Buscar

FINLEY, Moses. Política no mundo antigo, caps. 1-3

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 43 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 43 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 43 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

LUGAR DA HISTÓRIA 
1. A NOVA HISTÓRIA, Jacques Lê Golf, Lê Roy Ladurie, Georges Duby e outros 
2. PARA UMA HISTÓRIA ANTROPOLÓGICA, W. G. L, Randles, Nathan Wachtel e outros 
3. A CONCEPÇÃO MARXISTA DA HISTÓRIA, Helmut Fleischer 
4. SENHORIO E FEUDALIDADE NA IDADE MÉDIA, Guy Fourquin 
5. EXPLICAR O FASCISMO, Renzo de Felice 
6. A SOCIEDADE FEUDAL, Marc Bloch 
7. O FIM DO MUNDO ANTIGO E O PRINCÍPIO DA IDADE MÉDIA, Ferdinand Lot 
8. O ANO MIL, Georges Duby 
9. ZAPAJA E A REVOLUÇÃO MEXICANA, John Womarck Jr. 
 
10. HISTÓRIA DO CRISTIANISMO, Ambrogio Donini 
11. A IGREJA E A EXPANSÃO IBÉRICA, C. R. Boxer 
12. HISTÓRIA ECONÔMICA DO OCIDENTE MEDIEVAL, Guy Fourquin 
13. GUIA DE HISTÓRIA UNIVERSAL, Jacques Herman 
 
15. INTRODUÇÃO À ARQUEOLOGIA, Carl-Axel Moberg 
16. A DECADÊNCIA DO IMPÉRIO DA PIMENTA, A. R. Disney 
17. O FEUDALISMO, UM HORIZONTE TEÓRICO, Alain Guerreau 
18. A ÍNDIA PORTUGUESA EM MEADOS DO SÉC. XVII, C. R. Boxer 
19. REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA, Jacques Lê Goff 
20. COMO SE ESCREVE A HISTÓRIA, Paul Veyne 
21. HISTÓRIA ECONÔMICA DA EUROPA PRÉ-INDUSTRIAL, Cario Cipolla 
22. MONTAILLOU, CÁTAROS E CATÓLICOS NUMA ALDEIA FRANCESA (1294-1324), 
E. Lê Roy Ladurie 
23. OS GREGOS ANTIGOS, M. I. Finley 
24. O MARAVILHOSO E O QUOTIDIANO NO OCIDENTE MEDIEVAL, Jaques Lê Goff 
25. INSTITUIÇÕES GREGAS, Claude Mossé 
26. A REFORMA NA IDADE MÉDIA, Brenda Bolton 
27. ECONOMIA E SOCIEDADE NA GRÉCIA ANTIGA, Michel Austin e Pierre Vidal Naquet 
28. O TEATRO ANTIGO, Pierre Grimal 
29. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL NA EUROPA DO SÉCULO XIX, Tom Kemp 
10. o MUNDO HELENÍSTICO, Pierre Lévêque 
11 ACREDITARAM OS GREGOS NOS SEUS MITOS?, Paul Veyne 
l' l -.('(>N< )MI A RURAL E VIDA NO CAMPO NO OCIDENTE MEDIEVAL, (Vol. I), Georges Duby 
n oi IT< )NO DA IDADE MÉDIA, OU PRIMAVERA DOS NOVOS TEMPOS?, Philippe Wolff 
11 \ C I V I 1 ,1/AÇÃO ROMANA, Pierre Grimal 
19 n (>N( )MIA RURAL E VIDA NO CAMPO NO OCIDENTE MEDIEVAL (Vol. II), Georges Duby 
K. I'1'NSAK A REVOLUÇÃO FRANCESA, François Furet 
r l c l A ARC 'AICA DE HOMERO A ESQUILO (Séculos VIILVI a. C.), Claude Mossé IH 
I -NS AH )S l )!•: IXIO-HISTÓRIA, Pierre Nora, Maurice Agulhon, Pierre Chaunu, George Duby, 
< iii.iulri, J;K-ques Lê Goff, Michelle Perrot, René Remond 
< l (is l )A ANTIGÜIDADE, Moses I. Finley 
• l is l ANI )AI )| NO OCIDENTE 1400-1700, John Bossy V, rii IMI IK AS 
('IVIMZACÕES - I OS IMPÉRIOS DO BRONZE, Pierre Lévêque 
ii M.' \S ('IVII.I/.ACÕES - II A MESOPOTÂMIA/OS HITiTAS, Pierre Lévêque 
•/, ('l VII ,1/AÇÕIiS - I II OS 1NDO-EUROPEUS E OS SEMITAS, Pierre Lévêque • l -
l - i U l l l l » ). Mareei liemos. Charles de IaRoncière, Jean Guyon, PhilipeLécrivain l » ) 
TI<MI'0. Cario M. Cipolla 
'Ml IK A (IIIliRRA MUNDIAL 1914-1918, Marc Ferro l K l A 
ICIM- Kilviro l-crreira HMH In iMANA. r.iul \Vyne 
i i 11 i|J M AS (1250-1550) - Vol. I, Pierre Chaunu ' i l 
'i|)MAS(l250-l550)-Vol. II, Pierre Chaunu 
"l . 111| >o l >A HISTÓRIA ECONÔMICA, Cario M. Cipolla 
• Ml INI Ml AN l K K), M. I. Finley 
 
 
 
 
POLÍTICA 
NO 
MUNDO ANTIGO 
MOSES L FINLEY 
POLÍTICA 
NO 
MUNDO ANTIGO 
Título original: Politics in the Ancient World 
© Cambridge University Press, 1983 
Tradução: Gabinete Editorial de Edições 70 
Capa de Edições 70 
Todos os direitos reservados para língua portuguesa 
por Edições 70, Lda. 
Depósito legal n° 108942/97 
ISBN: 972-44-0942-2 
EDIÇÕES 70, Lda. 
Ru» Luciano Cordeiro, 123-2° Esq. - 1050 Lisboa - Portugal 
Telefs.: (01) 315 87 52/315 87 53 
Fax: (01)3158429 
Külll ohru CNlíi protegida pela Lei. Não pode ser reproduzida 
Mn liulci nu cm purte, qualquer que seja o modo utilizado, 
IncIlIlMilii tnltii rtpiu c xcrocópia, sem prévia autorização do Editor. 
IJllNli|HiH liiiiihjiirssilo à Lei dos Direitos de Autor será passível 
de procedimento judicial. 
edições 7O 
PREFACIO 
 
Para 
JOHNDUNN Este livro foi elaborado à volta de quatro Wiles Lectures 
que tive a honra de apresentar na «Queen's University», Belfast, 
em Maio de 1980. Quatro capítulos constituem versões revistas 
dessas mesmas conferências, enquanto que os capítulos 2 e 6 
foram escritos mais tarde e publicados pela primeira vez sob 
forma mais reduzida como trabalho em memória de J. C. 
Jacobsen da Real Academia Dinamarquesa de Ciências e Letras 
(publicados nos começos de 1982 no Meddelelser da 
Academia). 
A palavra inglesa 'politics' tem um alcance semântico que 
difere um pouco do dos seus sinônimos noutras línguas ociden-
tais. Por um lado, 'politics' não se emprega normalmente, no 
sentido em que se utiliza 'policy'; por outro, engloba implica-
ções resultantes das maneiras, informais e formais, como a 
governação é conduzida, como se tomam as decisões governa-
mentais e a ideologia atinente. A política (politics) neste sentido 
é o que constitui, essencialmente o meu tema de estudo. 
Não tenho conhecimento de que, sob a forma de livro, 
tenham surgido estudos sobre este assunto, do qual me ocupei e 
de que publiquei alguns artigos ao longo dos últimos vinte anos. 
Considerando que não é fácil discutir a Grécia e Roma com-
parativamente, não hesitei em recorrer aos conhecimentos e ao 
pensamento de amigos e colegas. Para todos eles vai o meu 
caloroso agradecimento, embora só nomeie aqueles que leram e 
comentaram as provas deste livro: Tony Andrewes, Peter Brunt, 
PREFACIO 
 
John Dunn, Peter Garnsey, Wilfried Nippel e Dick Whittaker. 
Outros agradecimentos, são devidos aos colegas, na maioria de 
Belfast, historiadores e estudiosos de política, alguns especialis-
tas em história antiga que, como é costume nas Wiles, foram 
convidados a participar, todas as tardes, na discussão aberta 
sobre a conferência do dia. E muitos mais colegas aderiram à 
calorosa hospitalidade que marcou esse acontecimento, condu-
zido pelo Vice-Chanceler, Dr. Peter Froggatt, e pelos represen-
tantes da Associação Wiles, os Professores Alan Astin e David 
Harkness. 
Finalmente, minha esposa deu mostras da sua incansável 
paciência enquanto eu tinha em mãos outro trabalho. 
Capítulo um 
ESTADO, CLASSE E PODER 
 
 
Colégio Darwin, Cambridge 
Setembro de 1982 
10 
M. I. F. No terceiro livro da Política (1279b6-40), Aristóteles 
escreveu: «A tirania é o governo de um só homem em benefício 
do governante, a oligarquia em benefício do rico, a democracia 
em benefício do pobre». E prossegue para precisar a definição: 
«Para a oligarquia e para a democracia, não é essencial que pou-
cos ou muitos governem, porque, em toda a parte, os ricos são 
poucos e os pobres muitos... A verdadeira diferença entre 
democracia e oligarquia é a pobreza e a prosperidade». 
Mais tarde, já no séc. XIX, no seu óptimo comentário à 
Política, W.L. Newman observou que Aristóteles dava aí explí-
cito reconhecimento de uma verdade importante, pois que a 
moderna e prevalecente teoria do contrato social do Estado 
obscurece a nossa aceitação do facto que Aristóteles havia assi-
nalado muito antes: que a constituição de um Estado tem as 
suas raizes naquilo que os modernos chamam o seu sistema 
social('). Precisando melhor, Aristóteles deu expressão sistemá-
tica a uma noção comum, mas ainda muito indeterminada, que 
era largamente (ou até universalmente) partilhada pelos Gregos 
clássicos. Esta noção impregna a literatura, tanto a dos poetas, 
historiadores e panfletários como a dos filósofos políticos; 
desde a queixa mordaz de Hesíodo contra os soberanos «devo-
radores de presentes» e seus trapaceiros julgamentos, passando 
pelo alarde do reformador Sólon («mantive-me firme, a ambos 
[ricos e pobres] protegendo com um forte escudo, a nenhum 
permitindo que triunfasse, injustamente, sobre o outro»), até à 
reiterada insistência de Platão em como, mesmo antes desse 
11 
POLÍTICA NO MUNDO ANTIGO ESTADO, CLASSE E PODER 
 
