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SOBRE FICHAMENTO: dicas práticas Marcia H. T. de Figueredo Lima Professora da Universidade Federal Fluminense Departamento de Ciência da Informação Doutora em Ciência da Informação pelo convênio UFRJ/ECO - CNPq/IBICT Versão atualizada em 09 de junho de 2015. 1 Introdução Este trabalho é fruto de reflexões sobre as aulas dadas nas disciplinas Metodologia da Pesquisa Documentária I (em um currículo anterior) e depois Metodologia da Pesquisa I, ambas oferecida pelo Departamento de Documentação (depois Departamento da Ciência da Informação) a diversos cursos da Universidade Federal Fluminense1, que tem como um de seus principais objetivos instrumentalizar alunos em final de um curso de graduação a fim de que preparem seus respectivos Trabalhos de Conclusão de Curso, um dos requisitos para colação de grau em diversas áreas. Embora a literatura publicada no Brasil (e incluímos aí as traduções) na área de Metodologia seja bastante rica em enfoques, formas de tratamento do assunto, inclinações diversas, ora pendendo à formulação mais teórica do problema da pesquisa, ora pendendo para apontamentos práticos do mesmo processo, a maior parte dos itens de um programa de ensino acaba sempre resultando em exposições que são verdadeiras montagens pessoais de vários pontos de vista pinçados aqui e ali. Uma referência, sobretudo tem sido Umberto Eco, que parece ter encontrado uma “receita” de aliar informalidade e seriedade no trato da questão metodológica. O grupo ligado à Maria Cecília Minayo, junto à Fundação Oswaldo Cruz vem desenvolvendo um sério trabalho no sentido de divulgar as normas práticas do trabalho científico e também tem sido inspirador. Mais recentemente, Miriam Goldemberg trouxe ilustrações prazerosas sobre a construção do olhar nas ciências sociais (sobretudo Antropologia). Nestas leituras, há alguns modelos de ferramentas de pesquisa bastante úteis. Um exemplo deles é o “fichamento” de Leda Hühne e equipe. No entanto, sentimos necessidade de acrescentar algumas sugestões visando dar maior completeza ao trabalho de orientação para os alunos da disciplina. Inicialmente pensado para tais alunos, acreditamos que, talvez, estes apontamentos possam ser úteis também a alunos de outros níveis e a professores de disciplinas similares de cursos de graduação. 2 O QUE É E PARA QUE SERVE UM FICHAMENTO 1 Trabalhei 20 anos com os cursos de Arquivologia e Biblioteconomia da UFF, atendendo também ao Curso de Farmácia da mesma universidade, especialização em Engenharia da Produção, especialização em Direito Público e o mestrado e doutorado em Ciência da Informação. O fichamento consiste, basicamente, no registro escrito e organizado de tópicos informativos importantes "pinçados" de uma leitura sistemática de fontes de informação escolhidas para auxiliar os estudantes, principalmente aqueles que se encontram em fase de realização de um trabalho de certo fôlego, como uma monografia, um trabalho para um congresso, uma dissertação ou uma tese. O fichamento tem um caráter de síntese, de redução do volume de informações da fonte original. A palavra fichamento designa uma modalidade de registro e organização de materiais lidos que visa: a) permitir um aprofundamento da análise e entendimento de textos lidos que se considerem importantes; b) economizar releituras aos documentos já lidos uma vez e, sobretudo, c) proporcionar uma subseqüente utilização segura das informações contidas em documentos maiores - livros, textos artigos - em um trabalho escrito. Nesta última função o fichamento assume o caráter de uma fonte auxiliar de memória para o autor do TCC, da dissertação, do artigo, da tese. Esta modalidade de registro é oriunda dos cursos superiores das áreas de ciências sociais e humanidades e é uma poderosa ferramenta de estudo de algumas disciplinas mesmo em nível de Ensino Médio. Eu considero que pais devam encorajar seus filhos a ficharem os materiais de História, Geografia, Biologia. Você pode considerar que um fichamento gera "fichas de leitura". Há autores que separam os vários tipos de "fichas de leitura” que se podem fazer no ato da pesquisa. Há fichas bibliográficas, fichas de idéias, fichas de comentários, ... Aqui, entretanto, optamos por um modelo, digamos “compacto”. Este é o ponto do próximo item. 3 PARTES DE UM FICHAMENTO HÜHNE (1995) recomenda um modelo de ficha que sintetiza estes vários outros existentes do qual constam cinco itens básicos: a) a referência bibliográfica (NBR 6023) b) um resumo indicativo (NBR 6028) c) as citações (NBR 10520) d) os comentários ou críticas e e) as idéias e/ou questões que o texto tenha deixado em aberto. Considero que, ao eleger um texto para fichar, os três primeiros itens são indispensáveis. Isto