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LP35 COLÉGIO ESTADUAL 12 DE MAIO DISCIPLINA: Língua Portuguesa PROFESSOR(A): Julice Ticiana Gonçalves TURMAS: 201, 202, 203, 204 Nome:_________________________________turma:______data:____.____.________ Leia: Amai o próximo, etc... Atendo o telefone na minha casa. “Victor está?” diz a voz do outro lado sem sequer um alô, um por favor, nada. Eu, amável, informo que Victor não está nem pode estar porque não mora aqui. O outro bate o telefone na minha cara. Dois minutos, e o telefone toca novamente. “Quero falar com Victor” vem a mesma voz. “O senhor é muito mal-educado”, ataco logo para não lhe dar tempo de desligar. “Acabou de ligar, nem me agradeceu, nem me pediu desculpas, e bateu com o telefone. Como já lhe disse, Victor não mora aqui.” A voz se faz mais mansa, “A senhora, desculpe. Muito obrigado.” E desliga. Exulto. Ponto a favor da educação. Pois, se com medo de infrigir-lhe as regras, sempre me abstenho de reprimendas desse tipo, é justamente para mantê-las vivas – as regras, não as reprimendas – que convém fazê-las. Digo obrigada à caixa do supermercado, que não me responde. Peço por favor ao funcionário do guichê que nem levanta os olhos para a minha pessoa. Dou bom-dia ao sujeito do açougue que parece não entender de que dia ou de que qualidade estou falando. Sou uma otária? Não, sou uma resistente. Minha amiga Claudine de Castro, socialite das mais elegantes, publicou um livro de etiqueta. Uma graça o livro, bem-humorado, prático. Fui ao lançamento. Todos ali éramos veteranos praticantes daquilo que se chamava “boas maneiras”. Um bando de micos-leões-dourados, pensei. Ameaçados de extinção. Uma amiga comum comentou que daria o livro ao sobrinho, ela não precisava. “Os jovens”, acrescentou, “andam muito mal-educados”. Os jovens? Não era jovem o senhor bem vestidérrimo que quase me segurou no meio da rua, interrompendo minha marcha célere, para pedir orientação a respeito de um endereço. Orientação fornecida, o cavalheiro, que certamente não fazia jus à definição, partiu sem dizer água vai. E fiquei eu, no resto da manhã, irritada pela brutalidade. No Japão, a primeira expressão que me ensinaram quando cheguei foi sumi-masen. Equivale ao nosso por favor. Para ajudar-me a gravar essa chave fundamental em qualquer situação, sugeriram que lembrasse da nossa tão frequente corrupção e dissesse em português: sumiu mais cem. Cravou-se, indelével, na minha memória. E dela lancei mão infinitas vezes, com aquela segurança com que se saca um ás da manga. Nunca conheci povo tão bem-educado. Todos te atendem sorridentes. Todos te ajudam. Ninguém te esbarra. Ninguém te esbarra mesmo em meio à multidão. E multidão é coisa frequente no Japão. Sem grandes antropologismos, podemos deduzir que a viver em tantos em país tão pequeno ou se entredevoravam ou se educavam. Preferiram educar-se. Entre nós, os livros de etiqueta como o de Claudine vendem feito pão. Ânsia de educar-se para sobreviver? Não, necessidade de aprender as regras para ascender. Os recém-chegados às mesas de muitos talheres – e há sempre levas novas que chegam e mesas novas são postas – querem saber que garfo pegar. Pena que o garfo certo não seja fundamental, ou sequer importante, para a boa educação. Boa educação sendo, por exemplo, aquela que as pessoas da roça, de tão poucos talheres e tão pouca comida no prato, praticam com doçura e naturalidade. Cumprimentar o desconhecido com quem se cruza na trilha, coar café ou oferecer água ao visitante que chega. Dar atenção. Dar atenção é a essência da boa educação. Só isso. Em vez do humilde “por favor”, deveríamos dizer: peço a sua atenção. Pois não é favor algum atender o semelhante que precisa de nós. E nenhum contato pode ser gentil sem atenção. No entanto, em todas as línguas, quando se quer ser educado é por favor que se pede, ou desculpas, pois está estabelecido que necessitar do outro, tirar o outro do seu rumo por instantes é algo quase inconveniente, pelo qual devemos nos penitenciar. Convenhamos, há um erro de base. Ou, se quisermos ir um pouco mais além no sentido desses mínimos encontros, há uma lamentável regra de desamor. (In: Manuel da Costa Pinto, org. Crônica brasileira contemporânea. São Paulo: Moderna, 2005. p. 176-9.) Abordagem do texto 1. A crônica é um gênero que, como afirma o crítico Manuel da Costa Pinto, explora “fatos do dia a dia [...], acontecimentos que propiciam momentos de nostalgia, enternecimento ou indignação”. a. Qual é o fato do dia a dia que serve de tema para a crônica lida? b. Como a narradora se sente diante do comportamento das pessoas? 2. As reflexões da narradora sobre a atitude das pessoas no dia a dia permitem fazer inferências sobre o que ela considera ideal, em termos de relacionamento social. a. Como deveria ter agido a pessoa que ligou para a casa da narradora? b. Como a narradora esperava que os interlocutores reagissem diante das palavras gentis proferidas por ela no supermercado, no guichê e no açougue? 3. Releia o 2º parágrafo do texto: Exulto. Ponto a favor da educação. Pois, se com medo de infringir-lhe as regras, sempre me abstenho de reprimendas desse tipo, é justamente para mantê-las vivas – as regras, não as reprimendas – que convém fazê-las. a. Em “infringir-lhe as regras”, o pronome lhe foi empregado com um sentido especial. Das seguintes expressões, qual traduz o sentido do pronome, no contexto? • infringir as regras dela (da educação) • infringir as regras da pessoa que ligou • infringir as reprimendas b. Em relação à expressão “mantê-las vivas”, a própria narradora esclarece que o pronome las refere-se a regras, e não a reprimendas. A que se refere o pronome las em “fazê-las”? 