 
presentedegenerado, os chefes atenienses dos bons velhos tem-
pos, Milcíades, Temístocles, Címon e Péricles, já não eram 
melhores que pasteleiros, empanturrando o povo comum 
(demos) de bens materiais(2). 
A ambigüidade da palavra demos é imediatamente rele-
vante: por um lado, designava o corpo dos cidadãos como um 
todo, tal como figurava no termo de abertura dos decretos for-
mais da assembléia democrática grega - «o demos decidiu»; por 
outro lado, indicava o povo comum, a multidão, os pobres, 
como no Górgias de Platão(3). O vocábulo latino populus tinha 
a mesma dupla conotação. Contudo, não havia incerteza no seu 
uso em qualquer contexto determinado: os escritores e oradores 
gregos e romanos transferiam-se de um sentido para outro com 
fácil inteligibilidade e, ao tecerem críticas à democracia, joga-
vam do mesmo modo claro, e não menos inteligível, com os ter-
mos demos ou populus. As duas línguas eram também identica-
mente ricas em eufemismos, em especial o grego, eufemismos 
tão parciais quanto a literatura em que ocorriam. Como substitu-
tos para «ricos», os escritores gregos empregavam palavras com 
significado literal de «úteis (ou merecedores)» (chrestoi), 
«melhores» (beltistoi), «poderosos» (dynatoi), «notáveis» 
(gnorimoí), «bem nascidos» (gennaioi); para «pobres», diziam 
«multidão» (hoi polloí), «inferiores» (cheirones), «malvados» 
(poneroi), «turba» (ochlos). Em latim, os boni ou optimi opu-
nham-se a plebe, à multidão ou aos desonestos(4). 
Os eufemismos, é claro, também podem ser ambivalentes: 
em inúmeros textos, o sentido literal sobrepõe-se, excedendo 
mesmo, ao sentido figurado, como quando Cícero se queixava -
o que fez com freqüência e em moldes variados - de que muitos 
boni não se comportavam como boni. Mas a verdade é que, na 
maior parte das vezes, «ricos» e «pobres» são termos que têm 
mais sentido do que uma tradução literal. A linguagem da polí-
tica* antiga confirma, assim, a «importante verdade» de 
Aristóteles: a de que (mas não segundo Newman) o Estado é a 
arena dos interesses e das classes em conflito. Nenhum Grego 
ou Romano o poria em causa, não obstante a freqüência com 
que afirmaram o contrário em debates políticos (não diferindo 
dos seus homólogos nos nossos dias). Os pensadores políticos 
gregos procuraram o Estado ideal, onde o conflito fosse ultra-
passado no interesse de uma vida agradável para todos, mas 
12 
insistiram no facto de nenhum Estado real, passado ou presente, 
ter atingido ou sequer se aproximado dessa meta. Sólon não foi 
excepção, apesar da metáfora do escudo, que aplicou a si pró-
prio e não ao Estado ateniense. E encarregue da tarefa de refor-
mar Atenas a fim de reduzir a capacidade de os ricos agirem no 
seu próprio interesse, declarou tê-lo conseguido sem transferir 
tanto poder para os pobres que, por seu turno, estes pudessem 
agir parcialmente no seu interesse. Reconheceu, desta forma, o 
papel central das classes e do conflito que entre elas existe. 
Assim, o que pode parecer surpreendente à primeira vista, 
muitos comentadores e historiadores modernos parecem não 
ter-se apercebido do que os Gregos e Romanos disseram sobre o 
assunto. Os actuais estudos clássicos acerca da Política de 
Aristóteles, incluindo os comentários ao Livro III (entre eles o 
de Newman), não se referem às implicações do passo funda-
mental com que iniciei o presente livro e que se repete como 
motivo central ao longo daquele trabalho(5). 
Também os historiadores, mais preocupados com as realida-
des do comportamento político na Antigüidade do que com os 
conceitos e as teorias, não podem alegar a irrelevância da 
«importante verdade» de Newman; assim, freqüentemente, 
adoptam outros estratagemas evasivos ou de rejeição do assunto. 
Primeiramente concedem que, nos maus tempos do período 
arcaico, na Grécia como em Roma, os aristocratas e os patrícios 
que monopolizavam o poder eram gananciosos e desonestos -
mas que, afinal, se tratava do período de formação, do «pré--
Estado». Em seguida, encaram a história da política do período 
subsequente, o clássico, como, em grande parte, um período de 
declínio e degeneração, em especial nos momentos ou períodos 
em que os interesses das classes surgiram declaradamente acti-
vos. «Estes conflitos sociais» - escreve Victor Ehrenberg acerca 
da Grécia clássica - «que, em muitos locais, acabaram por trans-
formar-se em lutas partidárias, ameaçaram a polis na sua própria 
existência como comunidade de cidadãos»(6). Abundam as rotu-
lações pejorativas, algumas derivadas de antigas fontes - dema-
gogo, facção, populaça; outras forjadas pelos próprios historia-
dores, como democracia moderada e radical. 
A história de Roma é mais perturbante, em particular o 
último século da República, durante o qual (e acerca dele) os 
oradores e escritores romanos mostraram uma consciência de 
POLÍTICA NO MUNDO ANTIGO ESTADO, CLASSE E PODER 
 
 
classe tão explícita que somente os historiadores modernos 
menos perspicazes poderão manter silêncio total sobre as suas 
divisões entre classes. Para apoiar esta afirmação, considerarei 
assim dois casos ilustrativos. 
O primeiro é o que os historiadores modernos acabaram por 
chamar senatus consultum ultimum, uma resolução do Senado 
onde estava implícito um perigo ameaçador para o Estado (rés 
publica), alertando os magistrados para a tomada das acções 
defensivas necessárias. Os elementos «subversivos» eram assim 
tratados como inimigos do Estado, proscritos (por vezes 
mesmo, formalmente declarados como tal), a fortiori deixando 
de ter direito à protecção da lei, em particular ao direito a um 
julgamento formal. As instâncias, menos de uma dúzia ao todo, 
documentadas sem ambigüidade, datam de entre 121 e 43 a.C., 
por outras palavras, do século final da República, quando, como 
veremos, a violência armada ou a ameaça da intervenção 
armada haviam distorcido seriamente a essência da política da 
cidade-estado. Muitos milhares de Romanos foram massacrados 
ao abrigo dos vários senatus consulta ultima, em declarada vio-
lação dos procedimentos de pena capital contra cidadãos, desde 
há muito instituídos. Caio Graco, com o consentimento geral, 
ocupara o Aventino em 121 a.C., apoiado por homens armados; 
Saturnino em 100 a.C. e Catilina em 63 a.C. conduziram tam-
bém grupos armados. Caio Graco, contudo, tinha atrás de si a 
experiência do seu irmão Tibério, de uma década antes: Tibério 
fora morto à paulada por uma multidão de senadores e seus par-
tidários quando o cônsul se recusara a tomar medidas de 
'emergência' e o Senado não emitira um 'decreto final'. Não 
estava fora da lógica que Caio acreditasse que a classe gover-
nante, perdida a confiança na sua capacidade de governar 
segundo os métodos tradicionais, se preparasse para encontrar 
uma nova fórmula. O que de facto aconteceu com a invenção do 
senatus consultum ultimum. 
A grande quantidade de escritos modernos sobre esta maté-
ria, preocupados sobretudo com questões da lei constitucional, 
tende a evitar o problema básico do que pode querer significar--
se com «ameaça à segurança do Estado»(7). Os Gracos visa-
vam a tirania - é esta a resposta convencional das fontes antigas 
hostis e também a freqüentemente repetida pelos historiadores 
modernos(8). As provas a favor desta acusação são tão débeis, 
14 
para não dizer inexistentes, que bem depressa seriam postas de 
lado num contexto com menos peso ideológicof). Uma outra 
tradição antiga, a que aludem dois autores gregos posteriores, 
Plutarco e Apiano, é a de que a luta entre os dois irmãos e o 
Senado foi uma fase do conflito contínuo entre ricos e pobres 
(exactamente os termos que eles usaram). Trata-se de mera 
«tagarelice» - comenta Badian - «que alguns estudiosos ainda 
tomam como prova válida. Não passa de um estereótipo da sta-
sis - um artifício puramente literário que pouco aproveita ao 
historiador».Os ricos não eram assim tão ricos, argumenta ele, 
e muitos pobres mantinham-se indiferentes - e cada vez mais 
desencantados - ao programa dos Gracos(10). Sem dúvida que 
sim, mas o mesmo poderá dizer-se de qualquer confronto decla-
rado entre classes ou interesses ao longo da história. Mantém-se 
o facto de que a reforma agrária ou a pressão da dívida fornece-
ram a oportunidade não só para o 'estado de emergência' dos 
Gracos, mas também para vários senatus consulta ultima mais 
tardios e de que, ao nível mais simples, as propostas desaprova-
das pelo Senado beneficiavam (ou teriam beneficiado) os cida-
dãos pobres a expensas dos cidadãos ricos. Subsiste também o 
facto incontestado de que o Senado se arrogou o direito inqua-
lificável de determinar qual a situação de gravidade de um 
estado de emergência durante o qual se poderia impor a suspen-
são dos direitos fundamentais dos cidadãos romanos; isto é, em 
resumo: o Senado identificava-se com a rés publica. 
É claro que o Senado, tal como, desde sempre, todos os 
políticos ou órgãos governamentais, insistiu (e admito que nisso 
acreditasse) no facto de agir no interesse de todos, não no inte-
resse dos ricos ou da oligarquia. «A morte de Tibério Graco» -
escreve Cícero (República 1.19.31) - «e, já antes, toda a sua 
condução do tribunato dividiram um só povo em duas partes». 
Juízo de extraordinária má fé mesmo para padrões ciceronianos, 
que o não fez vacilar, porém, quanto às respectivas implicações: 
Cipão Nasica, como afirmou Cícero por diversas vezes, prestou 
um grande serviço ao Estado ao matar Tibério Graco, embora 
agisse por iniciativa pessoal("). Nos círculos governativos, assi-
nalam-se ocasionais rebates de consciência, do próprio Cícero 
uma única vez (Contra Catilina 1.1.3), mas apenas por ser tão 
notória a ilegalidade da acção de Cipião. Suscitavam-se poucas 
dúvidas quanto a ameaças pendentes sobre o Estado - e essas 
15
POLÍTICA NO 
MUNDO ANTIGO 
ESTADO, CLASSE E 
PODER 
 
