Prévia do material em texto
Autora: Profa. Kelly Cristina Sanches Colaboradores: Prof. Cristiano Schiavinato Baldan Profa. Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão Fisioterapia Neurofuncional Professora conteudista: Kelly Cristina Sanches Graduada em Fisioterapia pela Universidade de São Paulo (USP), possui mestrado em Psicologia na área de Neurociências e Comportamento pela mesma instituição (2003), bem como aprimoramento profissional em Fisioterapia Neurológica pelo Hospital das Clínicas da USP, em 2005. É docente da Universidade Paulista (UNIP) desde 2007, onde ministra as disciplinas de Fisioterapia Neurofuncional, Pediatria e Neurociências e Controle Motor. Exerce ainda a função de coordenadora auxiliar do curso de Fisioterapia no campus norte-UNIP desde 2009, onde também atua como professora responsável pelo estágio curricular na área de Fisioterapia Neurológica na Clínica de Saúde. Membro do Comitê de Ética e Pesquisa da UNIP, desde 2009, e coordenadora do curso de pós-graduação de Fisioterapia Neurofuncional pelo Instituto Imparare, desde 2016. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S211f Sanches, Kelly Cristina. Fisioterapia Neurofuncional / Kelly Cristina Sanches. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 244 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Patologia. 2. Anatomia. 3. Fisioterapia. I. Título. CDU 615.8 U512.94 – 21 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Unip Interativa Profa. Dra. Cláudia Andreatini Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Jacinara Albuquerque Kleber Souza Sumário Fisioterapia Neurofuncional APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 10 Unidade I 1 AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA ......................................................................................................................... 11 1.1 Dados gerais e anamnese.................................................................................................................. 12 1.2 Exame físico ............................................................................................................................................ 13 1.3 Nível de consciência ............................................................................................................................ 14 1.4 Exame do estado mental e das funções corticais superiores ............................................. 15 1.5 Linguagem ............................................................................................................................................... 16 1.6 Gnosias ..................................................................................................................................................... 19 1.7 Tônus muscular ..................................................................................................................................... 20 1.8 Reflexos profundos e superficiais .................................................................................................. 23 1.9 Motricidade voluntária e força muscular ................................................................................... 27 1.10 Sensibilidade ........................................................................................................................................ 29 1.11 Coordenação motora ........................................................................................................................ 30 1.12 Exame das funções neurovegetativas (autonômicas) ........................................................ 33 1.13 Exame dos nervos cranianos ......................................................................................................... 34 1.14 Exame do equilíbrio e da marcha ................................................................................................ 37 1.15 Características clínicas do paciente neurológico.................................................................. 40 1.16 Planejamento do tratamento fisioterápico: identificação dos objetivos terapêuticos ................................................................................................................................ 44 2 MÉTODOS E TÉCNICAS DE TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO NEUROFUNCIONAL ............... 46 2.1 Método Rood ......................................................................................................................................... 47 2.2 Conceito neuroevolutivo (Bobath) ................................................................................................ 48 2.3 Facilitação neuromuscular proprioceptiva (Kabat) ................................................................. 51 2.4 Método Brunnstrom ........................................................................................................................... 54 3 PATOLOGIAS NEUROLÓGICAS VASCULARES ........................................................................................ 57 3.1 Acidente vascular cerebral (AVC) ................................................................................................... 57 3.1.1 Epidemiologia ........................................................................................................................................... 59 3.1.2 Fatores de risco ........................................................................................................................................ 59 3.1.3 Fisiopatologia ........................................................................................................................................... 60 3.1.4 Anatomia vascular cerebral (AVC) .................................................................................................... 61 4 TUMORES CEREBRAIS ................................................................................................................................... 70 4.1 Clínica........................................................................................................................................................ 71 4.2 Classificação ........................................................................................................................................... 73 4.3 Tumores de crânio ................................................................................................................................ 80 4.4 Tumores medulares .............................................................................................................................. 81 Unidade II 5 PATOLOGIAS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL................................................................................... 86 5.1 Traumatismo cranioencefálico (TCE) ............................................................................................ 86 5.1.1 Definição ....................................................................................................................................................a ação coordenada entre os músculos tibial anterior e tríceps sural. Essa coordenação está comprometida na lesão cerebelar, contribuindo para a presença de oscilações entre esses dois tendões. A marcha atáxica cerebelar, também chamada ebriosa, é caracterizada por passos irregulares, que alternam a largura e a velocidade, as pernas são mantidas afastadas, sendo difícil andar em linha reta, e o fechar dos olhos não interfere no desequilíbrio. O sistema vestibular é especializado por detectar constantemente a posição e os movimentos da cabeça. Essas informações são importantes para a elaboração de ajustes posturais. Diante das disfunções vestibulares, o controle do equilíbrio fica comprometido. Segundo Nitrini e Bacheschi (2015), alguns dos principais sintomas de disfunção vestibular são a vertigem e a sensação de rotação do ambiente ou do corpo. Na avaliação do equilíbrio estático, o paciente apresenta tendência de queda, principalmente diante do fechamento dos olhos, caracterizando o sinal de Romberg vestibular. A marcha dessa pessoa é caracterizada por aumento da base de sustentação e há tendência de deslocamento para um dos lados. Nas lesões periféricas do sistema vestibular, como nas labirintopatias, ao solicitar que o paciente caminhe quatro ou cinco metros para frente e para trás com os olhos fechados, observa-se que os desvios presentes permitem o desenho de uma estrela no chão. Quando a lesão no sistema vestibular ocorre no âmbito central, isto é, nos núcleos vestibulares (entre a ponte e o bulbo), há tendência de queda preferencial que não será influenciada pela movimentação da cabeça. Lesões unilaterais provocam tendência de queda para o lado em que o labirinto se encontra acometido. Ainda no exame do sistema vestibular, é possível observar o nistagmo, que é um desvio relativamente lento dos olhos num sentido, seguido de um abalo rápido no sentido oposto. 33 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Para finalizar o tema das ataxias, ainda é possível o comprometimento do equilíbrio ser resultante de lesão no lobo frontal. Nele, há presença de vias descendentes para cerebelo e núcleos da base. Na ataxia frontal, o equilíbrio estático não é comprometido, porém a disfunção é observada durante a marcha, caracterizada pelo aumento da base de sustentação combinado com a flexão do tronco, os passos são hesitantes e seu início pode parecer difícil (os pés parecem “colados ao chão”), e o desequilíbrio aumenta ao mudar de direção. Essa ataxia, para alguns autores, é chamada de apraxia da marcha. Um aspecto interessante na apraxia é que a coordenação nos membros inferiores está, geralmente, preservada, e nos membros superiores poderá ocorrer a perseveração motora, que corresponde à dificuldade de realizar movimentos alternados ou em sequência, sendo o paciente incapaz de passar de um movimento a outro, havendo a persistência do movimento anterior. Quadro 8 – Tipos de ataxias e suas respectivas áreas de lesão Ataxia Áreas de lesão Sensitiva Vias de sensibilidade cinético-postural, lesão no funículo posterior da medula espinal e raízes dorsais Vestibular Sistema vestibular Cerebelar Cerebelo Frontal Lobo frontal 1.12 Exame das funções neurovegetativas (autonômicas) É comum esquecer que além das funções motoras, cognitivas e perceptuais, o sistema nervoso é responsável pelo controle das funções neurovegetativas ou autonômicas. Para o fisioterapeuta, a observação do controle autonômico é importante, uma vez que seus distúrbios podem estar presentes durante a terapia, como, por exemplo, a hipotensão ortostática ou o aumento súbito de pressão arterial que poderão até mesmo necessitar da interrupção da terapia. Os distúrbios nas respostas neurovegetativas podem resultar de lesões centrais e periféricas do sistema nervoso. Alterações vasomotoras localizadas nas extremidades dos membros, de salivação e sudorese, hipotensão postural, além de comprometimento no controle de esfíncter e sexual devem ser questionadas durante a própria anamnese do paciente. A inspeção da pele e anexos contribui, em grande parte, para a detecção de alguns desses distúrbios, como o grau de hidratação, temperatura, presença de ulcerações e processos cicatriciais e coloração. O termo “autônomo” é explicado pelo fato que esse sistema não está sob controle voluntário e depende da ação de diferentes estruturas, como córtex cerebral, núcleos hipotalâmicos e formação reticular do tronco encefálico. O estado emocional, a motivação e o movimento voluntários influenciam o sistema autônomo. 34 Unidade I Vale lembrar que é composto de três componentes: o simpático, o parassimpático e o visceral. O componente visceral apresenta grande autonomia em relação aos demais sistemas, sendo constituído por neurônios sensitivos e motores do trato gastrointestinal, com poucas conexões com outras partes do sistema nervoso. Segundo Nitrini e Bacheschi (2015), o componente simpático é responsável por mudanças rápidas que permitem ao organismo adaptação a súbitas alterações dos meios externo (exemplo: temperatura) e interno (hemorragia). Já o parassimpático, de maneira geral, é responsável pela manutenção das condições basais no repouso, como frequência cardíaca, pressão arterial e metabolismo em condições normais. O controle esfincteriano deve ser pesquisado, cujo acometimento é comum após lesões nervosas centrais e periféricas, que acarreta sérias consequências clínicas e psicossociais. A bexiga neurogênica é um dos mais frequentes distúrbios autonômicos. A infecção urinária de repetição é uma das principais consequências clínicas da bexiga neurogênica, cujo agravamento pode inclusive comprometer a função renal. De maneira geral, há dois tipos de bexiga neurogênica: a arreflexa (ou flácida) e a hiper-reflexa (espástica). Na arreflexa (flácida), a lesão pode ter ocorrido nos nervos pélvicos, das raízes da cauda equina. Dependendo da ação do músculo detrusor, a urina é eliminada em pequenas quantidades e manobras que aumentam a pressão abdominal auxiliando no esvaziamento da bexiga. A bexiga hiper-reflexa ou espástica é aquela em que a lesão resultou de segmentos medulares acima de S2. Nessa forma de bexiga neurogênica, sua capacidade é menor e seu volume residual é variável, além disso, há associação com a espasticidade dos músculos dos membros inferiores. A incontinência urinária é um termo amplo que envolve disfunções de causas variadas no controle esfincteriano. Na avaliação neurológica, o fisioterapeuta deve questionar o paciente ou seu acompanhante sobre sua presença e deverá orientar sobre a necessidade de consulta de um especialista e sobretudo alertar sobre a possibilidade de infecção urinária e seus principais sintomas. 1.13 Exame dos nervos cranianos A observação dos nervos cranianos pode revelar aspectos importantes sobre o diagnóstico clínico do paciente, porém para o fisioterapeuta essa avaliação é focada para alguns pares de nervos, geralmente aqueles que possuem maior frequência de acometimento em lesões periféricas e centrais. Vale lembrar que a função dos nervos cranianos está relacionada com a inervação de músculos da região do pescoço e da cabeça, e diferente dos nervos espinais que são mistos, alguns são formados somente de fibras nervosas sensitivas, fibras motoras ou mistas. Esse detalhe anatômico contribui para a compreensão do fisioterapeuta do quadro clínico do paciente. Por exemplo, o nervo facial é composto 35 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL de fibras motoras, na paralisia facial de natureza periférica, também conhecida como paralisia de Bell, a perda predominante será motora dos músculos da hemiface homolateral à lesão. O exame do nervo olfatório (I nervo) deve ser realizado quando o paciente apresenta queixas específicas de alteração do olfato. Sua avaliação pode ser realizada através da apresentação de estímulos olfativos, como chocolate, café e hortelã. Lesões localizadas na base da fossa anterior do crânio, como traumas ou tumores, podemalterar sua função. A anosmia é um tipo de disfunção de olfato. Importante apontar que alterações de olfato podem ser um dos primeiros sintomas de doenças como Parkinson e demência de Alzheimer. A observação do nervo óptico (II nervo) pode evidenciar distúrbios de acuidade visual, do campo visual e do fundo de olho. Geralmente, para uma avaliação específica da acuidade visual, é possível utilizar cartões posicionados a uma certa distância do paciente; também pode ser verificada ao se solicitar a leitura de um texto ou uma frase colocada a 35 cm de distância do paciente. De maneira geral, o campo visual pode ser observado pela reação de piscamento à ameaça, em que a aproximação rápida do dedo do examinador em direção ao globo ocular provoca o piscar do olho. O fundo do olho não é verificado na avaliação fisioterapêutica, mas para o neurologista, seu exame é importante, uma vez que sua alteração pode sugerir determinadas doenças neurológicas e sistêmicas. Os nervos motores oculares, o oculomotor (III nervo), o troclear (IV nervo) e o abducente (VI nervo) podem ser avaliados conjuntamente ao se solicitar a motricidade ocular. A observação das pupilas compõe também um ponto importante dessa avaliação, devendo estar simétricas quanto a diâmetro e forma, além de estar íntegra a resposta do reflexo fotomotor. O exame detalhado das pupilas se faz necessário sobretudo diante de lesões encefálicas traumáticas, em que são frequentes assimetria no diâmetro (anisocoria ou isocoria) e ausência da resposta fotomotora, que sugerem acometimento no trajeto do nervo óptico e até lesões de tronco encefálico. A diplopia é um distúrbio neurológico frequente, cuja visão do paciente é dupla. Esse acometimento ocorre, geralmente, devido à paresia ou plegia dos músculos extrínsecos oculares, causando a perda do paralelismo entre os eixos dos dois olhos. A anatomia do nervo óptico ao longo da base inferior dos hemisférios cerebrais permite a possibilidade de diferentes tipos de disfunções, como, por exemplo, os escotomas, que são áreas de falha parcial ou completa da visão. A lesão total do nervo óptico ocasiona a denominada amaurose (perda total da visão). A sensibilidade superficial da face é verificada da mesma forma daquela descrita para membros e tronco. Através da inspeção do reflexo corneopalpebral é possível verificar a integridade das fibras aferentes do nervo trigêmeo (V nervo). Nesse reflexo, a leve estimulação da córnea, com uma mecha de algodão, provoca o fechamento rápido das duas pálpebras. As fibras aferentes do nervo trigêmeo chegam ao 36 Unidade I núcleo do nervo, localizado na ponte, onde fará sinapse com os neurônios dos núcleos do nervo facial homo e contralateral. As fibras dos nervos faciais são as vias eferentes desse reflexo. Na lesão unilateral do nervo trigêmeo não haverá resposta na córnea do lado acometido, porém a estimulação do globo ocular contralateral provocará o fechamento de ambas as pálpebras. Outra forma de se verificar o nervo trigêmeo é solicitar o fechamento da boca com força, uma vez que os músculos da mastigação são inervados por esse nervo. Entre os nervos cranianos, um de maior importância para a fisioterapia é o facial (VII nervo). A inspeção do nervo facial consiste na solicitação de movimentos da face, como franzir a testa, fechar os olhos contra resistência e sorrir. A paralisia facial pode ser de origem central, como num acidente vascular cerebral, ou periférica devido à lesão na origem ou no trajeto do nervo. Na paralisia facial periférica haverá o acometimento de toda a hemiface e desvio da rima para o lado sadio. O olho é mantido aberto devido a ação do músculo elevador da pálpebra, dependente do III nervo. Uma das formas frequentes de paralisia facial periférica é a de Bell, cuja causa é ação viral que provocará um processo inflamatório do nervo. Além do comprometimento da motricidade da hemiface, o paciente poderá perder a sensibilidade gustativa dos 2/3 anteriores da língua e da secreção lacrimal. Na paralisia facial de origem central, apenas a motricidade da parte inferior da hemiface contralateral é comprometida. As causas podem incluir presença de tumores, edemas cerebrais e acidente vascular cerebral, que são capazes de afetar o trato corticonuclear, principal aferência cortical para o núcleo do nervo facial, localizado na ponte. Embora a extensão e a gravidade do acometimento da musculatura facial sejam maiores na paralisia facial periférica, seu prognóstico de recuperação funcional é melhor quando comparado à paralisia facial central. O VIII nervo craniano é o vestibulococlear e sua avaliação pode ser realizada através da observação do equilíbrio. Queixas de vertigem e desequilíbrio muitas vezes podem ser as principais do paciente ao fisioterapeuta, devendo ser avaliadas de maneira mais detalhada. Com relação à audição, durante a coleta da história clínica, o fisioterapeuta pode suspeitar de maneira geral, sua disfunção (hipoacusia), e, assim, orientar o paciente a procurar por um médico especialista. O nervo glossofaríngeo (IX nervo) e o vago (X nervo), pela localização anatômica, podem ser observados de forma simultânea, uma vez que são responsáveis pela inervação sensitiva e motora da faringe, sendo possível a disfagia alta e a disfonia pelo acometimento do nervo vago, e perda da gustação do terço posterior da língua à lesão do glossofaríngeo. A avaliação consiste 37 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL em solicitar ao paciente que pronuncie a vogal “a”, o examinador deverá observar a simetria na elevação do palato e da úvula na linha média. O XI nervo craniano, acessório, é motor e responsável pela inervação dos músculos esternocleidomastóideo e porção superior do trapézio. Esses músculos são verificados na respectiva prova de função muscular, em que o fisioterapeuta deverá colocar resistência contra os respectivos movimentos de rotação da cervical e elevação dos ombros. Finalmente, o XII nervo, hipoglosso, é responsável pela inervação dos músculos da língua, sendo sua avaliação baseada na observação geral da motricidade da língua dentro e fora da boca. No dia a dia, a observação dos nervos cranianos pelo fisioterapeuta ocorre quando o paciente possui uma queixa específica que possa ter relação clínica com eles. Geralmente, essa avaliação é realizada com mais frequência por profissionais especializados na área da deglutição e linguagem, como é o caso dos fonoaudiólogos. 