4. Uma amiga da narradora afirma: “Os jovens andam muito mal-educados”. a. Que exemplo a narradora usa para refutar a opinião da amiga? b. Releia este trecho: “Orientação fornecida, o cavalheiro, que certamente não fazia jus à definição, partiu sem dizer água vai.” Leia o boxe “A origem da expressão água vai” e explique o sentido, no contexto, das expressões destacadas no trecho. A origem da expressão água vai No passado, antes de haver rede de esgotos, era comum as pessoas lançarem pela janela água e dejetos. Antes disso, porém, costumavam gritar “Água vai!”, para evitar que algum transeunte recebesse aquela “surpresa” na cabeça. Os tempos mudaram, mas a expressão ainda pode ser encontrada nos dias de hoje, com o sentido aproximado de “sem avisar”. 5. Segundo a narradora, livros de etiqueta como o da amiga “vendem feito pão”. a. De acordo com o texto, o que os leitores mais procuram nesse tipo de livro? O que justifica esse tipo de procura? b. De acordo com a narradora, entretanto, o que é uma demonstração de boa educação, à mesa ou em qualquer lugar? 6. No último parágrafo, a narradora faz uma reflexão final sobre duas expressões de boa educação usadas em todas as línguas: por favor e desculpe. a. De acordo com o ponto de vista da narradora, por que as expressões por favor e desculpe são inadequadas quando queremos fazer uma solicitação a alguém? b. Explique a afirmação: “há uma lamentável regra de desamor”. c. Como você entende o título da crônica? 7. Não há um único tipo de crônica. Há crônicas, por exemplo, que comentam uma notícia recente, expondo o ponto de vista do autor sobre o assunto; há outras que relatam experiências vividas pelo cronista, acrescidas de reflexão crítica; há outras que são ficcionais, ou seja, contam uma história inventada para, a partir dela, fazer uma reflexão sobre a vida ou sobre os comportamentos sociais; e assim por diante. a. Com qual desses tipos de crônica o texto “Amai o próximo, etc...” tem mais proximidade? b. Dependendo do cronista e do tema, as crônicas podem divertir, denunciar, alertar, sensibilizar, humanizar,promover reflexões críticas acerca do mundo, etc. Que efeito a crônica lida produz nos leitores? 8. Como expressão do ponto de vista do cronista sobre temas da realidade, as crônicas são, em grande parte, escritas em 1ª pessoa, mas há exceções. a. Qual é o foco narrativo, ou seja, o ponto de vista adotado pela autora na crônica “Amai o próximo, etc...”? Justifique sua resposta com elementos do texto. b. E no seguinte trecho de uma crônica de Rubem Braga? Justifique sua resposta com elementos do texto. O mato Veio o vento frio, e depois o temporal noturno, e depois da lenta chuva que passou toda a manhã caindo e ainda voltou algumas vezes durante o dia, a cidade entardeceu em brumas. Então o homem esqueceu o trabalho e as promissórias, esqueceu a condução e o telefone e o asfalto, e saiu andando lentamente por aquele morro coberto de um mato viçoso, perto de sua casa. O capim cheio de água molhava seu sapato e as pernas da calça; o mato escurecia sem vaga-lumes nem grilos. 9. A crônica normalmente é um texto curto. Quando conta uma história, apresenta um número reduzido de personagens e, além disso, tempo e espaço das ações limitados. O tempo costuma ser de alguns minutos ou algumas horas, e o espaço se reduz, por exemplo, ao de uma casa, de um ônibus, de uma loja, etc. Na crônica “Amai o próximo, etc...”: a. É contada uma história ou são narrados alguns episódios da vida cotidiana? b. O tempo e espaço relativos aos episódios narrados são reduzidos ou amplos? 10. Observe os tempos verbais empregados na crônica lida. Note que, com base neles, é possível dividir a crônica em três partes: a primeira, do 1o. ao 3o. parágrafo; a segunda, do 4o. ao 6o. parágrafo; a terceira, do 7o. ao 8o. parágrafo. a. O que justifica o emprego no presente nos verbos da primeira e da terceira partes do texto? b. O que justifica o emprego do pretérito perfeito e do pretérito imperfeito na segunda parte? c. Conclua: Existe uma regra para o emprego de tempos verbais nas crônicas? 11. A crônica geralmente apresenta uma linguagem de acordo com a norma-padrão, mas com variações e graus de formalidade que dependem do perfil do cronista ou do jornal ou revista em que é publicada. a. Como se caracteriza a linguagem da crônica lida? b. Leia os parágrafos iniciais de uma crônica de Fabricio Corsaletti e identifique o tipo de linguagem empregada pelo cronista. Justifique sua resposta com palavras ou trechos do texto. Vexame Essa vai ser difícil de contar, mas coragem: Era segunda-feira, quatro da tarde, eu estava desde cedo escrevendo e lendo e cozinhando e não aguentava mais ficar em casa. Tirei uma nota de 50 reais da carteira, peguei os originais de um romance russo que eu tinha que revisar pra semana seguinte e fui pro Charm, um boteco inteiramente desprovido de charme na esquina da Augusta com a Antônio Carlos. O plano era voltar em duas horas no máximo. Pedi uma cerveja, a cerveja me animou, parei de trabalhar e mandei mensagens pra alguns amigos que moram na região. Um deles, também escritor, estava à toa e chegou rápido. [...] (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/fabriciocorsaletti/2015/11/1711933-vexame.s html) c. Conclua: A linguagem utilizada em crônicas segue um padrão?