, (Jung, 1929, 72). Esta "reação recíproca de dois sistemas psíqui- sob os cuidados de uma babá, quando sua mãe deixou a India para cos" (Jung, 1935, p. 4) representa um desafio constante para o uma longa estadia na Inglaterra.) Uma de suas observações caracte- analista, que tem que se colocar no nível do paciente. Isto significa rísticas era: "Como pode alguém ter contato com outras pessoas? a aceitação de "uma conduta dialética que consiste na comparação contato é tão humilhante só posso encontrar outras pessoas como das nossas (do paciente e do analista) descobertas mútuas" (1935, se eu fosse uma criança ferida. Não consigo pensar em contato como 5). Isto conduz a uma abordagem do paciente que é altamente alguma coisa positiva, a não ser como uma criança repreendida." individual, já que é impossível ser dogmático a respeito de fatos indi- Ela não tinha confiança na continuidade de qualquer relação e expres- viduais, ou pretender, a priori, um conhecimento superior em relação sara sua desconfiança com as palavras: "Jamais poderia acreditar ao paciente, como um organismo individual ímpar. que b viria depois de a; nada jamais parece verdadeiro." À minha réplica "você nunca teve certeza se mamãe ainda a amaria", ela disse Disso se conclui que todo analista, qualquer que seja sua escola, apenas: "Aquilo ficou marcado, podia senti-lo no meu estômago." teoria ou abordagem geral, é desafiado como um indivíduo, e que até Foi durante esta última troca de idéias que percebi a reação contra- certo ponto seu trabalho será individual, ao contrário do trabalho de transferencial que desejo mencionar aqui. A solidão de minha pacien- outros analistas igualmente condicionados individualmente. Jung defi- te me comovera, e eu me senti afetuosamente ligado a ela, na vontade niu este padrão individual como a "equação pessoal" (Jung, 1923, de fazê-la sentir-se aceita. Eu estivera fumando um cachimbo, que p. 16). Isto tende a levar a diferentes ênfases na observação e inter- havia justamente posto de lado porque alguma coisa em mim dissera: pretação, das quais o "observador" (nesse caso particular, o analista), "Mãe não fuma cachimbo." larguei o cachimbo de forma tem que estar mais que cônscio, mas que de qualquer forma, conduzirá alguma uma ação incomum, embora anteriormente sempre o fizesse a uma abordagem individualizada. Jung, inicialmente, havia ligado por razões habituais minha paciente olhou-me repentinamente, esta equação pessoal com sua teoria de tipos. Assim, ele disse que como que num instante de reconhecimento de que eu estava ali, "a tipologia representa um meio importante para determinar a equa- apesar de tudo, que ela não estava sozinha e sem amor. Então ela ção pessoal do psicólogo praticante, o qual, através de um conheci- disse, "Acho melhor olhar para você"; e após um longo silêncio mento exato de suas funções subalternas e diferenciadas, pode evitar "Mas o que farei a seguir o que é que se faz com aquele senti- graves erros ao julgar seus pacientes" (Jung, 1936a, 600). Contudo, mento." A isto se seguiu um passo importante para uma compreensão esta equação pessoal tem, evidentemente, suas maiores raízes em todo positiva do seu problema, que não preciso examinar aqui. que o campo possível de experiência e modo de integração. É óbvio que aconteceu, aparentemente, foi que minha aceitação consciente da a equação pessoal acaba com a imagem "impessoal" do analista e minha função sentimental, e a identificação com a figura da mãe, com a idéia, algumas vezes, expressa ingenuamente, de que não inte- penetrara na paciente como compreensão da possibilidade da relação 60 61humana. O efeito foi nitidamente recíproco a liberação do meu desafio que isto representa para o analista na medida em que cada sentimento ativou na paciente uma liberação de confiança. análise profunda irá afetá-lo pessoalmente. Mais um exemplo relacionado. Refere-se a uma paciente femi- Aqui temos de retornar ao nosso primeiro ponto, à opinião mais nina, também com seus quarenta e poucos anos. Ela também tivera ampla da transferência, aplicada pelos psicólogos analíticos, e à uma péssima relação com sua mãe e a análise havia liberado intensas opinião de Jung do substrato arquetípico subjacente, ao que pode fantasias incestuosas relativas a seu pai. Uma determinada entrevista aparecer como uma relação transferencial-contratransferencial mera- havia começado com ela me pedindo, por razões objetivas suficiente- mente pessoal. Em ambos os exemplos citados acima, a figura da mente boas, uma mudança de horário. Sua ansiedade ao pedir era mãe que se tornou constelada é mais que a mãe pessoal, mais que evidente, e eu me apeguei a isto. Ela temia que seu pedido fosse um uma compreensão de suas boas potencialidades: é uma ativação do aborrecimento muito grande para mim, que eu ficaria zangado, que arquétipo de mãe, da Grande Mãe (cf. Neumann, 1955). Este ponto eu não queria ser incomodado e que eu iria rejeitá-la. Com relação será trabalhado posteriormente ao discutirmos a interpretação geral a isto disse ela: "Eu jamais podia chegar até minha mãe com coisa do inconsciente. alguma, eu sentia como se isto não coubesse a mim. Não consigo me (3) Finalmente, a importância relativa da transferência tem lembrar que minha necessidade de amor e segurança estivesse jamais que ser debatida. Enquanto para os psicanalistas a transferência é o relacionada com minha mãe. Se eu pudesse ao menos recordar uma principal agente da análise e de informação sobre o inconsciente do relação interrompida em lugar de uma não-existente; nem ao menos paciente, para o psicólogo analítico, em geral, ela será apenas um dos haviam palavras ásperas entre nós mesmo palavras ásperas neces- muitos instrumentos em sua abordagem. De igual valor, se não mais sitam uma relação." Enquanto ela estava falando, tive uma estranha importante, será para ele a interpretação dos sonhos (e em menor fantasia física era a sensação de ter um ventre aberto. Era nele grau, o método mais especializado da imaginação ativa). que eu podia sentir suas palavras e emoções entrarem num sentido Esta abordagem baseia-se no conceito de Jung que tem a psique quase físico. Foi neste ponto que minha paciente começou a revelar como um sistema auto-regulador. Isto implica uma relação compensa- detalhes íntimos e perturbadores sobre as relações dos seus pais e tória entre consciente e inconsciente. Uma vez que o inconsciente se seu próprio envolvimento em tais relações, que antes ela jamais fora expressa predominantemente nos sonhos, conclui-se que, para os capaz de comentar. Aqui, novamente, eu entenderia minha reação processos auto-reguladores, a compreensão do material onírico é de contratransferencial como uma ponte sobre uma brecha, até então capital importância e, neste ponto, a análise transferencial tem menos intransponível, na confiança da paciente em qualquer relação. proeminência. (Mas compare-se o que foi dito acima sobre processos Estes dois exemplos mostram como as emoções são liberadas no auto-reguladores semelhantes que se manifestam na transferência.) analista através das emoções do paciente e como, por sua vez, elas Este ponto será debatido novamente, com mais detalhes, na seção evocam a reação construtiva do paciente. o primeiro exemplo também que trata da interpretação do inconsciente. mostra como um gesto não-verbal, quase-interpretativo, traz compre- Algumas palavras devem ser ditas ainda sobre a escolha do sexo ensão ao paciente. Para o analista, a compreensão consciente das suas do analista. Sobre isto, existem inúmeros pontos de vista entre os emoções contratransferenciais atua como uma fonte de informações psicólogos analíticos. A escolha está estreitamente ligada ao problema e como um instrumento para entender o processo inconsciente do da análise múltipla, isto é, análise com mais de um analista, especial- paciente. De certo modo, nesta situação, analista e paciente estão mente com objetivos de treinamento. Falando de modo geral, a razão sobrevivendo juntos a alguma coisa que começou a acontecer entre para se recomendar mais de um analista, isto é, analistas de sexos eles no plano inconsciente, e então se tornou explicada na compreen- diferentes, simultânea ou consecutivamente, é que numa análise, seja são consciente. Numa situação como essa, o analista deve ser capaz com analista homem ou com analista mulher, diferentes conteúdos de reagir e relacionar espontaneamente, graças à sua relação com seu inconscientes são constelados, ou, pelo menos, são constelados em próprio inconsciente. Em outras palavras, "o analista tem uma rela- diferentes graus. À medida que o treinamento prossegue alguns acham ção viva com o inconsciente naqueles pontos em que o paciente não conveniente ter uma experiência mais compreensiva da análise e da tem" (Fordham, 1957, p. 90). Inútil dizer, isto também é verdadeiro relação transferencial. Por outro lado, outros psicólogos analíticos para a contratransferência negativa, que libera "ódio", o pólo negativo acham que a análise múltipla pode causar um vazamento na relação da relação, pelo qual sua natureza ambivalente pode tornar-se acessí- transferencial, o que não consideram proveitoso. Este último ponto vel ao paciente sem temor de retribuição ou rejeição. É evidente o de vista, por exemplo, é defendido pela maioria do Grupo de Londres 62 63é implementado em seu programa de treinamento. Por outro lado, onírico, e assim por diante. Em outras palavras, conhecemos a enorme C. G. Jung Institute em Zurique, usa a análise múltipla em seu força da resistência que se manifesta nestas e em outras atitudes, e treinamento, e os analistas treinados nesta tradição, freqüentemente e todos sabemos que podem ser justamente estas resistências que julgam proveitoso enviar seus pacientes, por períodos maiores ou me- fornecem o acesso mais proveitoso ao material inconsciente reprimido nores, e algumas vezes simultaneamente, a um analista do sexo oposto. do paciente; e que a ausência de resistência pode ser uma indicação Do mesmo modo, o programa de treinamento do New York Institute altamente negativa de perturbação psíquica. declara: "O Conselho pode solicitar que um candidato realize parte de Todos nós podemos também concordar que a resistência tenta sua análise com um analista masculino em treinamento, e parte com manter o status quo e impedir que surjam atitudes e possibilidades uma analista feminina em treinamento, a fim de muni-lo com uma novas, mas temidas. Dito