poucas por razões partidárias óbvias -, quanto à necessidade da 
repressão armada ou quanto à competência do Senado para 
tomar tal decisão. 
As reacções romanas registadas são as esperadas dada a 
estrutura do governo romano desse período e a natureza das 
nossas fontes. É talvez mais surpreendente que os historiadores 
modernos, com poucas excepções, compartilhem tão sem reser-
vas o ponto de vista 'oficial' de Roma(12). Lintott conclui que, 
'em princípio', o senatus consultum ultimum era uma 'institui-
ção salutar', embora, na prática, a 'atitude' dos magistrados que 
actuavam assim escudados se tivesse tornado 'mais arrogante e 
extremista, o que, muitas vezes com justificação, conduzia à 
suspeita fácil de partidarismo' (13)- Forma bizarra esta de dizer 
que a tal 'instituição salutar' era utilizada regularmente para 
preservar o poder da classe governante. Um outro historiador 
conclui o relato citando a defesa de Cícero relativa ao seu pró-
prio acto de condenar à morte os partidários de Catilina: «Eu 
actuei com autoridade (auctoritas) do Senado e com o consenti-
mento de todos os boni» (Oração sobre a sua casa 35.94); e a 
seguir comenta que, embora o uso da palavra boni confira aos 
'Optimates, um tom muito forte', ainda assim a 'opinião 
pública' era uma condição necessária à imposição de um sena-
tus consultum ultimum: «Para o Senado e para o povo, bem 
como para os magistrados, mesmo num estado de emergência 
(e, na verdade, precisamente durante ele), a linha de conduta 
decisiva deve ser Salus populi suprema lex esto»(14). 
A minha preocupação actual não tem que ver com a avalia-
ção da gravidade da crise dos Gracos ou de quaisquer outras 
situações em que uma acção repressiva comparável haja sido 
tomada, mas sim com a concepção de Estado implícita na abor-
dagem exemplificada e, em particular, com a rejeição da 
'importante verdade' aristotélica nela inclusa(15). 
O segundo exemplo ilustrativo, por mim prometido, que 
provém do estudo do procedimento civil em Roma, foi esco-
lhido com a mesma preocupação em mente. 
Em 1966, J. M. Kelly publicou um livro, Roman Litigation, 
construído, nas palavras de um crítico, «à volta de uma só tese; a 
de que, apesar do ideal de justiça expresso em fontes que vão 
desde Cícero até Justiniano, os procedimentos e a acção da lei 
reflectiam claramente as difíceis realidades da sociedade romana, 
16 
falhando na tentativa de mitigar a diferença entre ricos e 
pobres»(16). Sublinhe-se que tivemos de esperar até 1966 pelo 
primeiro estudo de fundo alguma vez intentado sobre o real fun-
cionamento da lei romana de processo civil. Não menos digno 
de nota é o facto de alguns daqueles que acolheram o livro favo-
ravelmente terem feito todos os possíveis para reduzir-lhe o sig-
nificado quase que à trivialidade. Não me refiro à exibição dos 
habituais dispositivos de esvaziamento de conteúdo de que 
essas pessoas se serviram - por exemplo «o caso possui, sem 
dúvida, uma grande dimensão de importância crescente», «a 
tese central está exagerada» ou «contudo, creio» (a marca usual 
de que «não tenho provas em contrário») - mas sim ao facto de 
terem centrado a atenção sobre a desonestidade e a corrupção na 
administração da lei. Numa variante divertida, Max Kaser não 
se preocupa com a corrupção entre os magistrados, desde que se 
admita a pureza moral dos jurisconsultos(17). Mas não é sobre-
tudo disso que o livro de Kelly trata. Crook e Stone foram até 
ao âmago da questão quando distinguiram dois problemas: (a) 
«é a lei ministrada imparcialmente?»; e (b) «é o modelo da lei 
em si mesmo - a série de leis, incluindo as processuais - um 
instrumento e um reflexo da desigualdade social?»(18). 
A resposta à segunda questão parece-me um lugar comum: 
é claro que o 'modelo' da lei romana, como o de todos os outros 
sistemas legais examinados pelos historiadores, foi um instru-
mento e um reflexo da sociedade e, por conseguinte, da desi-
gualdade social. Se directamente confrontados com o caso, é 
provável que alguns historiadores neguem tal facto, ao contrário 
dos estudiosos da lei romana que aplaudem os jurisconsultos 
romanos pelo seu «medo instintivo do sincretismo dos métodos 
econômicos e jurídicos»(19). Mas parece que poucos historiadores 
aceitam esse desafio (ou o fazem a si próprios) com bastante 
freqüência; em geral, satisfá-los considerar apenas a primeira 
pergunta feita por Crook e Stone, cingindo-se ao campo ilimi-
tado da corrupção e da desordem. Assim, tacitamente, contri-
buem para a sobrevivência da velha mística sobre a lei como 
algo que se situa acima e fora da sociedade e das suas realida-
des, dotado de essência própria, de lógica autônoma e de exis-
tência independente. E outro tanto também com o Estado. «Foi 
Wilamowitz» - assim se diz no trabalho clássico de Ehrenberg 
sobre o Estado grego - «quem, com clareza, reconheceu que a 
17
POLÍTICA NO MUNDO ANTIGO ESTADO, CLASSE E PODER 
 
oligarquia e a democracia não são mais do que variantes do 
mesmo tipo de Estado, que se caracteriza pela 'soberania' do 
cidadão com plenos direitos». Isto resume-se a dizer apenas que 
a 'verdadeira' polis grega não era uma monarquia(20) e eu per-
mito-me afirmar que uma taxonomia que reduz todos os estados 
a dois tipos - um em que a soberania reside num só homem; 
outro em que esta reside nos cidadãos, seja qual for o modo 
como eles se definam - não tem pertinência analítica. Pior 
ainda: a noção de que um Estado pode ser caracterizado - quase 
pode dizer-se definido - pela soberania do cidadão com plenos 
direitos situa-se apenas a um passo da absurda afirmação de que 
'das rõmische Volk ist der rõmische Staat' («o povo romano é o 
Estado romano»21). 
Não é este o lugar para considerações teóricas sobre o 
Estado. Para os meu propósitos, basta enunciar alguns postula-
dos elementares e óbvios. O primeiro é o de que, num estudosobre política, não existe distinção significativa entre Estado e 
governo. Contudo, os metafísicos políticos, cidadãos (ou súbdi-
tos) de qualquer regime, equacionam ambos, mesmo numa 
situação revolucionária. Como se afirma no livro que, suponho 
eu, já ninguém lê, da autoria de Harold Laski, The State in 
Theory and Practice, 
«o cidadão só pode compreender o Estado através do 
governo... Ele deduz... a natureza do Estado a partir do caracter 
das acções governativas; e não pode conhecê-lo de outra forma. 
Por essa razão, nenhuma teoria do Estado será adequada se não 
considerar a acção governativa como fulcro da explicação que 
oferece. Um Estado é o que o governo faz; aquilo que qualquer 
teoria requer que o governo faça para preencher o objectivo ideal 
do Estado constitui mero... critério de julgamento e não uma fór-
mula da sua verdadeira essência»(22). 
Isto foi ainda mais verdadeiro na Antigüidade: então, os 
contactos pessoais do cidadão ocorriam directamente com o 
governo - os legisladores, o executivo, os tribunais - pois não 
havia a mediação da burocracia. 
O governo, o Estado, implica poder tanto interno como 
externo - é este o meu segundo postulado e, por ora, não me 
preocupo (ao contrário do que farei adiante) em distinguir o 
18 
poder no sentido de potestas, do poder no sentido de auctoritas. 
O poder é mais do que coacção, mas o poder estatal é único, 
sobrepondo-se a todos os demais poderes dentro da sociedade 
pelo seu reconhecido direito ao exercício da força, mesmo para 
matar, sempre que os seus representantes determinem que tal 
acção é necessária (e legitimem também onde prevalecem os 
ditames da lei).Uma formulação como esta será sem dúvida 
desacreditada como simplista pelos cientistas políticos e pelos 
sociólogos, responsáveis por muito do que se escreve sobre 
poder, o que, em boa verdade, reduz a pó tal noçãof3). O meu 
postulado também será rejeitado pelos antropologistas que 
defendem uma 'visão independente da cultura' que permita 
organizações políticas onde as decisões políticas não limitem 'a 
sociedade', possibilitando igualmente 'unidades políticas sem 
aparelho governamental '(24). Estou convicto de que algumas 
pessoas terão grande dificuldade em entender ou aceitar o meu 
segundo postulado, mas é meu propósito ocupar-me das mani-
festações do poder do Estado no mundo antigo e não de defini-
ções formais. 
O terceiro postulado simples é o de que a escolha daqueles 
que governam e a forma como o fazem dependem da estrutura 
da sociedade específica submetida a análise. Uma característica 
fulcral das sociedades de que nos ocupamos foi a importante 
presença de escravos; uma outra, a restrição severa, entre os 
Gregos, do acesso à cidadania; uma terceira, a exclusão das 
mulheres de qualquer participação directa na actividade política 
ou governamental. Com freqüência, emite-se a opinião de que é 
errado falar de democracia, direitos e liberdade em qualquer 
altura da história antiga. Em meu parecer, isto altera o conceito 
da natureza da pesquisa histórica, reduzindo-a a um jogo de 
atribuição de créditos e de deméritos de acordo com o sistema 
de valores do historiador. A condenação moral, independente-
mente do bom fundamento que possa ter, não substitui a análise 
histórica ou social. A 'autoridade de poucos' ou a 'autoridade 
de muitos' constituía uma escolha plena de significado e a liber-
dade e os direitos que as facções reclamavam para si eram dig-
nos dessa luta, não obstante o facto de mesmo 'os muitos' 
serem minoria na totalidade da população (25). 
Até aqui, falei deliberadamente da 'importante verdade' de 
Aristóteles (ou de Newman), usando a sua terminologia como 
19
POLÍTICA NO MUNDO ANTIGO ESTADO, CLASSE E PODER 
 