porque, se você não deseja retirar citações de um documento, não há porque fichá-lo: bastaria (quando muito) o resumo e, aí, já não seria mais um fichamento. Todavia, na suposição de voltar a utilizar este documento, o fichamento já estaria ali pronto com as citações mais importantes. A referência “encabeça” o fichamento, como aliás prevê a norma NBR 6023. Um dos locais em que se usa a referência é, justamente, iniciando uma resenha crítica ou um resumo. O resumo. Para que servirá este resumo? Dizem, ou melhor, escrevem os especialistas, que o resumo é o primeiro grande esforço no sentido de registrar a informação de uma maneira analítica e, ao mesmo tempo, sintética. Assim, o resumo poderá, se bem elaborado, em uma futura leitura, “rememorar” o conteúdo mais importante do texto fichado. Se, posteriormente, você for utilizar aquele texto fichado em um trabalho, poderá acrescentar uma parte daquele resumo para, por exemplo, contextualizar melhor as idéias de um autor. Vale uma nota sobre o tipo de resumo. Alguns professores da disciplina defendem a idéia de um resumo informativo (mais longo, em torno de 250 palavras). Outros acham que um indicativo já é o suficiente (em torno de 100 palavras). Aqui vale uma dica: escolha sua forma de fichar e adote um estilo. O resumo deve ser adequado à importância do trabalho que estiver fazendo: trabalho muito importante: resumo maior. Trabalho menos importante: resumo menor. Ainda quanto ao tamanho: se o resumo for servir como "prova de leitura", poderá exceder o limite de 500 palavras. Se o resumo for par um concurso poderá varia de palavras chaves mnemônicas que iluminem a lembrança do candidato até resumos mais detalhados. Então, tudo depende do porquê aquele resumo vai ser feito. Se o resumo for para seu arquivo pessoal, pare de contar as palavras e anote aquilo que considerar necessário. Em tempo - cópia não é resumo, fotocópia muito menos. Mas as canetinhas iluminadoras são fantásticas e um segredo - com o tempo, elas desaparecem dos textos. As canetinhas high light ajudam a começar procurando as idéias chaves do autor. Há situações em que o resumo é solicitado como uma "prova de leitura". Isto é muito comum durante a graduação, mas eu o utilizo nos cursos de mestrado. Lembrando sempre que cada professor é um professor diferente, imagino, que no geral um professor ao pedir um resumo de um texto não espera que você transcreva o resumo do autor ou o resumo profissional de uma base de dados. Não sei como explicar - mas há resumos em que fica claro que o aluno não leu o original. Mas não estamos preocupados com este tipo de "enrolation", certo? Estamos falando de resumos para você estudar para um concurso ou uma tese - em que a originalidade é fundamental - e aí, amigo, é você com (ou contra) você mesmo! Quanto aos comentários e à ideação (letras “d” e “e” do esquema), principalmente para aqueles iniciantes, não há como esperar que sejam capazes de elaborar as idéias mais originais a respeito do texto, mas como todo ato de estudar deve ser, em principio, voluntário, espera-se disposição e seriedade. Com o tempo e certa disciplina, ao olhar textos criticamente, as idéias e questões acabarão, digamos, “nascendo”. Evidentemente, o fichamento pode guardar características de uma certa “personalidade”,já que se trata de um material bastante individual que, em princípio, visa servir exclusivamente ao seu elaborador. Nada impede, contudo que um fichamento bem feito possa circular entre grupos de colegas que tenham os mesmos interesses de pesquisa, coisa, aliás, muito comum na Universidade. Minha experiência com fichamentos compartilhados é muito boa. Já dividimos um fichamento de um único texto circulando em um grupo em um curso de especialização para juízes. Já compartilhei fichamentos com alunos de mestrado e de TCC e aprendi que uma nova leitura pode enriquecer o meu fichamento inicial. As características gerais de um fichamento são as mesmas de um bom resumo: clareza, correção e ... concisão. Existem pessoas que, de forma alguma, elaboram fichamentos exatamente concisos, mas, como afirmado acima, o material resultante de um bom fichamento é de uso, em princípio (e com as devidas ressalvas) de uma única pessoa. Logicamente, também, um material muito importante para seu trabalho merece um fichamento mais profundo e, talvez, não tão conciso. No início dos anos 90 eu ainda usava fichas ou folhas de ofício pautadas com arquivo próprio e para estudar para concursos, eu destinava um caderno - grosso - exclusivamente para “fichar” os textos da bibliografia recomendada. Hoje me rendi ao computador e faço nossos fichamentos diretamente em editores de texto. Eu adorava os fichamentos manuscritos porque acionava os três tipos de memória - a visual, a