isto, diferenças mais ou menos sutis, tanto extensa base de (Tem havido um certo debate caloroso nos conceitos teóricos como no manejo prático, têm que ser menciona- sobre este problema, principalmente entre alguns analistas de Londres das. Elas estão, naturalmente, arraigadas nos diferentes padrões dinâ- e Zurique; cf. Plaut, Newton, Fordham, Edinger, 1961; Hillman, micos básicos das várias escolas. Plaut, Fordham, 1962; Plaut, Bash 1962.) No que diz respeito aos conceitos teóricos, a psicologia analítica Que eu saiba, outros grupos defendem opiniões igualmente diver- examina mais amplamente a área das repressões que a esfera dos gentes, e a decisão final fica a critério do próprio analista. Eu mesmo conflitos sexuais infantis insuportáveis. Embora estas áreas primitivas tenho feito, ocasionalmente, uso da análise múltipla; seja porque, de conflito sejam importantes para ele, e seja sua investigação necessá- enviei pacientes para uma analista por curto período intermediário, ria, estão em ação outras resistências posteriores de uma espécie muito ou porque os transferi definitivamente após análise comigo, e tenho diferente, as quais constituem o ponto de partida de sua abordagem visto, no conjunto, bons resultados com tal método. Não utilizo específica. Dentre estas, a mais importante é qualquer situação de análise simultânea com uma analista, porque, no conjunto, parece conflito atual, que não precisa estar fundamentada em antecedentes muito confuso para o paciente e fornece numerosas possibilidades infantis. Jung formulou esta idéia desde 1913 (Jung, 1913, 181). para vazamentos transferenciais e resistências. (Para mais matéria quando afirmou que a neurose pode ser considerada com a mesma sobre transferência e contratransferência, cf. Fordham, 1957; Frey- freqüência entre as pessoas normais, mas que é solucionada por elas Wehrlin, 1962; Kraemer, 1958; Meier, 1959; Moody, 1955; Plaut, sem maior dificuldade. neurótico, contudo, permanece sob o domí- 1956; Prince, 1959; Whitmont, 1961.) nio do conflito, e sua neurose parece ser mais ou menos a cia dele (neurótico) ter ficado bloqueado" (1913, 181). Todo Resistência conflito como esse pode, é claro, ser considerado como tendo sua causa no passado; contudo, existem situações específicas onde se Aqui, novamente, tentarei mostrar os aspectos nos quais a atitu- evidencia ser mais produtivo tentar compreender e interpretar o de do psicólogo analítico, em relação à resistência, difere das outras conflito patogênico como expressão do presente. escolas, começando com a observação, quase supérflua, de que parece Um problema freqüente deste tipo evidencia-se no choque entre haver bastante terreno em comum entre as várias escolas. Para todos fidelidades coletivas e individuais; outro, pela necessidade de abando- os psicólogos dinâmicos, é inútil dizer que a exclusão ativa da nar adaptações e atitudes, que certa vez foram necessárias e úteis, consciência dos conteúdos reprimidos, constitui um dos maiores pro- mas que agora se tornaram antiquadas e proibidas. Geralmente, estes blemas do tratamento analítico. Do mesmo modo, todos nós concor- dois aspectos de resistência estão estreitamente relacionados. Se, por damos, provavelmente, que todo paciente tenta disfarçar sua resistência exemplo, um homem trabalhou a maior parte de sua vida pela sua tão eficazmente quanto possível e que, virtualmente, não há nada na adaptação social, e atingiu o máximo socialmente, haverá uma violen- Terra que não seja ou não venha a ser utilizado com este objetivo: ta resistência se ele se vir forçado a abandonar seu padrão. Devo desde os atos sintomáticos menos óbvios, como chegar atrasado às necessitar de um sintoma neurótico, muitas vezes sob a forma de uma sessões ou faltar às mesmas, argumentos e intelectualizações aparen- doença psicossomática, para fazê-lo modificar sua atitude. Seria possí- temente válidas, mas espúrias; silêncios ou fala compulsiva; esquecer vel, é claro, procurar conflitos infantis como a causa de sua supervalo- sonhos ou assoberbar o analista com os mesmos; até a atitude do rização do sucesso social (que, sob certas condições, pode representar "bom" paciente, que se amolda ao que ele pretende que sejam as um emprego de seus recursos, complemento "normal" e socialmente expectativas do analista, quer em quer em conteúdo proveitoso). Mas parece mais construtivo começar da situação de 64 65conflito atual e examinar a necessidade do momento, atual mas repri- lado, os sonhos produzem material previsor-construtivo, a reação do mida. Então podemos descobrir que uma pessoa extremamente extro- paciente, seu sim ou não, tem que ser considerada muito mais direta- vertida chegou ao ponto em que a necessidade de uma compreensão mente, como não surgindo, necessariamente, das resistências. Isto não e abordagem mais completa da vida, obriga-a ao abandono de sua significa que tais sonhos também não possam produzir resistências; adaptação extrovertida muito unilateral por uma atitude mais intro- mas estas viriam na esfera do ego, que defende sua adaptação limi- vertida visando ao entendimento e à compreensão interna (insight), tada contra as exigências do não-ego, que almeja novos desenvolvi- e não ao sucesso e à posição social. É evidente que esta nova necessi- mentos e uma expansão da personalidade. As resistências, em tais dade pode exigir sacrifícios de importância emocional considerável e casos, não são dirigidas contra aparecimento de frustrações e temo- pode, portanto, produzir intensas resistências das quais, digamos, uma res associados a conflitos sexuais infantis, mas contra a aparição de doença psicossomática com sua possibilidade de fuga na sintomato- um desafio de uma camada previsora e, assim, mais "inteligente" da logia física é uma indicação. psique. E, onde não mais existem tais resistências contra a maturação Existem inúmeras situações, como esta de conflito atual, em e integração, analista tem que levar absolutamente a sério as reações todos os níveis possíveis de idade; elas apresentam um quadro típico positivas ou negativas do paciente, sem negar sua validade ao interpre- e produzem resistências específicas (cf. caso de Jung em: Jung, 1962, tá-las como resistência neurótica. pp. 98 ff.). São, freqüentemente, caracterizadas pela identificação Além disso pode acontecer, e de fato acontece com mais com um determinado ponto de vista, cujo sacrifício exigiria uma revi- cia, que os sonhos, por expressarem a função compensatória do são radical do padrão de vida. Pode ser exatamente como o cientista inconsciente, reajam a uma interpretação inadequada de um sonho racionalista, cuja resistência a uma necessidade emergente, artística anterior (ou outro material) formulando uma crítica ao ou religiosa, leva-o à neurose e resistência; ou como a da pessoa Interpretar tal sonho ou elemento onírico como resistência, violenta- religiosa convencional, cuja necessidade de experiência individual, e ria a individualidade do paciente e interferiria seriamente no progresso talvez anticonvencional, se patenteia demasiada para a estrutura da da análise. Um dos principais problemas de todo o psicólogo analítico sua personalidade, ou padrão de adaptação, e tem que ser solucionada é aprender como distinguir entre resistências que têm que ser analisa- com tratamento analítico. Em cada caso, a resistência tem que ser das e as afirmações genuínas do inconsciente, que têm que ser aceitas analisada não tanto como surgindo de conflitos infantis mas contra o back-ground da necessidade do momento. pelo valor de sua expressão. Freqüentemente, o próprio paciente não estará cônscio do significado de tal sonho, e sempre que um sonho Outra divergência importante na prática da psicologia analítica possa conter uma crítica objetiva ao analista ou à sua interpretação, está na atitude do analista em relação ao fenômeno da resistência ele tem que ter o cuidado de observar sua própria resistência. como tal. Isto brota, novamente, diretamente do conceito de Jung da psique total como um sistema auto-regulador. Significa que, além Em outras palavras, temos que aceitar como sendo possível do material reprimido e incompatível, o inconsciente contém, tam- que a resistência de um paciente possa estar voltada contra uma bém, elementos construtivos e previsores os quais, em atos progressi- atitude errada do analista. Se o analista insiste em seu ponto de vos de auto-regulação, estão ansiando para integração dos conteúdos vista errado, ou inadequado, o inconsciente do paciente pode reagir psíquicos no processo de individuação. No que diz respeito ao trata- com todos os mecanismos bem conhecidos da resistência, como parar mento, isto exige uma verificação contínua e cuidadosa por parte do de sonhar, chegar atrasado, cancelar e esquecer das sessões, até a analista quanto à natureza do material inconsciente, quer este pertença decisão extrema de terminar o tratamento. Tudo isto, é claro, tem à área do material reprimido, quer à área do material previsor-oonstru- que ser interpretado como uma resistência, não contra a aparição de tivo (dos quais os conteúdos do inconsciente coletivo constituiriam a material incompatível, mas contra a violação da integridade do pacien- parte predominante). te pela incapacidade do analista. Tais situações são, naturalmente, Esta diferenciação necessária irá se aplicar com mais freqüência precárias, e abertas a mal-entendidos, e aqui, novamente, um analista e importância, à interpretação do sonho. Se os sonhos são tem que ter o toque necessário de sutileza. o que deve ser lembrado como exprimindo principal ou exclusivamente desejos ou temores é que as resistências são um desafio constante à percepção e consciên- sexuais infantis reprimidos, que até agora burlaram as necessidades cia do analista assim como do paciente. Quando a resistência do do princípio de realidade, eles irão produzir intensas resistências, paciente é justificada, a situação só pode ser solucionada com o que se farão sentir diante da interpretação do analista. Se, por outro analista se analisando, ou elaborando-a com um colega. 