Prévia do material em texto
SEMINÁRIOS DE POLÍTICAS URBANAS, RURAIS E DE HABITAÇÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS Daniella Tech Doreto sa SOLUÇÕES EDUCACIONAIS INTEGRADASAs expressões da Questão Social nos meios urbano e rural Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Explicar a Questão Social e suas expressões nos meios urbano e rural. Analisar as diferentes realidades do campo e da cidade e seus pontos de confluência. Identificar os desafios no enfrentamento das expressões da Questão Social nos meios urbano e rural. Introdução A contradição existente entre capital e trabalho, resultante da apropriação de riqueza nas mãos de uma pequena parte da sociedade, traz reflexos em muitas áreas, tornando a Questão Social um enfrentamento difícil e necessário. Nas áreas urbana e rural, a Questão Social se manifesta de diversas formas, como desemprego, ausência de renda, exploração do trabalho, violência em suas mais variadas formas, uso de álcool e outras drogas, entre outras. O enfrentamento dessas questões se constitui como um importante desafio para toda a sociedade atualmente. Neste capítulo, você verá como a Questão Social se manifesta nos meios urbano e rural. Além disso, conhecerá as diferenças e semelhan- ças entre essas áreas. Por fim, conhecerá os desafios existentes para enfrentamento das manifestações da Questão Social.2 As expressões da Questão Social nos meios urbano e rural 1 Questão Social e suas expressões nos meios urbano e rural A Questão Social é um elemento central para discutir as contradições da sociedade capitalista madura, uma vez que se expressa na contradição existente entre capital e trabalho, base do modo capitalista de produção. Considera-se como Questão Social: conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista ma- dura, que têm uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos se mantém privada, monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 1999, p. 27). Dessa forma, a Questão Social é entendida como o resultado das expressões das desigualdades existentes na sociedade capitalista, em que a produção de riqueza se concentra nas mãos de uma minoria da população, e os trabalhadores, responsáveis por produzir essa riqueza, não se apropriam dela. Além disso, a Questão Social evidencia que [...] a sociabilidade capitalista moderna, que é marcada pelas relações de dominação política e apropriação econômica, faz germinar desigualdades sociais, que se intensificam cada vez mais à medida que esta sociedade pro- gride, gerando, por sua vez, diversas expressões de violência [...] (LIMA; OLIVEIRA; NUNES, 2017, p. 3). Netto (2001) acrescenta que a Questão Social se insere em um contexto de exclusão e empobrecimento da classe trabalhadora, processo este diretamente ligado à consolidação e à expansão do capitalismo. Diante do exposto, há de considerar que a Questão Social se manifesta na sociedade de diversas formas, como desemprego, violência, miséria, entre outras expressões (LIMA; OLIVEIRA; NUNES, 2017). Segundo Iamamoto (1999, p. 14): [...] os assistentes sociais trabalham com a questão social nas suas mais va- riadas expressões quotidianas, tais como os indivíduos as experimentam no trabalho, na família, na área habitacional, na saúde, na assistência social pública, etc. Questão social que sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem, se opõem. É nesta tensão entre produção da desigualdade e produção da rebeldia e da resistência, que trabalham os assistentes sociais, situados nesse terreno movido por interesses sociais distintos, aos quais não é possível abstrair ou deles fugir porque tecem a vida em sociedade. [...] a questão social, cujas múltiplas expressões são o objeto do trabalho cotidiano do assistente social.As expressões da Questão Social nos meios urbano e rural 3 Nessa perspectiva, pode-se dizer que, na relação com os meios urbano e rural, a Questão Social se manifesta sobre o território especificamente sobre as formas de viver e trabalhar, bem como segregação e periferização (IVO, 2010). deslocamento das pessoas da área rural para a urbana inviabilizou a possibilidade de fornecimento adequado de serviços considerados básicos, como saúde, educação, infraestrutura e saneamento básico. Como consequên- cia, houve o crescimento desordenado de cidades e um aumento das condições precárias para se viver nas periferias urbanas, contrariando a lógica de que o êxodo