1.14 Exame do equilíbrio e da marcha O exame do equilíbrio e da marcha corresponde a um dos pontos mais importantes da avaliação fisioterapêutica de pacientes neurológicos. Embora seja também realizado pelo médico neurologista, a avaliação fisioterapêutica deve ser detalhada, uma vez que tanto o equilíbrio como a marcha estão relacionados diretamente com atividades funcionais, sendo a própria marcha, uma das principais queixas apontadas por esses pacientes. De maneira geral, o exame do equilíbrio realizado pelo neurologista consiste em observar a bipedestação, que irá provocar desequilíbrios súbitos no sentido lateral e anteroposterior, estando o paciente descalço, com os pés juntos e olhos abertos e depois fechados. Deverá observar a capacidade do paciente em reagir aos desequilíbrios propostos e se manter estável na postura. Além da postura bípede, o fisioterapeuta deverá observar o equilíbrio estático e dinâmico do paciente em diferentes posturas, cuja exigência da ação da gravidade é progressivamente maior, sendo assim, maior o controle do equilíbrio. A sequência das posturas é aquela observada na evolução motora da criança em seu desenvolvimento. Seguem as posturas a serem avaliadas no equilíbrio estático e dinâmico: • decúbito dorsal; • decúbito lateral direito e esquerdo; • decúbito ventral; • quadrupedia; 38 Unidade I • sedestação; • ajoelhada; • semiajoelhada; • bipedestação. Para cada postura solicitada, o fisioterapeuta deverá responder às questões apontadas a seguir: • O pacienteconsegue adotar a postura? • Como adota a postura? • Como mantém-se na postura? • Consegue realizar movimentos na postura? Para a primeira pergunta, o fisioterapeuta deverá observar se o paciente é capaz de adotar a postura solicitada. É importante verificar se há necessidade de apoio ou ajuda. Com relação ao “como adota”, é importante verificar a estratégia motora escolhida pelo paciente para assumir a postura: inicia o movimento pelo tronco superior, inferior, ou utiliza o hemicorpo acometido para a transferência? Uma vez na postura, o próximo passo deverá ser a observação do alinhamento dos segmentos como membros e tronco, a extensão da base de sustentação e a presença de oscilações e instabilidade. Através dessa observação, é possível verificar, principalmente, o equilíbrio estático do paciente. Será também importante solicitar ao paciente que feche os olhos e que seja verificada a presença de desequilíbrios e oscilações. É fundamental o posicionamento do fisioterapeuta nessa parte da avaliação. Ele deverá permanecer próximo do paciente para garantir a segurança e integridade dele, caso ocorra desequilíbrio em alguma postura. O equilíbrio dinâmico consiste na capacidade de manutenção do equilíbrio em uma determinada postura, enquanto o paciente realiza movimentos dos membros. Essa capacidade é extremamente importante e necessária para que o paciente possa ser independente para suas atividades funcionais. Você deve estar se perguntando: mas será que o paciente conseguirá adotar e manter-se em todas essas posturas durante a avaliação? A maioria, devido às limitações motoras, não consegue responder às solicitações impostas pelo fisioterapeuta nessa parte da avaliação. Mas o profissional precisa ter bom senso para solicitar aquelas que possibilitam uma análise inicial do quadro motor do paciente. Durante a observação da marcha, também é possível observar o equilíbrio dinâmico do paciente, principalmente através da extensão da base de sustentação, dissociação entre as cinturas escapular e 39 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL pélvica, alteração na velocidade e solicitação de mudança de direção. Porém para o fisioterapeuta é interessante uma avaliação mais detalhada, sendo necessária a observação não somente dessas características, mas também de cada fase, que compõe os ciclos da marcha. Fase de apoio Duplo apoio Apoio simples Contato inicial Resposta à carga Apoio médio Apoio final Pré- balanço Balanço inicial Balanço médio Balanço final Duplo apoio Fase de balanço Figura 4 – Representação dos ciclos da marcha humana Adaptado de: Vaughan, Davis e O’Connor (1992, p. 11). A marcha é um dos padrões motores mais complexos da nossa espécie. É resultado da interação do sistema nervoso periférico e central, sendo dependente da integridade de estruturas como do sistema motor (vias centrais e periféricas, músculos e articulações), do sistema sensitivo (proprioceptiva), do cerebelo e núcleos da base. Lesões nessas diferentes áreas podem comprometer ou alterar o padrão de marcha. Há diferentes tipos de alterações no padrão de marcha em pacientes neurológicos. Embora seja possível identificá-los em grande parte das doenças neurológicas, é fundamental a avaliação da marcha individual, para que o fisioterapeuta possa identificar os déficits específicos que justificam a alteração da marcha do paciente. Vamos caracterizar alguns padrões frequentes de marcha nos pacientes neurológicos. Na síndrome piramidal (lesão do neurônio motor superior), um padrão comum é chamado ceifante, em que ao tentar realizar a flexão do membro parético durante a fase de oscilação ou balanço, há abdução excessiva desse membro, descrevendo um arco semelhante ao movimento de uma foice. A marcha escarvante ocorre pela limitação do movimento de flexão dorsal do tornozelo, e o paciente tende a tocar a ponta do pé no chão, e para conseguir andar, como compensação, inclina o corpo para o lado oposto. É presente diante da lesão dos nervos fibular ou ciático ou da raiz L5. A marcha talonante ou calcaneante está presente em pacientes com ataxia sensitiva. Nesse padrão, o andar é inseguro e os passos irregulares. A base de sustentação é larga, com as pernas afastadas entre si e ao pisar, devido ao déficit sensitivo, os pés batem fortemente contra o chão; o fechamento dos olhos piora a instabilidade da marcha. 40 Unidade I Na marcha ebriosa, devido à lesão cerebelar, as pernas são mantidas afastadas, os passos são irregulares, amplos e curtos, associados à abdução excessiva do quadril. Nessa marcha, o fechamento dos olhos não influencia significativamente no aumento do desequilíbrio do paciente. A marcha em tesoura é caracterizada pela presença de passos curtos e cruzamento alternado dos joelhos devido à espasticidade dos membros inferiores por causa do comprometimento do sistema nervoso central, como na criança com paralisia cerebral do tipo diplégica (síndrome de Little). A marcha anserina, também denominada andar miopático, é resultado da fraqueza dos músculos proximais da cintura pélvica, que provoca um movimento oscilatório do quadril (báscula da pelve). Esse quadro é comum em pacientes com miopatias. O padrão de marcha nos portadores de doença de Parkinson é característica e nomeada festinante. Ele é caracterizado pelos passos curtos, atitude em bloco e anteriorização de tronco e cabeça. Em alguns momentos pode ocorrer a aceleração involuntária, denominada festinação. Ainda ocorre hesitação para iniciar os passos ou mudar de direção. Todas essas alterações na marcha parkinsoniana são explicadas pelos sintomas clássicos da doença, como rigidez muscular, bradicinesia e perda dos movimentos associados. Observação Com a descrição dos tópicos gerais que compõem a avaliação neurológica, você pode concluir que trata de um processo longo e demorado no dia a dia da clínica. Mas com a aquisição da prática, você adequará esse processo de acordo com a queixa funcional e as necessidades clínicas do paciente. 1.15 Características clínicas do paciente neurológico Segundo Bertolucci et al. (2016), durante muito tempo a neurologia foi considerada uma especialidade de diagnóstico caracterizada por apresentar um exame detalhado do paciente, porém sem possibilidade de tratamento eficiente. Atualmente, a neurologia conta com avanços tecnológicos que permitem uma investigação diagnóstica mais adequada, mas também com abordagens terapêuticas mais adequadas e com resultados mais positivos em relação ao tratamento e até para a cura. Com relação aos avanços tecnológicos, hoje é possível contar com exames de imagem de elevada definição, como a ressonância magnética funcional, o PET-Scan e até mesmo o auxílio da biologia molecular na identificação de doenças como a de Huntington e alguns tipos de demência. 41 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Figura 5 – Representação de uma ressonância magnética funcional de crânio Fonte: Estudo avalia relação… (s.d.). Num período relativamente curto, houve avanço no conhecimento da genética de muitas doenças neurológicas, o qual contribuiu para a identificação de condutas terapêuticas mais eficientes. A neurologia evoluiu nesses últimos anos tanto em relação ao conhecimento científico sobre métodos de investigação diagnóstica e abordagens terapêuticas como para as especialidades relacionadas à reabilitação. No que se refere à fisioterapia, durante um período longo, os próprios neurologistas não creditavam importância à intervenção fisioterapêutica nos pacientes neurológicos. A realização de estudos clínicos com utilização de diferentes tipos de abordagens e técnicas fisioterapêuticas contribuiu de maneira determinante para a mudança dessa visão. Hoje não somente a fisioterapia, mas outras áreas da reabilitação estão como primeiras indicações terapêuticas em determinadas doenças neurológicas associadas ao tratamento medicamentoso solicitado pelo neurologista, em especial nas doenças que acarretam perdas ou acometimento dafunção motora. Porém é importante ressaltar que embora os recursos tecnológicos, em especial os exames de imagem, tenham contribuído para uma investigação diagnóstica mais detalhada e eficiente, eles não eliminam a necessidade de propedêutica e avaliação clínica neurológica do paciente. O conhecimento técnico do profissional permite a elaboração de hipóteses diagnósticas que serão confirmadas pelos exames neurológicos específicos e gerais. A compreensão clínica da propedêutica neurológica, além do auxílio para a hipótese diagnóstica, possibilita a associação de sinais clínicos observados na avaliação à topografia da lesão e sua respectiva etiologia. 42 Unidade I Para o fisioterapeuta, o domínio sobre os procedimentos da avaliação neurológica possibilita a identificação dos sinais clínicos, que explicam a queixa funcional do paciente e assim torna-se possível a elaboração de objetivos e condutas terapêuticas adequadas. A avaliação clínica do paciente neurológico é um processo que requer muita atenção do profissional devido à complexidade estrutural e funcional do sistema nervoso. Embora algumas funções neurológicas dependam da ação de uma região anatômica específica do sistema nervoso, a maioria resulta da interação de diferentes estruturas centrais e periféricas, o que reforça a complexidade desse sistema e a compreensão das limitações funcionais encontradas durante a avaliação, e consequentemente no processo de reabilitação de pacientes com história de lesão do sistema nervoso. As lesões que acometem o sistema nervoso podem apresentar diferentes causas, podendo ser congênitas ou adquiridas, progressivas ou degenerativas e até traumáticas. Alguns fatores importantes que irão influenciar o efeito da lesão sobre o sistema nervoso incluem a localização, a sua natureza, e também a extensão e a idade do paciente. Embora as consequências da lesão neurológica sejam determinadas pela ação combinada de diferentes fatores, torna-se necessário recordar o conceito de uma fundamental propriedade do sistema nervoso, a plasticidade neural, que justifica a necessidade de aplicação de programas de reabilitação em pacientes neurológicos. A plasticidade neuronal é a capacidade do sistema nervoso de alterar, mudar, adaptar sua estrutura e função durante o período de desenvolvimento, diante da necessidade de aprendizado e lesões. Se considerarmos que o sistema é formado por neurônios e células da glia, a plasticidade confirma a possibilidade de adaptações dessas células diante de mecanismos de lesão (não fisiológicos) e de aprendizado (fisiológicos). Nossa capacidade de aprendizado durante a vida é o principal comprovante da existência da plasticidade. Através da necessidade constante de adaptação ao ambiente em que nos encontramos, somos submetidos a estímulos externos e internos que são capazes de ativar os mecanismos plásticos de neurônios e células da glia, possibilitando a construção de novos circuitos neurais que permitirão novas habilidades motoras, cognitivas e perceptuais. Diante das lesões neurológicas também é possível o recrutamento de processos celulares e moleculares pertencentes ao processo de plasticidade neural. Entre estes, merecem destaque o brotamento de axônios (figura a seguir), alterações nas sinapses e até mesmo a ativação de neurônios inativos presentes em todo o sistema nervoso. 43 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Antes da lesão Brotamento colateral após morte de um neurônio pré-sináptico Figura 6 – Representação do brotamento de axônios após uma lesão axonal Fonte: Sousa (2008, p. 31). Boa parte do conhecimento científico dos mecanismos celulares que caracterizam a plasticidade do sistema nervoso foi obtido através de estudos experimentais com animais. Em humanos, através da observação de alguns exames de imagem como a ressonância magnética funcional, é possível verificar os efeitos da plasticidade neural presente em um paciente neurológico após a intervenção de um programa de reabilitação. Na prática clínica, uma forma de observar o efeito da plasticidade neural é a evolução do quadro clínico do paciente, em especial durante a recuperação funcional, que pode ser obtida através dos estímulos oferecidos pelo fisioterapeuta. É importante ressaltar que apesar da capacidade de adaptação das células nervosas demonstrada nos diferentes mecanismos plásticos, a recuperação funcional nem sempre é possível. Mesmo com o conhecimento científico e recursos tecnológicos disponíveis pela medicina, ainda o sistema nervoso mantém-se como um enigma a ser desvendado do ponto de vista fisiológico, e principalmente após mecanismos de lesão. Sendo assim, a ocorrência da lesão no sistema nervoso e suas respectivas perdas funcionais geram muitas consequências para o paciente e todos aqueles que direta ou indiretamente estão vinculados a ele. A lesão neurológica costuma ser complexa, uma vez que frequentemente acarreta comprometimento de múltiplas funções, como percepção motora, cognitiva e comportamental, o que contribui para a dificuldade no processo de reabilitação. Assim, embora a principal característica do paciente neurológico que procura pela fisioterapia seja um comprometimento da função motora, é muito frequente que também apresente outros déficits, como, por exemplo, da cognição e percepção. O fisioterapeuta irá identificar esse quadro clínico complexo e utilizará técnicas e abordagens terapêuticas específicas que o auxiliará no tratamento fisioterapêutico do paciente. 44 Unidade I A depressão é uma das principais repercussões geradas pela limitação funcional e pela necessidade de auxílio para suas atividades diárias no paciente neurológico adulto. Esse quadro depressivo poderá interferir de maneira importante na evolução do paciente durante a fisioterapia. Assim, o fisioterapeuta precisa ficar atento a sinais que possam sugerir a depressão, como desmotivação, desânimo, tendência ao choro e até mesmo irritação ou agressividade durante as sessões. Dependo do grau de interferência desses sinais durante a fisioterapia, deve ser comunicado aos familiares que talvez seja necessária a procura por ajuda de profissional especializado, que poderá prescrever medicamentos para minimizar a depressão. Se compararmos a situação de instalação de uma lesão neurológica no adulto com a criança, de maneira geral, as consequências dessa lesão se farão observáveis principalmente durante o processo de desenvolvimento motor da criança. Assim, a queixa funcional, geralmente, está vinculada ao atraso em uma das etapas de aquisição motora da criança, como, por exemplo, no controle da cervical, na sedestação e até na aquisição da marcha. Essa queixa será referida pelos pais ou responsáveis da criança. A repercussão emocional estará presente nos pais, sendo frequentes quadros de ansiedade sobre a evolução da criança na fisioterapia e negação diante do quadro neurológico do filho. Assim, para a criança com lesão neurológica será fundamental o envolvimento familiar no programa de reabilitação. Todos esses aspectos nos auxiliam na conclusão de como é complexo o processo de reabilitação de pacientes neurológicos, sendo esse um processo desafiador para todos os envolvidos, como fisioterapeuta, paciente e seus familiares Lembrete Pelo envolvimento de diferentes funções diante da lesão neurológica, o paciente necessitará de intervenção terapêutica de diversos profissionais, como fisioterapeuta, neurologista, ortopedista, fisiatra, fonoaudiólogo, psicólogo, terapeuta ocupacional, dentista, assistente social, entre outros. A prática do conceito de equipe multidisciplinar é muito importante e é um fator decisivo para o sucesso do programa de reabilitação do paciente neurológico. 1.16 Planejamento do tratamento fisioterápico: identificação dos objetivos terapêuticos A neurologia é uma das áreas médicas de maior complexidade dado ao grande interesse científico sobre sistema nervoso, que embora muito tenha sido descoberto e compreendidosobre sua fisiologia, ainda existem muitas questões abertas que necessitam de respostas. O fisioterapeuta deve estar capacitado para avaliar, observar, prescrever e tratar os distúrbios neurológicos presentes no paciente, e com embasamento científico e recursos apropriados, elaborará estratégias terapêuticas adequadas que permitam a obtenção dos objetivos terapêuticos funcionais (RUH, 2018). 45 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Segundo a Resolução n. 414/12 (COFFITO, 2012), o plano terapêutico pode ser definido como a descrição dos procedimentos fisioterapêuticos propostos apontando os recursos, métodos e técnicas a serem utilizados para a obtenção dos objetivos terapêuticos. Além disso, o planejamento terapêutico auxilia o profissional a definir o ponto de partida, bem como os métodos a serem adotados. O prognóstico da fisioterapia é a hipótese da evolução do caso, é o ponto de vista dos profissionais sobre o melhor desempenho físico que o paciente é capaz de atingir após receber um determinado atendimento no plano de tratamento durante o período de avaliação inicial. De maneira geral, a intervenção fisioterapêutica em pacientes neurológicos não difere da sequência de procedimentos que compõem o processo terapêutico diante de outras situações clínicas. O ponto de partida para essa intervenção é a avaliação neurológica, em que o fisioterapeuta deverá identificar a queixa funcional que o paciente ou seu cuidador irá relatar. Seguindo à avaliação, conseguirá elaborar o diagnóstico cinético-funcional, bem como selecionar os recursos terapêuticos que possibilitarão a obtenção dos respectivos objetivos terapêuticos. É importante destacar que o início da abordagem fisioterapêutica neurológica não necessita obrigatoriamente de um diagnóstico clínico definido pelo neurologista, pois em muitas situações, o paciente com limitações funcionais ainda não possui um diagnóstico médico definido. Sendo assim, a necessidade da fisioterapia neurofuncional está fundamentada nas consequências funcionais que o estado patológico oferece ao indivíduo. Será durante os procedimentos terapêuticos da avaliação neurológica que o fisioterapeuta deverá identificar os fatores clínicos que justificam a existência da queixa funcional. Frequentemente, além de fatores relacionados diretamente à patologia do paciente, fatores indiretos poderão contribuir para a limitação funcional. Exemplo de aplicação Vamos refletir sobre a situação descrita: um paciente com diagnóstico clínico de acidente vascular cerebral (AVC) foi encaminhado à fisioterapia. O quadro clínico observado foi uma hemiparesia espástica à direita, a queixa funcional relatada foi dificuldade no equilíbrio durante a postura bípede e durante a marcha. Na avaliação foi observada espasticidade nos músculos adutores, rotadores mediais, flexores de quadril e tríceps sural à direita. Ainda se verificou redução da sensibilidade proprioceptiva nesse membro. Durante o período da avaliação, o paciente esteve muito ansioso e relatou que ganhou peso após o episódio do AVC. No final da avaliação, o fisioterapeuta concluirá que o desequilíbrio do paciente está associado à espasticidade dos músculos citados e à redução da propriocepção. A ansiedade e o excesso de peso também podem interferir na instabilidade postural. Portanto o fisioterapeuta deve identificar todos os fatores que justificam a queixa funcional, e assim pontuará os objetivos e as estratégias específicas de tratamento para eliminar ou minimizar essa queixa. 