66 67E muito convincente e gratificante ver como o analista, ao aceitar juntamente com os fenômenos transferenciais, todos fornecem o mate- que cometeu um erro, "quebra o gelo" e, com isso, os processos rial para interpretação. De todos estes, dois merecem menção especial, recomeçam a fluir. Tal atitude é parte de sua aceitação da contra- já que representam a área onde a abordagem da psicologia analítica transferência como um fator positivo e do seu respeito pela individua- difere das outras escolas: transferência e sonhos. Aqui, deve-se com- lidade do paciente. Em situações analíticas, freqüentemente compensa prender que não são tanto os fenômenos em si que definem as dife- que o analista observe os próprios sonhos, para uma correção ou renças no método; são suas interpretações, e avaliação relativa. Um esclarecimento de sua própria atitude. Jung relata um caso como este balanço especial terá que ser dado no método de imaginação ativa de da parte de um paciente do qual ele tivera uma desenvolvido por Jung, e utilizado pela maioria dos psicólogos analíti- negativa inconciente. Esta foi solucionada por cos, uma vez que esse método é altamente específico para a psicologia um sonho compensatório tido por Jung, e por uma discussão franca analítica. com o paciente: "Certa vez, aconteceu-me dar muito pouco valor a Quanto à transferência, foi mencionado acima que uma grande um paciente, tanto intelectual como moralmente. Num sonho, eu vi parte de suas interpretações será necessariamente idêntica às das um castelo empoleirado no alto de um rochedo; na torre mais alta outras escolas. Isto devido ao fato fundamental de que a situação havia um balcão, e ali estava sentado meu paciente. Não hesitei transferencial inevitavelmente constela as figuras dos pais, donde se em contar-lhe este sonho imediatamente e, é claro, com os melhores conclui que o passado que é revivido na transferência terá que ser resultados" (Jung, 1928b, 177; 1926-1943; pp. 110 ff.). analisado. Um último enfoque sobre as resistências que devem ser conside- Como foi salientado, a análise da transferência terá que ser, para radas como uma indicação de um fato e não de repressão. Existem o psicólogo analítico, concomitante com a análise do conflito atual casos limites e psicoses latentes onde uma confrontação muito cerrada e com a análise dos sonhos. Espero que tenha ficado claro até que com o inconsciente poderia ser fatal. Outra vez podemos encontrar ponto a análise da transferência é idêntica à maioria do trabalho que sintomas de resistência, quer nos sonhos quer na situação analítica é feito pelos psicanalistas e em que pontos a psicologia analítica que, em tais casos, temos que examinar cuidadosamente a fim de assume um aspecto diferente, ou mais amplo, tanto da transferência descobrir se o limite da capacidade assimiladora foi atingido e se a e contratransferência, como da interpretação do inconsciente em geral. confrontação posterior com o inconsciente é contra-indicada. Um paciente meu sonhou, no começo do tratamento, com uma máquina Neste ponto parece ser indicado dizer algo sobre a opinião relati- a todo o vapor, colocada bem acima do nível do chão, sob uma plata- va à interpretação da transferência e dos sonhos efetuada pelos dife- forma com largura suficiente apenas para mantê-lo. Era um indivíduo rentes psicólogos analíticos. Como já disse, podemos distinguir três altamente intelectualizado, com resistência marcante contra o incons- tendências dentro da psicologia analítica, e um de seus aspectos mais ciente; ele viera me "consultar" devido a "leves" sintomas obsessio- evidentes é a avaliação relativa da transferência e sonhos (e imagina- nais. Eu parei a análise, no sentido correto da palavra (que mal havia ção ativa). Os psicólogos analíticos ortodoxos trabalham quase que começado), entendendo seu sonho como uma indicação de que qual- exclusivamente com sonhos; e quando interpretam a transferência, quer movimento além conduziria a um colapso. Tudo que se pode fazem-no em estilo especificamente "junguiano", e o enfoque será fazer com este tipo de resistência é aconselhar contra a análise e principalmente no seu aspecto arquetípico (sobre este assunto falarei tentar encobrir o que apareceu e, onde for possível, empregar psicote- mais, posteriormente). Os "neo-junguianos", no conjunto, tendem a rapia de apoio para aliviar os conflitos e facilitar toda a adaptação dar à transferência um lugar central em seus trabalhos interpretativos possível. e encaram sonhos em grande parte do ângulo do seu significado transferencial. (Uma boa descrição da abordem dos neo-junguianos pode ser encontrado em Fordham, 1957; cf. também, Fordham, 1965). A Interpretação Inconsciente Contudo, eles se juntam ao primeiro grupo quando, após longa análise da infância e material neurótico geral, o processo de individuação Aqui, novamente, temos vastas áreas de abordagem em comum propriamente dito pode ser analisado; isto é, quando a "transferência e, por esta razão, me concentrarei no que parece ser a abordagem dependente" (Fordham, 1957, p. 81) foi dissolvida e a "transferência específica da psicologia analítica. No que diz respeito às vias de explo- objetiva" foi assumida, revelando a qualidade arquetípica do incons- ração e interpretação do inconsciente, as associações livres, sonhos, ciente e conduzindo, muitas vezes, à imaginação ativa. Este último reações emocionais e padrões de comportamento, resistências e lapsos, estágio foi muito bem apontado como o da "amizade simbólica, uma 68 69relação pouco parecida com qualquer outra já que surge como o significado simbólico do sonho pode ser esclarecido. Enquanto as produto da relação transferencial mas já não é mais transferência" questões por trás do método da associação livre são "O que é que (Henderson, 1955, 83). Esta última afirmação me parece expres- causou este sonho?" e "Ele é sintoma do quê?" o método da sar muito bem a abordagem do grupo central, que tenta combinar associação circular e amplificação se preocupa com as questões interpretação transferencial e interpretação de sonho, sem, contudo, "Qual é o significado do sonho como tal?" e "Ele é um símbolo do considerar esta última principalmente do ponto de vista de transfe- quê?" A diferença na abordagem é formulada nas diferentes afirma- rência. ções de Freud e de Jung. Freud observou que o sonho é um Voltando ao nosso tema principal a diferença nos métodos produto patológico, o primeiro de uma série que inclui o sintoma da psicologia analítica e óutras escolas gostaria, antes de mais nada, histérico, a obsessão e o delírio entre seus membros" (Freud, 1933, de debater a abordagem dos sonhos e prosseguir a partir daí para o p. 26). Jung, por outro lado, diz que "o sonho descreve a situação método de imaginação ativa, tão ou mais específico e, por fim, para do sonhador"( 1933, p. 142), que ele é "um auto-retrato espontâneo, a interpretação arquetípica da transferência. em forma simbólica, da situação atual no inconsciente" (Jung, 1916b, É evidente que as diferenças na avaliação e interpretação de p. 263). Isto novamente leva à necessidade de descobrir que atitude sonhos verificadas na psicologia analítica surgem pelo conceito diver- consciente unilateral, e portanto inadequada em relação à vida, está so que esta escola tem do inconsciente da psique como um sistema sendo compensada pelo sonho. Jung definiu os dois métodos de auto-regulador. Isto não quer dizer que os sonhos não serão também interpretação do sonho como o "causal-redutivo" e o estudados do ponto de vista de sua importância transferencial. Do trutivo" (Jung, 1926-1943, pp. 81 ff.). mesmo modo, serão levados em conta os possíveis conteúdos de Num resumo tão curto como este, infelizmente é impossível dar realização de desejos, ou o uso defensivo dos sonhos quer se esqui- exemplos do método amplificatório, que sempre produz uma grande vando de outros tópicos importantes, quer curvando-se à suposta quantidade de material. Para exemplos, pede-se ao leitor interessado expectativa do analista. que consulte as diversas publicações dos psicólogos analíticos. (Para Estas, por assim dizer, considerações negativas do conteúdo mencionar alguns apenas: Adler, 1961a, Baynes, 1940; Harding 1965; onírico, não nos parecem, contudo, fazer justiça ao valor dos sonhos Jung, 1944, 1936b; Perry, 1953; Wickes, 1938.) De qualquer forma, como tal. Mais do que esconder, os sonhos se destinam a compensar; todo analista sabe como é duvidoso escolher sonhos isolados do con- em outras palavras, não é tanto a questão de descobrir os pensamentos texto de sua sucessão, já que somente a seqüência do processo do oníricos latentes por trás do conteúdo do sonho manifesto, no sentido sonho revela o significado e correções necessárias. Se, apesar disso, de descobrir o significado reprimido do sonho, mas de elucidar a me atrevo a dar dois breves exemplos mais ou menos esquemáticos, mensagem do mesmo escondida na linguagem simbólica. Jung afirmou esta limitação deve ser compreendida. Os dois sonhos se destinam a que prefere "se manter tão próximo da declaração do sonho quanto servir apenas como paradigmas e seus contextos devem ser tomados for possível, e tentar formulá-lo de acordo com seu significado mani- como certos. festo. Se se torna impossível relacionar o significado à situação cons- primeiro refere-se ao caso acima mencionado do homem que ciente do sonhador, então francamente admito que não entendo o começou a análise devido a sintomas físicos violentos acessos de sonho..." (Jung, 1952a, 504n.). tontura ligados a uma grande ansiedade cada vez que viajava, em Por este motivo, as associações livres, tal como a psicanálise as avião ou trem, viagens inevitáveis devido à sua posição importante. entende, apenas raramente são usadas pelos psicólogos analíticos. As Ele estava com cinqüenta e um anos de idade quando teve o seguinte associações livres, tal como Jung salientou, podem revelar o signifi- sonho (cf. Adler, 1967, p. 48): tempo de colheita; estou sentado cado dos componentes do sonho e dos complexos inconscientes, mas numa carroça enorme carregada de feno, conduzindo-a de volta ao não levarão ao entendimento do sonho como tal. Ao contrário, a celeiro, mas o carregamento de feno está tão alto que a verga da psicologia analítica utiliza um método de amplificação, uma espécie porta do celeiro bate na minha cabeça, caio do meu assento e acordo de "associação circular", um movimento circular em torno dos vários horrorizado no ato de cair." Se abordamos o sonho de um ângulo componentes de um sonho (Adler, 1967, p. 45). Este é um meio de redutivo, podemos considerar o celeiro como um símbolo do ventre "elaborar a fantasia (contida no sonho) observando-se o material de no qual o sonhador tenta entrar (incesto); ele é derrubado (castrado) fantasia posterior que se anexa a uma