 
contrapeso ao corrente mau hábito de impor a nomenclatura 
marxista a toda e qualquer análise política que utilize o conceito 
de classe(26); hábito que ignora a longa história do procedi-
mento, sob uma ou outra forma, na análise política ocidental 
desde Aristóteles(27). Utilizei também livremente o termo 
'classe', como se costuma fazer no discurso quotidiano. Os 
'ricos' e os 'pobres' de Aristóteles inseriam-se em classes não 
definidas, mas ainda assim identificáveis pelos seus contempo-
râneos (29). A classe dos pobres englobava todos os homens 
livres que trabalhavam para sobreviver, os lavradores proprietá-
rios de quintas bem como os caseiros, os trabalhadores sem 
terra, os artífices por conta própria, os comerciantes. Por um 
lado, distinguiam-se dos 'ricos', que podiam viver confortavel-
mente do trabalho dos outros, mas também dos miseráveis, dos 
mendigos e dos desocupados(29). Como é óbvio, não pode 
exigir-se que uma simples classificação binaria signifique mais 
do que significa, em especial para convertê-la numa estrutura de 
classes sociologicamente aceitável. Por vezes, em contextos 
específicos, o próprio Aristóteles a decompôs ainda mais, refe-
rindo-se a agricultores, a pastores ou a artesãos. Uma vez por 
outra, também deu mostras de certa inclinação para to meson, o 
meio termo, mas, neste caso, reflectia apenas a sua bem conhe-
cida doutrina, fulcro dos seus trabalhos biológicos e éticos, de 
que o meio é a posição natural e a preferível, enquanto que o 
excesso nas duas direcções constitui um distúrbio(30). Na 
Política, «to meson» apenas aparece em algumas generaliza-
ções normativas - «As maiores poleis estão mais livres de per-
turbações (stasis) civis porque o to meson é numeroso» - de 
significado prático diminuto, pois «na maioria dos Estados, o to 
meson é reduzido» 1926a9-2431). 
Portanto, devemos restringir-nos às antigas conotações da 
parceria ricos e pobres e evitar diligentemente o corolário 
moderno de uma classe média significativa e com interesses 
definidos. Embora as classes e subclasses da Antigüidade não 
pensassem nem agissem, com regularidade, em termos colecti-
vos de uma classe em conflito com as outras, e menos ainda 
estando em causa questões de guerra e do império, houve oca-
siões em que muitas delas, ou um seu particular segmento, o 
fizeram. Então, a formulação esquemática infalível usada pelos 
escritores antigos foi a de que a polis se dividira em duas clas- 
20 
sés opostas, não em três. Tal como Aristóteles generalizou 
reprovadoramente (Política 1310a 3-10), nas democracias «os 
demagogos estão sempre a dividir a polis em duas partes, 
fazendo guerra contra os ricos», enquanto que existem Estados 
oligárquicos cujos oligarcas juram: «Serei inimigo do demos e 
planearei contra ele todo o mal que puder». Ora isto exemplifica 
classe, consciência de classe e conflitos de classe que bastem 
para o que me proponho dizer. Maior consistência e especifici-
dade emergirão à medida que a análise for prosseguindo. 
Mais ou menos ao acaso até aqui, desloquei-me entre a 
Grécia e Roma. A casualidade desaparecerá, porém, muito 
embora a possibilidade de incorporar a Grécia e Roma num só 
discurso já antes tenha sido tentada (refiro-me ao meu Ancient 
Economy) tendo conhecimento de alguma oposição que encon-
trou(32). A matéria agora tratada é a política, mais especifica-
mente a política da cidade-estado (33). Por razões que se con-
siderarão no início do terceiro capítulo, só me ocuparei 
da cidade-estado autogovernada ou, por vezes, dos simulacros de 
cidade-estado (excluindo não só as monarquias mas também as 
tiranias gregas34). Isto significa o mundo grego desde o 
período arcaico tardio, ou seja desde os meados do século 
sétimo até às conquistas de Alexandre Magno ou até um pouco 
mais tarde; e o mundo romano desde os meados do século 
V a.C. até ao fim da República. Que não se fique perplexo face 
ao desvio da periodização convencional da história da Grécia e 
de Roma, quadro artificial (sobretudo quanto à história da 
Grécia) não apropriado à análise de vários aspectos importantes 
da sociedade antiga(35).A própria designação de 'cidade-estado' implica a existên-
cia de elementos comuns suficientes para justificar o estudo 
conjunto da Grécia e de Roma, pelo menos como ponto de par-
tida. Mas existiram também diferenças importantes, tão remotas 
como o tempo em que o primeiro documento histórico emerge 
da lendária pré-história e, depois disso, uma divergência cres-
cente, em especial quando as conquistas e a expansão de Roma 
começaram a enfraquecer as estruturas da cidade-estado. A sim-
ples qualificação de 'antiga' não implica identidade quer entre 
diferentes regiões ou povos quer entre amplos períodos de 
tempo. Será suficiente estabelecer o contraste entre Atenas e 
Esparta ou entre a Atenas de antes de Clístenes e a de depois de 
21
POLÍTICA NO MUNDO ANTIGO ESTADO, CLASSE E PODER 
 
Péricles, no âmbito do mundo grego. À medida que formos 
avançando, surgirão diferenças mais importantes a par de seme-
lhanças substanciais, sendo ambas mais claramente visíveis e 
significativas mediante a comparação entre a Grécia e Roma do 
que cingindo a análise quer a uma quer a outra. Aliás, foi assim 
que procedeu Dionísio de Halicarnasso nas suas Antigüidades 
Romanas (5.65.1) quando no século V a.C., compareceu no 
Senado de Roma para escutar a palavra de Sólon; ou Cícero 
quando escreveu a República e as Leis segundo o 'modelo' de 
Platão. 
Nos começos da nossa história, a estrutura social era nota-
velmente semelhante nas cidades-estado gregas e em Roma: tra-
tava-se de sociedades agrárias onde os visíveis conflitos de clas-
ses, tão centrais na história arcaica da Grécia e de Roma, se 
limitavam de modo regular e exclusivo a questões entre aristo-
cráticos donos de terras credores e campesinos devedores(36). O 
poder e a autoridade eram monopolizados pelos primeiros, quer 
formalmente quer de facto. 'Aristocráticos' é, contudo, outra 
palavra ambígua, mas confrontamo-nos aqui com uma hieraquia 
ou ordem de sentido restrito, famílias que como tal a si próprias 
se identificavam e que também assim eram consideradas pelos 
demais; isto foi mais óbvio em Roma com o aparecimento (cuja 
pista não é possível reconstituir) de uma ordem patrícia 
fechada; e mais incerto na Grécia, talvez apenas por causa da 
natureza das fontes, embora não devêssemos substimar como 
indicador a freqüente reivindicação de antepassados 'heróicos' 
ou divinos. Os aristocratas também possuíam grande parte da 
riqueza; deverá contrariar-se a moderna tendência para denegrir 
esse factor em termos de escalonamento. A riqueza é sempre 
um conceito relativo; o que interessa é que os aristocratas da 
Grécia e de Roma arcaicas detinham suficientes recursos e 
mão-de-obra (também esta indicativa de riqueza) para adquirir 
armamento e cavalos para uso próprio, para importar metais e 
outros bens necessários e, às vezes, para fornecer as embarca-
ções requeridas, para construir templos de pedra e outros edifí-
cios públicos. A lenda do arrogante aristocrata Cincinato inti-
mado a deixar o arado e a sua quinta de dois acres e meio 
(quatro iugera), em 458 a.C., a fim de socorrer Roma face a 
uma ameaça militar (Tito Lívio 3.26.7-12), diz-nos algo acerca 
da ideologia romana mais tardia (tal como a ausência deste tipo 
22 
de lendas entre os gregos nos informa de uma ideologia dife-
rente). Quanto às realidades da Roma do séc. V, a lenda apenas 
serve para induzir gravemente em erro. 
Alguns aristocratas acabaram, sem dúvida, por empobrecer. 
Mas, mais importante do que isso é o facto de certo número de 
estrangeiros ter adquirido riqueza suficiente para sentir-se com 
direito à partilha do monopólio do poder. O processo pode ser 
para nós totalmente misterioso, mas não as suas conseqüências, 
graças a indicadores vários. Por exemplo, em Atenas em 594 
a.C., Sólon, tendo em vista diversos fins, dividiu os cidadãos 
em quatro categorias de riqueza, tendo em vista diversos objec-
tivos, entre os quais a elegibilidade para cargos públicos. 
Formalmente, tal facto marcou a completa ruptura com os direi-
tos exclusivos de uma ordem hereditária, de uma nobreza de 
nascimento, embora as famílias aristocráticas continuassem a 
predominar na nova classe governante determinada pela abas-
tança, pelo menos durante algum tempo. Vale a pena notar dois 
pontos: (1) a classificação para cada uma das quatro 'classes' de 
Sólon era unicamente definida em termos de produção agrícola; 
(2) três dessas 'classes' conservaram as denominações tradicio-
nais de hippeis, zeugitai e thetes, mas os membros da quarta e 
mais importante categoria eram chamados pentakosiomedimnoi 
(homens com quinhentos medimnos de renda), sistema de valo-
rização gritantemente artificial que simboliza a qualidade timo-
crática do esquema. 
Também em Roma se introduziu o princípio timocrático no 
sistema governativo (e militar), mais ou menos na mesma 
época, tornando-se tão firmemente enraizado que, com razão, 
Nicolet apelidou Roma de cite censitaire(31). Para a primeira 
fase, a evidência quanto a pormenores, tardios e anacrônicos, 
parece-me irremediavelmente corrompida(38). Não pode haver 
dúvidas, contudo, acerca da entrada de não patrícios para altos 
cargos (começando pelo de 'tribuno militar com poder de côn-
sul'), ou acerca da concessão da legitimidade de casamento 
entre patrícios e plebeus, verificada em 445 a.C. Ambos os 
casos implicam indubitavelmente a existência de homens mais 
ricos entre os plebeus (em linguagem técnica, todos os cidadãos 
que não eram patrícios). O patriciado romano era uma ordem de 
singular inflexibilidade, apenas acessível a estranhos mediante a 
adopção formal de um indivíduo do sexo masculino por uma 
23 
POLÍTICA NO MUNDO ANTIGO ESTADO, CLASSE E PODER 
 