46 Unidade I Na elaboração do plano de tratamento fisioterapêutico, uma vez que os déficits neurológicos tenham sido identificados com causa da queixa funcional, haverá o sequenciamento dos objetivos terapêuticos a serem obtidos com a intervenção, em curto, médio e longo prazo. Objetivos terapêuticos que precisam ser obtidos em curto prazo são aqueles que estão diretamente relacionados à queixa funcional. No caso clínico citado, o controle da espasticidade, assim como a estimulação da propriocepção no membro parético são objetivos que devem dar início ao tratamento, que precisam ser abordados nas primeiras terapias. Assim como exercícios de alongamento e de fortalecimento muscular. Com a evolução do paciente em relação a esses objetivos, passa a haver a necessidade de exercícios específicos para os objetivos de médio prazo, que poderiam incluir treino das transferências, treino do equilíbrio nas posturas e principalmente na bipedestação. Os objetivos inclusos em longo prazo são associados às atividades funcionais, que no caso clínico envolve a melhora do equilíbrio durante a marcha. O sequenciamento dos objetivos de tratamento é extremamente importante para que o fisioterapeuta, ao longo do processo terapêutico, consiga planejar adequadamente as terapias com exercícios específicos que atinjam as metas terapêuticas estabelecidas para o paciente avaliado. Talvez esse seja um dos principais aspectos que diferencie a abordagem fisioterapêutica em pacientes neurológicos daquela realizada em outras áreas, como, por exemplo, na ortopedia. Em muitas situações a fisioterapia realizada em pacientes ortopédicos é baseada na utilização de protocolos de tratamento comprovados cientificamente. Na fisioterapia neurofuncional é difícil a utilização de protocolos preestabelecidos, devido à complexidade presente no quadro de cada paciente neurológico, que é único. 2 MÉTODOS E TÉCNICAS DE TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO NEUROFUNCIONAL Os métodos e técnicas utilizadas na fisioterapia neurofuncional se fundamentam, principalmente, em abordagens teóricas sobre o controle motor, que engloba a postura e o controle dos movimentos. A maioria dos métodos utilizados foi desenvolvido por pesquisadores como Rood, Kabat e Knott, Brunnstrom e Bobath, que praticamente são os responsáveis pelo surgimento da fisioterapia neurofuncional no final da década de 1940 (LOBO et al., 2020). Atualmente, com a aquisição de recursos tecnológicos e principalmente resultados de estudos científicos, a fisioterapia neurofuncional têm se baseado cada vez mais em evidência científica e nas estratégias de tratamento. Vamos passar a descrever, de maneira geral, os princípios de alguns dos métodos e técnicas fisioterapêuticas utilizados no tratamento de pacientes neurológicos. É importante ressaltar que, para um maior detalhamento prático dessas abordagens, o fisioterapeuta deverá procurar por cursos especializados nos respectivos métodos, sendo estes oferecidos ao profissional após a graduação em fisioterapia. 47 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL 2.1 Método Rood Na década de 1950, a fisioterapeuta e terapeuta ocupacional Margaret Rood desenvolveu os princípios do método que recebeu seu nome. Trata-se de uma técnica utilizada na fisioterapia neurofuncional baseada na oferta de estímulos sensoriais, em especial da propriocepção, com o objetivo principal de normalizar o tônus muscular e facilitar o desenvolvimento neuromotor da criança. Margaret Rood delineou os princípios do método em crianças diagnosticadas com paralisia cerebral na década de 1950, porém foram Goff e Stock Meyer os responsáveis pelo seu aprimoramento na década de 1960. De maneira geral, através de estímulos cutâneos, procura-se aumentar o grau de sensibilidade dos receptores fusos musculares e demais proprioceptores para facilitar a contração voluntária do músculo. A estimulação cutânea pode ser oferecida através de escovação rápida (tapping), crioterapia, alongamento lento e rápido, além de massagem lenta. A) B) C) D) Figura 7 – Representação de objetos e práticas que podem ser utilizados para a estimulação cutânea no método de Rood Disponível em: A) https://bit.ly/2WuLiYD; B) https://bit.ly/3mBgtMV; C) https://bit.ly/2WufOSP; D) https://bit.ly/3jktRmP. Acesso em: 26 ago. 2021. O objetivo é inibir o tônus muscular mediante à estimulação sensitiva, evitando atividades reflexas patológicas e facilitar a contração voluntária do músculo. Há também a utilizaçãodas posturas neuroevolutivas e suas respectivas trocas, como, por exemplo, decúbito dorsal para ventral, sedestação, quadrupedia, bipedestação e marcha. 48 Unidade I O método Rood pode ser combinado com outras técnicas, como a facilitação neuromuscular (Kabat), o método neuroevolutivo (Bobath) e os de Brunnstrom e a educação condutiva. 2.2 Conceito neuroevolutivo (Bobath) Segundo Raine, Meadows e Lynch-Ellerington (2009), o conceito neuroevolutivo Bobath é uma abordagem para a solução de problemas, para avaliação e tratamento de indivíduos com distúrbios da função, do movimento e do controle postural. Sobretudo na neuropediatria, o conceito Bobath e suas técnicas é um dos mais utilizados, uma vez que oferece embasamento teórico e clínico. O termo neuroevolutivo diz respeito à utilização das sequências motoras presentes no desenvolvimento neuromotor normal, sendo referências tanto para o planejamento do tratamento como durante a terapia. Saiba mais Berta (fisioterapeuta) e Karel Bobath (neurologista e psiquiatra), o casal Bobath, deram início aos princípios do conceito em 1942, quando Berta, ao acompanhar um paciente hemiplégico espástico adulto, observou que era possível modificar a espasticidade através de posicionamentos e movimentos específicos. Nos anos 1950, foi fundado o Centro Bobath, em Londres (Inglaterra), onde até hoje profissionais promovem sua evolução, justificando a substituição do termo método pelo termo conceito. Para conhecer mais sobre o conceito neuroevolutivo, sugerimos a leitura do seguinte livro: BOBATH, B. Hemiplegia no adulto. Avaliação e tratamento. Barueri: Manole, 1994. A utilização de posturas estáticas para inibição das alterações do tônus e padrões anormais de movimento era o fundamento inicial do conceito. Com o tempo, observou-se a necessidade de associação das reações posturais automáticas como base de movimentos normais. Assim, houve a inclusão dos padrões de movimento influenciando o tônus (PIT). Esses padrões, ao mesmo tempo que inibem as reações anormais, facilitam o movimento ativo o mais próximo do normal. Inicialmente eram utilizados os padrões de inibição reflexa (PIR). Com a evolução das técnicas, houve então a substituição dos PIR pelos PIT. Ainda hoje, o conceito Bobath adicionou o treino das reações de balance, que são as reações de equilíbrio, proteção e retificação, além de atividades funcionais como forma de promoção do aprendizado. 49 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Um dos principais alicerces científicos do conceito neuroevolutivo Bobath é a comprovação da plasticidade do sistema nervoso que possibilita a ocorrência de modificações neuronais diante de estímulos externos e internos. O conceito Bobath pode ser utilizado em indivíduos de todas as idades, que de maneira geral, possuam disfunção no controle do movimento e postura. Um dos objetivos é possibilitar, de acordo com as potencialidades, que o indivíduo seja capaz de ser independente para suas atividades funcionais. Para Gusman e Torre (2010), o objetivo do conceito Bobath envolve manuseios que permitem inibição, facilitação e estimulação de padrões de movimentos normais para a obtenção da funcionalidade dos pacientes. Para esse fim, inibe padrões de tônus anormal e facilita o surgimento de padrões motores normais. A utilização dos pontos-chave durante o manuseio possibilita tanto a inibição quanto a facilitação. O importante é saber o momento adequado para utilizá-los durante a terapia e adaptá-los de acordo com as características individuais do paciente. As articulações correspondem aos principais pontos-chave, os quais o fisioterapeuta irá gradativamente retirar à medida que o paciente adquire o aprendizado e o controle do movimento. Orienta-se que o toque do fisioterapeuta sobre o paciente seja mínimo, apenas o suficiente para inibir/ facilitar o padrão do movimento realizado. Ao longo da evolução do tratamento, ocorrerá a variação de pontos-chave de proximais para distais e vice-versa. O quadro a seguir demonstra os pontos-chave proximais e distais pelo conceito Bobath. Quadro 9 – Pontos-chave proximais e distais do conceito Bobath Proximais Distais Cabeça Cotovelo Esterno Punho Ombro Joelho Quadril Tornozelo E qual a relação entre os pontos-chave e os PIT? Para Mayston (1995), quando se aplica os PIT pelos pontos-chave, haverá mudanças no tônus postural e no desempenho das atividades funcionais. A combinação adequada entre os PIT e os pontos-chave favorece o alinhamento biomecânico e os mecanismos de realimentação (feedback) e antecipação (feedforward). 50 Unidade I Pelo manuseio do fisioterapeuta, ao guiar movimentos funcionais através do comando verbal ou demonstração de uma atividade funcional, os PIT são recrutados e assim é possível a combinação entre inibição e facilitação. Na figura a seguir são demonstradas algumas manobras de inibição e facilitação que podem ser utilizadas durante a terapia utilizando o conceito Bobath. A) B) C) Figura 8 – Manobras de inibição e facilitação do conceito Bobath: (A) inibição do padrão de rotação interna e flexão do membro superior; (B) facilitação da extensão do quadril e do tronco em pé; (C) inibição da rotação interna e da adução do membro inferior Fonte: Castilho-Weinert e Forti-Bellani (2011, p. 52). De maneira geral, as técnicas de estimulação incluem a oferta de estímulos táteis e proprioceptivos que aumentam o tônus postural e regulam a ação conjunta dos músculos agonistas, sinergistas e antagonistas. São indicadas em crianças com ataxia, atetose e hipotonia. Na espasticidade, podem ser utilizadas desde que o tônus postural esteja diminuído e na ausência de atividade reflexa tônica (reflexos tônicos cervicais e labirínticos). São consideradas técnicas de estimulação a transferência de peso, o tapping, o placing e o holding. Com a transferência de peso é possível recrutar unidades motoras, ofertar pressão e liberar segmentos para movimentação que não estão sustentando peso. Para a realização de movimentos, é fundamental a capacidade de transferência de peso. No tratamento, essa capacidade pode ser incentivada através da utilização dos pontos-chave nas diferentes posturas neuroevolutivas. 51 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Os termos placing e holding significam, respectivamente, colocação e manutenção e são técnicas que envolvem a habilidade em controlar e manter os movimentos e as posições de forma automática e voluntária. No placing, o paciente possui habilidade de interromper um movimento em qualquer amplitude, sendo um autoajuste postural que requer resposta muscular diante da oscilação do centro de gravidade na postura, sendo, portanto, um mecanismo postural normal. O holding envolve a capacidade de manutenção de um segmento cujo movimento foi interrompido, na maneira em que se posicionou o segmento diante da realização do placing. O tapping é a técnica em que são dadas pequenas batidas sobre a pele de um segmento, oferecendo-se, assim, estímulos táteis e proprioceptivos, com objetivos como aumento do tônus postural, inibição recíproca de músculos paréticos e a própria cocontração para estabilização de segmentos. Através do tapping é possível a estimulação do placing. Assim, o conceito neuroevolutivo Bobath é um dos mais utilizados em crianças e adultos com acometimento neurológico, iniciando sua intervenção com a sequência do desenvolvimento neuromotor, recrutando posturas mais simples e evoluindo para as mais complexas e com manuseio baseado em técnicas de inibição, facilitação e estimulação dos movimentos funcionais, respeitando a individualidade de cada paciente. 2.3 Facilitação neuromuscular proprioceptiva (Kabat) A facilitação neuromuscular proprioceptiva (FNP) foi desenvolvida inicialmente pelo Dr. Herman Kabat (figura a seguir) e aprimorada por Margaret Knott, Dorothy Voss e outros. Figura 9 – Neurofisiologista Herman Kabat Fonte: Sandel (2013, p. 459). 52 Unidade I Ao analisar as palavras isoladamente, temos:• Facilitação: tornar fácil. • Neuromuscular: envolvimento de nervos e músculos. • Proprioceptiva: relacionado à sensibilidade profunda, como os receptores fuso muscular, OTG (órgão neurotendíneo de Golgi) e proprioceptores localizados nas articulações. Segundo Kabat (1950), a FNP é mais que uma técnica, sendo uma filosofia de tratamento, cuja base filosófica afirma que todo ser humano, incluindo aqueles portadores de lesão neurológica, possuem um potencial ainda não explorado. Assim, há três princípios básicos do método: • A ênfase do tratamento é sempre positiva, havendo reforço da capacidade física e psicológica do paciente. • O tratamento precisa objetivar atingir, através da facilitação, o mais elevado nível funcional do paciente. • Cada tratamento é direcionado para o ser humano como um todo e não para um problema específico ou segmento corporal. Para a obtenção de uma função motora eficiente, o fisioterapeuta deverá utilizar os procedimentos informados a seguir: • Aumentar a habilidade de mover-se e manter a estabilidade. • Guiar o movimento do paciente através de contatos manuais adequados e resistidos. • Auxiliar o ganho de coordenação motora. • Evitar a fadiga. Segundo o método, esses procedimentos podem ser utilizados em qualquer condição patológica, porém adaptações serão necessárias para as condições de cada paciente. Algumas contraindicações devem ser ressaltadas, como a presença de dor, fadiga, instabilidade articular e fraturas não consolidadas. Para a obtenção da facilitação da resposta muscular, o terapeuta poderá utilizar durante os exercícios: • Resistência: auxilia a contração muscular e o controle motor, além de favorecer o ganho de força. • Irradiação e reforço: efeitos neurofisiológicos baseados na ativação da resposta muscular ao estímulo. 53 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL • Contato manual: favorece o ganho de força através de toque e pressão. Além disso, o contato manual do terapeuta deve informar ao paciente a correta direção do movimento a ser realizado. • Posição corporal e biomecânica: guiam e controlam o movimento através do contato manual do terapeuta. • Comando verbal: através da utilização adequada de palavras e da entonação de voz do terapeuta, é possível recrutar maior empenho do paciente ao exercício. • Visão: o estímulo visual auxilia na realização e na direção adequada do movimento, uma vez que o paciente consegue corrigir sua posição e movimento. • Tração e aproximação: o alongamento ou a compressão das superfícies articulares estimulam os proprioceptores e, assim, facilita a contração muscular. • Reflexo de estiramento: o alongamento muscular rápido produz contração muscular e facilita o movimento. • Sincronização de movimentos: o sincronismo facilita o ganho de força muscular e a coordenação motora. • Padrões de facilitação: os movimentos sinérgicos em massa (padrões de movimento em diagonais) são componentes do movimento funcional. Os padrões de facilitação são considerados alguns dos procedimentos básicos do Kabat. A base científica dos princípios do método Kabat está em grande parte fundamentada nos trabalhos de Sir Sherrington (1947), dos quais citam importantes mecanismos neurofisiológicos: • Efeito pós-descarga: há persistência do efeito de um estímulo após sua interrupção. À medida que aumenta a intensidade e duração do estímulo também eleva o efeito pós-descarga. Exemplo: sensação de aumento de força muscular após uma contração estática mantida. • Somação temporal: a repetição (somação) de estímulos de baixa intensidade mantida durante um tempo, gera excitação. • Somação espacial: a oferta simultânea (somação) de estímulos diferentes também provoca excitação. • Irradiação: é recrutada diante de aumento e quantidade de estímulo que produz crescimento da resposta e sua disseminação. A resposta pode ser tanto de excitação como de inibição. • Indução sucessiva: há aumento na excitação dos músculos agonistas e em seguida do seu antagonista. • Inibição recíproca: a contração dos músculos agonistas é acompanhada pela inibição de seus antagonistas. Facilita a coordenação motora. 54 Unidade I Observação As somações temporal e espacial podem ser recrutadas ao mesmo tempo, provocando maior grau de excitação. A maioria das técnicas da FNP baseia-se nos benefícios obtidos com a realização de movimentos resistidos. Entre eles, podemos apontar a capacidade de facilitação da contração muscular, a melhora do controle motor, a consciência do paciente em relação ao movimento, além do ganho de força muscular. A resistência a ser utilizada deve ser adaptada às condições do paciente. Outra orientação importante é que durante a realização dos movimentos resistidos, a respiração do paciente deverá ocorrer normalmente e períodos de inspirações mantidas devem ser evitados. Segundo Adler, Beckers e Buck (1999), as técnicas do Kabat objetivam o movimento funcional através de facilitação, inibição, fortalecimento e relaxamento de grupos musculares, além disso, utilizam contrações excêntricas e concêntricas combinadas com resistência graduada e procedimentos de facilitação adequados, ajustados à necessidade do paciente. Observação Uma das principais ferramentas terapêuticas do método Kabat é a solicitação de movimentos em padrões diagonais de membros e tronco. Durante a realização desses padrões, o terapeuta, através das técnicas de tração, resistência e contato manual adequados ao paciente, consegue obter objetivos funcionais como coordenação motora, força muscular e resistência. Uma das justificativas desses padrões diagonais é a disposição fisiológica das fibras musculares e das forças de tensão dos ossos. 2.4 Método Brunnstrom Signe Brunnstrom (1898-1988) foi uma fisioterapeuta, cientista e educadora sueco-americana que descreveu a sequência de estágios de recuperação da hemiplegia, quadro motor resultante de um acidente vascular cerebral (AVC) e que foi denominado como abordagem de Brunnstrom. Ela elaborou as bases de seu método de tratamento em estudos na neurofisiologia, filogenia, ontogenia e observação clínica de seus pacientes hemiplégicos. Embora entre os pacientes que sofreram um AVC existam causas e lesões diferentes, Brunnstrom observou que após essa condição clínica, há uma evolução comum do comportamento motor. Foi essa compreensão que permitiu a caracterização desses estágios e a elaboração de estratégias de tratamento específicas. 55 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Para Brunnstrom, esses padrões de respostas são influenciados pela atividade reflexa primitiva devido a um processo de involução do sistema nervoso central (SNC), que favorece a ocorrência de movimentos estereotipados que refletem uma regressão motora a estágios de maturação presentes no SNC de uma criança. Para compreender a filosofia do método, você precisa lembrar que as primeiras respostas do SNC de uma criança são de natureza reflexa. Com o processo de maturação, essas respostas são modificadas tornando-se voluntárias e automáticas. Além disso, através da maturação de áreas sensoriais é adquirida a coordenação motora. Inicialmente, o predomínio dos reflexos está associado à ação de circuitos neurais localizados na medula espinal e tronco encefálico. Com o desenvolvimento, as respostas reflexas passam a ser inibidas pela ação de áreas corticais. A ocorrência de uma lesão neurológica irá interromper essa relação equilibrada de estruturas corticais e subcorticais, o que justifica o retorno de padrões primitivos e estereotipados. Entre esses padrões estão as sinergias musculares. Uma sinergia pode ser definida como sendo um grupo de músculos que agem em conjunto, como uma unidade funcional, porém apresentam natureza primitiva e reflexa, sendo controlada pelos neurônios medulares. A ativação de um dos músculos da sinergia promove a ativação dos demais, gerando os padrões flexor e extensor. Os quadros a seguir mostram as principais sinergias musculares flexora e extensora para membrossuperior e inferior, respectivamente, segundo Brunnstrom. Quadro 10 – Sinergias musculares de membro superior Segmento Sinergia flexora Sinergia extensora Cintura escapular Elevação/retração Depressão/pronação Ombro Abdução 90°/rotação externa Adução/rotação interna Cotovelo Flexão Extensão Antebraço Supinação Pronação Quadro 11 – Sinergias musculares de membro inferior Segmento Sinergia flexora Sinergia extensora Quadril Flexão/abdução/rotação externa Extensão/adução/rotação interna Joelho Flexão Extensão Tornozelo Dorsiflexão/inversão Flexão plantar/inversão Em relação ao comportamento de punho e dedos, embora seja variável de acordo com o grau de lesão do paciente, um padrão frequente é a combinação de flexão de punho e dedos na sinergia flexora e extensão de punho com flexão de dedos na sinergia extensora. 