parte de forma natural" (Jung, como punição por seu desejo incestuoso. (Deve ser mencionado que, 1936-1937, p. 49). Utilizando-se todo o material análogo possível, do ponto de vista da psicologia individual de Alfred Adler, o sonho 70 71poderia ser interpretado como mostrando uma vontade exagerada de da palavra, mas uma adaptação a uma imagem. a priori, de "inteireza" poder, compensando um complexo de inferioridade.) Tal interpreta- da "personalidade total". A este contexto pertence o conceito de Jung ção redutiva é sem dúvida justificável quando o problema do paciente do eu (self) como a totalidade da psique consciente e inconsciente, ainda é um problema de fixações ou complexos infantis não soluciona- e o conceito da mandala, simbolizando a inteireza. Uma vez que os dos. Com um homem de cinqüenta e um anos, bem adaptado na próprios documentos de Jung, e os de outros psicólogos analíticos, vida, quase poderíamos dizer muito bem ajustado, o problema é contêm inúmeras elaborações sobre este tema, o melhor que posso diferente e somente uma interpretação construtiva (prospectiva) pode fazer é encaminhar o leitor à enorme literatura (cf. em especial Adler, fazer-lhe justiça. Se interpretarmos o sonho deste ângulo, nós o 1961a; Baynes, 1940; Fordham, 1958; Harding, 1956, 1965; Jung, 1928b, 1944, 1951, 1955-1956; Martin, 1955; Neumann, 1954; entenderemos como indicando uma "sobrecarga" da "capacidade" do Wickes, 1938). paciente, levando a uma atitude parcial, que necessita compensação. sonho diz: "Você já fez o bastante, até demais mesmo. Você Eu mesmo tenho analisado pacientes até a idade de setenta e guardou sua colheita, agora perceba que sua psique inconsciente cinco anos e sei que eles tiveram experiências profundamente impor- tantes e construtivas do inconsciente; isto levou-os a uma orientação protesta contra o 'demais'; considere outras possibilidades em sua nova e altamente satisfatória, e muitos dos meus colegas tiveram vida, procure atividades que poderiam completá-la." Portanto a meta experiências semelhantes. processo integrativo está totalmente ativo ideal da análise seria a de ajudar o paciente a estabelecer uma relação até o fim da vida e pode produzir experiências notavelmente profun- harmoniosa entre a necessidade de sucesso no mundo externo e a das que somam ao preenchimento do padrão de vida do indivíduo. necessidade interna: a realidade externa e interna têm que ser harmo- Naturalmente, quanto mais elevada a idade mais tem-se que adaptar nizadas. Quero apontar aqui, rapidamente, um significado arquetípico ao fato misterioso da morte e tem-se que enfrentá-lo e o inconsciente mais amplo do sonho: a atitude do ego, sobrecarregada, superenfati- está repleto de atividade arquetípica produzindo símbolos altamente zada, impede o sonhador de voltar à Grande Mãe arquetípica como significativos que têm que ser entendidos e integrados a favor da sendo a fonte da vida, e de entrar no lugar do mistério transfigura- individuação. dor (cf. Jung, 1925b, Cap. 7; 1944; pp. 396f.). Voltando à questão da interpretação do sonho, quero debater Neste ponto é necessário uma breve inserção, referente à questão outro aspecto do mesmo que é essencial aos psicólogos analíticos. o da idade-limite para tratamento. paciente tinha cinqüenta e um sonho da carroça de feno mostrou como as imagens do sonho foram anos, uma idade que muitos psicanalistas considerariam além dos consideradas como se referindo, em parte, à realidade exterior obje- limites para análise profunda. Mas o conceito junguiano da psique tiva (sobrecarga: ênfase exagerada na realização externa) e, em como um sistema auto-regulador, da função compensatória do incons- parte, à realidade interna subjetiva (a necessidade de reorientação ciente, do valor prospectivo-sintético dos sonhos, e o não menos interna). Freqüentemente, estes fatores subjetivos e objetivos em importante processo de individuação como a preocupação adequada à sonhos têm que ser diferenciados nitidamente e levam a uma flexibili- segunda metade da vida, explica porque os psicólogos analíticos dade significativa na interpretação. Jung distinguiu entre interpreta- consideram estes anos posteriores não apenas como um cenário legíti- ção no nível objetivo ("toda a interpretação que equipara as imagens mo mas altamente adequado para o tratamento analítico (cf. em do sonho com objetivos reais") e interpretação do nível subjetivo especial Adler, 1961a, descrevendo detalhadamente o caso de uma (uma interpretação que considera as imagens do sonho "como tendên- mulher que começou aos quarenta e cinco anos de idade uma análise cias ou componentes do Jung, 1926-1943, p. 83). Se acres- que durou mais de cinco anos. Rigorosamente falando não há uma centarmos a isto o conteúdo transferencial do sonho, nós temos três idade máxima limite, contanto que o paciente tenha plena capacidade aspectos que precisam ser considerados juntos ou, conforme a situa- mental para cooperar. Neste estágio da vida, digamos dos sessenta ção individual do sonhador, deve-se dar preferência a um dos aspectos. em diante (obviamente, são consideráveis as variações individuais) Novamente forneço um breve exemplo esquemático: evidentemente não pode ser mais uma questão de analisar e liberar Um homem, de quarenta e cinco anos, sonhou: "Estou indo repressões infantis, mas de seguir o processo simbólico e o desdobra- num carro que é dirigido por uma mulher (não-especificada). A mento e preenchimento das potencialidades até então negligenciadas. mulher abandona o carro que imediatamente começa a deslizar rapi- Novamente, subentende-se que em idades mais avançadas não é, e não damente para trás. Ao bater contra uma parede o carro é quase que pode ser mais, uma questão de adatação instintiva, no sentido restrito totalmente destruído." (Sendo nosso objetivo atual demonstrar os 72 73inúmeros aspectos possíveis de interpretação, podemos omitir as estar necessitando de adaptação à realidade externa, enquanto que o associações do sonhador.) Em primeiro lugar estaria a importância problema de adaptação à realidade interna e a integração da mesma transferencial. Aparentemente o analista, neste ponto, está carregando principalmente, um problema da segunda metade da vida contu- a projeção da imagem materna, e o sonhador está com medo de ser do, estas são generalizações que podem ser modificadas à luz da abandonado pela mãe. Teríamos, então, de considerar a interpretação experiência e conforme as circunstâncias. No sentido exato da palavra, no nível objetivo: próprio sonhador não está dirigindo o carro, é o material como tal que decide; em geral, a situação pode ser mas confia numa mulher para fazê-lo. Ele ainda depende muito da bastante ambivalente, e o analista mostrará ambas as possibilidades iniciativa e orientação de ourta pessoa real (mãe, esposa ou analista). de interpretação e esperará pela reação do paciente. Em geral, a Isto conduz a uma regressão com suas possibilidades inerentes de reação aparece na seqüência de sonhos, sendo por este motivo impera- catástrofe. Finalmente, a interpretação no nível subjetivo. Aqui as tivo que não se interprete sonhos avulsos mas a sucessão de sonhos, figuras oníricas teriam que ser entendidas como simbolizando fatores que realmente fornece os critérios objetivos para avaliar o conteúdo internos. A situação atual tem que ser levada em conta: o sonhador onírico. Um problema relacionado é o fato de que um mesmo sonho tem quarenta e cinco anos, bem adaptado à realidade, não excessiva- muda seu significado; um sonho interpretado no começo da análise mente dependente de outras pessoas, mas sofrendo de um sentimento pode ser citado novamente, muito mais tarde, pelo sonhador ou de frustração como se ele de algum modo tivesse deixado escapar pelo analista, e pode então ser compreendido de forma diferente. Os aspectos importantes de sua vida. Isto tornaria muito sonhos jamais são interpretados "definitivamente"; ao contrário, são a figura feminina representasse uma compensação feminina endopsí- fatos vivos que mostram constantemente novos aspectos e significados quica do ego masculino. sonho, assim, enfatizaria a importância com a mudança de atitude e acúmulo das experiências do sonhador, do seu não-ego feminino. Sem a assistência da mulher interna, a como na verdade acontece com quaisquer dados importantes da vida. imagem "anima" (correspondendo à imagem "animus" na psicologia Desse modo, pode-se ver que as interpretações aparentemente contra- feminina; cf. Jung, 1928a, Cap. 2), sua existência estaria ameaçada. ditórias, ou mesmo mutuamente exclusivas no nível objetivo e subje- Em outras palavras, ele tem que compreender o significado e a tivo são, na verdade complementares, e constituem parte do padrão importância do seu inconsciente, simbolizado pela imagem anima, total de desenvolvimento. para a necessária reorientação e ampliação de sua perspectiva. Quanto mais o processo de individuação progride, mas irão Já que este não é o lugar para definições e explicações dos con- aparecer os símbolos arquetípicos e mais ainda a camada arquetípica ceitos básicos da psicologia analítica, devo limitar-me à afirmação da psique terá que ser levada em consideração na interpretação do excessivamente simplificada de que a anima pode ser grosseiramente material inconsciente. o sonho de um homem aproximando-se do seu comparada ao princípio de eros, e o animus com o princípio de logos, quadragésimo ano pode servir como ilustração (cf. Adler, 1967, sendo necessária a integração dos dois se a inteireza (sempre aproxi- p. mada) da personalidade deve ser alcançada no processo de individua- ção. É então que as figuras arquetípicas se tornam consteladas, anima Eu observei dois atos rituais que se sucediam, algo como um e animus sendo exemplos regulares disto, e que aparecerão os símbo- ato ou dança de sacrifício. o primeiro ritual se desenrolava los arquetípicos; dentre estes a "mandala", mencionada mais abaixo, como num círculo subdividido em quatro partes, e algum tipo é uma manifestação freqüente. Outras imagens igualmente arquetípi- de sacrifício acontecia no centro. o círculo surgia ora através cas são o "fantasma" e, a mais importante, o eu (self). (Para este de um movimento de dança, em que as pessoas se aproximavam e outros detalhes do conceito dos arquétipos, o leitor deve recorrer do centro vindas de todos os lados, ou era um desenho traçado aos documentos de Jung e de seus seguidores mencionados no