cinestética (o movimento da mão) e a auditiva - sim, em níveis mais elementares de estudo eu gravava meus resumos. O modelo apresentado por HÜHNE é o seguinte: Referência bibliográfica Resumo Citações Comentários Idéias/questões Já que o fichamento é feito visando, de alguma forma, um estudo de médio ou longo prazo, espera-se que com o tempo uma pessoa possa “amadurecer” sua própria forma de fichar. Isto, porque há pesquisadores com bastante capacidade que simplesmente, não conseguem evitar de colocar comentários junto às citações, esquecem de fazer o resumo ... Aliás, Umberto ECO, sugere um modelo que intercala cada citação com o seu respectivo comentário. Vale algumas dicas: a) Organize-se: escolha um método de fichamento e padronize uma forma de trabalhar. Isto equivale a dizer: mantenha seus fichamentos reunidos em uma pasta ou arquivo (material ou virtual - na sua máquina ou na "nuvem"). Se você não gostar dessa idéia, separe uma pasta para cada trabalho ou artigo que estiver escrevendo e mantenha (novamente) juntos, pelo menos os fichamentos relativos àquele trabalho, ou àquele concurso em questão. b) Agilize-se: após o levantamento bibliográfico OBTENHA logo os documentos. Isto vale dizer: faça cópias dos artigos, baixe os downloads, compre os livros fundamentais, faça cópias dos livros esgotados. Se a grana for curta, tome emprestado da biblioteca, dos amigos, dos orientadores UM livro por vez, pelo prazo mínimo possível e FICHE UM ITEM DE CADA VEZ. c) Discipline sua leitura. Há pessoas que já lêem a primeira vez, fichando. Creio que a maioria, no entanto, passa os olhos pelo documento e depois ficha. Isto, porque, muitas vezes, as principais idéias de um autor podem estar no final do texto. Não vale a pena ir fichando desde o início. d) Ganhe tempo: marque o texto com caneta sinalizadora ou lápis. Este procedimento ajuda a economizar o seu escasso tempo. Atenção: isso só vale se for a SUA cópia ou o SEU livro... (não conte aos bibliotecários que você risca seus livros - isto não pega bem...) e) SENTAR-SE em um lugar APROPRIADO para ESCREVER. Se o ônibus ou o metrô podem ser usados para ler, escrever sacolejando é, no mínimo, desconfortável. E depois, a letra, só Deus entende. Sei do que estou falando. f) Vale anotar as frases bonitas e de efeito: elas podem ser usadas em epígrafes (aquelas coisas bonitas que se escreve no início dos trabalhos ou dos capítulos). Mas, importante: saiba bem quem é o autor. Já pensou citar, por pura ignorância, mas com pompa, uma bela frase de efeito de um capitalista selvagem em um congresso marxista?...Não, não com certeza isto não aconteceria. g) Vale, também, dar uma olhada na introdução, na orelha e na 4ª capa (a última, de fora) onde, às vezes, tem a biografia do autor ou a história do livro (quando foi publicado pela primeira vez, o contexto no qual surgiu). h) As citações diretas devem ser bem certinhas, entre aspas, com a página ao lado, justamente para evitar toda hora voltar ao texto. As indiretas podem já ter um esboço de sua formulação pessoal, mas com a página também. Lembre-se: você pode citar a idéia de um autor com as suas próprias palavras, mas, convenhamos, a idéia ainda continuará sendo dele i) Mais um detalhe sobre as citações. Ao longo do temo, você irá perceber que muitos autores repetem o que outros já disseram (tanto em termos de idéias, quanto de palavras propriamente ditas). Isso é uma característica dos discursos científicos. Portanto, suponho que, com o passar do tempo, em seus fichamentos você selecione cada vez mais idéias diferentes ou maneiras realmente inovadoras de expressar idéias. j) Uma coisa que pode funcionar: nos seus próprios livros (e, mais uma vez, só neles), experimente colar papeizinhos de recado como se fossem aquelas marcas de dicionário com os grandes cabeçalhos/descritores/temas de partes importantes. Por exemplo: no livro do Paulo Freire “O Ato de Ler”, escreva: LEITURA, BIBLIOTECA POPULAR e ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS. Isto pode ajudar se você for meio “descuidado” ao anotar as páginas de certas citações. Também acontece que, no amadurecimento de suas reflexões, coisas que não lhe ocorreram anotar em uma época, possam “gritar” na memória que estão lá prontinhas para serem usadas. k) Ainda está lendo isto aqui? Corra! Vá trabalhar: seu prazo já está se esgotando!!! REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEAUD, Michel. A arte da tese. São Paulo : Bertrand Brasil, 1996. 180 p. ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo : Perspectiva, 1991. 170 p. (Coleção Estudos, 85) HÜHNE, Leda HÜHNE, Led Miranda (org.) Metodologia científica caderno de textos e técnicas. 6. Ed. Rio de Janeiro : Agir, 1995. Dicas sobre a técnica de fichmento, p. 64-69.