56 Unidade I De maneira geral, a sinergia flexora é frequente na extremidade superior e a extensora no membro inferior. Diante da sinergia, o paciente não consegue realizar movimentos ou contração muscular isolada. Além das sinergias musculares, uma característica em pacientes hemiplégicos é a interferência de atividade reflexa primitiva, que poderá facilitar ou inibir os movimentos voluntários e ajustes posturais. As reações associadas são atividades automáticas que fixam ou alteram a postura de parte do corpo, quando outra parte está em ação, por efeito voluntário ou estimulação reflexa. Um exemplo para facilitar sua compreensão é aquele na criança quando, ao iniciar um movimento complexo como manusear uma tesoura, é possível observar ao mesmo tempo movimentos da boca e da testa. No paciente hemiplégico, as reações associadas homolaterais ocorrem com maior frequência diante do aumento do tônus no lado comprometido, como, por exemplo, ao se realizar movimentos resistidos para a flexão no membro superior será observada também a mesma resposta de aumento do tônus no membro inferior. Mas as reações associadas podem ser heterolaterais, como, por exemplo, diante de movimentos resistidos para a flexão no membro não acometido, que acarretará crescimento do tônus flexor no membro acometido. As fases de recuperação funcional após um AVC, para Brunnstrom, são: • Fase I: presença de flacidez muscular. Não há atividade voluntária e reflexa no hemicorpo acometido, bem como as reações associadas. • Fase II: instalação inicial da espasticidade, com grau leve e apresentação de algumas sinergias básicas, como a flexão do cotovelo e a extensão do joelho. • Fase III: estabilização do grau de espasticidade, com combinação de aumento dos reflexos tendíneos, as sinergias básicas são controladas de forma voluntária, porém incompleta. • Fase IV: a espasticidade começa a perder sua intensidade. • Fase V: espasticidade esboçada. As sinergias não predominam mais e surgem os movimentos combinados. • Fase VI: espasticidade praticamente ausente e pode ocorrer contração muscular isolada. • Fase VII: restauração completa da função e coordenação motora. Atenção, algumas observações importantes sobre essa evolução são necessárias: • O retorno funcional nem sempre é total, uma vez que dependerá diretamente do grau da lesão cerebral. 57 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL • A sequência da evolução das fases é a mesma para todos os pacientes. Nos casos mais leves, pode ser rápida e até não observada. • Em algumas situações rotineiras, como espreguiçar-se ou espirrar, poderá ocorrer a sinergia. • As aquisições funcionais ocorridas com a evolução das fases seguem o processo de maturação do SNC. Determinar como será a evolução de cada fase é um processo difícil para o terapeuta, uma vez que a evolução funcional de cada paciente dependerá das características de sua lesão, como a extensão e a localização. De maneira geral, a persistência da fase aguda em que o paciente está flácido é indício de um prognóstico restrito de recuperação funcional. Aqueles que evoluírem num período em torno de semanas para as fases IV e V, são os que, em geral, possuirão recuperação total da função motora. Em outras situações, o paciente poderá apresentar uma evolução estacionária. Observação Na época da elaboração do método de Brunnstrom, devido ao pouco conhecimento sobre a plasticidade neural, a visão sobre a reabilitação para o paciente era restrita. Assim acreditava-se num período máximo de 6 meses de recuperação funcional após o AVC. Após esse período, o paciente era considerado como em “quadro estacionado” de evolução. Hoje a plasticidade neural e exames como a ressonância magnética funcional mostram que restringir um período para a recuperação funcional é um processo complexo e arriscado. Mas há um consenso de que a possibilidade de recuperação funcional é maior quando a reabilitação é iniciada na fase aguda. Importante ressaltar que o método de Brunnstrom baseia-se na reabilitação motora de pacientes hemiplégicos adultos com história clínica de AVC. 3 PATOLOGIAS NEUROLÓGICAS VASCULARES 3.1 Acidente vascular cerebral (AVC) O termo doença cerebrovascular (DCV) é amplo e envolve um conjunto de situações de natureza vascular que incluem o acidente vascular isquêmico (AVCI), o acidente vascular hemorrágico (AVCH), como as hemorragias intraparenquimatosa e a subaracnoide, o ataque isquêmico transitório (AIT) e a trombose venosa cerebral (TVC). Abordaremos as condições do AVCI, do AVCH e do AIT. 58 Unidade I As doenças cerebrovasculares correspondem a um grupo heterogêneo de afecções, que apresenta uma variabilidade no grau de acometimento, com situações graves como o infarto da artéria cerebral (80% de mortalidade) ou AIT, em que não há sequelas. Em ambas as situações, é consenso que a abordagem médica é urgente e muitas vezes define o grau de sequelas (BERTOLUCCI et al., 2016). Assim, através dos avanços tecnológicos e intervenções médicas de emergência, tem sido cada vez mais frequente maior sobrevida e qualidade de vida aos pacientes. É a prevenção das DCV e sobretudo a identificação e controle dos fatores de risco que devem ser valorizados diante da propensão de ocorrência dessa condição clínica. A observação do grau de vascularização presente em todas as áreas do encéfalo permite que seja possível concluir o quanto os neurônios e as células da glia são dependentes de um fluxo sanguíneo contínuo. Assim, também é possível compreender a rapidez da instalação de sinais neurológicos quando essa circulação se encontra comprometida, favorecendo a ocorrência do acidente vascular cerebral. Observação Mas qual é a terminologia correta: AVC ou AVE? Nitrini e Bacheschi (2015) relatam que a condição clínica do AVC não é restrita à área dos hemisférios cerebrais, sendo comum ocorrer em regiões como o tronco encefálico e o cerebelo. Daí a origem do termo acidente vascular encefálico (AVE), que é mais abrangente e próximo à condição real do acidente vascular. Mas ambos os termos são utilizados. AVC é o termo mais usual e comum na população, inclusive há também o termo derrame. Veremos adiante, que esse último pode ser utilizado quando o acidente vascular for do tipo hemorrágico. Na área da reabilitação, nos últimos anos, também são observados avanços na utilização de novos métodos de tratamento e exames radiológicos de imagem, como a ressonância magnética funcional, que auxilia na identificação das conexões das áreas afetadas após um AVC, bem como a utilização da robótica e da realidade virtual, que têm contribuído para uma visão mais otimista a respeito da recuperação funcional dos pacientes que sofreram um AVC. Esses recursos e a reabilitação motora de pacientes após AVC serão apresentados mais a seguir. É importante para o profissional estar habituado a visualizar as imagens radiológicas de tomografia computadorizada e ressonância magnética dos pacientes, pois essa prática o auxiliará a identificar a localização da lesão neurológica e sua gravidade, e também a compreender a evolução do paciente ao programa de fisioterapia. 59 FISIOTERAPIANEUROFUNCIONAL 3.1.1 Epidemiologia As DCV compõem a segunda causa de morte no mundo, sendo que no Brasil, no período de 2006 a 2010, foi a primeira causa de mortalidade, equivalendo a aproximadamente quase meio milhão de casos (NITRINI; BACHESCHI, 2015). Entretanto, há uma distribuição global heterogênea, com 85% das mortes ocorridas em países em desenvolvimento e um terço das pessoas em idade economicamente ativa. Atualmente, parece haver uma mudança nessa tendência, com maior envolvimento de pessoas mais jovens (próximo dos 30 anos), sobretudo nos países da América Latina e na Ásia (FILHO-OLIVEIRA; FREITAS, 2012). Em 2005, foram observados no Brasil 10% das mortes ocorridas relacionadas ao acidente vascular cerebral, e 10% das admissões nos hospitais públicos foram associados ao AVC. Além disso, o país gastou 2,7 bilhões de dólares em cuidados relacionados a doenças cardíacas, diabetes e acidente vascular cerebral (FILHO-OLIVEIRA, FREITAS, 2012). Um fato que chama a atenção é que além dos impactos pessoais e sociais gerados no indivíduo que sofre o AVC, haverá as consequências na economia do país, uma vez que a faixa etária atual envolve pessoas em momento ativo e produtivo para a sociedade. Com a ocorrência do AVC, muito provavelmente essa pessoa será afastada do trabalho temporariamente ou até de forma definitiva, devido às prováveis sequelas do episódio vascular. 3.1.2 Fatores de risco Um dos fatores que influenciam na gravidade do quadro e na mortalidade é a prontidão no reconhecimento dos sinais clínicos que sugerem sua instalação e o início da abordagem médica. Diante disso e principalmente nos riscos de sequelas ou até de evolução ao óbito, vários estudos sugerem a importância de campanhas educativas para que seja possível o reconhecimento imediato dos sinais clínicos e uma abordagem terapêutica mais precoce e eficaz. Mas sem dúvida, a prevenção de sua ocorrência é um dos principais métodos com significado eficaz de tratamento. Assim, reconhecer os fatores de risco para o AVC é essencial para sua prevenção, uma vez que auxilia na redução de custos hospitalares e de reabilitação (BRASIL, 2013). De maneira geral, os fatores de risco para o AVC podem ser classificados em fatores modificáveis (quando é possível o controle ou sua eliminação) e não modificáveis (aqueles em que não há possibilidade de eliminação ou alteração). No quadro a seguir são apresentados os fatores de risco para AVC modificáveis e não modificáveis, respectivamente. Quadro 12 – Fatores de risco modificáveis e não modificáveis para o AVC Fatores modificáveis Fatores não modificáveis Hipertensão arterial sistêmica (HAS) Idosos Tabagismo Sexo masculino Diabetes mellitus Negros (associação com HAS) 60 Unidade I Fatores modificáveis Fatores não modificáveis Dislipidemia Anemia falciforme Fibrilação arterial História familiar de AVC Outras doenças cardiovasculares História pregressa de AIT Adaptado de: Brasil (2013, p. 11-12). Seguem os fatores de risco potencial para a ocorrência do AVC, apontados pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2013, p. 12): • sedentarismo; • obesidade; • uso de anticoncepcional oral; • terapia de reposição hormonal pós-menopausa; • alcoolismo; • síndrome metabólica por aumento de gordura abdominal; • uso de cocaína e anfetaminas. 3.1.3 Fisiopatologia Para a compreensão da gravidade do acidente vascular cerebral e suas consequências, é necessário relembrar duas ferramentas básicas: a anatomia vascular cerebral e a fisiologia do tecido cerebral. O conhecimento sobre o sistema vascular cerebral auxilia o fisioterapeuta a compreender o quadro clínico apresentado pelo paciente, uma vez que os achados clínicos estarão diretamente relacionados à artéria envolvida no acidente vascular cerebral. Lembrete A observação do grau de vascularização presente em todas as áreas do encéfalo permite que você conclua o quanto os neurônios e as células da glia são dependentes de um fluxo sanguíneo contínuo. Assim, também é possível compreender a rapidez da instalação de sinais neurológicos quando essa circulação se encontra comprometida, favorecendo assim a ocorrência do acidente vascular cerebral. 61 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL 3.1.4 Anatomia vascular cerebral (AVC) A circulação encefálica é dependente de duas artérias carótidas internas e duas vertebrais, localizadas internamente ao espaço subaracnoide, e através de suas ramificações formam anastomoses responsáveis pelo círculo arterial do cérebro, ou também denominado polígono de Willis. O início da artéria carótida interna é na bifurcação da carótida comum, na dilatação conhecida como seio carotídeo. A partir daí ela ascende em direção ao pescoço e penetra na base do crânio pelo osso temporal. No espaço subaracnóideo se ramifica nas artérias cerebrais anterior e média. A artéria oftálmica é responsável pela vascularização do olho e estruturas orbitais, sendo formada quando a artéria carótida interna deixa o seio cavernoso. A artéria comunicante posterior é uma das artérias que compõem o polígono de Willis. Ela se origina da artéria carótida interna e segue acima do nervo oculomotor para se unir à artéria cerebral posterior. A artéria cerebral anterior também possui origem na artéria carótida interna. Em seu trajeto, dirige-se para frente e nas porções medial e superior ao nervo óptico, atingindo a fissura longitudinal do cérebro. Une-se à artéria cerebral anterior do lado oposto pela artéria comunicante anterior. Ramos corticais irão suprir a região medial do córtex cerebral até o sulco parietoccipital. Assim, irá suprir a região cortical, cujos neurônios representam a área da perna. Seus ramos centrais irão irrigar as estruturas dos núcleos lentiforme e caudado, bem como a cápsula interna. A artéria cerebral é um dos principais ramos da carótida interna, seus ramos corticais irrigam a face lateral do hemisfério, ou seja, toda a área motora, exceto a área cortical da perna. Os seus ramos centrais suprem os núcleos lentiforme e caudado, além da cápsula interna. A artéria vertebral inicia na primeira porção da artéria subclávia, ascende no pescoço pelos forames dos processos transversos das seis vértebras cervicais superiores. No crânio, através do forame magno, atravessa as meninges, atingindo o espaço subaracnóideo. Ascende sobre o bulbo na região anterior. Na região inferior da ponte, ao unir-se com o vaso do lado oposto, origina a artéria basilar. A artéria cerebelar inferior-posterior, um dos ramos da parte intracraniana da artéria vertebral, corresponde ao maior ramo que irá irrigar o bulbo, a face inferior do verme do cerebelo, núcleos cerebelares e o plexo corióideo do quarto ventrículo. A artéria basilar se forma a partir da união das artérias vertebrais, e ao preencher o sulco da face anterior da ponte, na região superior, ramifica-se nas duas artérias cerebrais posteriores. De seus ramos, merece destaque a artéria cerebelar inferior-anterior (irriga as partes anterior e inferior de cerebelo), a artéria cerebelar superior (irriga a parte superior do cerebelo) e a artéria cerebral posterior (ramos corticais responsáveis pela irrigação do córtex occipital, e os centrais pelo tálamo, núcleo lentiforme e mesencéfalo). 62 Unidade I O polígono de Willis está localizado na base inferior do cérebro. É composto de anastomoses entre as duas artérias carótidas internas e as duas artérias vertebrais. Há também colaboração das artérias comunicante anterior, cerebrais anteriores, carótidas internas, comunicantes posteriores, cerebrais posteriores e basilar. A importância da configuração do polígono de Willis está na possibilidade de oferta de sangue para qualquer parte dos dois hemisférios cerebrais, além disso, seus ramos corticais irrigam a parte central do cérebro. É possível observar variação entre indivíduos com relação ao tamanho das artérias, e inclusive haver ausência de uma ou duas artérias comunicantes posteriores. O quadro a seguir demonstra, de maneirageral, as principais artérias cerebrais e seus respectivos territórios de irrigação. Quadro 13 – Ramos arteriais e suas áreas específicas de irrigação Áreas específicas cerebrais Ramos arteriais Corpo estriado e cápsula interna Ramos centrais estriados mediais e laterais da artéria cerebral média Tálamo Ramos das artérias comunicante anterior, basilar e cerebral posterior Mesencéfalo Artérias cerebral posterior, cerebelar superior e basilar Ponte Artérias basilar e cerebelares inferior-anterior e superior Bulbo Artérias vertebral, espinais anterior e posterior, cerebelar inferior-posterior e basilar Cerebelo Artérias cerebelares superior, inferior-anterior e inferior-posterior Com relação ao sistema venoso, as veias são desprovidas de tecido muscular e válvulas. De maneira geral, saem do encéfalo e percorrem o espaço subaracnóideo e acabam drenando para os seios venosos da dura-máter. É possível observar pelo grau de vascularização que o suprimento sanguíneo capilar é maior na região de substância cinzenta, devido à localização dos corpos de neurônios e alta taxa metabólica. Importante lembrar que pela circulação arterial chegam nutrientes, oxigênio e glicose, enquanto dióxido de carbono e ácido lático são removidos pela circulação venosa. O sangue arterial é transportado pelas duas artérias carótidas internas e duas artérias vertebrais. A metade do encéfalo é irrigado pelas artérias carótida interna e vertebral e suas respectivas ramificações se encontram na artéria comunicante posterior. Porém, se houver uma oclusão em uma delas, o sangue prossegue ou recua desse ponto para que haja compensação da redução no fluxo sanguíneo. O polígono de Willis possibilita que o sangue circule pela linha média, mas uma vez no tecido cerebral, não são mais observadas anastomoses entre as artérias cerebrais. No quadro a seguir é possível observar algumas manifestações clínicas relacionadas ao acometimento específico de algumas artérias cerebrais. 63 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Quadro 14 – Associação entre as artérias cerebrais acometidas e manifestações clínicas Artéria Manifestação clínica Oftálmica Amaurose Artéria cerebral média Hemiparesia (plegia) contralateral, déficit de sensibilidade contralateral, afasia ou heminegligência Artéria cerebral anterior Déficit crural contralateral, alteração da marcha e incontinência urinária Artéria cerebral posterior Hemianopsia homônima contralateral Artéria vertebral Vertigem, paresia ipsilateral de nervos cranianos Artéria basilar Rebaixamento do nível de consciência, tetraparesia (plegia) e síndrome do cativeiro Fonte: Nitrini e Bacheschi (2015, p. 134). Observação Para o fisioterapeuta, o conhecimento prévio da estrutura anatômica e fisiológica do sistema vascular cerebral é importante no dia a dia da prática clínica para sua compreensão do quadro clínico do paciente e suas respostas diante da reabilitação motora. Acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI) O acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI), 80-85% das DCV, é referido como um episódio agudo de disfunção neurológica, com sintomas persistentes por mais que 24 horas, causada por infarto e dependente da distribuição territorial vascular definido (NITRINI; BACHESCHI, 2015). A elevada dependência de nutrientes e oxigênio do tecido cerebral resulta em sensibilidade reduzida diante de períodos curtos de isquemia. Outro fator que também contribui para a gravidade da isquemia é a presença de circulação colateral. Estudos com animais apontam que a interrupção da circulação sanguínea de 2 a 8 segundos pode ser suficiente para o surgimento irreversível de necrose tecidual (BERTOLUCCI et al., 2016). A etiologia da isquemia cerebral é extremamente variada, sendo decorrente do comprometimento da fisiologia do tecido cerebral. O fluxo sanguíneo cerebral (FSC) é de 50 mL de sangue por 100 g de tecido cerebral por minuto, sendo o consumo cerebral de O2 de 3,5 mL/100 g por minuto. Assim, a isquemia ocorre quando o FSC é reduzido a um nível não adequado para o suprimento sanguíneo tecidual. O grau da isquemia causada pela alteração do FSC em uma determinada artéria varia de acordo com as regiões dependentes dessa artéria. Será mais intensa no centro (core) e menos intensa na área denominada de penumbra. Uma retomada rápida da perfusão na área de penumbra pode impedir a evolução de lesão irreversível, ou seja, ao infarto. Com o retorno da perfusão sanguínea, os sintomas neurológicos desaparecem, caracterizando assim o denominado ataque isquêmico transitório (AIT), que geralmente precede um AVCI em 20% dos casos. 