texto.) no chão. Por algum motivo este primeiro ato era apenas prelimi- É evidente que as interpretações objetivas e subjetivas do sonho nar, ou necessitava de outro para sua conclusão ou libertação. Este do carro indicam direções opostas: numa, a mulher simboliza a segundo ato se desenrolava numa espécie de movimento circular dependência infantil, na outra, as possibilidades em perspectiva e as que era subdividido em seis partes. necessidades. Saber qual das duas deve ser aplicada depende da situação do ego do sonhador e do contexto consciente (a situação Não quero entrar na interpretação deste sonho, que se refere atual) em que ele se encontra. A idade do sonhador tem que ser ao sacrifício da atitude do ego e à invocação do eu (self). Mas é levada em conta. Um paciente mais jovem tem mais probabilidade de evidente que está repleto de motivos arquetípicos. o sonhador estava 74 75profundamente impressionado pela importância do sonho e achava rencial transcende a relação pessoal com o analista-pai, e alude a que tinha de desenhá-lo a fim de tratá-lo à altura de sua significação. um poder arquetípico, "transpessoal". É uma imagem arquetípica de (O desenho, que pertence ao tipo "mandala", está reproduzido em tremenda espiritualidade que, embora constelada pelo analista, é Adler, 1967.) Como tal desenho pode produzir material amplifica- transpessoal no sentido em que tal imagem se refere a ele como dor, pode ser visto na descrição do sonhador: "Quando fiz o desenho, um parceiro arquetípico na relação analítica, à imagem arquetípica a interação dos dois círculos o círculo interno em seis partes e o do princípio criador masculino. Da mesma maneira, o aspecto incestuo- extremo em quatro partes se desenvolveu imediatamente, tendo o so tem que ser compreendido nestes termos transpessoais, como se "altar" como centro. o altar também me fez lembrar um cristal. À referindo à imagem paterna arquetípica, o parceiro no "coniunctio". medida em que eu desenhava, ali se desenvolviam diferentes camadas: (Como se sabe, foi a interpretação simbólica do incesto, proposta céu diurno e noturno, uma faixa de água, duas camadas de terra por Jung pela primeira vez em Wandlungen und Symbole der Libido e uma faixa de fogo". [Jung, 1912], que levou à ruptura entre Freud e Jung). Por isso, a Outro rápido exemplo de um sonho arquetípico pode encerrar o natureza anônima-espiritual da experiência é característica. Na mitolo- debate deste aspecto particular de interposição. Refere-se ao sonho gia, esta experiência é simbolizada pelo grande número de encontros de uma mulher com quarenta e poucos anos, sofrendo de grave com deuses de fertilidade, dos quais basta apenas mencionar Donae, agarofobia. sonho foi sonhado aproximadamente três anos depois a quem Zeus apareceu como chuva dourada (cf. a corrente elétrica no do início do tratamento. No sonho sonho). (cf. Neumann, 1953, pp. 16, ff.). encontro com estas imagens arquetípicas poderosas tem seus ela está deitada na cama, não há mais ninguém no quarto; perigos específicos para o processo analítico; estes perigos devem ser então, repentinamente, algo incrivelmente forte, como uma cor- cuidadosamente lembrados e, onde necessário, analisados. Podem ser rente elétrica ou um penetra-a completamente e se definidos com o perigo triplo de: ficar isolado ou cheio de si, ou apodera de todo o seu ser, violenta-a mas sem qualquer conota- identificado com os conteúdos destas imagens (Henderson, 1955, ção negativa da palavra: é como a invasão de alguma coisa p. 88). o isolamento poderia se manifestar por um retraimento num sobre-humana, à qual a resistência seria ao mesmo tempo im- mundo de fantasia separado da realidade concreta. Embora tal retrai- possível e sem sentido. No sonho ela diz as palavras: "Agora mento possa ser inevitável por breves períodos, o paciente deve pode acontecer". sempre compreender que o sentido fundamental de tais imagens é ajudar a vida presente e que, o aumento de energia provindo do A experiência foi tão intensa que ela tremia incontrolavelmente contato com as mesmas tem, no final das contas, de refluir para a (Este sonho é debatido no contexto dos outros sonhos da paciente vida e conduzir a uma compreensão e ajustamento mais completos em Adler, 1961c, p. 157.) com esta. Do mesmo modo, o impacto espiritual destas imagens pode levar a uma presunção na qual o paciente perde a consciência de que A importância arquetípica do sonho é decisiva. Certamente, é elas não são produtos seus e se torna arrogante com sua importância possível interpretar a experiência esmagadora da "violação" seja como em vez de se relacionar, através do seu ego, à importância delas. uma fantasia incestuosa, seja como se referindo à situação transfe- Este estado é muito semelhante ao da identificação. Nele, o paciente rencial e, indubitavelmente, ambos os aspectos participam nas figu- pode se identificar com uma figura "semelhante a deus" numa fanta- ras do sonho. Porém, mais importante, e absolutamente necessário sia, um estado que Jung descreveu como "identificação com o arqué- para a compreensão da função e efeito integrativo do sonho, é a tipo da personalidade mana" (Jung, 1928b, 233). Aqui novamente importância de ser "invalidada", "penetrada", por "alguma coisa o paciente pode se atribuir poderes que derivam, não do seu ego, mas sobre-humana" pela imaginação de um poder arquetípico, fertili- do inconsciente coletivo e têm que ser relacionados com o ego, sendo zante, "eletrificante" de natureza espiritual (whirl-wind: a espiritualidade transpessoal desses poderes nitidamnte diferenciada wind: pneuma). de seu significado, pela amplificação da consciência. (Para este proble- Como afirmo, a importância transferencial do sonho tem que ser ma, cf. James, 1902, que, no seu contexto e termiologia especial, deu levada em conta. Falando de modo geral, poder-se-ia entender o três critérios para o conteúdo construtivo autêntico do que chama- sonho como a transferência do imago do pai para o analista. Mas tal ríamos encontros arquetípicos espirituais: "lucidez imediata, razoa- interpretação, sob o ponto de vista de uma relação puramente pessoal, mento filosófico, ajuda moral". Este último critério parece aludir à seria incompleta sem a compreensão de que a importância transfe- contribuição que tais experiências têm que prestar à vida presente.) 76 77O último exemplo mostrou, espero, qual é o significado em psico- do inconsciente" (p. 87) se torna estabelecida. Desta forma, o ego logia analítica do conceito da transferência arquetípica (para mais pode entrar em acordo com o inconsciente, o que resulta em uma material clínico, cf. Adler, 1955, 1961a; veja também Henderson, nova e ampliada atitude da consciência. 1955). Ela ocorre toda vez que os conteúdos transpessoais arquetípi- método consiste num obscurecimento da consciên- cos estão constelados na situação analítica. Em tal situação, o analis- cia, uma concentração passiva no back-ground inconsciente. Isto ta carregará a projeção da contraparte criativa masculina dentro da permite que novos conteúdos inconscientes surjam no back-ground psique feminina (e vice-versa no caso de um paciente masculino; sombrio, um ato acompanhado, muitas vezes, por intensa emoção. É sexo do analista tem importância apenas relativa, já que como um fundamental que a imaginação ativa seja administrada sem qualquer parceiro na relação analítica, ele ou ela podem carregar projeções, expectativa consciente, ou programa, e que seja dado ao inconsciente, tanto pessoais como transpessoais, da mais ampla variedade). Assim, tanto quanto possível, uma oportunidade completamente imparcial o analista "encarna" (Plaut, 1956, p. 17) o parceiro necessário no para a auto-expressão. Embora a consciência seja voluntariamente processo de integração, conduzindo a uma "união de opostos" (um limitada para observar estes novos conteúdos, ela "coloca seus meios conceito muito importante na psicologia analítica: cf. Jung, 1928b, de expressão à disposição dos conteúdos inconscientes" (Jung, 1916a, p. 80), ou "coniunctio" (um conceito igualmente fundamental, cf. p. 85), de modo que se poderia muito bem falar de um estado de Jung, 1946, 1955-1956). A importância pessoal do analista é, então, "passividade ativa". Isto significa que embora se permaneça passivo transcendida numa experiência arquetípica transpessoal interna na e receptivo, focaliza-se a própria atenção efetivamente no que vai qual o paciente se defronta com o não-ego nele (ou nela) ou, para surgir. Esta atitude poderia ser comparada com a de ver um filme usar um termo de Rudolf Otto (1925), o "Outro Integralmente", que ou ouvir música: nos dois casos, a pessoa senta e "recebe" alguma é sempre caracterizado por seu caráter espiritual, "divino". coisa que não é produzida por si mesma. É fundamental compreender que tal realização só pode se efetuar Dessa maneira, os conteúdos inconscientes podem ganhar subs- quando os conteúdos infantis e pessoais do inconsciente pessoal tância, principalmente sob a forma de imagens ou, talvez, de palavras tenham sido suficientemente integrados. Neste processo de integrar os ou processos dramáticos. Eles podem, então, ser expressos de várias conteúdos pessoais o analista, a princípio, constela e carrega as proje- maneiras: na forma verbal, por exemplo, como em histórias ou ções de natureza pessoal, predominantemente as imagens dos pais. diálogos, ou em pinturas, modelagem, e assim por diante; dança e Com a integração progressiva destes conteúdos, uma compreensão música são mais raros mas não são formulações invulgares da imagi- progressiva do significado do inconsciente se torna possível até que, nação ativa. Infelizmente, por razões técnicas, é impossível incluir finalmente, possa ocorrer uma relação espontânea com estes conteúdos exemplos de desenhos de pacientes, mas inúmeros exemplos podem arquetípicos. No sentido exato da palavra, existe sempre um aspecto ser encontrados em quase toda a literatura citada. Uma vez manifesta- arquetípico transpessoal, presente em todo o fenômeno transferencial, da a imaginação ativa, a mente consciente assume novamente anali- mas a interpretação novamente tem que levar em conta o estado de sando o conteúdo que surgiu, criando assim a possibilidade de integrá- consciência do paciente e a necessidade individual do momento. la na consciência. (Isto pertence à fase da elaboração [working o debate dos fenômenos transferenciais arquetípicos leva direta- through] sobre