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TÍTULO I – DOS CRIMES CONTRA A PESSOA Capítulo VI: Dos Crimes contra a Liberdade Individual Seção I: Dos Crimes Contra a Liberdade Pessoal Tutela-se a liberdade pessoal, a faculdade de autodeterminação da pessoa. Decorre do mandamento do constitucional do art. 5º, II, que permite a qualquer pessoa fazer ou deixar de fazer o que quiser, desde que permito ou não proibido por lei. Protege-se tanto a liberdade física quanto a liberdade psíquica. Os artigos 146-A, 147, 147 A e 147 B protegem a liberdade pessoal, a faculdade de autodeterminação da pessoa, com ênfase particular à liberdade psíquica. Protege-se a tranquilidade, a paz interior da vítima., também com reflexos na liberdade de agir. Por fim, o art. 148 busca tutelar a liberdade de locomoção do indivíduo. Art. 146 – Constrangimento ilegal 1.1. Sujeitos · É crime comum quanto ao sujeito ativo e passivo. Pode ser praticado por qualquer pessoa, e qualquer pessoa pode ser vítima. · Quando sujeito ativo é funcionário público[footnoteRef:2], no exercício de suas funções, tem-se o crime de abuso de autoridade (L. 13.689/19)[footnoteRef:3] [2: Art. 2º É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, compreendendo, mas não se limitando a: I - servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas; II - membros do Poder Legislativo; III - membros do Poder Executivo; IV - membros do Poder Judiciário; V - membros do Ministério Público; VI - membros dos tribunais ou conselhos de contas. Parágrafo único. Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos pelo caput deste artigo. ] [3: Art. 33. Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a condição de agente público para se eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido.] · O autor mediato (caso de coação moral irresistível) responde por dois crimes: art. 146 e o crime que obrigou a vítima a praticar. · Se a vítima é o idoso, configura-se o crime do art. 197 do Estatuto do Idoso (L. 10.741/03). 1.3. Adequação Típica a) Tipo objetivo: Constranger (obrigar, forçar, compelir, coagir) alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa a que não está obrigado legalmente. O objeto material é a própria pessoa. O que o agente busca é uma pretensão ilegítima: aquela que o agente não pode exigir da vítima e, se pode exigir, não o pode fazer por violência ou ameaça. Se a pretensão é legítima, dá-se o crime do art. 345. Obrigar alguém a não cometer crime não constitui o delito em estudo. É necessário o uso de violência (incide sobre o corpo da vítima, podendo ser mediata ou imediata), grave ameaça (violência moral. O mal prometido deve ser determinado, verossímil, iminente, inevitável, e dependente da vontade do agente) ou qualquer outra forma que reduza a capacidade de resistência da vítima. (hipnose, embriaguez forçada, agentes químicos, anestésicos, etc.). b) Tipo Subjetivo: vontade livre e consciente de constranger a vítima. O dolo pode ser direto ou eventual. Necessária a consciência da ilegitimidade da pretensão. Existe especial fim de agir, pois se constrange a vítima a fazer o que a lei proíbe ou a não fazer o que ela permite. Se o fim é diverso, não se configura o crime (se o objetivo é satisfazer pretensão legítima, o crime é o do art. 345; se é obter vantagem econômica, art.158; se é para praticar conjunção carnal outro ato libidinoso, art. 213, se for a prática de uma infração penal, crime de tortura – lei 9.455/97; etc.) Inexiste previsão para a modalidade culposa. 1.5. Consumação e Tentativa Consuma-se o delito quando a vítima faz ou abstém de fazer aquilo a que foi constrangido, pois é crime material. Admite a tentativa, a desistência voluntária e o arrependimento eficaz. 1.6. Causas de aumento de pena DIREITO PENAL III 4º Período Assunto: Crimes contra a pessoa 1) O parágrafo primeiro determina a aplicação cumulativa da pena (detenção e multa, e não mais detenção ou multa), além do aumento do dobro, nos seguintes casos: i. Reunião de mais de três pessoas para o cometimento do crime. ii. Utilização (efetiva) de arma (própria ou imprópria). OBS: simulacro de arma. Sum. 174 STJ 1.7. Concurso de crimes e Conflito aparente de normas DIREITO PENAL III 5º Período Assunto: Crimes contra a pessoa 2) O parágrafo segundo determina a aplicação das penas correspondentes à violência, além das penas já cominadas ao crime. A maioria da doutrina diz que é caso de concurso material. Greco defende que é caso de concurso formal. Bittencourt explica melhor a situação, informando que o dispositivo não traz regra sobre concurso, mas de sim de sistema de aplicação de pena (lembrando que a soma das penas também pode ser aplicada no concurso formal impróprio). O tipo de concurso pode variar no caso concreto. Quanto a outros crimes, o constrangimento ilegal funciona como crime subsidiário em relação a delitos como estupro (art. 213), extorsão (art. 158), sequestro (art. 148), redução à condição análoga a de escravo (art. 149). Por outro lado, pode absorver crimes como ameaça (art. 147) e violação de domicílio (art. 150). 