 
família patrícia, acto solene que requeria o consentimento do 
Estado. Forçosamente, portanto, a elite da plebe também se 
transformou em ordem, análoga ao popolo medieval italiano (39). 
Uma dicotomia tão completa não tinha paralelo na Grécia 
- pelo menos, não há notícia de nada semelhante à ordem dos 
plebeus - mas, de qualquer forma, a distinção depressa foi mini-
mizada no que dizia respeito à prática política. Ao presente con-
texto, no ponto em que iniciámos a nossa pesquisa, interessa o 
facto de que, quer os plebeus romanos quer os seus congêneres 
gregos, o grosso da população dos cidadãos, maioritariamente 
rural, se tinha diferenciado pela riqueza e pela situação social. 
Nos séculos seguintes, não só a brecha existente entre ricos e 
pobres se alargou enormemente como se verificou também maior 
diversificação da estrutura social. O ritmo e a amplitude evolutiva 
foram diferentes de cidade-estado para cidade-estado, entre os 
Gregos, e mais se acentuaram entre estes em conjunto e os 
Romanos. A fechada classe romana dos patrícios foi, efectiva-
mente, desalojada por uma nova aristocracia (nobilitas), não 
exlusivamente hereditária e nunca institucionalizada como 'hie-
rarquia' ou 'ordem', e que incorporava 'novas' linhagens (gen-
tes), das quais uma crescente maioria era contituída por plebeus, 
no antigo sentido do termo, à medida que as famílias patrícias se 
extinguiam pouco a pouco(40). A admissão nesta aristocracia 
resultava usualmente da eleição para o consulado de um 'homem 
novo', alguém cuja família permanecera até então fora desse cír-
culo restrito. O número destes homens novos era, como é natural, 
suficiente para fornecer os recrutas que a velha ordem patrícia 
não fora capaz de granjear ao abrigo das antigas regras, nunca 
alteradas. Provinham do numeroso grupo dos homens de posses, 
normalmente proprietários rurais que dominavam a política local 
nos municípios e regiões fora da cidade de Roma e que davam 
apoio seguro à nobreza no centro político. O aparecimento relati-
vapiente tardio de grupos de interesses especiais, sobretudo os 
publicani (cobradores de impostos e possuidores de contratospúblicos), introduziu, por vezes, complicações menores no qua-
dro político, mas a idéia de serem responsáveis pela injecção de 
conflitos no seio das classes superiores é uma falácia moderna(41). 
Ao longo da nossa exposição e quando necessário, conside-
raremos um ou outro destes casos. Por agora bastará enumerar 
as principais variáveis entre as cidades-estados: dimensão 
populacional e territorial; recursos naturais, sobretudo cereais, 
metais, madeiras; grau de urbanização, mais no sentido da sua 
função e interesse do que no de residência; a infraestrutura eco-
nômica dos escravos e dos não-cidadãos livres; tamanho e fon-
tes de riqueza. Não obstante, todas as cidades-estado tinham um 
traço em comum ou seja a incorporação na comunidade política, 
como membros e como cidadãos, dos lavradores, dos artesãos e 
dos comerciantes; mesmo daqueles que, importa salientar, não 
tinham a obrigação nem o privilégio do uso das armas. De iní-
cio, tais elementos não eram (e, em algumas comunidades, 
nunca chegaram a ser) membros de pleno direito, cidadãos na 
íntegra, no sentido que o termo adquiriu na Grécia clássica e em 
Roma. Mas até este reconhecimento limitado não tinha prece-
dentes na história; simboliza-o a bastante engenhosa subdivisão 
política do Estado em unidades territoriais mais pequenas, 
'demos' em Atenas e noutras polis gregas, 'tribos' em Roma, na 
sua maioria rurais(42). Qualquer análise sobre política grega ou 
romana deve ter em conta esta radical inovação 
sociopolítica. 
Requer atenção uma outra variante: alguns Estados passa-
ram a dominar território estrangeiro, relativamente extenso, 
quer incorporando-o por completo quer dominando-o e explo-
rando-o sem, formalmente (ou mesmo substancialmente), lhe 
retirarem toda a independência, quer ainda, de lugar para lugar, 
variando a extensão e natureza desse domínio. Com a informa-
ção de que dispomos, a análise só é possível em três casos -
Esparta, Atenas e Roma - mas há razões para crer que esta 
variante crítica esteja ausente nos demais (salvo, talvez, em 
Rodes e, de forma incompleta, em Tebas e na Tessália). E, nes-
tes três, os efeitos econômicos, sociais e políticos foram radical-
mente diferentes. 
As origens da Idade das Trevas e o desenvolvimento do sis-
tema espartano na Lacónia são difíceis de identificar. Antes de 
700 a.C., Esparta deu o passo decisivo da conquista da 
Messénia, reduzindo à escravatura a população. Este facto con-
duziu à transformação da cidadania espartana numa classe 
fechada de soldados a tempo inteiro, sustentados pelo trabalho 
forçado dos ilotas, processo que se completaria por volta de 600 
a.C., a seguir à repressão de uma obstinada revolta em larga 
escala na Messénia. O sistema teve as suas falhas e anomalias 
 
24 25 
POLÍTICA NO MUNDO ANTIGO ESTADO, CLASSE E PODER 
 
 
- a sobrevivência de uma aristocracia dentro do escol espartano 
e o surgimento de categorias tão curiosas corno os chamados 
Inferiores, os mothakes e os neodamodeis - assunto que não nos 
deterá, porém. 
Em certos aspectos importantes, o início da história de 
Atenas também não é menos misterioso. Não sabemos, por 
exemplo, quando e como a totalidade da Ática (cerca de 2500 
km2) foi incorporada numa só polis, onde não havia distinção 
de estatuto entre o povo de Atenas e os habitantes de Maratona, 
de Elêusis e das restantes povoações e comunidades existentes 
dentro da Ática. Nenhuma outra cidade-estado grega teve uma 
extensão territorial e uma base demográfica comparáveis 
(excluindo o conquistado território de Esparta). Nem nenhuma 
outra, excepto a pequena ilha de Sifinos nas Cíclades, teve a 
inestimável vantagem de possuir minas de prata importantes 
dentro dos próprios domínios (em Láurion no sudeste da Ática). 
As autoridades da época tinham noção de quanto as minas eram 
a chave da expansão naval que deu a Atenas o papel decisivo 
nas guerras médicas(43) e, logo a seguir, o impulso para o esta-
belecimento de um império marítimo. Algumas movimentações 
expansionistas haviam sido tentadas mais cedo, sob a tirania de 
Pisístrato, quando se fundaram colônias quase militares na 
região de Dardanelos, mas é o império do século V que justifica 
que Atenas seja considerada entre os Estados conquistadores. 
Em sentido restrito, não foi muito o território anexado, à parte 
os enclaves confiscados a Estados súbditos para fixação de 
Atenienses e onde os submetidos mantinham considerável inde-
pendência. Não obstante isso, o império mais do que duplicou 
os rendimentos públicos de Atenas, dotando o Estado de capaci-
dade para levar em frente um largo programa de construção 
naval e de outras obras públicas, custeadas, em grande parte, 
pelas rendas imperiais e também pelos cidadãos mais ricos; e 
forneceu emprego, pelo menos parcial, a muitos cidadãos mais 
pobres, sobretudo na marinha de guerra. 
O desenvolvimento da Roma foi de uma categoria dife-
rente, qualitativa e quantitativamente. Desde o início que a 
República romana integrou por completo, sempre que possível, 
algumas comunidades vizinhas. Isso significou incluir os seus 
territórios no ager Romanus e a população no corpo dos 
cidadãos romanos (embora, com o andar do tempo, houvesse 
26 
algumas diferenciações subtis no respeitante a direitos). 
Portanto na altura em que Roma conquistara já toda a Itália a 
sul do rio Pó, isto é, por volta do início do século III a.C., o 
corpo dos cidadãos romanos ultrapassava enormemente o de 
Atenas no seu ponto mais alto e este era, de longe, o maior de 
qualquer outra cidade-estado grega. E Roma não parou de cres-
cer, embora já possuísse o maior império de terras de sempre no 
mundo das cidades-estado. Nos últimos trezentos anos da 
República, foi escassíssimo o tempo em que o exército romano 
se não ocupou em campanhas militares externas. Calcula-se 
que, nos dois últimos séculos, a média anual de cidadãos adul-
tos do sexo masculino envolvidos na actividade militar fosse de 
treze por cento, subindo a trinta e cinco por cento em alguns 
anos (44). São números aproximados, sem dúvida, mas nenhuma 
possível margem de erro razoável enfraquecerá as implicações 
destes números estonteantes, provavelmente sem paralelo na 
história. 
Mudanças fundamentais na sociedade foram a conseqüên-
cia inevitável. As propriedades agrícolas atingiram extensões 
nunca antes sonhadas, apoiando-se numa força de trabalho 
escravo de novo sem precedentes. A contínua e maciça conces-
são do direito de cidadania a latinos, a 'aliados' itálicos e a 
alguns outros grupos, e a quase automática concessão do 
mesmo direito aos escravos libertos elevou o total de 
'Romanos' muito para além do que já fora um número incom-
patível com o ideal aristotélico de cidade-estado (e com o real 
funcionamento das respectivas instituições45). Os escravos 
libertos tinham direitos restringidos apenas na primeira geração; 
uma parte cada vez maior dos restantes residia a tão grande dis-
tância de Roma que isso lhe limitava consideravelmente a parti-
cipação política directa, excepção feita aos ricos e respectivos 
servidores. Ao mesmo tempo, uma substancial parte do campe-
sinato era compelida a abandonar as terras arrendadas, devido a 
um processo mais complexo do que com freqüência se supõe: a 
migração contínua para as cidades, sobretudo para a de Roma. 
Os cálculos sobre a população de Roma não são melhores do 
que conjecturas, mas este indicador é aparentemente mais rigo-
roso: a lista dos cidadãos da cidade de Roma (e só dela) com 
direito a receber cereal gratuito atingia o número de 320.000 
quando César se tornou dictator (Suetónio, César 41.5). 
27 
POLÍTICA NO MUNDO ANTIGO ESTADO, CLASSE E PODER 
 