rural libertaria as pessoas das situações difíceis que vivenciavam no campo (SANTOS et al., 2011). No Brasil, a Questão Social esteve fortemente associada ao processo de ur- banização, quando as pessoas migraram para as cidades em busca de emprego, porém encontraram situações de desemprego, exclusão e pobreza. Para Cunha (2008, p. 67), "[...] as cidades brasileiras são mecanismos de acumulação de capital, transformando-se, simultaneamente, em instrumento de exploração, pauperização e de desigualdade social e espacial [...]". Assim, esse processo resulta em exclusão social e "[...] se manifesta de maneira impiedosa dentro do ambiente urbano e rural, criando um conjunto de precariedades que submetem as populações de baixa renda a um cenário de segregação [...]" (SANTOS et al., 2011, 112). Saiba mais A segregação vivenciada pelas populações urbanas e rurais, resultante do processo de exploração capitalista, deveria ser erradicada ou minimizada pelo Estado. Entretanto, no Brasil, Estado tem, historicamente, demonstrado uma atuação que privilegia as elites em detrimento das classes menos favorecidas. Dessa forma, pode-se considerar que Estado busca a manutenção da economia, a expansão do capital, e limita-se ao gerenciamento da pobreza, que amplia cada vez mais a desigualdade social, que vem acompanhada do aumento nos índices de pobreza (SANTOS et al., 2011). Desse processo, outras situações se apresentam como expressão da Questão Social para as populações urbanas e rurais, como violação de direitos, difi- culdade no acesso a políticas públicas (p. ex., saúde, educação e assistência social), aumento da população em situação de rua, uso de álcool e dependência de substâncias químicas, entre outras. De acordo com Santos et al. (2011, p. 115), o processo capitalista é materializado pela situação de acúmulo de "[...]4 As expressões da Questão Social nos meios urbano e rural riqueza e poder vinculada à dominação da produção industrial (concentrada no meio urbano) frente à exploração do trabalho do operário, mas sabemos também que essa relação desigual está atrelada ao domínio da propriedade privada principalmente pela posse de terra [...]". Sobre a questão agrária, os autores comentam que: [...] o Brasil vivenciou um modelo de estruturação fundiária e agrária atrelada ora ao poder concentrado, ora ao grande capital. Essa estrutura resultou no aumento da exclusão social, proveniente da expulsão da agricultura familiar do meio rural e no abuso de políticas públicas que sempre fomentaram a exploração exagerada do solo (resultando em problemas ambientais dos mais diversos). No entanto esse modelo passa a não dar conta das questões sociais e começa a ser questionado, apesar das tentativas de ocultar tal movimento (SANTOS et al., 2011, p. 116). Ao analisar a Questão Social nos meios urbano e rural, torna-se imperativo ressaltar que o desenvolvimento do capitalismo provocou mudanças nesses meios, devido à evolução da indústria, do comércio e dos serviços, que passam a funcionar como locais privilegiados para a troca de mercadorias, tecnologias, valores e cultura (SANTOS et al., 2011). Segundo os autores, "[...] as cidades sempre foram um palco privilegiado do capital, criando uma separação entre o campo e a cidade. Os debates acerca da globalização insistem em aumentar essa dicotomia, provocando a exclusão do rural das representações e expli- cações do real [...]" (SANTOS et al., 2011, p. 124). Assim, pode-se considerar que "[...] as transformações sociais, políticas, econômicas e culturais têm sido analisadas apenas a partir de uma ótica centrada na importância da indústria e da cidade, desprezando o mundo rural e sua relação íntima com o meio urbano [...]" (SANTOS et al., 2011, p. 124). Diante dessas considerações, pode-se dizer que o processo de urbanização e migração das pessoas do campo para a cidade é muito complexo, visto que, junto a esse processo, desenvolve-se a industrialização e a busca incessante pelo aumento do capital, ampliando as desigualdades já existentes. Desse modo, tanto na área urbana quanto na rural, a Questão Social se manifesta e coloca as populações em situação de precariedade e dificuldade no acesso a direitos básicos, exacerbando o desemprego, a violência, a vivência de rua e exclusão, a fome e a educação.As expressões da Questão Social nos meios urbano e rural 5 2 As diferentes realidades do campo e da cidade e seus pontos de confluência