64 Unidade I O diagnóstico do AIT é extremamente importante para a prevenção de novos episódios isquêmicos. Ele pode ser definido como uma instalação aguda e súbita de sinais neurológicos vasculares, sem gerar lesão tecidual, detectável em exames de imagem, independentemente da duração dos sintomas (BERTOLUCCI et al., 2016). Houve uma alteração no conceito do AIT; devido à possibilidade de até 1/3 dos eventos com duração inferior a 24 horas (definição anterior do AIT), apresentam infarto cerebral quando utilizados exames como a RM. Assim, a definição atual considera a possibilidade de lesão tecidual, e não a duração dos sintomas (BERTOLUCCI et al., 2016). Os infartos lacunares são lesões com diâmetro de 3 mm a 20 mm, resultado da obstrução de pequenos ramos arteriais das artérias cerebrais médias, vertebrais, basilar ou do polígono de Willis. Para esse tipo de infarto, a hipertensão arterial e o diabetes mellitus são considerados os principais fatores de risco. Figura 10 – Representação de infartos lacunares Disponível em: https://bit.ly/38hgpcP. Acesso em: 27 ago. 2021. Outras situações clínicas que favorecem a ocorrência do acidente vascular incluem as vasculites autoimunes relacionadas a outras doenças sistêmicas e vasculites primárias do SNC. Conforme Nitrini e Bacheschi (2015, p. 143), é possível observar alguns fatores etiológicos para o AVCI: • trombose (grandes, médias e pequenas artérias); • embolia (cardíaca ou arterial); • hipotensão arterial grave; • redução do fluxo sanguíneo devido à estenose ou à oclusão arterial; 65 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL • fibrilação atrial; • aterosclerose de grandes artérias. De maneira geral, os sinais e sintomas clínicos dependerão diretamente da extensão da lesão e da artéria comprometida. Conforme caracterização clínica do AVC, a instalação dos sinais clínicos é súbita e são comuns a hemiparesia, hemi-hipoestesia, afasia, ataxia, diplopia e hemianopsia. A cefaleia pode estar presente, porém é mais frequente no AVCH. A avaliação neurológica do paciente não somente auxilia o médico na determinação da hipótese diagnóstica, mas também pode sugerir o provável sistema arterial envolvido (o carotídeo ou vertebrobasilar). A avaliação não substitui a necessidade dos exames como a tomografia computadorizada (TC) de crânio e pescoço e a ressonância magnética, que confirmarão o acidente vascular cerebral. Todavia, é importante ressaltar que a imagem da TC durante as primeiras horas após um processo isquêmico não mostrará alterações, ou, se houver, serão sutis, como apagamento de sulcos corticais ou perda da diferenciação entre as substâncias branca e cinzenta. A principal alteração na TC será uma hipoatenuação na área encefálica com infarto, que será observável, geralmente, após 24 horas do evento vascular (NITRINI; BACHESCHI, 2015). A RM é mais significativa quando comparada à TC, mesmo durante as primeiras horas após o AVCI. Figura 11 – Ressonância magnética de crânio de uma AVCI Fonte: Bastianetto e Pinto (2014, p. 139). 66 Unidade I Observe na figura 11 que a definição da área de isquemia é extensa. Entretanto, devido às condições financeiras exigidas para um exame de ressonância magnética, geralmente é solicitada em um primeiro momento a TC diante da suspeita do AVC. Além disso, a TC possibilita a identificação imediata de um processo hemorrágico, que como86 5.1.2 Fisiopatologia ........................................................................................................................................... 87 5.1.3 Avaliação neurológica inicial ............................................................................................................. 94 5.1.4 Classificação do TCE pelo nível de consciência .......................................................................... 98 5.1.5 Tratamento ................................................................................................................................................ 99 5.1.6 Coma e morte encefálica ...................................................................................................................100 5.2 Lesão medular ......................................................................................................................................101 5.2.1 Anatomia da medula espinal ...........................................................................................................101 5.2.2 Trauma raquimedular ..........................................................................................................................104 5.2.3 Classificação da lesão medular .......................................................................................................109 5.2.4 ASIA (American Spine Injury Association) ...................................................................................111 5.2.5 Avaliação diagnóstica .........................................................................................................................114 5.2.6 Tratamento ..............................................................................................................................................115 5.3 Afecções dos gânglios da base (núcleos da base) .................................................................117 5.3.1 Anatomia e fisiologia dos gânglios da base ...............................................................................118 5.3.2 Aspectos fisiopatológicos dos gânglios da base ......................................................................119 5.3.3 Síndrome parkinsoniana ................................................................................................................... 120 5.3.4 Hipercinesias .......................................................................................................................................... 130 5.4 Doenças desmielinizantes e esclerose lateral amiotrófica (ELA) .....................................135 5.4.1 Esclerose múltipla (EM) ..................................................................................................................... 135 5.4.2 Esclerose lateral amiotrófica (ELA)................................................................................................ 144 6 PATOLOGIAS DO SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO ...........................................................................150 6.1 Neuropatias periféricas ....................................................................................................................150 6.1.1 Classificação das neuropatias periféricas (NP) .........................................................................151 6.1.2 Sintomas e sinais clínicos ................................................................................................................. 152 6.1.3 Diagnóstico ............................................................................................................................................ 155 6.1.4 Polirradiculoneurite aguda ou síndrome de Guillain-Barré (SGB) .................................. 156 6.1.5 Neuropatia diftérica ........................................................................................................................... 158 6.1.6 Neuropatia alcoólica .......................................................................................................................... 159 6.1.7 Neuropatia por deficiência da vitamina B12 ........................................................................... 160 6.1.8 Neuropatia diabética .......................................................................................................................... 160 6.2 Lesões nervosas periféricas ............................................................................................................163 6.2.1 Lesões dos plexos nervosos .............................................................................................................. 163 6.2.2 Lesões dos troncos nervosos ........................................................................................................... 165 6.2.3 Lesões traumáticas dos nervos periféricos ................................................................................ 166 Unidade III 7 ASPECTOS PRÁTICOS DA FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL (PARTE I) ....................................174 7.1 Fisioterapia no acidente vascular cerebral ...............................................................................174 7.1.1 Evolução clínica .................................................................................................................................... 175 7.2 Fisioterapia no traumatismo cranioencefálico .......................................................................185 7.2.1 Fase aguda (hospitalar) ..................................................................................................................... 186 7.2.2 Fase crônica (ambulatorial) ............................................................................................................. 189 7.3 Fisioterapia no trauma raquimedular (TRM) ...........................................................................192 7.3.1 Evolução clínica do trauma raquimedular ................................................................................ 193 7.3.2 Complicações clínicas ........................................................................................................................ 196 8 ASPECTOS PRÁTICOS DA FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL (PARTE II) ..................................205 8.1 Fisioterapia nas doenças dos gânglios da base ......................................................................205 8.1.1 Caracterização clínica e principais escalas ................................................................................ 206 8.1.2 Intervenção fisioterapêutica ........................................................................................................... 208 8.2 Fisioterapia nas doenças desmielinizantes e esclerose lateral amiotrófica (ELA) ..............214 8.2.1 Fisioterapia e esclerose múltipla (EM) ..........................................................................................214 8.2.2 Fisioterapia e esclerose lateral amiotrófica (ELA) ....................................................................217 8.3 Intervenção fisioterapêutica nos tumores cerebrais ............................................................224 8.4 Fisioterapia nas polineuropatias e lesões periféricas ...........................................................227 9 APRESENTAÇÃO O livro-texto Fisioterapia Neurofuncional possui como objetivo apresentar a você, estudante, os principais tópicos da área da neurologia que contribuirão para a aquisição de seu conhecimento básico sobre esse importante campo de atuação da fisioterapia. Na unidade I, focaremos na semiologia neurológica, em que descreveremos os procedimentos de avaliação fisioterapêutica neurológica, os principais déficits neurológicos e sua correlação com as áreas e estruturas anatômicas envolvidas. O paciente neurológico é caracterizado de maneira geral, sendo apontadas as repercussões funcionais e psicológicas que a lesão neurológica frequentemente ocasiona no indivíduo adulto. Além dos tópicos da avaliação neurológica, os métodos e recursos fisioterapêuticos utilizadosveremos, é o que está mais relacionado com a evolução de óbito após o acidente vascular cerebral. Com relação ao diagnóstico diferencial, é necessário a inclusão de situações como próprio AVCH, tumores, crises epilépticas e distúrbios metabólicos. Segundo Nitrini e Bacheschi (2015, p. 139), seguem outros exames clínicos, complementares, que poderão colaborar com os de imagem para o diagnóstico e a causa do AVCI: • Exames de sangue: bioquímico, hemograma, coagulograma, sorologia para lúpus, sorologia para doença de Chagas. • Investigação de embolia cardíaca: eletrocardiograma, ecocardiograma transtorácico, Holter. • Investigação de trombose arterial ou embolia: angiotomografia, angiorressonância, doppler de artérias carótidas. Para o tratamento e o prognóstico do AVCI, fatores como idade e extensão da lesão devem ser considerados. Um dos principais objetivos do tratamento será manter a integridade do tecido cerebral da área de penumbra, que possibilitará a redução do comprometimento neurológico e, assim, a qualidade de vida do paciente. O conceito de que “tempo é cérebro” é fundamental para a abordagem médica do AVCI, pois conforme vimos tratar-se de uma emergência, é necessária a existência de unidades especializadas de AVC nos grandes centros hospitalares, onde uma equipe multidisciplinar deverá atuar para a redução de mortalidade e risco de incapacidade. São fatores que colaboram para uma evolução favorável: monitorização e tratamento de pressão arterial, glicemia e oxigenação sanguínea, proteção de via aérea e prevenção de complicações como pneumonia, trombose venosa profunda e embolia pulmonar (NITRINI; BACHESCHI, 2015). A alteplase (rt-PA endovenoso) é uma droga endovenosa utilizada para a terapia trombolítica com objetivo de restaurar o fluxo sanguíneo cerebral, sua utilização produz efeitos positivos para a redução de incapacidade, porém o paciente precisa apresentar indicações específicas para o procedimento (BERTOLUCCI et al., 2016). Lembrete É importante estar habituado a visualizar as imagens radiológicas de tomografia computadorizada e ressonância magnética dos pacientes, pois essa prática auxiliará você a identificar a localização da lesão neurológica e sua gravidade, e também a compreender a evolução do paciente ao programa de fisioterapia. 67 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Acidente vascular cerebral hemorrágico (AVCH) Segundo Bertolucci et al. (2016), a hemorragia intracerebral espontânea geralmente está relacionada à ruptura de um vaso intracraniano que resulta no extravasamento de sangue para o tecido cerebral. O AVCH possui uma incidência de 15 a 33 por 100.000 habitantes/ano, podendo chegar a 145 por 100.000 em pacientes acima de 75 anos. Pode ser profundo quando localizado próximo aos núcleos da base, tálamo, ponte e cerebelo, ou lobar quando ocorrer nos lobos cerebrais. O AVCH pode ser classificado em intraparenquimatoso ou subaracnóideo, dependente da artéria envolvida. Na hemorragia intraparenquimatosa (HIP), a localização do foco hemorrágico está no parênquima encefálico e resulta do sangramento de uma artéria profunda do encéfalo. Equivale a 10% dos acidentes vasculares cerebrais, segundo estudos americanos e europeus. No Brasil, por estar diretamente relacionada à hipertensão arterial, acredita-se em uma porcentagem elevada. De acordo com Nitrini e Bacheschi (2015, p. 135), a seguir apontamos alguns fatores etiológicos associados à hemorragia intraparenquimatosa (HIP): • hipertensão arterial; • angiopatia amiloide; • malformações vasculares (aneurismas, malformações arteriovenosas, angiomas cavernosos); • anticoagulantes fibrinolíticos; • fármacos simpatomiméticos (fenilpropanolamina, isometépteno, anfetaminas, cocaína, crack). Você sabe o que é um aneurisma? Um aneurisma é uma dilatação vascular que geralmente possui forma sacular. Na região do vaso em que ele se encontra, as paredes são mais delgadas, o que favorece o sangramento ou até mesmo sua ruptura. Os aneurismas arteriais intracranianos podem ocorrer em qualquer artéria, apesar de haver preferência nas regiões de bifurcações arteriais e, em especial, da circulação anterior do cérebro (figura a seguir). Quanto à etiologia, pode ser congênito, incorporando um tipo de malformação arteriovenosa (MAV), ou adquirido, sendo a hipertensão arterial a sua principal causa. Um dos principais exames de imagem que auxiliam na sua identificação e no seu diagnóstico é a angiografia cerebral. 68 Unidade I A abordagem médica dependerá não somente do seu tamanho, mas também de sua localização, que poderá inviabilizar a intervenção cirúrgica de ressecção ou clipagem, devido ao risco de sangramento ou ruptura durante o procedimento. Artéria cerebral anterior Artéria cerebral média Figura 12 – Representação de um aneurisma cerebral Fonte: Queiroz (2010, p. 17). As manifestações clínicas do AVCH são caracterizadas, em grande parte, pelos efeitos súbitos do aumento da pressão intracraniana (HIC), que incluem cefaleia, vômitos e alteração do nível de consciência, além dos sinais focais associados à área de lesão. Assim, o hematoma e a gravidade do quadro clínico são fatores importantes para a morbimortalidade. O principal exame de imagem para a confirmação da HIP é a tomografia computadorizada, em que pode ser evidenciada a extensão da hemorragia e a ocorrência da hidrocefalia. Com relação à RM, não há grandes diferenças na imagem quando comparada à TC. Vale lembrar que enquanto a lesão isquêmica é hipoatenuante na TC, o sangue, por conter elevada densidade, semelhante ao osso, se apresentará como uma “mancha” branca, hiperatenuante, conforme pode ser observado na figura a seguir. 69 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Figura 13 – Imagem de tomografia computadorizada de um AVCH Fonte: Machado et al. (2010, p. 603). Além do efeito compressivo do sangue, responsável pela elevação da pressão intracraniana, observado na figura 13, pelo desvio da linha média entre os dois hemisférios, a presença do sangue no parênquima cerebral é considerada tóxica devido às alterações bioquímicas e celulares no local do sangramento (área branca da figura). Note que ao redor da área esbranquiçada (sangue) há um contorno escuro ao longo de toda a área de lesão. Esse contorno nada mais é que a área de penumbra de um processo hemorrágico, evidenciando sofrimento isquêmico dos neurônios localizados no entorno da área do sangramento. Para Nitrini e Bacheschi (2015), o prognóstico não é favorável diante da HIP, uma vez que metade dos pacientes possui tendência de evolução para o óbito, em média de 30 dias e apenas em 1/5 haverá a recuperação funcional após 6 meses. O tratamento médico da HIP, de maneira geral, envolve cuidados amplos (controle hemodinâmico), manejo da hipertensão intracraniana (HIC) e intervenção cirúrgica. Já a hemorragia subaracnoide (HSA) é resultado do sangramento de uma artéria situada no espaço subaracnóideo, podendo ser de natureza espontânea ou traumática. Em relação aos outros tipos de AVC, corresponde a 5-10% dos casos. A principal causa é a presença de aneurismas (80%), sendo elevada sua taxa de morbidade e mortalidade (NITRINI; BACHESCHI, 2015). Mulheres e pessoas negras em geral possuem maior risco a esse tipo de AVC. Outros fatores de risco a serem apontados são: tabagismo, hipertensão arterial (HAS), etilismo e história familiar. 70 Unidade I Como sintomas da HSA, são frequentes intensa cefaleia súbita associada a dor cervical e nucal, além de vômitos, fotofobia e perda do nível de consciência. A TC de crânio é a imagem eletiva que evidenciará presença de sangue no espaço subaracnoide nas primeiras horas após o início dos sintomas. A análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) pode auxiliar o diagnóstico quando a TC não for conclusiva. Comprometimento do nível de consciência, idade avançada e grande volume de sangue na TC são fatores que não favorecem uma evolução positiva para esse tipo de acidente vascular cerebral.Embora as diferentes condições clínicas envolvidas no acidente vascular cerebral possam contribuir para o óbito do paciente, a maioria sobrevive, mas com limitações motoras, sensoriais, cognitivas e até psíquicas que, com frequência, limitam sua independência funcional. O programa de reabilitação do paciente após um AVC é complexo e engloba a ação de profissionais de diferentes áreas. A intervenção fisioterapêutica se faz necessária a partir do momento em que houver estabilização e controle das causas do AVC, e se inicia ainda na fase hospitalar. Esse tema será abordado mais a seguir. 4 TUMORES CEREBRAIS Os tumores que acometem o sistema nervoso são originados a partir das diferentes células que compõem o sistema nervoso central e periférico. É uma condição que pode afetar indivíduos de faixas etárias variadas, e embora haja alguns fatores que estejam mais envolvidos em seu desenvolvimento, ainda não há um consenso com relação à etiologia. Destacam-se para o desenvolvimento dos tumores cerebrais (TC) fatores genéticos, hormonais e ambientais. História de algumas situações patológicas, como traumatismo craniano, epilepsia, infecções cerebrais, contato com animais e exposição a substâncias tóxicas como pesticidas, podem estar relacionadas ao risco de seu desenvolvimento. De maneira geral, os TC são raros, porém nas últimas décadas tem sido relatado um aumento em pessoas idosas, que pode ser descrito tanto em relação à incidência como à mortalidade. Associa-se essa tendência a alguns fatores como o avanço tecnológico nas medidas de diagnóstico e exames (tomografia computadorizada, ressonância magnética), e mais cuidados à população idosa. Não são descartadas situações ambientais favoráveis e redução de exposição a fatores de proteção. Um desses fatores, que merece destaque para a origem das neoplasias do sistema nervoso, é a ocorrência de mutações gênicas que inativam determinados genes supressores de tumores, como, por exemplo, o gene TP53. Mas ainda não são conhecidos os agentes causadores dessas mutações, que podem ser de natureza física, química e até infecciosa. Em 5% dos casos é encontrada uma associação genética e familial. 