Toda a actividade militar representava poder, no sentido 
restrito de força, exercido no exterior. No entanto, o nosso inte-
resse centra-se, sobretudo, no funcionamento internodo Estado. 
Qual o poder de que dispunha para impor as suas decisões nas 
muitas áreas de acção cujas regras estabelecera? Como corpo 
policial, a antiga cidade-estado dispunha apenas de um número 
relativamente pequeno de escravos públicos ao serviço dos dife-
rentes magistrados, desde o arconte e o cônsul até aos inspecto-
res de mercados (46) e, em Roma, os lictores, normalmente cida-
dãos das classes mais baixas adstritos aos magistrados mais 
importantes. Este facto não é surpresa - a força policial organi-
zada é uma criação do século XIX. Mas - o que é decisivo e 
excepcional - não se disponibilizou o exército para cumpri-
mento de deveres policiais de larga escala até a cidade-estado 
ser substituída por uma monarquia. A este respeito, é notável o 
contraste com as cidades-estado italianas da baixa Idade 
Média (47)- O exército das antigas cidades-estado era uma milícia 
de cidadãos, que se constituía como exército apenas quando 
chamada a agir contra o mundo externo. O que Nicolet disse a 
respeito de Roma é igualmente verdade para a polis grega; 
«Em qualquer altura em que o Estado estivesse em paz com os 
seus vizinhos, Roma não dispunha de exército algum» (48). Era, 
outrossim, uma milícia socialmente seleccionada: em princípio, 
tanto a infantaria como a cavalaria eram obrigadas a equipar-se 
a si próprias, o que, automaticamente, reduzia a 'metade' mais 
pobre dos cidadãos a um serviço marginal, na armada ou como 
auxiliar da tropa ligeira, ou à total isenção, excepto em casos de 
emergência. 
E fácil elaborar a lista das excepções ao tipo ideal de antigo 
exército de cidadãos agora apresentado. Esparta foi sempre 
excepção. Alguns Estados possuíam pequenos exércitos perma-
nentes de tropas de elite, como o «Sagrado Bando» dos trezen-
tos em Tebas. A marinha de guerra ateniense (e talvez também 
outras) oferecia aos cidadãos pobres a oportunidade de servirem 
como remadores pagos. No séc. IV a.C., as cidades gregas 
empregavam cada vez mais soldados mercenários nas suas 
guerras; era este um sintoma importante de uma situação social 
e política em mudança, mas nem os mercenários nem os seus 
comandantes profissionais intervinham na política interna 
(a não ser sob o controlo de tiranos49). A amplitude da 
28 
conquista romana levou a repetidas reduções dos requisitos 
financeiros mínimos para prestação de serviço militar e ao 
pagamento de uma pensão de subsistência aos soldados no 
activo. Nos finais do séc. II a.C., de facto, já se abandonara a 
própria noção de uma milícia auto-equipada. É esta uma das 
razões, como veremos, porque o último século da República 
romana apresentava, na melhor das hipóteses, uma versão dis-
torcida da política da cidade-estado. 
Nada do que se disse falseia a formulação geral da cidade--
estado e dos seus exércitos (50), mas impõe que se qualifique 
uma distinção importante entre a Grécia e Roma. É lugar --
comum o rigor da disciplina militar romana (sobretudo em 
Políbio 6.37-8); as principais penalidades incluíam a pena de 
morte por ordem do comandante (e até a dizimação, execu-
tando-se um soldado de dez em dez num destacamento). A dis-
ciplina do exército grego parece ter sido muito mais frouxa e 
são raros os casos de punição séria sem julgamento prévio (51). 
Estreitamente ligado a essa diferença estava o conceito romano 
do imperium de um magistrado (a examinar no terceiro capí-
tulo), que lhe permitia, se estava num grau hierárquico suficien-
temente elevado, exercer coercitio contra qualquer cidadão civil 
(e, é claro, contra as mulheres e os não-cidadãos) que tivesse 
desobedecido a uma ordem; isso poderia significar multa, con-
fiscação de parte dos bens, prisão ou possível desterro, mas não 
pena capital sem processo jurídico ou sem direito de apelo. O 
imperium era um poder indefinido; abarcava tudo o que esti-
vesse dentro da esfera de competência do magistrado e que a lei 
não excluísse. Por isso, como observou Mommsen, a coercitio 
de um magistrado, se dentro dos limites reconhecidos (amplos, 
aliás), «podia ser injusta (unbillig), mas nunca ser ilegal 
(rechtswidrig)» (52). Quanto ao magistrado grego podia, por 
exemplo, multar um comerciante delinqüente, não podendo, 
porém exercer coercitio nesta ou em qualquer outra situação a 
menos que estivesse especificamente autorizado a fazê-lo por 
um acto legislativo e tal acto nunca lhe permitia enviar alguém 
para a prisão ou para o desterro. 
Assim, contra os particulares, os Romanos dispunham de 
uma pequena e rudimentar máquina policial, sobretudo na área 
do direito penal. Quando envolvia um número elevado de parti-
culares, mais ou menos organizados, possivelmente a máquina 
29 
POLÍTICA NO MUNDO ANTIGO ESTADO, CLASSE E PODER 
 
não funcionava. Que fazer então? A documentação disponível, 
respeitante quer à Grécia quer a Roma, é demasiado escassa 
para fornecer uma resposta clara, mas é suficientemente suges-
tiva. Em 186 a.C., a elite romana atemorizou-se face à grande 
adopção generalizada dos ritos báquicos em Roma e em grande 
parte de Itália, especialmente entre as classes mais baixas. A 
nossa fonte, uma narrativa de doze páginas de Tito Lívio 
(38.8-19), escrita quase dois séculos depois do acontecimento, 
toda ela partidária, melodramática e fictícia em vários pontos, 
insiste numa conspiração em massa suprimida com êxito. 
Alguns historiadores concluíram que este caso mostra a existên-
cia «de uma organização policial eficiente em tempo de 
crise» (53), mas não é dessa forma que interpreto o relato de Tito 
Lívio. Os usuais assistentes ao dispor dos magistrados recebiam 
o apoio dos seus escravos pessoais e ajudantes e também de 
guardas e de vigilantes nocturnos especialmente nomeados, 
mas, só por si, estes não podiam ter interrogado, aprisionado e, 
por fim, executado milhares de pessoas. Nem tão-pouco actua-
ram sozinhos, diz Tito Lívio, referindo-se à denúncia generali-
zada de indivíduos e à acção 'policial' levada a cabo por cida-
dãos normais que se ofereceram como voluntários em resposta 
ao apelo do cônsul num confio, uma reunião pública 
informal (54). Os termos desse apelo como os registou Tito Lívio 
(39.16.13) são vagos: cumpre o teu dever «onde quer que este-
jas e seja o que for que te ordenem». Mas não era assim que se 
recrutava o exército romano: um dilectus - a palavra técnica 
designativa de mobilização, perfeitamente familiar a Tito Lívio 
- tinha de ser votado pelo Senado, sendo depois posto em prá-
tica por um cônsul segundo os procedimentos autorizados. 
Faltam na narrativa a palavra dilectus, a necessária decisão 
senatorial e o procedimento consular. Também não constam do 
Delato de Apiano sobre a destruição de Caio Graco, quando, 
escreve o historiador, o cônsul tinha 'homens armados' à sua 
disposição (Guerra Civil 1.113, 116). 
Um caso paralelo ateniense proporcionará mais esclareci-
mentos. Em 415 a.C., ocorreu um duplo sacrilégio: a mutilação 
dos bustos de Ceres e a 'profanação' dos mistérios eleusinos. 
Coincidindo com o início da expedição contra a Sicília, o acon-
tecimento gerou algo parecido com o pânico. Tal como em 
30 
Roma, em 186 e 121, todos os órgãos de governo se envolve-
ram na investigação e nos castigos e os cidadãos comuns foram 
mobilizados para denunciarem e para vigiarem. Neste caso, a 
prova textual é específica: o Conselho, notícia Andócides 
(1.45), pediu aos strategoi que convocassem os cidadãos mora-
dores na cidade e os reunissem armados, num certo número de 
lugares designados(55). 
Os dois incidentes tiveram implicações políticas significati-
vamente diferentes: o Senado romano viu nas Bacanais uma 
ameaça subversiva vinda de baixo, enquanto que em Atenas, em 
415, se receou uma conspiração visando a expedição à Sicília e 
as instituições democráticas (é irrelevante que tais receios tives-
sem ou não bons fundamentos56). Tiveram em comum o facto deuma boa parte dos cidadãos possuir armas militares por uma 
questão de obrigação e ter prática do seu manuseamento. Um 
sistema militar como este não tinha precedentes (havendo escas-
sos exemplos posteriores) e criou uma relação única entre as 
forças armadas, os seus comandantes e o Estado (57). Numa crise 
interna, ou no que se tornou como tal, o próprio exército não 
intervinha como força coerciva, mas homens armados podiam 
ser convocados como voluntários. Um estudioso antigo, para-
fraseando uma passagem das Histórias perdidas de Salústio, 
explicou que esses voluntários não eram soldados, mas sim 
substitutos de soldados (non sunt milites sedpro milite™). A dis-
tinção não é meramente verbal, é básica para o pensamento e 
para a psicologia políticos. Não se podia obrigar alguém a 
fazer-se voluntário; a resposta não era previsível nem em 
número nem em rapidez; os voluntários não se sujeitavam à dis-
ciplina militar nem proferiam o juramento de lealdade ao seu 
respectivo general exigido ao soldado romano todas as vezes 
que fosse convocado (59). Por outro lado, em situações deste 
gênero, os voluntários sempre foram mais 'seguros' do que os 
recrutados. 
Os cidadãos com acesso imediato às armas eram, principal-
mente, homens que já tinham servido na milícia. Portanto, será 
tentador tirarem-se conclusões acerca do inegável caracter timo-
crático do exército de cidadãos. Mas as coisas nem sempre eram 
assim tão simples, como a experiência ateniense de 415 
indica (60). Numa situação de guerra civil aberta, em que exércitos 
mais ou menos organizados, «oficiais» e «não oficiais», par- 
31 
POLÍTICA NO MUNDO ANTIGO ESTADO, CLASSE E PODER 
 