campo e a cidade possuem características distintas, porém uma análise mais apurada nos permite observar que muitos aspectos são semelhantes. A realidade brasileira atual mostra que o País possui "[...] altas taxas de urbaniza- ção, porém dispõe de um número significativo de municípios que apresentam características rurais. [...] Neste sentido, ressalta-se o alto grau de urbanização do Brasil com território predominantemente rural [...]" (CORREIA; GON- ÇALVES, 2014, p. 118). Batista (2015, p. 103) aponta que "[...] campo e cidade constituem espa- ços distintos [...]", mas "Distinção não significa oposição [...]". Para o autor, predomina no País "uma ideologia na qual o campo e o modo de vida rural passaram a ser relacionados ao atraso enquanto a cidade e o modo de vida urbano passaram a ser relacionados ao novo, ao moderno". Ele complementa, ainda, que "a ruralidade seria substituída pela urbanidade num processo de civilização no qual o objetivo era civilizar o campo". Boa parte dessas considerações e da visão instituída deve-se ao processo de urbanização e industrialização, que ampliou a visão de atraso, associada ao campo, e de progresso, associada à cidade (BATISTA, 2015). Segundo Batista (2015), em áreas rurais, há predomínio de indivíduos produzindo para assegurar a subsistência, bem como grandes produções de gêneros alimentícios, o que é considerado vital para o desenvolvimento da sociedade urbano-industrial. Para o autor: [...] a presença de pessoas "vivendo" e produzindo no campo, nas áreas rurais, é vital para o pleno funcionamento desta sociedade urbano-industrial. Não apenas produzindo, mas também vivendo. Se a tecnificação do campo possibi- litasse a produção mecanizada e com restrita necessidade de mão de obra nos espaços rurais em todos os tipos de cultivos, a migração campo-cidade seria ainda mais intensa, gerando novos e intensificando os já graves problemas urbanos relacionados aos elevados contingentes populacionais presentes em muitas cidades, inclusive brasileiras (BATISTA, 2015, p. 109). É importante destacar que as transformações socioeconômicas e cul- turais ocorridas no campo relacionam-se diretamente com situações como desemprego, desqualificação da mão de obra, problemas de saúde, entre6 As expressões da Questão Social nos meios urbano e rural outras. Para Abreu et al. (2009), o desemprego no campo pode ter resultado da mecanização da produção e, consequentemente, da necessidade de um menor número de trabalhadores rurais. Segundo os autores, essa situação é responsável pelo aumento da miséria e da violência, pois, com o desemprego, muitos não dispõem de meios para sobreviver, de modo que buscarão formas alternativas para satisfazer as suas necessidades básicas. Além disso, sem emprego e sem qualificação, outras situações podem surgir, como problemas de saúde ligados ao uso de substâncias psicoativas e aqueles relacionados à saúde do trabalhador. Os autores ainda acrescentam que: desemprego é provavelmente o principal fator que leva à exclusão social. Os trabalhadores excluídos da economia formal são forçados a ganhar a vida em ocupações precárias ou, após muito tempo sem trabalho, são atingidos pela exclusão, numa escala descendente entre inclusão, inclusão precária e exclusão. Desse modo, pode-se afirmar que a exclusão do trabalho é mais ampla e suas vítimas estão, provavelmente, expulsas da maioria das outras redes sociais e inseridas numa trajetória de vulnerabilidade (ABREU et al., 2009, p. 10). Argolo e Araujo (2004) consideram que o trabalho humano possui uma variedade de significados e que sua função vai além da obtenção de recursos para a satisfação das necessidades básicas do homem. Para os autores, o tra- balho é dotado de subjetividade e, portanto, possui sentido existencial, com estruturação da personalidade e da identidade dos indivíduos, que ocupam um lugar na sociedade. Algumas das consequências do desemprego para a vida humana são desagregação social e prejuízos no bem-estar físico e psicológico, com desenvolvimento de transtornos diversos, dependendo da intensidade com que o indivíduo vivencia a situação e a forma como ele lida com as adversidades que surgem em sua vida. As principais expressões da Questão Social que se manifestam tanto no campo quanto na cidade são o desemprego, a falta de qualificação, a falta de acesso à renda e ao trabalho, assim como os problemas de saúde decorrentes dessas