71 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Uma referência na epidemiologia dos tumores cerebrais é aquela observada nos Estados Unidos (EUA), em que são descritos 7 a 19 casos por 100.000 habitantes, sendo o número de óbitos esperados por ano em torno de 100.000 por ano, decorrentes de metástases cerebrais. Em relação Brasil e demais países, acredita-se que seja semelhante à descrita nos EUA. 4.1 Clínica De maneira geral, não é observado um padrão específico para as manifestações clínicas que faça o médico pensar em um primeiro momento no diagnóstico de tumor cerebral. Os sintomas incluem cefaleia, convulsões, déficits neurológicos focais e até alterações cognitivas e de personalidade. Observe que esses sintomas também podem ser encontrados em outras patologias neurológicas. As manifestações clínicas são resultado do efeito compressivo que o tumor exercerá sobre o tecido neural, sendo influenciadas pela velocidade de crescimento da massa tumoral. Existem tumores que crescem de forma lenta, e, assim, ao serem diagnosticados, já apresentam um grande volume. Mas, como ocorre o seu crescimento sem que sejam observados sintomas clínicos evidentes? Devido ao efeito de acomodação do próprio tecido cerebral. São exemplos desses tumores: os meningiomas e alguns gliomas. Há aqueles que durante o crescimento provocam edema tecidual e assim surgem sintomas focais, isto é, dependentes diretamente do local em que estão, e pelo efeito do edema causam sintomas, mas que não chegam a assumir grandes volumes. A cefaleia é um dos principais sintomas. De maneira geral, é resultado da compressão de estruturas nervosas ricas em terminações nervosas dolorosas, como o periósteo, a dura-máter e a parede arterial. Além disso, fatores como aumento da pressão intracraniana devido ao efeito de massa causado pelo tumor, hidrocefalia e edema próximo ao tumor podem causar a cefaleia, presente em 1/3 dos pacientes. É caracterizada como inespecífica, sendo em 77% do tipo tensional e em 8% de enxaqueca. Algumas situações podem estar associadas ao seu surgimento, tais como: piora da dor ao tossir, despertar noturno devido à dor, associação a quadros como náuseas, vômitos e déficits neurológicos focais. Comprometimento ao nível do córtex cerebral pode se refletir na forma de alterações de comportamento, memória e até redução do nível de consciência. O mesmo pode ser mencionado a respeito das convulsões, que podem ser parciais ou generalizadas. Vamos citar a associação de alguns sintomas clínicos com a localização do tumor cerebral. 72 Unidade I • Lobo frontal: — apraxia; — afasia; — alterações de personalidade (desinibição, afeto inapropriado); — crises convulsivas; — hemiparesia. • Lobo temporal: — crises convulsivas; — redução de memória; — afasia; — alucinações olfativas e auditivas. • Lobo parietal: — alterações de sensibilidade contralateral; — afasia; — negligência do hemicorpo contralateral; — apraxia ideomotora. • Lobo occipital: — hemianopsia homônima; — alexia. • Tronco cerebral: — vertigem, náuseas e vômitos; — neuropatia dos nervos cranianos; 73 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL — hemiparesia, hemiplegia; — alterações sensibilidade; — hidrocefalia. • Cerebelo: — cefaleia occipital, vertigem; — ataxia, dismetria, tremor de intenção; — hemiparesia, hemiplegia; — hidrocefalia. 4.2 Classificação Os tumores cerebrais podem ser classificados em primários, secundários ou metastáticos. Em decorrência de suas características específicas, ainda podem ser descritos aqueles que acometem diretamente a coluna vertebral e a medula espinal. A seguir são citados os principais tumores cerebrais primários de acordo com a sua origem celular: • Origem glial: — astrocitoma: - astrocitoma benigno; - astrocitoma pilocítico; - astrocitoma anaplásico; - gliobastoma multiforme; - oligodendroglioma. — tumor ependimal: - ependioma celular; 74 Unidade I - ependioma anaplásico; - epindioma mixopapilar. — tumor do plexo coroide: - papiloma do plexo coroide; - carcinoma do plexo coroide. • Origem não glial: — origem neural progenitor: - gaglioneuroma; - neuroblastoma; - tumor primitivo do neuroectoderma. — tumor mesenquimal ou meníngeo: - meningioma; - hemangioblastoma; - hemangiopericitoma. — adenoma pituitário: - microadenoma; - macroadenoma. Com relação às principais localizações dos tumores cerebrais, podemos apontar: • Cerebral (supratentorial): — astrocitoma; — meningiomas; — oligodendroglioma; 75 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL — lesão metastásica; — linfoma. • Cerebelo e tronco cerebral (infratentorial): — schwanoma; — meningiomas; — astrocitoma; — cisto pineal. • Ventrículos laterais: — astrocitoma; — ependioma; — neurocitoma central. • Terceiro ventrículo: — astrocitoma; — cisto coloide; — neurocitoma central. Vamos descrever algumas características dos principais tumores cerebrais. Astrocitoma Os astrocitomas são uns dos mais frequentes tumores cerebrais primários (60%). Podem ser classificados de acordo com a histologia, em graus I a IV. Porém outro critério utilizado é o grau de malignidade. Os astrocitomas I e II são considerados de baixo grau de malignidade, enquanto os de III e IV são de alto grau de malignidade, com evolução rápida. O astrocitoma anaplásico e o glioblastoma multiforme (GBM) são exemplos desse grupo. 76 Unidade I Os astrocitomas possuem características diferentes, sendo que podem se manter estáveis durante anos ou apresentarem evolução rápida para os graus III e IV. Aqueles com um grau baixo de malignidade são mais frequentes em crianças e adultos jovens, e os de malignidade maior afetam mais os idosos. Com relação aos exames de imagem, em tomografia computadorizada (TC) e ressonância nuclear magnética (RNM), figura a seguir, os de baixo grau seapresentam hipodensos. Não é comum a associação de edema cerebral, e em 10-20% dos casos há calcificações. Em contrapartida, os astrocitomas de maior grau de malignidade possuem uma área central hipodensa na TC, que geralmente é equivalente à necrose, e o edema ao redor da área tumoral é mais comum. De maneira geral, o tratamento irá variar de acordo com o grau de malignidade do astrocitoma. Àqueles de maior malignidade são indicadas a ressecção combinada à radioterapia e quimioterapia. Fatores como grau de malignidade, idade do paciente (menor que 40 anos), tratamento cirúrgico, bem como estado geral do indivíduo influenciam no prognóstico final. T2 Flair T1 T1 c/cte Figura 14 – RM de astrocitoma pilocítico Fonte: Docampo et al. (2014, p. 77). Oligodendroglioma Esse tumor equivale a 2-4% dos tumores cerebrais primários, sendo as crises convulsivas um achado clínico comum. São classificados em baixo grau e anaplásicos, com diferenças observadas nos exames de imagem, como a presença de calcificações na TC no de baixo grau e a possibilidade de impregnação por contraste no caso dos anaplásicos. 77 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL A) D) B) E) C) F) Figura 15 – RM de oligodendroglioma anaplásico Fonte: Illescas (2020, p. 14). O tratamento geral envolve cirurgia e quimioterapia. O prognóstico de vida para os casos de oligodendroglioma de baixo grau varia em torno de 5 anos. Ependimoma As células ependimárias estão presentes no revestimento interno dos ventrículos e do canal central da medula espinal; 70% ocorrem na região do IV ventrículo. A metástase ocorre através do liquor em 11% dos casos, sendo a medula espinal a área mais acometida; hidrocefalia é um sinal clínico comum. A abordagem terapêutica envolve a ressecção cirúrgica associada à radioterapia. Meduloblastoma Também conhecido como neuroectodérmico primitivo, é o segundo tumor cerebral mais comum em crianças, após os astrocitomas, sendo encontrado principalmente na região do IV ventrículo. Um sintoma clínico inicial é a hidrocefalia, e um achado radiológico na RNM com contraste é uma lesão mediana ou paramediana na fossa posterior. O tratamento geralmente consiste em cirurgia combinada à radioterapia. A introdução de derivação ventrículo-peritoneal pode ser necessária em 30-40% dos pacientes e a sobrevida varia em média de 5 anos. 78 Unidade I Meningioma Equivale a 20% dos tumores cerebrais, sendo uma forma benigna de tumor que acomete o SNC, uma vez que raramente invade o parênquima cerebral, sendo originado a partir das células aracnoides. Possui crescimento lento e pode surgir após radioterapia intensa em tratamento de câncer de cabeça e pescoço. Costuma ser observado na região da foice do cérebro, convexidade cerebral, fossa anterior da base do crânio e osso esfenoide. Em termos de imagem radiológica, na TC há lesões bem delimitadas e impregnadas por contraste, e calcificações podem estar presentes. O tratamento é cirúrgico e a ressecção total deve ser objetivada. A radioterapia é a combinação mais frequente juntamente à intervenção cirúrgica. A taxa de recidiva após a ressecção total é de 7% em média durante 5 anos, sendo essa porcentagem maior quando a ressecção tiver sido incompleta. Linfoma O linfoma no SNC pode ser classificado em primário ou secundário, sendo este resultado de estados avançados de linfomas sistêmicos. A forma primária está associada a situações clínicas de imunodeficiência e imunossupressão, como, por exemplo, pacientes com diagnóstico de HIV e transplantados. Os sintomas clínicos dependerão da localização do tumor, sendo muito variável, mas merecem destaque a compressão epidural da medula espinal e meningite carcinomatosa. As características radiológicas (ver figura) incluem múltiplas lesões, que são realçadas com contraste e combinação de edema. A) B) C) Figura 16 – RM linfoma no SNC Fonte: Reis, Schwingel e Nascimento (2013, p. 112). 79 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Essa combinação de radioterapia e quimioterapia é a abordagem de tratamento utilizada, sendo estimada uma sobrevida média de 13 meses para a maioria dos pacientes. No caso do linfoma secundário, a sobrevida dependerá diretamente do estado geral sistêmico do paciente. Schwanoma O mais frequente dessa categoria possui origem na porção vestibular do VIII nervo, recebe o nome de schwanoma do acústico. Em menor frequência pode ocorrer o acometimento do V, IX, X ou XII nervo. Outra nomenclatura para esse tumor é neurinoma do acústico, que corresponde a 10% de todos os tumores cerebrais. Algumas características clínicas incluem que 95% deles são unilaterais e geralmente podem causar redução da acuidade auditiva, vertigem, zumbido, paresia facial, ou dormência decorrente da compressão do VIII ou V nervo craniano também é citada. Dependendo do tamanho do tumor, o tronco cerebral e o cerebelo podem sofrer compressão e gerar hidrocefalia, hemiparesia, ataxia e comprometimento do nível de consciência. Esses tumores são altamente impregnados por contraste, e exames audiológicos podem auxiliar no diagnóstico. Na audiometria pode ocorrer perda auditiva neurossensorial e redução na discriminação de voz, e a compressão do nervo auditivo pode ser observada através do potencial evocado auditivo do tronco cerebral. O tratamento eletivo é a ressecção cirúrgica, sendo curativa para a maioria dos pacientes. Uma complicação comum é a paralisia facial. Tumores da região pineal Embora tumores nessa região equivalham a 1% de todos os tumores primários cerebrais, as manifestações clínicas incluem hidrocefalia e compressão do tronco cerebral, ataxia e rebaixamento do nível de consciência. Porém a maioria é benigna. Geralmente, crescem a partir de células do parênquima pineal dando origem a pineocitomas ou pineoblastomas. Neuroimagens como TC e RNM são essenciais para o diagnóstico, além da análise histológica, porque diferentes tipos de tumores podem se desenvolver nessa região. O tratamento requer a ressecção, uma vez que um terço são benignos. A combinação da cirurgia de ressecção com a radioterapia pode ser necessária, o que favorece uma sobrevida de 5 anos, em média, para os pacientes com tumores malignos. 80 Unidade I Metástases cerebrais Aproximadamente 20-30% dos casos de câncer sistêmico evoluem para metástase cerebral. Duas estruturas que merecem destaque nessa evolução são o pulmão (40%) e a mama (20%). Melanoma, câncer gastrointestinal e renal também podem apresentar essas metástases. As lesões, no geral, são supratentoriais (80%), no cerebelo (10-15%) e no tronco cerebral (3-5%). Em crianças, as metástases cerebrais são raras, sendo mais frequentes em adultos com mais de 40 anos. As manifestações clínicas são semelhantes àquelas encontradas nos tumores cerebrais primários, sendo dependentes da localização e do tamanho do tumor. Entre elas, a cefaleia é frequente, bem como a alteração do estado mental e déficits neurológicos focais, que incluem hemiparesia, ataxia, afasia e distúrbios sensoriais. As convulsões estão presentes em 10% dos pacientes. Lesões múltiplas, principalmente entre a junção das substâncias branca e cinzenta, são observadas tanto na tomografia computadorizada como na ressonância magnética. Como abordagem de tratamento, a cirurgia será uma opção, dependendo do tamanho e da localização das lesões. Outro fator a ser verificado é a situação clínica do câncer sistêmico. No geral, a apresentação de metástase cerebral é um indicativo de mau prognóstico. 4.3 Tumores de crânio Alguns dos principais efeitos dos tumores de crânio, sejam benignos ou malignos, são a compressão e destruição do tecido cerebral. Seguem os principais tumores de crânio e suas respectivas localizações no quadro a seguir. Quadro 15 – Representação dos tumores de crânio e sua localização Tumor Localização Osteoma Seio paranasal, órbita Condroma Base do crânio, sino paranasal Hemangioma Coluna vertebral, calvária Condrosarcoma Base do crânio OsteossarcomaBase do crânio Fibrossarcoma Todas as regiões do crânio Os achados radiológicos observados na tomografia computadorizada e na ressonância magnética contribuem para o diagnóstico. A cirurgia de ressecção é uma das principais opções de tratamento. 81 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL 4.4 Tumores medulares Os tumores medulares ocorrem principalmente em jovens e adultos de meia-idade. A medula espinal pode ser acometida em toda sua extensão. Podem ser classificados em intramedulares (gliomas e ependimomas), extramedular intradural (neurofibromas e meningiomas) e extramedulares extradurais, sendo esses mais comuns em metástases. Os sítios mais frequentes de metástases são os corpos vertebrais e no espaço epidural, decorrentes de câncer primário do pulmão e da mama. Com relação às manifestações clínicas, os tumores extramedulares resultam diretamente da compressão do tecido nervoso, enquanto os intramedulares acometem diretamente o parênquima neuronal. História clínica associada ao exame físico e análise radiológica são determinantes para a confirmação do diagnóstico. No caso dos tumores extramedulares, ao acometerem um segmento focal da medula espinal, estão associadas às raízes nervosas, produzindo sintomas como dores radiculares, parestesias, dormência e fraqueza distribuída pelas raízes nervosas afetadas. Ainda são possíveis paresia espástica, dormência abaixo da lesão, hiper-reflexia e disfunção vesical e intestinal. Já nos tumores intramedulares, a manifestação clínica é variável, pois pode envolver apenas um pequeno segmento ou estender para toda medula espinal. Saiba mais A craniotomia descompressiva é um procedimento cirúrgico utilizado em várias situações neurológicas graves, como traumatismos cranioencefálicos, acidente vascular cerebral e tumores cerebrais. Devido ao aumento da pressão intracraniana, uma parte de um dos ossos do crânio é retirada no lado acometido, o que permite a liberação do tecido cerebral edemaciado. Como consequência, o paciente fica com uma aparência estranha, dando a impressão de que uma parte da cabeça foi retirada. Segundo Maricevich e Campolina (2017), a reconstrução da calota craniana (cranioplastia) pode ser realizada com osso autólogo ou com materiais aloplásticos. Conheça mais sobre a técnica, na leitura do artigo: MARICEVICH, P; CAMPOLINA, A. C. Reconstrução de calota craniana com prótese customizada de PMMA após craniectomias descompressivas. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, v. 32, n. 1, p. 46-55, 2017. Disponível em: https://bit.ly/3hjIg1c. Acesso em: 8 set. 2021. 82 Unidade I Resumo Nesta primeira unidade, foi possível abordar os tópicos principais que compõem uma avaliação neurológica e seus respectivos procedimentos técnicos. A interpretação clínica realizada pelo neurologista e pelo fisioterapeuta difere em relação ao objetivo da avaliação neurológica. Para o neurologista, essa avaliação busca a identificação de um diagnóstico clínico. Já o fisioterapeuta espera a obtenção do diagnóstico cinético-funcional, ou seja, é necessário identificar os sinais clínicos que justificam a queixa funcional do paciente. A avaliação neurológica é complexa e composta de diferentes tópicos que refletem a integridade de importantes funções neurológicas, como nível de consciência, estado mental e funções corticais superiores, tônus muscular, reflexos superficiais e profundos, motricidade voluntária e força muscular, sensibilidade, coordenação motora, funções neurovegetativas, nervos cranianos, equilíbrio e marcha. A complexidade funcional do sistema nervoso colabora com as dificuldades de compreensão do perfil do paciente neurológico. Para a elaboração de um plano de tratamento fisioterapêutico adequado, é fundamental a compreensão dessa complexidade e de suas consequências funcionais. Assim, as repercussões de uma lesão neurológica em um indivíduo adulto não são restritas somente a essa pessoa, mas também se fazem presentes em todos aqueles que possuem relação direta ou indireta com o paciente. Essas repercussões ainda poderão influenciar o programa de reabilitação, que necessitará do envolvimento de todos: fisioterapeuta, paciente e seus familiares. Embora diferentes estudos clínicos comprovem a validade de muitas técnicas e métodos de tratamento para pacientes neurológicos adultos, o melhor método ou técnica será aquele que mais se adaptar às necessidades do paciente e, principalmente, que auxiliará o fisioterapeuta na obtenção dos objetivos terapêuticos propostos após a avaliação neurológica. O acidente vascular cerebral (AVC) é uma das principais formas de acometimento do sistema nervoso central do paciente adulto, com elevada incidência de óbito ou no mínimo de instalação de sequelas permanentes 83 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL que comprometem suas atividades funcionais. Será provável que durante sua vida profissional irá se deparar com uma pessoa nessa condição e que necessitará de sua atuação profissional. Os tumores cerebrais foram abordados e foi possível verificar a necessidade frequente de intervenção fisioterapêutica devido às repercussões clínicas nas atividades de vida diária do paciente. Exercícios Questão 1. A estimativa da força de contração muscular é uma importante etapa da avaliação do paciente com distúrbios neurológicos. Ela consiste na observação do movimento realizado contra uma resistência extra oferecida pelo terapeuta. Com relação à avaliação da força muscular, avalie as afirmativas a seguir e a relação proposta entre elas. I – Nem sempre é possível avaliar a força muscular de pacientes neurológicos que apresentam paralisia cerebral ou lesão medular. porque II – Esses quadros estão relacionados com a ocorrência de espasticidade muscular, caracterizada pelo aumento desproporcional da força de contração do músculo espástico e de seu antagonista frente ao estímulo do terapeuta. A respeito dessas afirmativas, assinale a alternativa correta. A) As afirmativas I e II são verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I. B) As afirmativas I e II são verdadeiras, e a II não é uma justificativa correta da I. C) A afirmativa I é verdadeira, e a II é falsa. D) A afirmativa I é falsa, e a II é verdadeira. E) As afirmativas I e II são falsas. Resposta correta: alternativa C. 84 Unidade I Análise da questão A espasticidade muscular é uma alteração do tônus muscular decorrente da paralisia cerebral, do acidente vascular encefálico, do traumatismo cranioencefálico, da lesão medular, da esclerose múltipla ou da esclerose lateral amiotrófica. Essa condição é caracterizada por: • contração involuntária dos músculos; • dificuldade em dobrar as pernas e/ou os braços; • cruzamento involuntário das pernas; • dor nos músculos afetados; • deformação das articulações; • espasmos musculares. Nem sempre é possível classificar a força muscular em pacientes neurológicos com alteração do tônus muscular, em especial naqueles que apresentam espasticidade, pois o recrutamento do músculo antagonista ao espástico é dificultado. Assim, é esperado que tanto o músculo espástico quanto o seu antagonista sejam fracos, e não fortes, como cita a afirmativa II. Portanto, diante da hipotonia muscular, a graduação da força já não é mais possível. Assim, a primeira afirmativa é verdadeira, e a