ticipam defacto, o caracter de classe do exército pode tornar-se, 
sem dúvida, o factor decisivo, mas a guerra civil marca o 
falhanço das soluções políticas e só exige a nossa atenção 
quando chegamos a esse ponto. No final do capítulo cinco, 
veremos que a totalidade do último século da República romana 
terá de considerar-se um período de guerra civil (6I). 
NOTAS 
(') W. L. Newman, The Politics ofAristotle (4 vols., Oxford 1887-1902), 
I, 223. 
(2) Hesíodo, Trabalhos e Dias, 248-64; Sólon como é ci tado por 
Aristóteles, Constituição de Atenas 12.1; Platão, Górgias 502E-519D, respec 
tivamente. 
(3) Para os testimonia, ver S. Cagnazzi in Quaderni di Storia II (1980) 
297-314. 
(") A lista está incompleta. Para o grego, veja-se resumidamente Loenen 
(1953) 7-10; para o latim, consultar na íntegra J. Hellegouarch, Lê vocabulaire 
latin dês relations et dês partis politiques sous Ia Republique (Paris 1963) pt. IV. 
(5) Cf. Política 1281al2-19, 1289b29-32, 1290a30-b20, 1291b2-13, 
1296a22-32, 1296b24-34, 1315a31-33, 1317b2-10, 1318a31-32. 
(") Ehrenberg (1976) 154; Cf. Spahn (1977) 25-6. Ver adiante cap. 5. 
(7) Para uma análise excessivamente longa e convencional ver Ungern--
Sternberg (1970). Tanto o senatus consultum como a moderna bibliografia 
sobre o assunto foram devidamente resumidos por A. Guarino, «Senatus 
consultum ultimum», in Sein und Werden im Recht. Festgabe für Ulrich 
von Lübtow..., org. W. G. Becker e L. Schnorr von Carolsfeld (Berlim 1970), 
pp. 281-94. 
(8)E.g. Badian(1972). 
(') Note-se o esforço de Badian (1972) 722-6 para contornar esta fra-
queza do seu caso. 
(10) Badian (1972) 707, 716-20. 
(") De officiis 1.22.76; Disputas Tusculanas 4.23.51; Oração sobre a 
sua casa 34.91. 
C2) Uma notável excepção é a de A. Guarino na crítica a Ungern--
Sternberg (1970) in Labeo 18 (1972) 95-100: «II 'Notstandsrecht dês Senat' 
non è U 'Notstandsrecht' delia repubblica» (p. 96). Ver também R. E. Smjth, 
«The Anatomy of Force in Late Republican Politics» in Badian (1966) 
257-73. 
(13)Lintott(1968) 173. 
('") Ungern-Sternberg (1970) 131. A citação é de Cícero, Leis 3.3.8; 
«Que a segurança do povo seja a lei mais importante». 
32 
(l5) Eventuais privilégios não considerados nesta análise, não alteram a 
qualidade desta reflexão sobre a rejeição; e.g., Badian (1972) 716: « Era ver-
dade, naturalmente, que a assembléia das centúrias pesava a favor dos mais 
prósperos». 
('") M. W. Frederiksen, in Journal ofRoman Studies 57 (1967) 254. 
(l7) M. Kaser, in Zeitschrift dês Savigny-Stiftung für Rechtsgeschichte, 
Romanistische Abteilung 84 (1967) 521. 
C8) Na sua crítica a Kelly (1966), in Classical Review, 17 (1967) 83-6; cf. 
a crítica de G. I. Luzzatto in Studia et documenta historiae et iuris 32 
(1966) 377-84, e R. Villers, «Lê droit romain, droit d'inégalité», Revue dês 
études Mines 47 (1969) 462-81. 
(") Lübtow (1948) 475. Este extenso ensaio de um reputado romanista é 
uma reductio ad absurdum do que continua a ser um ponto de vista prevale-
cente. Assim, F. Schulz, Principies of Roman Law, (Oxford 1936), p. 24, 
escreve (citado por Lübtow): «Os escritos legais [romanos] ignoram a ligação 
genética entre a lei e os assuntos extra-lei... Nenhuma consideração de caracter 
econômico intervém na lei». É evidente o desvio ilegítimo do que os juristas 
dizem do próprio modelo da lei. 
(20) Ehrenberg (1976) 97 e 87, respectivamente. 
H Lübtow (1948) 481. 
(22) Laski (1935) 57-8. 
(") Ver, e .g. , as referências em S. Lukes, Power: A Radical View 
(Londres 1974). 
(24) W. W. Tiffany, in Political Anthropology, org. S. L. Seaton e H. J. 
M. Claessen (Haia 1975), pp. 70 e 65, e M. Gluckman, Polit ics, Law and 
Ritual in Tribal Society (Oxford 1965), p. 84, respectivamente. (Seleccionei 
deliberadamente outros exemplos diferentes dos criticados em Finley (1975) 
113-15). Para uma refutação efectiva feita por um antropologista, ver as pági 
nas de abertura de M. G. Webb, «The Flag Fol lows Trade. . .» , in Ancient 
C iv i l i zat i on and Trade , org. J . A . Sab lof f e C. C . Lamberg-Kar lovsky 
(Albuquerque 1975), pp. 155-209; cf. W. G. Runciman, «Origins of States: 
The Case of Archaic Greece», Comparative Studies in Society and History 24 
(1982)351-77. 
(25) É absurdo, mas necessár io, que o histor iador da Antigüidade não 
renegue explici tamente palavras tão úteis como «facção» e «cliente». 
Constitui pedantismo objectar só porque factio e cliens são termos técnicos 
latinos com matizes diferentes dos que têm modernamente. 
(26) Será suficiente citar a afirmação de R. Sealy de que as «considera 
ções marxistas sobre os conflitos políticos atenienses» foram «apresentados de 
forma clássica» por Beloch e de Ste Croix: «The Entry of Per ic les into 
History», Hermes 84 (1956) 234-47, na p. 242. Este últ imo transformou 
Ai islóteles em marxista: The Class Struggle in the Ancient Greek World 
(Londres 1981), pp. 69-80. 
(27) Ver Hintze (1962) 425-6, num ensaio publicado originalmente em 
1913 por um óptimo historiador político alemão, que, contra a prática do seu 
icinpo, se ocupou em profundidade do significado dos pontos de vista marxistas. 
(2") Ver Nippel (1980) 103-5. 
(N) Ver Finley (1973a) 40-2 e bibliografia. Neste livro, argumento que 
33 
POLÍTICA NO MUNDO ANTIGO ESTADO, CLASSE E PODER 
 
«estatuto» e «ordem» são prefer íveis a «classe» ao analisar a economia da 
Antigüidade. O meu regresso, no presente trabalho, a «classe» (no sentido que 
lhe é atribuído no discurso quotidiano, não num sentido técnico, marxista ou 
outro) não implica uma mudança de ponto de vista. Apenas acho a terminologia 
convencional mais adequada e inofensiva, na análise da política da Antigüidade. 
O Ver S. R. L. Clark, Arístotle 's Man (Oxford 1975), pp. 84-97. 
O Em Polít ica (1289b28-32), lê-se que existem três classes: dos ricos, 
dos pobres e a média, possuindo os ricos equipamento de hoplita e os pobres 
não. Uma tal inconsequência, sem lugar para a condição qualificante (o equi-
pamento de hoplita) da classe média, é notável em Aristóteles e ajuda a confir-
mar o meu juízo de que, ocasionalmente, terá injectadode modo mecânico a 
doutrina do meio termo neste trabalho, bem depressa pondo de lado as suas 
próprias considerações. Sublinho este ponto sobretudo porque Christian Meier 
(1980) baseou a sua análise do desenvolvimento político grego à volta de tal 
classe média, quanto a mim fictícia (ver mais à frente a nota 48 do cap. 2), 
análise essa alargada pelo seu aluno Spahn (1977). 
(32) E .g . J . Andreau , «M. I . F in ley , I a banque an t ique e t 1 'économie 
moderne», Annali.. . Pisa, terceira série, 7 (1977) 1129-52. 
(33) «Cidade-estado» não consti tui a tradução correcta do grego polis , 
mas é a convencionada, sendo também a conveniente ao permitir a inclusão de 
Roma, à qual polis não se adapta. 
(34) A razão para excluir as monarquias tornar-se-á c lara no cap. 3. Os 
tiranos são excluídos porque não fizeram qualquer esforço para institucionali 
zar a sua pos ição , pe rmanecendo «fora do ed if íc io da pol is»: D. Lanza, / / 
tiranno e il suo pubblico (Turim 1977), pp. 163-4. 
(35) Ver Finley (1975) 64-6, sobre a necessidade de sincronização entre a 
história legal de Roma e os períodos convencionais. 
(") Weber (1972) I, 797-8 sublinha o contraste, a respeito disto, com as 
comunas medievais. 
(37)Nicolet(1976). 
(38) O debate centra-se nos comitia centuriata. Para uma análise concisa 
dos comitia (convencional, excepto no que se refere a uma par te aberrante 
baseada numa suposta e mal sucedida revolução industrial em fins do séc. IV 
a.C.) ver Staveley (1972) cap. 6; mais discursivo, de alcance mais lato e tam-
bém mais céptico rela tivamente às fontes romanas tardias, é Nicolet (1976) 
cap. 7; ambos fornecem bibliografia suficiente. Ver, ainda, Nicolet, «L'idéolo-
gie du système centuriate et 1'influence de Ia philosophie politique grecque», 
Quaderno 22 da Accademia dei Lincei (1976), pp. 113-37. Segundo creio, 
mesmo Nicolet acaba por aceitar demasiado. 
(3") Ver Weber (1972) 779-81. 
(40) De qualquer maneira, nos f inais da República, as famílias patr íc ias 
foram impedidas de ocupar os cargos de tribuno da plebe; dá disso testemunho 
a carreira do patrício Júlio César. 
(41) Ver, e.g;, C. Nicolet, Uordre eqüestre à Vépoque républicaine I 
(Bibliothèque dês Écoles françaises d'Athènes e de Rome 207,1966), pp. 255-69. 
(42) Ver Weber (1972) 800-1. Apesar da etimologia óbvia, o latim tribus, 
des ti tu ído de e lemento de parentesco, nada t inha em comum com a palavra 
«tribo» no sentido antropológico do termo; ver cap. 2, notas 42 e 49. 
34 
( 4 3) As fontes são apresentadas por J . Labarbe, La lo i nava le de 
Thémistocle (Bibl. de Ia Fac. de Philos. et Lettres de 1 'Univ. de Liège 143, 
1957), pp. 10-17, e discutidas até à saciedade no cap. 1. 
(«) Harr is (1979) 9-10, 256-7; Hopkins (1978) 31-5. A análise pormeno-
; rizada de Brunt (1971£>) é fundamental para o período de 225 a.C. a 14 d.C. 
(45) Simplif ico em demasia; ver Gauthier (1974) e bibliograf ia, e a dis 
cussão sobre cidadania, no cap. 4 deste livro. 
(46) Os testemunhos acerca dos escravos públicos são esporádicos; para 
Atenas , ve r O. Jacob, Lês e sc laves publ ic s à A thènes (B ib l . de Ia Fac. de 
Philos. e t Lettres de 1 'Univ. de Liège 35, 1928; re impr., Nova Iorque 1979); 
para Roma, W. Eder , Servitus publica (Wiesbaden 1980) , Mommsen (1989) 
livro II, cap. 12. 
(47) Neste contexto é irrelevante a discussão ideológica usual dos huma 
nistas, sobretudo de Maquiavel, acerca dos méritos ou deméritos relativos dos 
mercenários e das milícias de cidadãos. Ver C. C. Bayley, War and Society in 
Renaissance Florence (Toronto, 1961) , que, nos raros momentos em que se 
lembra da ocorrência de problemas de ordem in terna, toma como ce r to que 
tanto os mercenários como as milícias estavam sempre disponíveis para supri 
m i r a a g i t a ç ã o c i v i l ; c f . W . M . B owsky , «The Med ie v a l C ommune a nd 
In terna i Vio lence : Pol ice Power and Publ ic Sa fe ty in S iena, 1287-1355», 
American Historical Review 73 (1967) 2-17. 
O Nicolet (l976) 134. 
(49) Acerca das relações entre as cidades gregas e os comandos e exérci 
tos mercenários por elas contratados, ver Pritchett (1971-9) II, cap. 2-4. 
(50) Ver Nicolet (1976) 125-6. Os capítulos 3-4 apresentam o relato mais 
e qu i l i br ado ( com b ib l i og ra f ia ) sob re o s a spe c to s da h i s tór i a do exé rc i t o 
romano relevantes para a presente análise. 
(51) A respe i to de Roma, ve r e . g . , G . R . Wat son , The Roman So ld ie r 
(Londres 1969), pp. 117-26; sobre a Grécia, Pritchett (1971-9) II, cap. 12. 
(H) Mommsen (1899) 39 (o cap. 4 do livro I é dedicado à coercitio); cf. 
Mommsen (1887-8) I 134-61. Não nos interessam os paliativos proporciona-
dos pela intervenção tribunícia ou pela insti tuição daprovocatio. 
(53)Lintott(1968)106. 
(54) Uma cont io e ra uma reunião em massa d i r ig ida por um ou mais 
magistrados ou senadores que se disso lvia sem se tomarem acções formais. 
^Relativamente à diferença fundamental entre uma contio e uma assembléia , 
Ver Taylor (1966), cap. 2. 
(55) Andócides é notoriamente pouco fiável, mas este ponto é confirmado 
ar uma frase em Tucídides (6.61.2) noticiando que cidadãos armados tinham 
jlormido no templo de Teseu, um dos locais mencionados por Andócides. 
(") Paradoxalmente, o caso ateniense está muito melhor documentado do • o 
romano e é também mais obscuro. A melhor análise continua a ser a de .í. 
Hatzfeld, Alcibiade (Paris 1951), pp. 158-205. 
(") Max Weber, analisou este aspecto de forma sucinta e lapidar: Weber 
(1972) 756-7; c f . S . Andresk i , Müi ta ry Organi za t ion and Soc i e ty ( 2 a ed . , 
l .ondres 1968), pp. 34-5, 98-9. As implicações ou, pelo menos, os cambiantes 
conseqüentes , pe recem-me te r s ido negl igenc iados no deba te in ic iado por 
A. M. Snodgrass , «The Hopl i te Reform and His tory» , Journal o f He l len ic 
35 
POLÍTICA NO MUNDO ANTIGO 
Studies 85 (1965) 110-22; ver, mais recentemente, P. Cartledge e J. Salmon, 
ibid. 97 (1977) 11-27 e 84-101; Spahn (1977) 70-83. 
( 5 8) Sérvio, Comentário à Eneida de Virgí l io 2.157; cf . Isidoro de 
Sevilha, Etym. 9.3.54. A convocação era chamada evocatio, não dilectus. 
(5q) Acerca do juramento, ver cap. 6, nota 24. Um outro tipo de medida 
de emergência era quando o Senado declarava o tumultus, exigindo a mobili-
zação imediata de um exército para combater o inimigo às portas da c idade 
cuja viz inhança não permitia o luxo do dilectus adequado. São confusas as 
respectivas provas, sobretudo porque tumultus signif icava actualmente um 
alvoroço de qualquer espécie. Quando, por exemplo, Tito Lívio uti l izou a 
palavra com referência ao caso dos Bacanais (39.16.13), creio que o fez no 
sentido geral do termo e não no seu sentido técnico particular. A razão que 
aponto é a de que os procedimentos adoptados de acordo com o seu próprio 
relato, não foram os de um tumultum «formal». Se assim for, dir-se-à que o 
prolongamento da declaração de tumultus do inimigo estrangeiro ao inimigo 
interno não ocorreu antes do séc. I a.C. 
(60) Parece haver um caso análogo no relato de Eneias Táctico (11.7-10) 
da supressão de um golpe dos aristocratas em Argos, nos inícios do séc. IV a.C. 
(61) Como corolário, todos os escritos deste período acerca do passado de 
Roma estão seriamente falseados por interesses e juízos contemporâneos, não 
constituindo material prioritário salvo havendo a certeza de realmente reflecti- 
rem escr itos anter iores. É pena, mas não desculpa para a prática comum de 
fingir-se (ou esperar) que o melhor que temos é suficientemente bom. 
Bastar-nos-à observar quanto Nicolet (1976), num livro esclarecedor, possui 
de facto sobre «lê métier ducitoyen» durante o período de guerra civil. 
36 
Capítulo dois 
AUTORIDADE E PATROCÍNIO 
Nem a acção policial contra os maus elementos, nem as 
medidas de crise contra a 'subversão' em larga escala, nos 
informam sobre a usual capacidade da cidade-estado grega ou 
ile Roma para fazer cumprir as decisões governamentais, que 
iam da política externa à aplicação de impostos e ao direito 
civil, quando é evidente que lhes faltavam os meios para, tal 
como diz Laski na sua linguagem vigorosa, 'coagir os oposito-
res do governo, dobrar-lhes as vontades, levá-los á 
siibmissão'(')- E consideramos Estados que eram politicamente 
estáveis há séculos. Nem todos o seriam, é certo, mas o facto 
essencial é que os três aos quais teremos de cingir-nos devido à 
documentação disponível - Atenas, Esparta e Roma - se carac-
terizavam pela permanente aceitação das instituições políticas e 
dos homens e classe que os dirigiam. Ocorreram muitas modifi-
cações políticas, durante o período de tempo em causa, muitos 
conflitos graves, houve muitos cidadãos insatisfeitos e descon-
tentes, mas os Estados permaneceram politicamente estáveis. 
No caso de Atenas, basta recordar o rápido restabelecimento do 
sistema depois da frustrante derrota na guerra do Peloponeso e 
após os dois breves golpes oligárquicos que a guerra engendrou; 
quanto a Roma, é prova suficiente a fornecida pela continuada 
prontidão dos seus cidadãos para se alistarem em massa durante 
séculos de guerras incessantes. 
A conclusão inevitável é a de que, pelo menos nos Estados 
estáveis, a aceitação das instituições e do sistema como um todo 
era natural: a legitimidade assentava na sua contínua e bem 
37 
POLÍTICA NO MUNDO ANTIGO A UTORIDADE E PA TROC1NIO 
 