a qual se falará mais na próxima sessão.) mente ao método da imaginação ativa (Adler, 1967, pp. 56 ff., Uma característica essencial desta técnica é a participação ativa pp. 82 ff.; 1961a, pp. 49 ff., pp. 299 ff.; Fordham, 1958, p. 67 ff., no material emergente (Jung, 1928b, pp. 213 ff.; 1955-1956, pp. 496 Jung, 1916a, pp. 76 ff.; 1944; 1950, pp. 290 ff.; 1955-1956; Hender- ff., pp. 529 f.). Pode-se concentrar em certo sonho ou imagem de son, 1955; 1965; Weaver, 1964; Züblin, 1955, pp. 309 ff.; fantasia e imaginar seu possível desdobramento, ou entrar em debate 1961, pp. 118 ff.). É um método pelo qual o paciente pode entrar com uma fantasia ou figura onírica. Mas, novamente, é importante em contato com seu inconsciente, diminuindo assim o vácuo entre que em tal debate a resposta surja espontaneamente. Isto pode parecer consciente e inconsciente. Desta forma, os conteúdos construtivos do uma forma um tanto calculista de lidar com material inconsciente, e inconsciente podem fluir para o consciente, resultando daí um alto pode parecer sujeito a autodecepção e interferência arbitrária. Embo- grau de coordenação e cooperação entre eles. Jung inicialmente ra tal interferência realmente aconteça, pode-se aprender a permanecer chamou este método de a "função transcendente" (Jung, 1916a), por- na atitude correta "passiva-ativa". Os frutos da imaginação ativa que possibilita a transição de uma atitude na qual o inconsciente genuína trazem uma convicção íntima que é nitidamente diferenciada está em grande parte suprimido, para outra em que "a contraposição da autodecepção e definitivamente diferente dos devaneios. De qual- 78 79quer modo, um analista experiente terá os critérios necessários claustrofobia. Por muitos meses, ela estivera engajada numa fase da para avaliar o valor do material. o efeito da imaginação ativa análise que havia sobrecarregado ao extremo seus recursos emocio- genuína foi bem expresso por um analisando que fez, aparentemente nais. Particularmente, o encontro com o que ela chamava seu lado com objetivos de pesquisa, uma análise freudiana e uma junguiana, "escuro", a realização da "sombra" (o lado inferior primitivo da cada uma com nove meses de duração, quando ele diz que na imagi- personalidade) haviam-na perturbado demais, e ela sentia "como se nação ativa "há um sentimento positivo de se atracar com a realidade" estivesse empenhada numa luta-livre romana", uma luta tão viva (Makhdum 1952, pp. 73 f., citado de Dry, 1961, 147). que ela "se sentia fisicamente doente e abalada". Ao mesmo tempo, o método de imaginação ativa pode ser aplicado em todos os ela "não mais sabia contra o que estava lutando ou com que objetivo". estágios de análise. Jung, por exemplo, salientou que uma pessoa pode Para superar este impasse doloroso, ela resolveu usar a imaginação começar de um mau-humor, ou de qualquer sonho ou imagem fanta- ativa (que havia aprendido a utilizar antes) para enfrentar seu siosa, cujo desdobramento demonstrou ser necessário. Desta forma, "adversário"; em outras palavras, para personificar o conflito. os conteúdos do inconsciente pessoal podem ser trazidos à superfície Tal personificação de tendências internas, impulsos e complexos, e integrados. Aqui a imaginação ativa ajuda, não tanto em estabelecer desempenha uma parte importante na imaginação ativa. Ela conseguiu a contraposição inconsciente mas, sobretudo, a integrar conteúdos do com um tremendo esforço de concentração. Podia sentir como uma ego suprimidos ou, caso contrário, desconhecidos. Esta não é, no exato figura imensa estava assomando-se sobre ela. Então "formou-se na sentido da palavra, a área da função transcendente, que é caracteri- minha mente (estas foram suas palavras reais, mostrando a receptivi- zada sobretudo pela aparição do não-ego. Esta primeira espécie de dade passiva com a qual ela abordou o processo) uma imagem precisa imaginação pode ser entendida como um aspecto da "atividade imagi- de uma figura alada masculina, um "anjo", com olhos tremendamente nativa" geral (Jung, 1923, def. "fantasia"), a qual "é idêntica ao poderosos. Ela desenhou esta figura (Adler, 1961a, quadro 15), e no progresso do processo econômico psíquico" (Jung, 1923, p. 581; rf. desenho o anjo levava em uma mão um relâmpago enquanto que com também Fordham, 1957, pp. 75 f.). a outra forçava a cabeça da mulher para trás, a fim de expor seu coração ao impacto do relâmpago. sentimento causado por esta Para dar um exemplo: um paciente, com seus trinta anos, tinha fantasia foi muito intenso, porém, ainda mais intenso o foi aquele uma fantasia periódica na qual ele se sentia ameaçado por uma despertado pelo desenho. Ela o descreveu como "insuportavelmente figura escura, completametne velada. Ele jamais fora capaz de desco- forte", de tal forma que "ela não podia olhar para ele muito tempo brir sua identidade. Pedi-lhe que tentassse se concentrar nesta figura de cada vez". Esta reação mostra tanto a autenticidade da experiên- em vez de reprimi-la. Ele assim o fez e por fim pôde imaginar como cia, como quanto la havia aberto as ramadas mais profundas do arrancou, véu por véu, até que descobriu que era uma figura feminina. inconsciente contendo as imagens arquetípicas espirituais. Isto é con- Ele teve que juntar toda a sua coragem para desfazer o último véu firmado pela figura do anjo e pelo relâmpago, que eia sentia ser que cobria a face da figura e descobriu, com um tremendo choque "uma força não-pessoal terrificantemente forte", "um imenso acrés- que a face era a de sua mãe. É exatametne a coragem necessária cimo de Este último ponto é de particular importância para para prosseguir com o desvendamento, e o choque final da descoberta, todo o processo terapêutico. que comprovam a autenticidade da fantasia e o ter contactado uma A imaginação ativa continuou com grande intensidade, mas realidade psíquica. Outra maneira de lidar com a fantasia periódica tenho que me limitar aqui aos resumos mais simples. Numa meditação poderia ter sido perguntar à figura qual o seu nome (cf. Adler, 1967, posterior ela se forçou "a permitir que acontecesse a ela o que o p. 60), ou possivelmente iniciar uma conversa com ela (cf. Adler, desenho Então ela experimentou como o relâmpago a atingiu repetidamente, "como se uma série de descargas elétricas 1961a, pp. 143, 255, 373). me atravessassem, como se as estruturas através das quais as descar- Pelo visto, contudo, a área da imaginação ativa propriamente dita gas passavam fossem derrubadas e se remodelassem num molelo é aquela em que um ego suficientemente bem-estruturado se rlaciona diferente". Ela estava plenamente cônscia do significado sexual da com os conteúdos do inconsciente coletivo. Por esse motivo, o proces- comparou o efeito dos relâmpagos atravessando seu cor- so da imaginação ativa pertence, como regra, aos últimos estágios po ao clímax sexual. Mas para ela esta descrição sexual abrangia da análise. Gostaria de dar um último exemplo de uma paciente apenas uma camada relativamente superficial da experiência, e ela feminina com quarenta e cinco anos de idade (cf. Adler, 1961a, sabia que era muito diferente do sexo no sentido usual, chamando-o 205 ff.). Esta paciente começara sua análise devido a uma grave por esta razão de "sexo mitológico". A similaridade desta experiência 80 81com a do sonho de minha paciente agorafóbica é evidente, e nova- posso ser muito mais breve ao tratar da elaboração (working mente "anjo" poderia ser mal interpretado como se representasse through), já que neste ponto pisamos, em grande parte, um terreno exclusivamente uma experiência transferencial pessoal. Mas aqui está comum às outras escolas. Cada vislumbre de compreensão interna o ponto crucial do assunto: embora este aspecto esteja certamente (Ansight) seja de natureza pessoal ou transpessoal, tem que ser obser- presente, sua importância é apenas relativa. A experiência crucial é vado, verificado, examinado de todos os ângulos possíveis. Em resu- de natureza arquetípica, transpessoal, e representa outro exemplo mo, todo pedaço de material inconsciente que surgiu tem que ser do que se entende por "transferência É a experiência firmemente relacionado com o ego e integrado na consciência. Nos de um poder interno cuja qualidade espiritual está precisamente na estágios iniciais da análise isto significará, na maioria dos casos, irrupção do não-ego na esfera do ego. particularmente com pacientes jovens, um fortalecimento crescente do Finalmente, a experiência foi completada pela visão de uma ego através da interpretação constante de complexos infantis, resis- "mandala", que surgiu em uma imaginação ativa posterior: ela olhou tências, projeções, conteúdo transferencial e assim por diante. Geral- dentro dos olhos do anjo e pôde ver "um céu noturno com estrelas; mente é tão conhecido como as resistências tendem a encobrir e porém não céu como o vemos acima de nós, mas o céu como você racionalizar todos esses fenômenos, e como eles aparecem e reapare- o veria se estivesse no meio dele". Foi para ela "uma experiência cem em formas e configurações sempre novas, que não sinto necessi- extraordinária e que ela representou numa pintura abstrata dade de entrar em detalhes. (cf. Adler, 1961a, quadro 16). Talvez, uma diferença fundamental esteja no emprego constante Gostaria de concluir este capítulo com uma breve observação dos sonhos visando à elaboração. É onde a importância da sucessão sobre o uso da amplificação em relação aos sonhos arquetípicos. Foi de sonhos, em oposição aos sonhos avulsos, é de novo evidente, já mostrado acima como na interpretação do sonho, em geral, a amplifi- que numa sucessão de sonhos ocorre uma reformulação contínua de cação de uma imagem onírica leva a um enriquecimento desta ima- problemas sem solução. Os sonhos, em sua função compensatória, gem e ao estabelecimento do contexto geral de um sonho. o mesmo tendem a chamar a atenção do sonhador para qualquer autodecepção método é empregado na interpretação dos sonhos arquetípicos; mas alguma modificação pode ocorrer aqui porque o analista é e tem relacionada com problemas não-solucionados. Em particular, eles têm uma forma convincente de destruir ilusões ou reações inflatórias a que ser mais ativo que com material pessoal. Os respeito das "compreensões internas" ("insights") as quais, ou não sonhos arquetípicos são repletos de figuras mitológicas, e desta manei- são genuínas ou não romperam realmente as resistências e permane- ra, comparações