1.8. Exclusão do Crime DIREITO PENAL III 5º Período Assunto: Crimes contra a pessoa 3) As causas abaixo excluem o crime. Porém, diverge a doutrina quanto à sua natureza jurídica (excludentes de tipicidade ou ilicitude). Para Bittencourt, “o fundamento da previsão é o estado de necessidade (de terceiro) mas a existência da previsão em si constitui causa de exclusão da adequação típica”: I. A intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de representante legal, se justificada por iminente perigo de vida. II. A coação exercida para impedir suicídio. 1.9. Crime de tortura (Lei 9.455/97) DIREITO PENAL III 5º Período Assunto: Crimes contra a pessoa 4) Segundo Greco e Capez, o crime de tortura se configurará no caso em que o constrangimento ilegal consista em sofrimento físico ou mental intenso (embora a lei não diga a palavra “intenso”). Sem isso, a violência ou ameaça exercida sobre alguém para obrigar este a cometer crime constitui o delito do art. 146, respondendo o autor da coação pelo crime cometido em concurso material com o 146 (art. 22). 1.10. Pena, ação penal e competência DIREITO PENAL III 5º Período Assunto: Crimes contra a pessoa 5) A pena é de detenção de 3 meses a 1 ano ou multa, devendo ser aplicada cumulativamente e em dobro nos casos do parágrafo primeiro. Há também a aplicação cumulativa das penas correspondentes à violência. A ação penal é pública incondicionada. A competência é dos Juizados Especiais. Art. 146 A – Intimidação sistemática (bullying) 1.1. Sujeitos · É crime comum quanto ao sujeito ativo e passivo. Pode ser praticado por qualquer pessoa, e qualquer pessoa pode ser vítima. · A pluralidade de sujeitos ativos gerará concurso de pessoas (coautoria ou participação). A pluralidade de sujeitos passivos gera concurso de crimes. 1.3. Adequação Típica c) Tipo objetivo: a conduta é intimidar (causar temor) sistematicamente (de forma frequente e coordenada), demonstrando ser crime habitual, o que também se nota pela exigência de repetição da conduta. Deve ser praticada mediante violência física ou psicológica, consistente em atos de humilhação, intimidação ou discriminação, por ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais. No caso de a conduta ser cometida em ambiente virtual, configura-se a forma qualificada do crime, tendo em vistao potencial lesivo ser exponencialmente maior. Tanto na modalidade presencial quanto na virtual, trata-se de crime subsidiário (só se configura se não for o caso de crime mais grave). d) Tipo Subjetivo: o crime é doloso, exigindo apenas a vontade livre e consciente de intimidar a vítima. A motivação é irrelevante, podendo, conforme o caso, configurar crime mais grave. 1.5. Consumação e Tentativa Por tratar-se de delito habitual, consuma-se após certa quantidade de ocorrências, embora a lei não fixe um número. O importante é ficar demonstrado que as condutas são sistemáticas e repetitivas. Não se admite a tentativa, também por tratar-se de crime habitual. 1.6. Qualificadora DIREITO PENAL III 4º Período Assunto: Crimes contra a pessoa 6) Como já mencionado, a ocorrência das condutas em âmbito virtual (redes sociais, aplicativos, ambientes de jogos online, transmissões em tempo real). DIREITO PENAL III 5º Período Assunto: Crimes contra a pessoa 7) 1.7. Pena, ação penal e competência DIREITO PENAL III 5º Período Assunto: Crimes contra a pessoa 8) A pena é de multa na modalidade do caput, desviando-se da regra prevista no art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal. Na forma qualificada, a pena é de 2 a 4 anos e multa. Nos dois casos, as penas se aplicam somente se não se configurar crime mais grave. A ação penal é pública incondicionada. A competência é dos Juizados Especiais na forma do caput e da Justiça Comum na forma qualificada. Art. 147 – Ameaça 1.1. Sujeitos · É crime comum quanto aos sujeitos ativo e passivo. Pode ser praticado por qualquer pessoa, e qualquer pessoa pode ser vítima. · A vítima precisa ser capaz de entender o conteúdo da ameaça[footnoteRef:4], e assim, exista a possibilidade de intimidação. [4: Luís Régis Prado explica que, se a incapacidade para entender a ameaça for momentânea, pode o crime se configurar se, após cessada a incapacidade, um terceiro leva ao conhecimento da vítima o conteúdo da ameaça.] · A pluralidade de sujeitos ativos gerará concurso de pessoas (coautoria ou participação). A pluralidade de sujeitos passivos gera concurso de crimes. 