sucedida existência^). Dificilmente nos surpreenderá tal facto, 
que constitui um lugar-comum: o mesmo poderá dizer-se de 
muitos outros Estados do passado e do presente, embora poucos 
(ou talvez nenhuns) com tão pequeno poder coercivo pronto a 
actuar. Na Política, Aristóteles definiu o homem como um zoõn 
politikon (1252b9-53a59), e o significado de tal designação só é 
compreensível à luz da sua metafísica; daqui resulta que a cor-
recta tradução exija uma incômoda paráfrase: o homem é um 
ser cuja meta mais elevada, cujo telos (fim) é, por natureza, 
viver na polis. Suponho que a maior parte dos gregos se tives-
sem ouvido falar Aristóteles e compreendido o que ele dizia, 
estaria de acordo com isto. 
A mais conhecida forma de abordar o passado, histórico ou 
fictício, é divagar sobre ele e isso, naturalmente, é outro 
lugar-comum socio-político(3). Mas interessam-nos menos os 
argumentos acerca da diversidade dos 'bons velhos tempos' do 
que a necessidade psicológica de identidade através de um sen-
timento de continuidade e do concomitante sentimento de que a 
estrutura básica da experiência social e sistema de valores her-
dado do passado são, fundamentalmente, os únicos válidos para 
tal sociedade. Utilizo a palavra 'sentimento' para assinalar o 
habitual caracter irreflectido da reacção: apelos à pátrios poli-
teia (constituição ancestral) em Atenas ou à rés publica em 
Roma despertaram um quente ardor emocional de justiça e não 
o exame analítico ou histórico do sentido exacto ou da validade 
do uso destes termos no contexto específico. Assim, no decurso 
dos conflitos da última parte do século V, em Atenas, tanto os 
oligarcas como os democratas garantiam estar a restabelecer a 
constituição ancestral; quatrocentos anos mais tarde, em 28-27 
a.C., Augusto afirmou bem claro:«Tranferi a rés publica do meu 
poder (potestas) para o domínio (arbitrium) do Senado e do 
povo de Roma» (Rés gestae 34.1). 
Que na maior parte das vezes eram falsas tais declarações é 
fácil de demonstrar, mas não constitui tarefa lá muito interes-
sante. A questão pertinente não é: Augusto alterou a rés 
publicai, mas sim: ter-se-á o número suficiente de romanos e de 
itálicos persuadido a si próprio de que ele o fez? O importante 
foi a capacidade das sociedades estáveis de manterem, sem 
petrificação, o seu forte sentido de continuidade através da 
mudança, da sua decidida aceitação daquilo a que os Gregos 
38 
chamaram nomos e os Romanos mos - a prática habitual, os 
usos, os costumes. Em 92 a.C., os censores romanos fecharam 
as escolas de «retórica latina» por serem um indesejável desvio 
do mos maiomm.«Os nossos antepassados» (citados como pro-
mulgadores de leis) «estabeleceram o que desejavam que os 
seus filhos aprendessem e as escolas que devem freqüentar. 
Estas inovações, contrárias à tradição e aos costumes dos nossos 
antepassados, não nos agradam nem nos parecem correctas»(4). 
Duas gerações mais tarde, as mesmas escolas privadas de retó-
rica floresciam em Roma, atraindo alunos entre a juventude das 
classes mais elevadas. 
Este tipo de afirmações e de atitudes contraditórias está 
presente em qualquer situação em que o passado seja árbitro: o 
passado oferece exemplos quer de ruptura quer de continuidade 
consoante o que se pretenda. Não há situação mais gritante do 
que o longo processo por meio do qual o Estado romano intro-
duziu formalmente um exército de divindades estrangeiras no 
culto oficial, embora nada se assemelhe a um afastamento tão 
notório do mos maiorum(5). Contudo, Cícero negligenciou todo 
este processo, de que possuía um conhecimento considerável, e 
atribuiu a grandeza de Roma ao favor divino em troca da rigo-
rosa observância dos ritos e dos cultos criados por Rómulo e 
pelo rei Numa (Sobre a natureza dos deuses 3.5). Sobre este 
assunto, não pretendo abarcar os seus processos mentais, nem 
os dos Gregos e Romanos em geral. No calendário, multiplica-
vam-se os dias sagrados e os festivais, todos eles com os seus 
ritos próprios meticulosamente observados, muitas vezes com o 
conseqüente atraso e até prejuízo dos serviços públicos e priva-
dos. Não se tomavam iniciativas públicas e poucas privadas 
eram empreendidas sem que, primeiro se suplicasse aos deuses 
por meio de preces e de sacrifícios e sem que depois se lhes 
agradecesse o êxito com dádivas e consagrações. Com bastante 
freqüência, e sempre entre os Romanos, eram os deuses consul-
lados previamente de acordo com ritos específicos sobre as 
perspectivas de sucesso em assuntos públicos. A religiosidade 
romana levou observadores gregos a comentá-la(6) com respeito 
e temor, sobretudo em contextos comparativos como face aos 
Cartagineses e outros povos por eles submetidos. 
A prova da justeza dos procedimentos rituais era simples e 
pragmática: o sucesso demonstrava que Zeus ou Júpiter 
39 
POLÍTICA NO MUNDO ANTIGO 
(ou quem quer que fosse) fora favorável. Em tempos mais 
remotos, antes da criação da cidade-estado centralizada, os mai-
ores beneficiários era as famílias aristocráticas que dominavam 
os centros de culto locais. Com o aparecimento do Estado e dos 
cultos estatais, a religião tornou-se um factor que garantia legiti-
midade ao sistema como um todo: o efeito psicológico de uma 
permanente, maciça e solene participação nos ritos do Estado 
passou o exame pragmático durante longos períodos. Contudo, 
não há nem provas documentais nem razão para pensar-se que o 
curso político fosse alguma vez determinado ou desviado 
devido à vontade ou a preceitos divinos. Como veremos no capí-
tulo 4, a condução de uma batalha ou de uma guerra era ocasio-
nalmente interrompida por uma festividade ou por um presságio 
desfavorável; o escol romano manipulava os ritos de consulta a 
fim de atrasar a acção; mas isso parece ter sido tudo. A religião 
não proporcionava qualquer justificativo doutrinário - ou ético, 
no sentido mais exacto - tanto à estrutura do sistema como à 
política governativa seguida ou proposta. Por conseguinte, 
embora não substime o impacto da religião, não a considero o 
factor decisivo e único do processo pelo qual o sistema adquiriu

Continue navegando