segunda afirmativa é falsa. Questão 2. O método de Brunnstrom baseia-se na reabilitação motora de pacientes hemiplégicos adultos com história clínica de acidente vascular encefálico (AVE). Ele é constituído de uma série de exercícios que envolvem os membros afetados, a fim de restabelecer sua atividade. Com relação a esse método, assinale a alternativa incorreta. A) Considera que os pacientes que sofreram AVE apresentam movimentos estereotipados que refletem a regressão do sistema motor a estágios observados em crianças. B) Propõe exercícios que visam ao restabelecimento do controle do sistema nervoso central sobre os movimentos de natureza reflexa. C) Visaà diminuição das sinergias musculares que podem ser observadas após o AVE. D) Visa ao restabelecimento da contração de grupos musculares isolados, de modo que o movimento seja realizado de maneira voluntária e coordenada. E) Considera que a recuperação funcional do paciente com AVE possa ocorrer em longo prazo, em até três anos após o acidente. Resposta correta: alternativa E. 85 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: Brunnstrom observou que, após um AVE, a evolução do comportamento motor obedece a um padrão. Esse padrão é resultado do processo de involução do sistema nervoso central, com ocorrência de movimentos estereotipados que refletem a regressão do sistema motor a estágios de maturação caracterizados por respostas reflexas. As respostas reflexas envolvem vários grupos musculares e são comuns em crianças. B) e D) Alternativas incorretas. Justificativa: os exercícios propostos por Brusnnstrom objetivam o retorno à atividade voluntária e automática dos grupos musculares afetados pelo AVE, de modo que os grupos musculares possam contrair isoladamente, ou seja, sem a ocorrência de respostas reflexas em outros grupos musculares. Isso é possível a partir do restabelecimento do controle do sistema nervoso central sobre esses movimentos. C) Alternativa incorreta. Justificativa: as sinergias são movimentos de natureza primitiva e reflexa, realizados por um grupo de músculos em resposta à estimulação pelos neurônios medulares. A ativação de um dos músculos da sinergia promove a ativação dos demais, o que resulta em padrões de flexão e de extensão muscular. E) Alternativa correta. Justificativa: na época da elaboração do método de Brunnstrom, os mecanismos da plasticidade neuronal não eram conhecidos. Acreditava-se que a recuperação funcional ocorreria, no máximo, em até 6 meses após o AVC. Hoje, sabe-se que, em muitos casos, não é possível restringir o período para a recuperação funcional, embora haja consenso de que ela é maior quando a reabilitação é iniciada na fase aguda.nos pacientes neurológicos são mencionados. Através da avaliação fisioterapêutica neurológica, será possível identificar os fatores que explicam a queixa funcional do paciente e, consequentemente, adotar as ferramentas terapêuticas adequadas para a obtenção de seus objetivos funcionais. Ainda na unidade I, serão abordadas algumas das principais formas de acometimento neurológico de natureza vascular no paciente adulto: o acidente vascular cerebral e os tumores cerebrais. O acidente vascular cerebral é grave e pode levar ao óbito ou gerar sequelas que comprometem as atividades funcionais do paciente. Na prática clínica, é muito comum a necessidade de intervenção do fisioterapeuta neurofuncional em pacientes com sequelas de acidente vascular cerebral. Menos frequentes que o acidente vascular cerebral, os tumores cerebrais são condições clínicas que podem gerar comprometimento da função motora, sendo necessária a fisioterapia motora. Já na unidade II, serão descritas as fisiopatologias de outras formas de acometimento do sistema nervoso central e periférico, com evolução direta ou indireta de comprometimento motor. Serão apontados os princípios dos tratamentos médico e medicamentoso, importante para o fisioterapeuta que precisa acompanhar indiretamente essas condutas para compreender a evolução do paciente, podendo, assim, adequar os seus objetivos terapêuticos. Uma vez após o conhecimento das patologias, na unidade III, será possível a discussão sobre as formas de intervenções fisioterapêuticas e seus recursos. Os objetivos terapêuticos apontados para as patologias abordadas servem como referência ao fisioterapeuta diante de pacientes portadores dessas condições clínicas. Vale ressaltar que os temas serão abordados de maneira sucinta, e que uma leitura complementar sempre se faz necessária para o crescimento de seu conhecimento. 10 INTRODUÇÃO A compreensão funcional do sistema nervoso ainda é um enigma que instiga os pesquisadores do mundo inteiro. Simultaneamente a sua complexidade estrutural e funcional, o sistema nervoso demonstra sua fragilidade, principalmente diante de lesões, que uma vez confirmadas, rapidamente realizam-se questionamentos sobre as prováveis consequências funcionais das sequelas resultantes. Nesse contexto, a intervenção fisioterapêutica é um dos principais elementos do processo de reabilitação a que o paciente deverá ser submetido, uma vez que é muito comum o envolvimento direto ou indireto da função motora que acarretará perdas complexas na capacidade de realização das atividades de vida diária. O processo de reabilitação para o paciente neurológico é multidisciplinar, envolvendo diferentes profissionais, como médico neurologista, fisiatra, neurocirurgião, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo, terapeuta ocupacional, assistente social, entre outros. O envolvimento de diferentes profissionais é justificado pelo complexo quadro clínico gerado após uma lesão neurológica, que muitas vezes compromete várias funções: a motora, a cognitiva (linguagem, memória, atenção, comportamento) e a sensitiva. Assim, é importante concluir que o paciente neurológico é um indivíduo único, com limitações funcionais e psicológicas específicas. Para que a intervenção fisioterapêutica atinja suas metas, é necessário o conhecimento prévio sobre as particularidades estruturais e funcionais do sistema nervoso. E outra característica importante do fisioterapeuta neurofuncional é a manutenção de seu espírito científico e pesquisador, uma vez que a cada dia são desvendados novos conceitos, e novas informações são obtidas sobre esse sistema tão instigante e fascinante. Bons estudos! 11 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Unidade I Nesta unidade vamos iniciar a discussão sobre a semiologia neurológica, que para o neurologista é o ponto inicial de sua investigação diagnóstica, e para o fisioterapeuta é a referência para a identificação do diagnóstico cinético-funcional. É através da avaliação neurológica que será possível identificar os fatores que explicam a queixa funcional do paciente, e assim elaborar as estratégias adequadas para a intervenção fisioterapêutica. O grande objetivo desta unidade é descrever os tópicos que compõem a avaliação neurológica. Também refletiremos sobre as características gerais de um indivíduo que possui acometimento no sistema nervoso, bem como seus prejuízos funcionais e psicológicos. A fisioterapia neurofuncional é baseada em métodos e técnicas de tratamento fisioterapêutico que irão auxiliar o profissional na obtenção dos objetivos terapêuticos para cada paciente. Serão descritos os principais métodos e técnicas de tratamento utilizados na área da neurologia. Ainda nesta primeira unidade de nosso livro, descreveremos uma das situações clínicas mais frequentes no paciente neurológico adulto: o acidente vascular cerebral. Os tumores cerebrais também serão abordados; embora menos frequentes que o acidente vascular cerebral, podem gerar comprometimento da função motora, sendo necessária a atuação do fisioterapeuta neurofuncional. Porém, para o aprimoramento de seu conhecimento e mais detalhes do conteúdo abordado, será importante procurar pelas referências bibliográficas citadas. 1 AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA A avaliação neurológica é o ponto inicial da investigação clínica quando um paciente apresenta uma queixa que possa ser decorrente de lesão ou envolvimento do sistema nervoso central ou periférico. Para o médico, essa avaliação inicial deve ser detalhada e completa a fim de que possa fornecer uma hipótese diagnóstica baseada nos achados clínicos durante o procedimento da avaliação. Já para o fisioterapeuta, a observação de determinados sinais clínicos ajudará o profissional a compreender os fatores diretos e indiretos que justificam a queixa funcional apresentada pelo paciente ou pelo acompanhante. 12 Unidade I De maneira geral, as funções neurológicas a serem verificadas durante a avaliação realizada pelo médico não diferem muito daquelas que serão observadas também pelo fisioterapeuta. Porém é importante ressaltar que o fisioterapeuta estará focado na determinação dos fatores responsáveis pelas limitações funcionais geradas pelo diagnóstico clínico determinado pelo médico. Vamos agora apresentar um modelo geral dos tópicos que constam em uma avaliação neurológica para pacientes adultos. 1.1 Dados gerais e anamnese Como em qualquer área da clínica médica, a avaliação neurológica é iniciada através da coleta dos dados gerais de identificação, como nome, idade, gênero, endereço, naturalidade, profissão, nome do médico responsável, data de avaliação e diagnóstico clínico. Essas informações iniciais são importantes ao fisioterapeuta, uma vez que podem auxiliar na compreensão sobre a queixa funcional. Vamos dar um exemplo: um paciente chega à clínica de fisioterapia com diagnóstico médico de acidente vascular cerebral (AVC) e quadro clínico de hemiparesia espástica de predomínio distal. Ao ser questionado pelo fisioterapeuta a respeito da queixa funcional, o paciente refere apresentar dificuldade em abrir e fechar a mão do lado parético. Nos dados de identificação, o fisioterapeuta verifica que a atividade ocupacional do paciente, anteriormente ao AVC, era consertar aparelhos eletrônicos e relógios. Assim é possível observar uma relação direta entre a queixa e a atividade ocupacional do paciente. Uma vez coletados os dados iniciais, o fisioterapeuta deverá questionar sobre a anamnese propriamente dita e perguntas sobre a queixa funcional, história da moléstia atual e pregressa, hábitos de vida, investigação sobre outros sistemas (cardíaco, gastrointestinal, respiratório), história familiar e medicamentos em uso. A identificação da queixa funcional é um dos pontos mais importantes da avaliação fisioterápica neurológica. É ela que corresponde à razão da avaliação do fisioterapeuta. Muitas vezes, este é encaminhado à fisioterapia sem o diagnóstico médico concluído, masjá apresentando limitações na sua capacidade de realizar atividades básicas do dia a dia, como as transferências, as atividades manuais e a marcha, o que justifica a intervenção fisioterapêutica. É importante ressaltar que todo o processo da avaliação neurológica deve ser adaptado ao paciente, já a partir do momento do relato da história da moléstia atual (HMA). Assim, em princípio, será o próprio paciente que relatará sua história e queixa, a não ser que apresente distúrbios cognitivos e de linguagem. Nessa situação, a descrição será feita pelo acompanhante ou familiar do paciente. Será também importante para o fisioterapeuta verificar com atenção o relato da HMA, que deverá constar todos os detalhes possíveis sobre a situação que favoreceu a instalação do acometimento ou lesão do sistema nervoso. 13 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Vamos dar mais um exemplo: um paciente com diagnóstico clínico de acidente vascular cerebral hemorrágico (AVCH). Quais as perguntas pertinentes que o fisioterapeuta poderia fazer durante a coleta da HMA? Ele apresentou no dia do AVCH? Chegou a desmaiar? Houve muita demora no socorro ou até a chegada ao hospital? Foi submetido a cirurgia? Chegou a perder totalmente os movimentos do lado acometido? Quando começou a fazer a fisioterapia? Veja a importância prévia do conhecimento do fisioterapeuta sobre a condição clínica do paciente (AVCH) que o auxiliará a realizar as perguntas associadas diretamente ao problema dele. O mesmo deverá ocorrer durante a história da moléstia pregressa (HMP), dos hábitos e vícios, antecedência pessoal e familiar. Nesses dois últimos é interessante o fisioterapeuta observar a relação da lesão atual do paciente com sua antecedência pessoal e até mesmo familiar. É muito comum a associação direta com determinadas patologias e a lesão apresentada pelo paciente. No caso do exemplo citado, a ocorrência do acidente vascular cerebral do tipo hemorrágico está muito associada com hipertensão arterial, cardiopatias e diabetes. Outro tópico interessante a ser questionado pelo profissional diz respeito aos medicamentos utilizados pelo paciente. Embora o fisioterapeuta não esteja habilitado à prescrição de medicamentos, é importante saber quais estão sendo utilizados, seus mecanismos de ação e efeitos colaterais. É comum o paciente e o familiar questionarem se o surgimento de determinados sintomas está relacionado ao remédio. Ou também, o fisioterapeuta pode ter a percepção de que a dosagem utilizada do medicamento necessita de adequação médica, e assim ele poderá comunicar paciente ou familiar, e até mesmo o médico. 1.2 Exame físico O exame físico deve englobar uma observação geral do paciente em relação a pele e anexos, estado físico global, bem como a aferição dos sinais vitais como pressão arterial e frequências cardíaca e respiratória. Na observação de pele e anexos, o fisioterapeuta deve verificar os aspectos gerais, como grau de hidratação, presença de cicatrizes, varizes, edemas e úlceras, em especial nas extremidades distais dos membros inferiores, bem como a temperatura. Essa verificação pode oferecer ao fisioterapeuta indícios do funcionamento do sistema nervoso autônomo, que frequentemente está envolvido em diferentes patologias do sistema nervoso central e periférico. Outro procedimento importante nesse início do exame físico do paciente é a aferição dos sinais vitais. Esse deve ser um procedimento inicial do fisioterapeuta a cada começo de sessão do paciente neurológico, uma vez que a maioria das patologias neurológicas possui uma relação com pressão arterial, frequência cardíaca e até mesmo respiratória. O acompanhamento contínuo possibilita ao fisioterapeuta conhecer, indiretamente, a condição sistêmica geral do paciente e como ele tenderá a responder diante dos esforços e exercícios a serem solicitados durante a terapia. Assim, baseado nessas 14 Unidade I respostas fisiológicas, o fisioterapeuta poderá adequar de forma segura os exercícios de acordo com a condição sistêmica do paciente. Não há um modelo predeterminado de sequência de itens e funções neurológicas que devam conter uma avaliação neurológica. A sequência das funções a serem avaliadas deverá ser adaptada tanto pelo médico e fisioterapeuta, mas também de acordo com as necessidades clínicas do próprio paciente. Vamos citar um exemplo: em um centro de reabilitação para pacientes com trauma raquimedular, na ficha de avaliação fisioterapêutica, o tópico que verifica a HMP não seria tão relevante. A seguir, abordamos as principais funções neurológicas que devem incluir uma avaliação neurológica: • nível de consciência; • exame do estado mental e funções corticais superiores; • tônus muscular; • reflexos superficiais e profundos (tendíneos); • motricidade voluntária e força muscular; • sensibilidade; • coordenação motora; • exame das funções neurovegetativas; • exame dos nervos cranianos; • exame de equilíbrio e marcha. 1.3 Nível de consciência A consciência apresenta dois componentes que devem ser observados na avaliação: o conteúdo da consciência, associado às funções corticais superiores e o nível da consciência, relacionado ao nível de alerta em que o indivíduo se encontra e como reage a estímulos externos. Há diferentes causas que podem ocasionar distúrbios da consciência, como os de origem metabólica ou estrutural envolvendo o sistema ativador reticular ascendente (SARA), localizado no mesencéfalo e das áreas corticais. 15 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Embora haja escalas específicas para a avaliação do nível de consciência (veja o item sobre traumatismo cranioencefálico), no dia a dia, o fisioterapeuta pode observar essa função de forma indireta, como, por exemplo, quando estiver coletando as informações sobre a história da moléstia atual (HMA), em que deve verificar se durante o relato, o paciente apresenta-se consciente, crítico e com orientação no tempo e no espaço. 1.4 Exame do estado mental e das funções corticais superiores Há escalas e questionários padronizados que objetivam a avaliação do estado mental e principalmente das funções corticais superiores. Estas incluem a atenção, o humor, a iniciativa, a capacidade de crítica e de julgamento, a memória, a coordenação de ideias e a capacidade de comunicação verbal. Uma das escalas mais utilizadas para essa avaliação é o miniexame do estado mental (MEEM), de Folstein, Folstein e McHugh (1975). O MEEM avalia as funções cognitivas diante de pacientes com suspeita de acometimento degenerativo do sistema nervoso, como as demências. A pontuação máxima é 30, devendo ser verificado inicialmente o grau de escolaridade do paciente. Através do exame é possível avaliar o pensamento abstrato e a capacidade de percepção e juízo crítico em relação ao próprio estado de saúde, além das condutas diante de determinadas situações do dia a dia. É importante ressaltar que a utilização desse exame não é específica para a realização de diagnóstico clínico. Diante da obtenção de escores que indiquem rebaixamento das funções avaliadas, será necessária uma investigação clínica especializada. Fatores como grau de escolaridade e idade avançada devem ser considerados para a interpretação adequada dos resultados do MEEM. Uma limitação apontada por especialistas em funções cognitivas é que no miniexame do estado mental, as denominadas funções executivas não são avaliadas. Sob essa denominação, inclui-se os processos cognitivos de iniciativa e planejamento de uma ação, controle de sua realização, bem como suas correções, flexibilidade mental para adequar a ação ao ambiente e inibição diante de estímulos irrelevantes. Presença de lesões nos lobos frontais são responsáveis, em grande parte, pela origem desses distúrbios. Na avaliação fisioterapêutica do paciente neurológico, as funções cognitivas podem ser indiretamente avaliadas através da anamnese, da história clínica, em que por meio do relato do paciente, o fisioterapeuta consegue verificar a presençade alguma disfunção cognitiva, e então, diante da necessidade do quadro do paciente, o MEEM poderá ser utilizado. O MEEM é um dos testes empregados diante da hipótese de acometimento da função cognitiva, em especial na população idosa. Embora seja de fácil aplicabilidade e rápido, ele não substitui a necessidade de uma avaliação clínica mais detalhada e específica de um neurologista. 16 Unidade I São avaliados os seguintes domínios: • orientação espacial; • orientação temporal; • memória imediata; • memória de evocação; • cálculo; • linguagem-nomeação; • repetição; • compreensão; • escrita e cópia de desenho. Ainda fazem parte do exame do estado mental a avaliação da linguagem, as gnosias e as praxias. Saiba mais Para maior detalhamento de aplicabilidade e interpretação do MEEM, consulte: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. Disponível em: https://bit.ly/3kExgMK. Acesso em: 31 ago. 2021. 1.5 Linguagem Devem ser observadas as alterações na comunicação verbal, incluindo a fala espontânea, a compreensão oral, a repetição de palavras e frases, a nomeação, a leitura e a escrita. Na avaliação da linguagem, o fisioterapeuta, de maneira geral, poderá notar esses aspectos durante a coleta da anamnese, observando a fluência, a articulação de fonemas e de dificuldades no encontro de palavras. Ainda pode ser verificada a dificuldade em discriminar fonemas ou para compreender frases. 