com mitologia, folclore e simbologia religiosa são ceram, portanto, não-integradas. muito úteis, e até mesmo necessárias, se for para o paciente compre- ender tais sonhos. Inútil dizer, o analista não deve trazer material Ao elaborar (working through) o material de um paciente, uma associativo irrelevante, ou tentar impor seu próprio ponto de vista. atenção especial deve ser prestada às suas projeções, à medida em material mitológico deve ser usado somente na medida em que enri- que se manifestam na situação transferencial e nas relações do pacien- quece o símbolo onírico atual e na medida em que tem importância, te fora da análise. Nestas projeções em outras pessoas, os complexos terapeuticamente, para a necessidade e situação psicológica do sonha- não-solucionados inconscientes se denunciam com mais facilidade, já dor. A fim de ser capaz de utilizar a amplificação para os sonhos que parecem ao paciente, "julgamentos objetivos" e assim suficiente- arquetípicos, o analista deve ter um conhecimento sólido e compreen- mente justificados, de modo que a necessidade de escondê-los é igno- sivo das fontes de informação, uma necessidade que embora seja uma rada. Numa análise tais projeções sempre são, é claro, fenômenos carga adicional nos recursos do analista, é altamente recompensadora transferenciais; fora da análise, elas preenchem uma função paralela quer do ponto de vista de sua própria evolução, quer da contribuição porque é em grande parte através delas que as imagens inconscientes de que traz à evolução do paciente. um paciente se tornam consteladas e por isso acessíveis à interpreta- ção. Elas terão que ser elaboradas (worked through) incessantemente até que o ego tenha, verdadeiramente, se apoderado das mesmas, Elaboração (Working Through) esteja concomitantemente ampliado, e seus limites definidos e refor- çados com maior nitidez. Tratei o assunto da interpretação do inconsciente extensamente Nos estágios iniciais, é a projeção da "sombra", em particular, porque seu material me pareceu particularmente conveniente para que irá necessitar de atenção e elaboração (working through) cons- mostrar a abordagem específica da psicologia analítica. Acho que tantes. Aqui os conteúdos inferiores e rejeitados do inconsciente se 82 83manifestam e se tornam formulados. À medida que a análise tivamente realizada. A este estágio pertenceria a elaboração (working progride, a projeção anima-animus terá que ser gradativamente elabo- through) de todos os elementos de isolamento, presunção ou identifi- rada (worked through) os conteúdos primitivos indiferenciados de cação (cf. Jung. 1946, 51). um paciente masculino (pertencentes predominantemente ao setor Finalmente, têm que ser elaborados (worked through) signi- do sentimento e eros), e os conteúdos psicológicos masculinos de uma ficado do material arquetípico como tal, e suas amplificações. Isto paciente feminina (muito provavelmente expressando seu lado logos nos leva à questão do significado: o significado da vida do próprio indiferenciado), se tornarão reconhecíveis em suas manifestações indi- paciente e do seu lugar na situação coletiva da qual faz parte, e para o viduais. Principalmente nos estágios iniciais, eles estarão misturados qual ele tem que descobrir suas respostas, se almeja ser uma persona- com as imagens dos pais, seja por identificação, conservando assim lidade totalmente integrada. Uma das características da psicologia lado logos-eros infantil, ou por uma rejeição, conduzindo a um analítica é que ela encara a questão do significado como parte da resultado semelhante. Na elaboração (working through) uma diferen- análise em geral (Adler, 1964), e a resposta, tanto quanto o indivíduo ciação contínua pode acontecer e as projeções anima-animus revela- possa formulá-la para sua vida individual, como o objetivo do proces- rão gradativamente seus aspectos construtivos, isto é, irão progressi- so analítico. Aqui a elaboração, que começou da necessidade de vamente se libertando de seus componentes infantis. A esposa deixará desenvolver um ego adequado, e de garantir seu funcionamento cons- de ser a portadora de todo o sentimento, exprimindo ou uma trutivo, alcançou um estágio que conduz para fora da análise; conduz relação simbólica pela qual o marido até agora ficou isento da neces- para dentro dos problemas normais da vida, que todo mundo tem sidade de desenvolver seu próprio sentimento ou também uma que enfrentar e resolver, a fim de se tornar um indivíduo por direito projeção negativa do seu próprio lado sentimental inferior, evidência próprio. Por mais que ainda se possa falar aqui de elaboração, este viva da "estupidez da Do mesmo modo, o marido termo agora tem que ser compreendido num sentido mais amplo e deixará de ser o representante perfeito da lógica e da razão que o muito diferente, que é isento de qualquer referência a resistências e isenta da necessidade de desenvolver seu lado intelectual, evidência complexos neuróticos. No sentido exato da palavra, o paciente deixou viva do "intelecto frio e destrutivo". Em vez disso, eles irão mostrar, de ser um paciente no sentido próprio desta palavra. Esta situa- um ao outro, o lado que necessita desenvolvimento, se a personali- ção pertence nitidamente, ao estágio final da análise. dade deve ser ampliada. o mesmo é verdadeiro para o conteúdo arquetípico destas ima- gens: através da relação analítica e no processo da vida em geral, Estágio Final isto também alcançará diferenciação maior e mostrará suas potencia- lidades criativas. (Por exemplo, Jung definiu quatro estágios de estágio final da análise é caracterizado pela crescente indepen- dência do paciente da análise e da relação transferencial. Os comentá- desenvolvimento anima nas figuras simbólicas de Eva, Helena de Tróia, rios precedentes devem ter deixado claro como, neste estágio, o a Virgem Maria, e finalmente Sofia, cada uma representando um paciente transcendeu a relação paciente-analista e se tornou um parcei- estágio progressivo do lado eros no homem [Jung, 1946, p. 174]). maduro na busca comum de sua própria verdade e do sentido Esta elaboração (working through) também se aplica aos próprio de sua vida. Em outras palavras, quanto mais a análise estágios posteriores da análise com seu material cada vez mais arque- progride, menos ela se preocupa com problemas neuróticos, e o lugar típico. Aqui, as figuras de anima e animus aparecerão sempre mais destes é ocupado pela investigação dos conteúdos arquetípicos do livres de projeções, e se tornarão cada vez mais internalizadas. Todo inconsciente e seus significados, através dos quais a necessidade espi- material infantil, ou projetado, que ainda exista nestas imagens ritual genuína do paciente se expressa. Talvez pudesse ser melhor arquetípicas necessitará de atenção constante e de análise redutiva. caracterizado dizendo-se que no seu estágio final, a análise se pre- Quando, por exemplo, minha pac'ente teve a realização do "sexo ocupa com o problema da transformação (cf. Jung, 1952b). Por tal vislumbre de genuína compreensão interna (insight) todos estes motivos, a relação transferencial parou de agir em qual- teve que ser finalmente relacionado ao ego e à consciência pela elabo- quer maneira decisiva, exceto pelo seu aspecto arquetípico. Isto expli- ração (working through) de todos os vestígios possíveis de comple- ca, porque o estágio final tem sido nomeado como "amizade simbó- XOS não-solucionados e conteúdos transferenciais pessoais, uma tarefa lica" (Henderson, 1955, 83). É uma relação cuja "natureza que. neste estágio da análise, seria de se esperar tivesse sido larga- simbólica nada tira do sentimento autêntico da amizade" e no qual mente alcançada, mas que não se pode jamais supor que esteja defini- "a amizade não personaliza erradamente o (Henderson, 84 851955, 83). um estágio onde não mais é o ego que é o centro Conceito de Cura de referência, mas o eu (self). Este último, na terminologia de Jung, está supra-ordenado ao ego e representa o centro da personalidade A distinção que acabei de fazer entre um estado de coisas, em total, incluindo tanto o consciente como o inconsciente. que a análise termina em transformação e maturação, e outro, em que ela termina com a cura do sintoma levanta, imediatamente, o A crescente independência do paciente tem suas problema do que entendemos por "cura". Nós empregamos o critério também no que diz respeito ao cenário externo da análise. As entre- do sintoma curado, ou pensamos realmente em termos de maturação vistas serão constantemente diminuídas até o final, o paciente pode e integração? Deve a cura, num sentido, ser encarada como cura, vir uma vez por semana, ou até mesmo com intervalos mais longos. no outro, e a persistência de um sintoma é, necessariamente, a res- Paralelo a isto vai uma confiança crescente do paciente em sua capa- posta negativa à questão do significado de cura? cidade para trabalhar por conta própria e para compreender seu o desaparecimento de um sintoma pode dar a muitos pacientes material inconsciente independentemente do analista. Por exemplo: uma resposta bastante clara ao problema da cura e ao de um resultado ênfase cada vez maior pode ser posta na elaboração (working satisfatório do tratamento. Pelo menos, isto é assim no que diz through) que ele faz de seus próprios sonhos ou material fantasioso, respeito à reação e avaliação do próprio paciente que, afinal de e a imaginação ativa pode desempenhar um papel crescente nesta contas, veio ao tratamento com a esperança de que o final do mesmo atitude independente. Esta capacidade em lidar com seu próprio iria encontrá-lo livre do sintoma. Isso é particularmente verdadeiro material inconsciente é, de uma maneira ou de outra, um sinal da quando nos defrontamos com um sintoma mac'ço como uma fobia maturação alcançada no processo analítico: o indivíduo maduro tem grave, depressão, compulsão, perturbação psicossomática, e assim por agora acesso independente às manifestações criativas do inconsciente diante. o caso se torna mais complexo se o paciente não veio com e irá querer ficar em contato com as mesmas. (Esta atitude depende, um sintoma nitidamente delineado, como estes poucos mencionados, é claro, da compreensão da relação construtiva-compensatória entre mas antes com um sentimento geral de mal-estar, descontentamento, consciente e inconsciente.) "enfado", ou de falta de sentido para sua vida. Aqui uma importante restrição tem que ser feita. o