situações. enfrentamento dessas questões exige programas específicos direcionados à essa população, bem como o conhecimento do perfil desses usuários (ABREU et al., 2009). Do ponto de vista da sociedade capitalista, o trabalho realizado na área rural é de fundamental importância. Moura (1986 apud BATISTA, 2015) aponta que, no mundo capitalista, preconiza-se a manutenção das pessoas no campo, ainda que com condições nem sempre favoráveis. Para o autor, "[...] a agricultura, ao mesmo tempo que recebe estímulos à capitalização, enfrenta permanentemente a questão de produzir alimentos a custos mais baixos, missãoAs expressões da Questão Social nos meios urbano e rural 7 desempenhada, ainda que não com exclusividade, pela produção camponesa [...]" (MOURA, 1986 apud BATISTA, 2015, 64). Contudo, outros aspectos favorecem a manutenção das pessoas no campo, como vínculos estreitos com a terra e fortes questões culturais. Marques (2006) menciona que, junto à falta de planejamento para receber a população vinda do campo, surgem, aos poucos, uma mudança de perspectiva e uma idealização da vida rural como sinônimo de tranquilidade, bem-estar e beleza, contrastando com a vida urbana, que passou a ser associada ao caos, a problemas diversos e ambições. No que se refere ao ambiente urbano, as cidades nem sempre conseguiram absorver todo o contingente populacional, ocasionando diversas dificuldades como resultado direto da sociedade capita- lista, como sistemas de habitação precários, desemprego e ausência de renda. Com a industrialização, as cidades se transformaram e assumiram um significado característico do mundo capitalista. primeiro aspecto a ser recordado é a concentração de riquezas nas mãos de uma minoria, com a classe trabalhadora ficando alheia aos bens por ela produzidos. No ambiente urbano, assim como no campo, são vislumbradas situações de desemprego e suas repercussões negativas nas vidas dos indivíduos, assim como violências de diversos tipos e problemas de saúde. Batista (2015) assinala que a relação existente entre campo e cidade se caracteriza mais pela complementaridade e menos pela oposição. autor complementa, ainda, que "[...] esta última encontrará lugar nos conflitos e contradições próprios dos espaços urbanos em expansão. Contudo, identificar a intensidade e o sentido de tais mudanças e das possíveis permanências torna- -se complexo [...]" (BATISTA, 2015, 111). Para o autor, as cidades possuem o controle sobre a relação com a área rural, atuando como responsáveis pelo centro da organização do espaço. Além disso, do ponto de vista econômico, campo e cidade relacionam-se, pois possuem similaridades, especialmente no que se refere à divisão social do trabalho, que envolve desde a exploração do trabalhado, situações de violência até a luta e a inserção dos indivíduos em movimentos sociais. Portanto, campo e cidade não se encontram em áreas opostas, mas sim complementares, e, apesar de existirem diferenças entre eles, há diversos aspectos que interferem nessa relação. campo, que inicialmente se encon- trava ligado apenas a aspectos negativos, passou a ser valorizado quanto aos seus aspectos positivos. Essa mudança de perspectiva deve-se especialmente ao caos instalado em muitas cidades, que passaram a ser associadas com trânsito intenso, problemas na área de segurança pública e saúde deficitária, condições que tornaram o campo interessante para muitos cidadãos. Entretanto,8 As expressões da Questão Social nos meios urbano e rural destaca-se que o Brasil é um país de intensa desigualdade social, de modo que nem todos os indivíduos possuem a possibilidade de escolher onde desejam morar e condições financeiras para minimizar os problemas existentes a partir dessas escolhas. 3 Os desafios no enfrentamento das expressões da Questão Social nos meios urbano e rural Antes de falar sobre a realidade vivenciada no meio rural, faz-se necessário ressaltar que o Brasil teve sua formação inicial associada ao sistema agrário, de modo que o campo foi alvo de disputas políticas, econômicas e sociais direcionadas à extração de riquezas e à exploração da mão de obra (TRAS- PADINI, 2016). Atualmente, observa-se uma distribuição desigual de terras, o que resulta em vários conflitos no campo, pois: [...] o cenário rural brasileiro está caracterizado pela concentração de terras nas mãos de poucos e ao mesmo tempo tem grande parcela de sua população, principalmente a residente