1.2. Adequação Típica e) Tipo objetivo: Ameaçar [footnoteRef:5] (violência moral, promessa de mal futuro, que perturba o psiquismo da vítima) alguém (pessoa ou pessoas determinadas), por palavras (diretamente, por telefone, rádio, gravada, etc.) escritos (pode ser assinado pelo agente, mas também anônima, ou usando apelido ou pseudônimo), gestos ou qualquer outro meio simbólico (crime de forma livre) de causar-lhe mal injusto (contrário ao direito) e grave (o mal deve ser considerável, causar grande prejuízo, tendo-se em vista as características particulares da vítima). Entende-se que a ameaça deve ser promessa de mal futuro (iminente ou futuro próximo), pois, dessa forma, a paz interior da vítima é abalada. [5: A ameaça pode ser direta ou indireta, explícita ou implícita, ou mesmo condicional. ] f) Tipo Subjetivo: vontade livre e consciente de ameaçar. O dolo pode ser direto ou eventual. A maioria da doutrina entende pela existência de especial fim de agir (elemento subjetivo específico), consistente na finalidade de causar no psiquismo da vítima o medo, a perturbação. Não há previsão de modalidade culposa. OBS ameaça feita por agente em estado de intensa ira ou embriagado. (mesma discussão levantada nos crimes contra a honra) 1.3. Consumação e Tentativa Consuma-se o delito quando a vítima toma conhecimento da ameaça proferida. Basta que a ameaça seja capaz de causar intimidação, independentemente da concreta intimidação da vítima, pois se trata de crime formal. A tentativa é admissível, embora de difícil configuração. O raciocínio quanto a desistência voluntária é o mesmo da tentativa; já para o arrependimento eficaz não parece ser possível a configuração, pela natureza do delito. Crime impossível pode perfeitamente ocorrer. 1.4. Concurso de crimes DIREITO PENAL III 4º Período Assunto: Crimes contra a pessoa 9) A doutrina admite a configuração do concurso formal de crimes quando a ameaça é dirigida a várias pessoas. Dependendo do caso, a ameaça pode configurar o crime do art. 146 e não o do art. 147. Na grande maioria das vezes, quando o agente realmente realiza o mal prometido, o crime de ameaça será considerado antefato impunível, somente punindo-se o agente pelo segundo crime. 1.5. Pena, ação penal e competência DIREITO PENAL III 5º Período Assunto: Crimes contra a pessoa 10) A pena cominada é de detenção de 1 a 6 meses ou multa. A pena será aumentada, aplicando-se em dobro se o crime for cometido contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A. A ação penal é pública, condicionada à representação do ofendido, exceto no caso do parágrafo primeiro (crime cometido contra mulher). A competência, em razão da pena cominada, será dos Juizados Especiais, exceto no caso do parágrafo primeiro (crime cometido contra mulher). Art. 147 A – Perseguição 1.1. Sujeitos · É crime comum quanto aos sujeitos ativo e passivo. Pode ser praticado por qualquer pessoa, e qualquer pessoa pode ser vítima. Se a vítima é mulher, idoso, criança ou adolescente, a pena é maior. · A pluralidade de sujeitos ativos gerará concurso de pessoas (coautoria ou participação). A pluralidade de sujeitos passivos gera concurso de crimes. 1.2. Adequação Típica g) Tipo objetivo: Perseguir (ir atrás, estar sempre presente, de forma indesejada, clandestinamente ou não) alguém (pessoa ou pessoas determinadas), de forma reiterada (crime habitual) e por qualquer meio. Através do ato de perseguir, o agente ameaça a integridade física ou psicológica da vítima, restringe sua capacidade de locomoção, invade ou perturba a esfera de liberdade ou privacidade da vítima. Se houver a prática de violência, as penas da lesão corporal também serão aplicadas. h) Tipo Subjetivo: trata-se de crime doloso. Não há previsão de modalidade culposa. 1.3. Consumação e Tentativa Por tratar-se de delito habitual, consuma-se após certa quantidade de ocorrências, embora a lei não fixe um número. O importante é ficar demonstrada a reiteração das condutas. Não se admite a tentativa, também por tratar-se de crime habitual. 