que recém- Começando com a situação evidentemente menos complicada, acabei de descrever representa um estado de coisas "ideal". Relativa- o desaparecimento permanente de um sintoma maciço, isto pode ser mente poucos pacientes alcançam tal estágio de maturidade, e pode encarado como uma "cura" de algum tipo, pelo menos. Se isto foi haver vários graus de realização final. o status da relação analítica conseguido e o paciente está satisfeito, podemos alegremente concor- será revisto sob a luz das circunstâncias atuais. Uma relação de dar com ele e com sua própria definição de cura. Mas que dizer sobre amizade simbólica pode estar fora do alcance de muitos pacientes, aqueles casos, demasiadamente conhecidos de todos os analistas, das e muitos deles estarão apenas muito contentes de terem seu sintoma pessoas que tendo ficado livres de um sintoma, ao perdê-lo parecem curado e de estarem livres do jugo do inconsciente. Mas o princípio ter perdido em profundidade, interesse, iniciativa, individualidade, ou básico é o mesmo: almejar uma crescente independência da assistên- atitudes positivas semelhantes? cia e pessoa do analista. Assim, mesmo com pacientes que não são No outro extremo da escala, encontramos casos onde um analis- capazes de tal estado final de integração, dever-se-ia tender para a ta tocou no sintoma apenas levemente, ou não o fez de forma alguma, redução da freqüência das entrevistas e dar-lhes, pelo menos, alguma e o paciente, não obstante, sente com absoluta convicção que ele maneira de compreenderem seus processos inconscientes por si mesmos, obteve imenso benefício do tratamento. Estes casos em que o paciente caso eles os descubram vindo para a superfície. De qualquer modo, sente que sua vida foi enriquecida além da medida, que todo o proces- nenhum analista irá considerar uma análise "terminada" enquanto so demorado, dispendioso, doloroso valeu cada centavo gasto, embora a transferência pessoal não estiver elaborada (worked through) e tenha deixado seu sintoma virtualmente intocado, obrigam-nos a compreendida. Este último ponto será sempre o critério para a abor- rever nossas idéias sobre cura. dagem do fim da análise, no sentido mais exato, e do status de um E existem, então, os casos que mencionei; aqueles que vieram paciente, como paciente. o que vai por trás disto, pertence aos sem um sintoma definido, jamais desenvolvem um, e ainda persistem estágios de análise descritos acima, nos quais o paciente deixou de por anos com um vago objetivo inespecificado na mente, o que os ser um paciente no sentido adequado da palavra. mantêm em análise, e se este objetivo é alguma vez alcançado ou, 86 87ainda, quase abordado, satisfaz completamente suas expectativas ini- e somente com esta convicção interna de totalidade significativa pode- ciais. Podemos muito bem perguntar: qual objetivo? rá realmente sentir-se ajustada à vida e (por esta razão, à morte, Talvez os mais enigmáticos de todos sejam aqueles casos onde que é uma questão tão importante para pacientes mais velhos). um paciente adquiriu experiência completa e terminantemente Dizendo em poucas palavras: a cura no sentido específico da onde se sente que ele teria "merecido" realmente o desaparecimento análise é a descoberta de significado. de um sintoma, e este ainda persiste. Deixando de lado a possibili- Como pode tal objetivo ser alcançado pela análise, como pode dade sempre presente da compreensão incompleta do analista, ainda tal resposta ser encontrada no plano psicológico? Acredito ser aqui acho que estes são casos em que, fosse o impulso da análise removido, que a psicologia analítica pode fazer sua contribuição mais caracterís- o processo poderia também chegar a um fim prematuramente. tica e valiosa. É no setor da realidade interna, a "realidade da psique" Estas e outras experiências correlatas deixaram-me (como sei à qual Jung devotou tanto dos seus esforços, que encontramos ajuda que ficaram analistas de outras escolas), muito cético quanto ao na direção deste objetivo. Esta realidade interna tem a ver com as conceito convencional de cura. Estas experiências me ensinaram a imagens arquetípicas de natureza transpessoal, com um não-ego, compreender e a aceitar o fato, aparentemente paradoxal, de que com conteúdos que transcendem a personalidade do ego. Como ima- tratamento não é, absolutamente uma cura no sentido convencional gens arquetípicas, elas têm, por um lado, o caráter de infinidade ou da palavra, e que o processo analítico não está nem mesmo visando "eternidade", e por outro lado, carregam uma espiritualidade provin- tal tipo de cura. o que, então, nós estamos almejando, e qual é a da de seu caráter de não-ego. No encontro com estes conteúdos trans- concepção analítica não-convencional de cura, que possamos encarar pessoais, espirituais e eternos, o ego se experimenta como "o objeto como específica para nossa abordabem? de um motivo supra-ordenado e desconhecido" (Jung, 1928b, 240) Eu diria que a cura no sentido convencional jamais é o objetivo o eu (self). É "o novo centro da personalidade" (Jung, 1955- da análise, mesmo quando é alcançada. A análise, descrita mais 1956, 494) e na realização deste centro, de sua "totalidade", que adequadamente, me parece uma das disciplinas mais austeras que é a realização total da análise, se encontra o objetivo específico da conhecemos para acabar com atitudes antiquadas, ajudar a criar psicologia analítica. outras novas, mais construtivas, vitalizando e ampliando a área da Espero ter conseguido mostrar que este objetivo não pode ser consciência e da personalidade com sintoma ou não. Em outras alcançado sem antes elaborar (working through) as fixações patoló- palavras, o verdadeiro objetivo da análise é a maturação do indiví- gicas, infantis, e complexos, pela disciplina severa de uma análise duo. Por mais que o desaparecimento de um sintoma possa me satis- redutiva. Mas há muito mais para a psique que este material regressi- fazer, não posso nem mesmo ter certeza de que não estou privando vo. Há sua própria realidade irredutível como transportadora de o paciente de um instrumento precioso para alcançar o objetivo da imagens e processos eternos através de cuja realização o homem maturação. Porque muitos sintomas podem ser compreendidos como pode experimentar o significado inerente e o padrão criativo de sua o estímulo constante que mantém o paciente cônscio da necessidade existência. É aqui onde se encontra a verdadeira cura. de crescer e amadurecer, e cônscio dos processos que conduzem a este fim. Isto me faz lembrar o conto de fadas em que os dois filhos mais velhos do rei adormecem enquanto tentam agarrar o ladrão da REFERÊNCIAS maça dourada. Mas o filho caçula põe uma urtiga sob sua cabeça, que queima-o cada vez que ele se entrega ao seu desejo de dormir e, ADLER, G. On the archetypal content of transference. Em Acta Psychothera- é claro, é ele quem tem êxito da incumbência. peutica. Basel: Karger, 1955. Pp. 285-291. Com minha experiência, a maturação está sempre estreitamente ADLER, G. The living symbol. A case study in the process of individuation. Nova Iorque: Pantheon, 1961a. ligada à uma questão especial: a questão do significado da vida, da ADLER, G. (Org.) Current trends in analytical psychology. Londres: Tavistock vida em geral, e da vida individual. Esta questão pode, é claro, ser Publications, 1961b. considerada como não mais pertencendo ao setor do tratamento analí- ADLER, G. Ego integration and patterns of Em G. Adler (Org.), tico. Mas se considerarmos a análise como lidando com "saúde Current trends in analytical psychology. Londres: Tavistock Publications, com o bem-estar psíquico do indivíduo, então esta questão 1961c. Pp. 160-168. de significado é altamente relevante. Somente uma pessoa que pode ADLER, G. Die Sinnfrage in der Psychotherapie. Em Psychotherapeutische experimentar sua vida como significativa pode aceitá-la inteiramente, Probleme. (Studien aus dem C. G. Jung Institut Zürich XVII), Zürich: Rascher, 1964. 88 89ADLER, G. Studies in analytical psychology. ed., Nova Iorque: Putnam, JUNG, C. G. Die Beziehungen zwischen dem Ich und dem Unbewussten (1928), 1967. Londres: Hodder & Stoughton, 1966. ed. (Título em inglês: The relations between the ego and the uncons- BAYNES, H. G. Mythology of the soul. Londres: Baillière, Tindall and Cox, cious. Ibid., Vol. 7. (b) 1940. JUNG, C. G. Die Probleme der modernen Psychotherapie (1929). (Título em DRY, AVIS M. The psychology of Jung. 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Die aktive Imagination in der Kinder-Psychotherapie. Em Studium mãos e pés. Não pode dar-lhe novos braços ou pernas. Contudo, a zur Analytischen Psychologie C. G. Jungs. Vol. 1. Zürich: Rascher, 1955. psicanálise mostrou-nos que muito do que havíamos encarado como Pp. 309-318. meramente constitucional representava um bloqueio de crescimento, ZÜBLIN, W. The mother figure in the fantasies of a boy suffering from early um bloqueio que pode ser levantado" (1917). Sua orientação centra- deprivation. Em G. Adler (Org.), Current trends in analytical psychology, Londres: Tavistock Publications, 1961. Pp. 118-127. lizada no crescimento foi confirmada. As potencialidades plásticas do caráter foram reconhecidas. Seu conceito holístico dos bloqueios foi exposto com precisão e foi delineada sua filosofia construtiva de terapia. Nos trinta e cinco anos que se seguiram, surgiram artigos, cursos, e livros de natureza teórica, clínica e técnica. Primeiro veio uma série sobre psicologia feminina (Horney, 1967), que se opôs à psico- logia de orientação masculina de Freud, ambas a serem transcendidas por uma filosofia da pessoa total. Seu primeiro livro, The Neurotic Personality ou Our Time (1937), foi uma resposta de Horney à herança cultural e ideológica da América. Nessa obra, ela aperfeiçoou seus conceitos sobre a ansiedade básica e sobre a estrutura de cará- ter neurótico, e enfatizou a importância da situação atual. New Ways in Psychoanalysis (1939) era uma crítica da teoria freudiana, baseada em vinte e cinco anos de experiência trabalhando com a mesma, e um desenvolvimento posterior de suas próprias opiniões. Em Self- Analysis (1942) ela debateu a praticabilidade, vantagem, tipos e limi- tações da auto-análise, e ampliou suas idéias sobre tendências neu- róticas. Os conflitos neuróticos, suas fontes, suas e as defesas contra os mesmos são definidos em Our Inner Conflicts 92 93

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