em municípios que tem como principal fonte de renda a agricultura, penalizada pelos mecanismos da exclusão social como as relações de trabalho instaurados no Brasil desde o século XIX (COR- REIA; GONÇALVES, 2014, 120). Saiba mais As expressões da Questão Social no meio agrário tiveram início séculos atrás, espe- cificamente em 1530, com a criação das capitanias hereditárias e a distribuição de terras pela coroa portuguesa para aqueles que pudessem produzir nelas (processo conhecido como sistema de sesmaria). A partir da independência do Brasil (1822), com término da escravidão e mediante a criação da Lei de Terras, ocorreram a privatização de terras brasileiras e regime de monopólio dessas terras. Entre as décadas de 1950 e 1960, houve a modernização da agricultura, com a incorporação de circuitos modernos de comercialização, ampliando a produção de matéria-prima agrícola no País. Essa modernização trouxe reflexos para a classe trabalhadora, como a concentração de riquezas nas mãos de poucos, diferenças de renda e aumento dos índices de exploração da força de trabalho nas propriedades menores, prejudicando a qualidade de vida da população (CORREIA; GONÇALVES, 2014).As expressões da Questão Social nos meios urbano e rural 9 Para Iamamoto e Carvalho (1989, p. 31), "[...] a questão agrária apresenta- -se como uma síntese privilegiada das tensões e determinações envolvidas na produção histórica da questão social no país [...], ao mesmo tempo que condensa manifestações particulares da questão social no meio rural [...]". Assim, o contexto agrário registra a concentração de riquezas nas mãos de poucas pessoas, de modo que uma parcela da população, principalmente a que reside em municípios que têm como fonte de renda principal a agricultura, sente-se penalizada pelos mecanismos de exclusão vigentes no País. Na área urbana também se observa a concentração de riqueza nas mãos de uma minoria, ao passo que os trabalhadores permanecem distantes dos bens produzidos. Ambas as situações exacerbam as expressões da Questão Social mediante o surgimento de desigualdades sociais em diversos contextos. As cidades também vivenciaram (e vivenciam) importantes manifesta- ções da Questão Social, o que se deve, em boa parte, ao seu crescimento desordenado, uma vez que, em grandes centros urbanos, muitos migrantes- -trabalhadores vinham em busca de empregos e melhores condições de vida, permanecendo em espaços de ocupação irregular, sem condições de moradia e habitabilidade, contribuindo com sua força de trabalho para alimentar a indústria e ampliando os limites da cidade (IVO, 2010). Outro importante exemplo dessa condição são as favelas existentes nos grandes centros urba- nos, geralmente locais inapropriados para moradia, pois, muitas vezes, não possuem saneamento básico, educação e saúde, além do fato de possuírem locação de difícil acesso, altas taxas de desemprego entre os moradores e renda insuficiente ou ausência desta. Além dos aspectos citados, Abreu et al. (2009) destacam que o desemprego e a não absorção de mão de obra são fatores que podem favorecer o aumento da criminalidade, devido à ausência de oportunidades para a reinserção no mercado de trabalho (formal ou informal) e o aumento de atividades ilegais. Portanto, as cidades enfrentam problemas relacionados com a falta de estrutura e a ausência de serviços públicos amplos que atendam a todos que necessitam, além de situações intensas de violência urbana, exigindo que a política de segu- rança pública também responda a essa demanda. No entanto, os problemas nas cidades não se limitam aos expostos. É importante destacar o crescente número de pessoas com vivência de rua, expondo-se aos mais variados riscos, como uso de álcool e outras drogas, violência, fome e privações de diversas ordens. A complexidade para o enfrentamento das expressões da Questão Social é ampla e evidente, tornando-se um desafio para toda a sociedade. Com a criação da Constituição Federal de 1988, muitas políticas públicas foram propostas, visando a assegurar aos cidadãos a satisfação de suas necessida-10 As expressões da Questão Social nos meios urbano e rural des. No entanto, tais políticas não têm se mostrado efetivas para suprimir os problemas existentes, devido, principalmente, à ausência de orçamento suficiente para responder a tantas dificuldades presentes no cotidiano das cidades e da área rural. A área rural sofre, ainda, com o