1.4. Causa de aumento DIREITO PENAL III 4º Período Assunto: Crimes contra a pessoa 11) A pena aumenta de metade, se o crime é cometido contra criança, adolescente, idoso, mulher (por razões da condição de sexo feminino), mediante o concurso de duas ou mais pessoas ou com emprego de arma. 1.5. Pena, ação penal e competência DIREITO PENAL III 5º Período Assunto: Crimes contra a pessoa 12) A pena cominada é de reclusão de 6 meses a 2 anos e multa. A pena será aumentada de metade no caso do parágrafo primeiro. A ação penal é pública, condicionada à representação do ofendido. A competência, em razão da pena cominada, será dos Juizados Especiais, exceto no caso do parágrafo primeiro (crime cometido contra mulher). Art. 147B – Violência psicológica contra mulher 1.1. Sujeitos · É crime comum quanto aos sujeitos ativo e próprio quanto ao sujeito passivo, já que a vítima será sempre mulher. · A pluralidade de sujeitos ativos gerará concurso de pessoas (coautoria ou participação). A pluralidade de sujeitos passivos gera concurso de crimes. 1.2. Adequação Típica i) Tipo objetivo: Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação. Trata-se de crime subsidiário, apenas aplicado caso não configure crime mais grave. j) Tipo Subjetivo: trata-se de crime doloso. Não há previsão de modalidade culposa. A lei descreve finalidades específicas da conduta (elemento subjetivo específico), que seria a de controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões. 1.3. Consumação e Tentativa Consuma-se odelito com a prática de atos de ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento etc. A tentativa é admissível, embora de difícil configuração. 1.5. Pena, ação penal e competência DIREITO PENAL III 5º Período Assunto: Crimes contra a pessoa 13) A pena cominada é de reclusão de 6 meses a 2 anos e multa. A ação penal é pública, condicionada à representação da ofendida. A competência, em razão da pena cominada, será dos Juizados Especiais, exceto se cometido no contexto da violência doméstica e familiar contra mulher. Art. 148 – Sequestro e Cárcere privado 1.1. Sujeitos · É crime comum quanto ao sujeito ativo e passivo. Pode ser praticado por qualquer pessoa, e qualquer pessoa pode ser vítima. · Pode figurar como vítima mesmo aquele que não é capaz de entender o conteúdo do direito ameaçado (loucos, deficientes mentais, etc.), bem como os paraplégicos, aleijados, tetraplégicos, etc. 1.2. Adequação Típica k) Tipo objetivo: Privar (tolher, proibir, retirar, impedir) alguém (pessoa determinada) de sua liberdade mediante sequestro (deslocamento da vítima para outro lugar, mantendo certa liberdade; lugar aberto como uma fazenda, ou ilha) ou cárcere privado (compreende um maior cerceamento da liberdade, um espaço restrito de locomoção, como um cômodo, ou casebre abandonado)[footnoteRef:6]. Pode o crime ser cometido na forma comissiva (detenção: o agente priva, com atos, a pessoa da liberdade) ou de forma omissiva (retenção: quando o agente deveria por em liberdade a vítima e deixa de fazê-lo). Também pode ser usado qualquer meio (violência, ameaça, fraude, etc.) Não é necessária uma privação absoluta da liberdade, bastando que a privação seja adstrita a determinado espaço (local aberto, de onde, todavia, a pessoa é impedida de sair, por estar sendo vigiada), ou que a pessoa não possa se afastar do local em que foi colocada sem risco pessoal. [6: As duas expressões são, de certa forma, sinônimas para efeitos práticos, somente tratando do modus operandi da privação da liberdade.] l) Tipo Subjetivo: vontade livre e consciente de privar a pessoa de sua liberdade. O dolo é genérico, podendo ser direto ou eventual. Não há especial fim de agir (dolo específico) nem previsão de modalidade culposa. A presença de dolo específico pode desclassificar ou delito, configurando crime diverso. Ex.: se o crime é praticado com fins libidinosos, configura a forma qualificada do § 1º, V; se o intuito é obter vantagem econômica indevida, tem-se o crime do art. 159 (extorsão mediante sequestro). OBS: Consentimento do ofendido. 1.3. Consumação e Tentativa O tema apresenta dois entendimentos: a. Para uma corrente, a consumação se dá com a restrição da liberdade por tempo relevante. Ficaria na tentativa a restrição momentânea que não perdurou por circunstâncias alheias à vontade do agente (quando a vítima, ao ser trancafiada em casa, fica somente 10 minutos, pois consegue fugir assim que o agente sai de casa). b. Para outra corrente, basta a restrição da liberdade, ainda que momentânea, havendo tentativa somente quando o agente é impedido de realizar a restrição da liberdade. No mais, cuida-se de crime permanente. Deve-se, pois, observar o art. 303 do CPP, nos casos de prisão em flagrante. 