problema da exclusão geográfica, entendida como uma separação espacial entre um grupo de pessoas devido a fatores diversos. Por exemplo, na área rural, existem crianças que ficam sem acesso à escola e pessoas que ficam sem acesso a tratamentos de saúde, devido às dificuldades de locomoção e mobilidade. Lidar com essas questões é um grande desafio, pois envolve, além de vontade política, recursos financeiros e motivações individuais e coletivas. Montaño (2012), ao analisar a pobreza, a Questão Social e as estratégias para o seu enfrentamento, aponta que, no capitalismo, a desigualdade não se resolverá com a socialização da riqueza existente, mas sim com a extinção das classes e da exploração do trabalho pelos detentores do capital. autor acrescenta que: sistema capitalista é um sistema estrutural e irremediavelmente desigual: supõe a "exploração" de uma classe por outra; apropriação pelo capitalista do valor produzido pelo trabalhador; subalternização das massas pelo comando do capital; expulsão de massa de trabalha- dores excedentes ou obsoletos para as necessidades do desenvolvimento e da acumulação capitalistas (MONTAÑO, 2012, p. 285). Para Montaño (2012), as políticas sociais e os direitos vigentes apresentam- -se como conquistas, mas não são capazes de superar as dificuldades existentes, em razão do sistema capitalista. Assim, são inúmeros os desafios enfrentados pelo campo e pela cidade para responder às expressões da Questão Social. No entanto, há de se considerar que o sistema econômico vigente não privilegia o atendimento a questões como as citadas, em virtude do predomínio da redução de gastos públicos, da pouca interferência do Estado na condução das políticas públicas necessárias para o atendimento das necessidades das populações urbanas e rurais, bem como das privatizações nas mais diversas áreas, que trazem impactos exponenciais para todos os cidadãos.As expressões da Questão Social nos meios urbano e rural 11 Referências ABREU, D. et al. Impacto social da mecanização da colheita de cana-de-açúcar. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, São Paulo, V. 4, 5 e 6, n. esp., 3-11, 2009. ARGOLO, J.C. T.; ARAUJO, D.O impacto do desemprego sobre bem-estar psico- lógico dos trabalhadores da cidade de Natal. Revista de Administração Contemporânea, Curitiba, V. 8, n. 4, p. 161-182, 2004. BATISTA, Complexidade das relações entre campo e cidade: perspectivas teóricas. Revista Nera, Presidente Prudente, V. 18, n. 29, 101-132, 2015. CORREIA, F. L.; GONÇALVES, D. C. Questão social rural e assistência social: desafios vivenciados pela equipe técnica do CRAS "Jaguaré". Revista da Universidade Vale do Rio Verde, Três Corações, V. 12, n. 2, p. 117-129, 2014. CUNHA, M. Cidade e questão social no capitalismo: em cena, Fortaleza, a Miami do Nordeste. Revista de Políticas Públicas, São Luis, V. 12, n. 2, p. 65-73, 2008. IAMAMOTO, M. V. serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação profis- sional. São Paulo: Cortez, 1999. IAMAMOTO, V.; CARVALHO, R. Relações sociais e serviço social no Brasil e a tradição marxista. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 30, 89-102, 1989. IVO, L. Questão social e questão urbana: laços imperfeitos. Caderno CRH, Salvador, V. 23, n. 58, p. 17-33, 2010. LIMA, M.; OLIVEIRA, D. NUNES, G.S. A violência como expressão da questão social: retratos do extermínio da juventude negra de Fortaleza. In: JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS, 8., 2017, São Luís. Anais [...]. São Luís: UFMA, 2017. MARQUES, M. I. Entre campo e a cidade: formação e reprodução social da classe trabalhadora brasileira. Agrária, São Paulo, n. 5, 170-185, 2006. MONTAÑO, Pobreza, "questão social" e seu enfrentamento. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 110, p. 270-287, 2012. NETTO, J.P. Capitalismo monopolista e serviço social. São Paulo: Cortez, 2001. SANTOS, F.F. et al. retrato da questão social nos contextos urbano e rural. Serviço Social & Realidade, Franca, V. 20, n. 2, p. 111-133, 2011. TRASPADINI, R.S. Questão agrária, imperialismo e dependência na América Latina: a traje- tória do MST entre novas-velhas encruzilhadas. 2016. Tese (Doutorado em Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento, Inclusão Social e Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016.Encerra aqui 0 trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra.Conteúdo: S a SOLUÇÕES EDUCACIONAIS INTEGRADAS