1.4. Concurso de crimes e conflito de leis penais no tempo DIREITO PENAL III 5º Período Assunto: Crimes contra a pessoa Trata-se de crime subsidiário, podendo figurar também com elementar de outros crimes. Nestes casos, não há concurso, mas sim, o crime principal. (ex. 148 x 149). Questão importante é a relativa ao roubo com privação da liberdade (art. 157, § 2º, V): a doutrina aponta que, no roubo, a privação da liberdade (restrição) deve ser momentânea, voltada para assegurar a posse da coisa subtraída. Se a duração da privação excede estes limites, tem-se concurso material entre sequestro e roubo simples (Greco, alertando para o bis in idem) ou sequestro e roubo qualificado (Bittencourt e Régis Prado, defendendo a ausência de bis in idem). Quanto ao conflito de leis penais no tempo, observar a súmula 711 do STF. 1.5. Formas qualificadas DIREITO PENAL III 5º Período Assunto: Crimes contra a pessoa 14) 15) Parágrafo 1º I. Vítima ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente, ou maior de 60 anos · Rol taxativo. Não figuram na qualificadora o irmão (será agravante genérica do art. 61), o avô de “criação”, namorado, genro, cunhado, padrasto, sogra, amante etc. A prova do estado deve ser documental (art. 155 CPP, exceto no caso de companheiro). II. Crime praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital · Cuida a lei de internação indevida da vítima, de caráter fraudulento, com o intuito de privá-la da liberdade. O funcionário ou diretor do estabelecimento, que, ciente da situação, permite que aconteça, responde como coautor. III. Privação que dura mais de 15 dias · A atitude do agente denota maior lesividade à vítima. A contagem do prazo segue a regra do art. 10, por se tratar de prazo material. IV. Vítima menor de 18 anos · A especial condição da vítima também indica um maior potencial lesivo da conduta do agente. A vítima deve ter menos de 18 anos no momento da ação. Necessária a comprovação da idade pela via documental. Se a vítima é criança, nos termos do ECA, existe previsão de crime específico neste Estatuto. V. Crime praticado com fins libidinosos · Esta disposição revogou o antigo crime de rapto do art. 219. Dessa forma, não houve abolitio criminis com o crime de rapto, mas a previsão foi deslocada para este dispositivo. Quanto à figura do rapto consensual, essa sim sofreu os efeitos da abolitio criminis. 16) Parágrafo 2º I. Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral · A expressão “maus-tratos” tem a ver com violência ou perigo à saúde da vítima, ou exposição a condições vexatórias. Se resulta lesão grave ou morte, haverá concurso de crimes. “Natureza da detenção” cuida das condições objetivas do contexto (insalubridade do lugar, presença de ratos e outros animais, utilização de correntes etc.) 1.6. Pena, ação penal, prescrição e competência DIREITO PENAL III 5º Período Assunto: Crimes contra a pessoa 17) A pena cominada é de reclusão de 1 a 3 anos. Para as formas qualificadas, a pena é de reclusão de 2 a 5 anos (§ 1º) ou de 2 a 8 anos (§ 2º). Sendo crime permanente, a prescrição começa a contar do dia que cessou a permanência (art. 111 CP) A ação penal é pública incondicionada. A competência será da Justiça Comum. 1.7. Questões DIREITO PENAL III 5º Período Assunto: Crimes contra a pessoa 18) 1) A pessoa que não pode se locomover por si própria pode figurar como vítima do crime em estudo? 2) Existe distinção entre as expressões sequestro e cárcere privado? 3) Para a configuração deste crime, é preciso que a vítima fique inteiramente impossibilitada de afastar-se do local onde está detida? 4) É possível o cometimento deste delito pela omissão? 5) A restrição momentânea da liberdade caracteriza o crime? DISPOSIÇÕES CONSTANTES DO ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO PENAL Capítulo V Crimes Contra a Liberdade Pessoal Os crimes contra a liberdade pessoal, no vigente Código Penal, integram a Seção I do Capítulo VI que dispõe sobre “OS CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL”, abrangendo quatro condutas típicas que são o constrangimento ilegal (art. 146), a ameaça (art. 147), o sequestro e cárcere privado (art. 148) e, finalmente, a redução à condição análoga à de escravo (art. 149). O projeto pretende manter as quatro condutas típicas, com pequenas alterações dirigidas para as respectivas sanções. Todavia, constatando a existência de comportamentos ainda não considerados criminosos ou, em certas hipóteses, abrangidos por condutas típicas de maior rigor ou resultados mais relevantes, porém bastante identificados na sociedade moderna e com grande repercussão nos meios de comunicação, a Comissão entendeu de criminalizar, como formas também afrontosas da liberdade pessoal, a perseguição obsessiva ou insidiosa, popularmente conhecidacomo stalking e a intimidação vexatória, nomem iuris adotado para representar o conhecido bullying. DIREITO PENAL III 5º Período Assunto: Crimes contra a pessoa Constrangimento ilegal Art. 145. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena – prisão, de um a quatro anos. Aumento de pena § 1º A pena é aumentada de um terço até dois terços, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas. § 2º Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência. § 3º Não se compreendem na disposição deste artigo: I – a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida, exceto se, maior de idade e capaz, o paciente puder manifestar sua vontade de não se submeter ao tratamento; ou II – a coação exercida para impedir suicídio. A conduta criminosa caracterizada pelo constrangimento ilegal foi mantida integralmente em suas elementares típicas. Entretanto, a atual sanção para o referido comportamento se apresenta muito aquém do que se percebe como necessário para a reprovação da conduta, pelo que, em adequação às demais propostas sistematicamente apresentadas pela Comissão, optou-se por punir o crime com prisão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa. A causa especial de aumento de pena foi alterada para 1/3 (um terço) até 2/3 (dois terços), menor do que a atualmente prevista, o que se explica pelo aumento significativo proposto para o caput do artigo. Inovadora se apresenta a excludente da coação quando exercida para impedir suicídio, omissão no texto em vigor e que está a merecer expressa regulamentação. Da mesma forma, a dirimente caracterizada pela intervenção médica ou cirúrgica passa a apresentar uma exceção que se justifica pelo respeito constitucional à dignidade da pessoa humana, notadamente quando maior de idade e plenamente capaz de manifestar sua vontade. Ameaça Art. 146. Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena – prisão, de seis meses a dois anos. Parágrafo único. Somente se procede mediante representação. Perseguição obsessiva ou insidiosa Art. 147. Perseguir alguém, de forma reiterada ou continuada, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade: Pena – prisão, de dois a seis anos. Parágrafo único. Somente se procede mediante representação. Intimidação vexatória art. 148. Intimidar, constranger, ameaçar, assediar sexualmente, ofender, castigar, agredir, segregar a criança ou o adolescente, de forma intencional e reiterada, direta ou indiretamente, por qualquer meio, valendo-se de pretensa situação de superioridade e causando sofrimento físico, psicológico ou dano patrimonial: Pena – prisão, de um a quatro anos. Parágrafo único. Somente se procede mediante representação. Não obstante o crime de ameaça, normalmente, ser absorvido por delitos de maior relevo, tal como ocorre com o homicídio e a lesão corporal, razão não haveria para afastar do ordenamento jurídico referida conduta. Ao contrário, sensível às consequências desse comportamento, a Comissão propõe significativo aumento para a sanção do crime. Da mesma forma, muito embora reconheça que certas condutas merecem enfrentamento, por primeiro, pelos canais sociais constituídos pela família, vizinhança, escola, grupos associativos religiosos, desportivos, etc., a Comissão não poderia fechar os olhos para os casos concretos – e muitos tem sido verificados nos últimos tempos – com resultados relevantes em sede penal e que não foram obstaculizados por aqueles meios de controle apontados. Por tais razões, a Comissão propõe a criminalização dos atos de invasão de privacidade comumente conhecida por stalking e definida como sendo um padrão de comportamentos intimidadores ou ameaçadores. No mesmo contexto, também se propõe a criminalização de atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo ou grupo, contra pessoa ou grupo de pessoas, e que causem sofrimento físico, psicológico, ou dano patrimonial, popularmente conhecidos como bullying. Impõe o registro que da mesma forma como ocorre com o crime de ameaça, as novas condutas criminosas dependem de representação para que se deflagre a ação penal. image1.jpeg