17 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Outro aspecto da linguagem diz respeito à repetição de fonemas e palavras, que possibilita a avaliação da discriminação auditiva e da articulação. Uma das alterações mais frequentes da linguagem é a dificuldade de nomeação de objetos. Solicita-se ao paciente nomear utensílios presentes na clínica. Porém é importante verificar se os objetos são previamente reconhecidos, para que não haja associação inadequada à agnosia visual. Na avaliação de leitura e escrita, pode ser solicitado ao paciente que obedeça a ordens escritas como “abra a boca”, e que faça a leitura de uma frase em voz alta. Durante a avaliação fisioterapêutica, a presença de distúrbios envolvendo a linguagem pode ser verificada durante a coleta da anamnese e da história clínica. Ao detectá-los, o fisioterapeuta deverá comunicar e orientar o paciente e o acompanhante a buscar por avaliação e orientação de especialista na área, ou seja, um fonoaudiólogo. Embora não seja o fisioterapeuta que aborde terapeuticamente os distúrbios de linguagem, uma vez observados na avaliação, eles poderão dificultar a própria intervenção fisioterapêutica. Sendo assim, é importante um conhecimento prévio a respeito dos distúrbios de linguagem pelo profissional. Vamos descrever, de maneira geral, os principais distúrbios referentes à linguagem e associá-los a suas prováveis áreas de lesão. Abordaremos as disfonias, as disartrias e as afasias. A fonação pode ser definida como a produção de sons pela vibração das cordas vocais. As disfonias são, portanto, alterações da fonação que podem ser decorrentes de afecções primitivas da laringe ou de lesões nervosas que afetam a motricidade das cordas vocais. São caracterizadas por alteração do volume, da qualidade e do timbre da voz. Segundo Nitrini e Bacheschi (2015), é o nervo vago (X par craniano) o responsável pela inervação das cordas vocais. Lesões unilaterais desse nervo causam disfonia; lesões supranucleares causam afonias. As disartrias são distúrbios de articulação e podem resultar de lesões nervosas periféricas e centrais. No processo da articulação, há uma interação entre os elementos que atuam na linguagem, como laringe, faringe, mandíbula, língua e palato mole, dentes e lábios, para a emissão de fonemas, possibilitando a formação das palavras. Entre as causas neurológicas das disartrias, vale destacar as resultantes de lesões cerebelares e extrapiramidais. As decorrentes de lesões cerebelares são caracterizadas pela fala lenta, de emissão trabalhosa, com variações de altura e de intensidade. As palavras ou sílabas são escandidas, isto é, pronunciadas de forma destacada. Nas lesões extrapiramidais, como na doença de Parkinson, os movimentos involuntários, como atetose, distonia e tremor, tornam a fala lenta, de baixo volume e monótona. 18 Unidade I As dislalias são também distúrbios articulatórios decorrentes de causas não neurológicas, como, por exemplo, de lesões dos órgãos fonoarticulatórios, na surdez, em estados de deficiência mental e de doenças psiquiátricas. A criança possui uma dislalia considerada fisiológica durante seu desenvolvimento. As afasias são distúrbios da linguagem verbal. Englobam a perda total ou parcial da capacidade de utilização de símbolos verbais ou de regras gramaticais que tornam possível sua integração em frases para expressão ou compreensão de ideias e sentimentos. Independem de distúrbios de articulação ou intelectuais. Há diferentes tipos clínicos de afasia, sendo mais frequentes as de expressão (ou motora) e as de compreensão (ou sensorial). O paciente com afasia de expressão apresenta pobreza na expressão verbal, sendo difícil e trabalhosa. Frequentemente é capaz de falar apenas sílabas ou apenas duas ou três palavras. A escrita também é comumente comprometida, embora a compreensão oral e a capacidade de leitura estejam mantidas. É denominada ainda de afasia de Broca, uma vez que é resultado da lesão da área de Broca, localizada no lobo frontal dominante (esquerdo), demonstrada na figura 1. Já na afasia de compreensão, o paciente apresenta grande dificuldade na compreensão verbal (oral e escrita). É menos frequente que a afasia motora, sendo resultado de lesão na área de Wernicke, localizada no córtex auditivo de associação no lobo temporal esquerdo e se estendendo posteriormente pelo lobo parietal esquerdo (figura 1). Dependendo da extensão da lesão, a afasia pode ser global, quando há comprometimento da expressão e da compreensão verbais, envolvendo lesão extensa de áreas de Broca e de Wernicke. Broca Wernicke Figura 1 – Representação anatômica das áreas de Broca e de Wernicke Fonte: Lage (2013, p. 161). Do ponto de vista terapêutico, é importante o profissional distinguir clinicamente os diferentes tipos de distúrbios de linguagem, como as disartrias das afasias, bem como os distúrbios da audição das demências. 19 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Para o fisioterapeuta, o conhecimento sobre os distúrbios de linguagem auxilia a identificação no paciente neurológico, uma vez que são frequentes as associações dos distúrbios de linguagem com as diferentes disfunções motoras. 1.6 Gnosias Gnosia pode ser definida como a capacidade de reconhecer estímulos sensoriais. Agnosia é a perda dessa capacidade, na ausência de alteração de sensibilidade ou de atenção. Dependendo do estímulo sensorial, as agnosias podem ser classificadas em visuais, visuoespaciais, táteis, auditivas e somatoagnosias. Para Nitrini e Bacheschi (2015), na agnosia visual, o paciente pode ter dificuldade para reconhecer um objeto tendo integridade da visão. Frequentemente resulta de lesões bilaterais nas áreas de associação visual occipitotemporais, relacionadas com a identificação do estímulo. Pode ser avaliada ao se apresentar figuras geométricas simples, objetos ou fotografias. Na prosopagnosia (do grego prosopon = face), o paciente não consegue identificar faces conhecidas, sendo decorrente, em geral, de lesões bilaterais das regiões occipitotemporais. Na agnosia tátil, o objeto que não é identificado pelo tato, pode ser facilmente reconhecido quando visto ou colocado na outra mão do paciente. Ocorre, geralmente, após lesões parietais contralaterais, e esse quadro tende a ser unilateral. Na agnosia visuoespacial, o paciente apresenta dificuldade de localizar objetos posicionadosem seu campo visual, além de reconhecer e nomear quando o objeto é colocado em sua mão. Trata-se de um acometimento relacionado a lesões situadas na porção superior à área visual primária (lobo occipital), que estimulam as áreas de associação multimodal do córtex parietal e do córtex da convexidade frontal. Essa região é associada à localização espacial dos estímulos, sendo capaz de recrutar uma ação como o desvio conjugado rápido dos olhos e de cabeça em direção ao estímulo. A heminegligência também pode ser considerada um tipo de agnosia visuoespacial, resultado de lesões no lobo parietal direito. Nessa situação, o paciente não presta atenção e ignora a metade esquerda do campo visual. O fisioterapeuta deve ficar atento a esse tipo de distúrbio, uma vez que implicará consequências no dia a dia do paciente, como ao passar por passagens estreitas, ao vestir, ao se alimentar, em que o paciente não reconhecerá o lado acometido para a realização de tais atividades funcionais. Lesões nos lobos temporais podem ainda originar as agnosias auditivas, em que o paciente apresenta dificuldade no reconhecimento de ruídos ou sons musicais. Outro tipo de distúrbio que pode estar presente junto às afasias e agnosias é a apraxia. O termo grego praxis significa ação, e dessa forma, a apraxia seria a incapacidade em realizar atos motores na ausência de comprometimento de força muscular, sensibilidade ou alteração do tônus muscular. 20 Unidade I A dificuldade em realizar atos motores aprendidos pode englobar desde atos simples, como, por exemplo, fazer o sinal de adeus, a atos motores complexos, como o uso funcional de um objeto como caneta, escova e pasta de dentes, e até a marcha. Essa limitação costuma ser resultado de lesões localizadas no córtex parietal. No quadro a seguir é possível observar tipos específicos de apraxias. Quadro 1 – Tipos de apraxia Apraxia Caracterização Cinética Dificuldade em executar movimentos finos Ideomotora Dificuldade em realizar atos motores complexos, como escovar os dentes Bucolingual Restrição a uma parte do corpo em atividades específicas, como assoviar Construtiva Dificuldade em copiar desenhos, como figuras geométricas Embora os diferentes tipos de apraxias não sejam muito frequentes no dia a dia da intervenção fisioterapêutica de pacientes neurológicos, é importante ressaltar que sua presença pode interferir na interpretação adequada dos distúrbios da função motora. Saiba mais O neurologista Oliver Sacks descreveu alguns casos de seus pacientes; conheça exemplos de histórias de pessoas com distúrbios das funções corticais superiores lendo a seguinte obra: SACKS, O. O homem que confundiu sua mulher com um chapéu. São Paulo: Companhia das Letras, 1985. 1.7 Tônus muscular Um dos tópicos mais importantes da avaliação neurológica para o fisioterapeuta é o do tônus muscular. É através da avaliação do tônus muscular que o fisioterapeuta pode compreender as disfunções motoras presentes no paciente que justificam sua queixa funcional. A alteração do tônus irá repercutir diretamente na capacidade de o paciente realizar movimento voluntário, bem como apresentar ajustes posturais adequados para a manutenção do equilíbrio. O tônus muscular pode ser definido como o estado de contração basal do músculo, sendo que mesmo em repouso, apresenta um grau mínimo de contração. 21 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Dessa forma, há duas situações fisiológicas de tônus: o de repouso (basal) e o postural. O tônus de repouso é explicado pelas propriedades elásticas das fibras musculares e pela ação do proprioceptor fuso muscular, cujo circuito neural está localizado na medula, sendo responsável pelo reflexo de estiramento (miotático). O tônus postural é aquele que será recrutado para a motricidade voluntária e os ajustes posturais. O controle do tônus postural depende da ação equilibrada de vias suprassegmentares descendentes excitatórias e inibitórias para a medula espinal. Essas vias suprassegmentares se originam em diferentes regiões do encéfalo e terminam fazendo sinapses excitatórias e inibitórias com os neurônios medulares. O quadro 2 mostra, de forma geral, algumas dessas vias descendentes. Quadro 2 – Vias descendentes medulares excitatórias e inibitórias Vias excitatórias Vias inibitórias Trato vestibuloespinal lateral Trato corticoespinal lateral Trato reticuloespinal pontino Trato rubroespinal Trato tectoespinal Trato reticuloespinal bulbar Diante de lesão no sistema nervoso central poderá ocorrer o comprometimento no controle do tônus, resultando em hipertonia ou hipotonia muscular. Antes de explicar as alterações de tônus muscular, vamos descrever como é realizada a sua avaliação. O tônus muscular pode ser avaliado através da inspeção, da palpação e do alongamento passivo rápido do músculo. Tanto a inspeção como a palpação não oferecem uma avaliação fidedigna do tônus muscular, mas podem auxiliar a interpretação do fisioterapeuta após a mobilização passiva do músculo. Pela inspeção, através da comparação entre os dois hemicorpos, é possível observar o posicionamento dos segmentos quando é solicitada ao paciente a manutenção na postura deitada (decúbito dorsal). Um hemicorpo na posição de flexão do membro superior pode sugerir a presença de hipertonia espástica nesse membro. Na palpação, o critério de avaliação também é a comparação entre os grupos musculares dos membros superiores e inferiores, sendo ainda realizada com o paciente posicionado em decúbito dorsal. O fisioterapeuta, ao palpar o ventre muscular, deverá observar o seu grau de consistência. Essa consistência está mais relacionada ao grau de elasticidade do músculo, responsável pelo denominado tônus muscular de repouso. Esse procedimento de avaliação do tônus não substitui a necessidade do alongamento passivo rápido do músculo, uma vez que será o alongamento rápido que possibilitará uma observação real da alteração 22 Unidade I da sensibilidade do fuso muscular, proprioceptor responsável pela resposta reflexa de contração que será verificada após o alongamento. Ou seja, o fisioterapeuta pode até realizar a inspeção e a palpação, mas será o alongamento passivo rápido que o ajudará a definir se o músculo está hipertônico ou hipotônico. Assim, através da mobilização passiva rápida das articulações, o fisioterapeuta detectará as alterações de tônus muscular. Inicialmente deve ser realizado um movimento lento de alongamento para verificação de presença de limitações articulares, para em seguida aplicar o alongamento passivo rápido. Nesse momento, tem de ser observado o grau de resistência oferecido pelo músculo. Essa resistência observada ao alongar rapidamente o músculo nada mais é do que a resposta reflexa de contração do músculo gerada pela ativação do fuso muscular. Nitrini e Bacheschi (2015) afirmam que na hipertonia muscular, ao se realizar o alongamento passivo rápido, o fuso muscular é estimulado através de seu arco reflexo, o músculo reflexamente contrai. A contração muscular reflexa é percebida pelo fisioterapeuta como uma resistência brusca que logo em seguida desaparece. Clinicamente, esse comportamento é denominado sinal do canivete, uma vez que essa resistência lembra aquela encontrada ao se abrir ou fechar um canivete. A redução brusca da resistência deve-se à ativação do receptor OTG (órgão neurotendíneo de Golgi), que promove o relaxamento reflexo do músculo. Essa hipertonia também é chamada elástica ou espástica. Corresponde à alteração de tônus muscular mais frequente após lesões do neurônio motor superior, ou trato piramidal. Mas a hipertonia ainda pode ser do tipo plástica ou rigidez. Trata-se de uma condição específica de tônus presente em pacientes portadores de doença de Parkinson. Nessa forma de hipertonia, o aumento da resistência durante o alongamento passivo do músculo é intermitente e independe da velocidade do alongamento, sendo que esse comportamento lembra o movimento de uma roda de engrenagem.Por tal motivo, esse sinal é conhecido como roda denteada. Quando há redução da resistência muscular ao alongamento passivo, têm-se a situação de tônus chamada hipotonia. Frequentemente é resultado de lesões localizadas no próprio músculo, como as miopatias, ou no neurônio motor inferior. No que se refere ao sistema nervoso central, a hipotonia pode ocorrer em fase aguda das lesões ou então após acometimento cerebelar. O domínio do fisioterapeuta durante o procedimento da avaliação do tônus é de extrema importância, uma vez que as alterações de tônus comprometem diretamente a capacidade de realização dos movimentos ativos e o controle do equilíbrio do paciente. As queixas funcionais apresentadas pelos pacientes geralmente estão associadas a dificuldades motoras e de equilíbrio. 23 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL 1.8 Reflexos profundos e superficiais A pesquisa sobre os reflexos profundos inclui, principalmente, a observação das respostas dos reflexos tendíneos ou miotáticos. Para testar os reflexos tendíneos, o terapeuta deverá posicionar o músculo em estado de pré-alongamento. Em seguida, com a utilização do martelo de reflexo, ele percutirá o tendão desse músculo pré-alongado. A percussão do tendão irá gerar reflexamente a contração do músculo, promovendo o movimento articular. O receptor muscular a ser estimulado com a percussão do tendão é novamente o fuso muscular. Daí a importância de se posicionar o músculo em situação de pré-alongamento, uma vez que o estímulo para ativar esse proprioceptor, localizado no ventre muscular, é o alongamento rápido. Será a comparação entre as respostas obtidas bilateralmente que possibilitará ao terapeuta interpretá-las adequadamente. Para Bertolucci et al. (2016), entre as principais características que se deve atentar durante a pesquisa dos reflexos tendíneos estão a presença ou ausência do reflexo, simetria entre os hemicorpos, aumento da área reflexógena e velocidade-amplitude da reposta. Uma graduação que pode ser feita diante das respostas obtidas é apontada no quadro a seguir. Quadro 3 – Graduação dos reflexos tendíneos Graduação Resposta 0 Abolido ou ausente +1 Hipoativo +2 Normativo +3 Vivo ou hiperativo +4 Exaltado Embora todos os músculos esqueléticos apresentem o reflexo miotático, na avaliação são testados alguns cuja resposta tende a ser mais evidente. Além disso, os grupos musculares devem ser testados bilateralmente, e o terapeuta, através da comparação entre as respostas, deverá interpretá-las. O paciente deve ser posicionado de maneira que o músculo a ser testado esteja relaxado. O reflexo aquileu depende do nervo tibial e é integrado nos segmentos de L5 a S2. Em seu teste, o paciente estará em decúbito dorsal, a perna a ser testada será posicionada em ligeira flexão e rotação externa e cruzada sobre a outra. O terapeuta manterá o tornozelo em pequeno grau de flexão dorsal e então, ao percutir o tendão aquileu, será observado o movimento de flexão plantar. Segundo Nitrini e Bacheschi (2015), quando o reflexo aquileu está exaltado, pode ser obtido já ao percutir estruturas como os maléolos e a face anterior da tíbia. Isso ocorre devido à transmissão de vibração, sinalizando a situação de hiper-reflexia. 24 Unidade I O reflexo patelar depende do nervo femoral e é integrado nos segmentos L2 a L4. Nele, o paciente sentado com as pernas pendentes ou em decúbito dorsal, com os joelhos em semiflexão apoiados pelo examinador, é percutido o ligamento patelar (entre a patela e a epífise da tíbia), observando-se o movimento de extensão do joelho. Quando a resposta está exaltada, já é possível a observação do reflexo ao se percutir a crista da tíbia. O padrão de resposta dos reflexos tendíneos varia entre os indivíduos sem lesão neurológica. Para facilitar a obtenção do reflexo, pode-se solicitar as manobras de reforço. Na manobra de Jendrassik, solicita-se ao paciente que mantenha os dedos das duas mãos semifletidos e enganche as duas mãos, mantendo as superfícies palmares em contato e as puxando em sentido contrário, sem permitir sua separação (NITRINI; BACHESCHI, 2015). Além disso, o fisioterapeuta deve certificar-se se o paciente realmente está com o músculo relaxado, pois caso contrário, a análise do reflexo será dificultada, o que poderá ocasionar uma interpretação inadequada da resposta reflexa. Observação Procure nesse momento da avaliação distrair a atenção do paciente, para que não fique atento ao seu procedimento com o martelo de reflexo. Para verificar o reflexo dos músculos adutores da coxa, o paciente deve estar em decúbito dorsal com os membros inferiores semifletidos, em pequeno grau de adução do quadril, com os pés apoiados na cama ou sentado com as pernas pendentes. A percussão se dá na região do côndilo medial do fêmur, na inserção dos tendões. Com a interposição do dedo do terapeuta, através da percussão, observa-se uma pequena adução da coxa. A integração do reflexo dos adutores da coxa ocorre nos mesmos segmentos que o reflexo patelar, mas depende do nervo obturador. Outro reflexo tendíneo que pode ser verificado é o estilorradial, cuja integração ocorre nos segmentos C5 e C6 e é dependente do nervo radial. O antebraço é semifletido e apoiado sobre a mão do terapeuta, em pequeno grau de pronação. A percussão acontece sobre o processo estiloide do rádio, que determinará a contração do músculo braquiorradial, produzindo flexão e pequena pronação. Na hiper-reflexia, a contração reflexa é mais vigorosa, uma vez que ocorrem contrações associadas dos músculos bíceps e flexores dos dedos. O reflexo bicipital pode ser testado através do antebraço em posição de semiflexão e com a mão em supinação, sendo apoiado sobre o antebraço do terapeuta. Ao se percutir o tendão bicipital, ocorrerá a flexão do cotovelo e supinação do antebraço. Sua integração ocorre nos segmentos C5 e C6 e é dependente do nervo musculocutâneo. 25 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Já quanto ao reflexo tricipital, a inervação é feita pelo nervo radial e sua integração se dá nos segmentos C7 e C8. Sua verificação ocorre com o braço abduzido e sustentado pelo terapeuta, de modo que o antebraço fique pendente em semiflexão. Ao se percutir a porção distal do tendão tricipital ocorrerá a extensão do cotovelo. O quadro a seguir mostra os reflexos tendíneos mais frequentemente pesquisados e seus respectivos segmentos medulares. Quadro 4 – Reflexos tendíneos e seus segmentos medulares Reflexo tendíneo Segmento medular Bicipital C5-C6 (nervo musculocutâneo) Tricipital C7 (nervo radial) Estilorradial C5-C6 (nervo radial) Quadríceps (patelar) L3-L4 (nervo femoral) Aquileu S1 (nervo ciático) A análise do terapeuta sobre os reflexos tendíneos será baseada na comparação das respostas obtidas entre os dois hemicorpos, sendo que as assimetrias deverão chamar a atenção do examinador. Há variáveis que interferem na resposta do reflexo tendíneo em indivíduos sem história de lesão neurológica. No início da prática clínica, é comum encontrar dificuldades para testar os reflexos tendíneos e interpretar adequadamente os achados sobre o tônus. Uma dica valiosa que você não pode esquecer é que a avaliação do tônus muscular possui uma relação direta com a dos reflexos tendíneos, uma vez que nos procedimentos o receptor muscular a ser estimulado é o fuso muscular. Assim, na dúvida sobre o tônus de um grupo muscular, verifique como se encontra a resposta do reflexo tendíneo do respectivo grupo muscular. Vamos dar um exemplo prático. Ao testar o tônus do músculo bíceps braquial, você realizará de forma passiva e rápida o movimento de extensão do cotovelo. Vamos supor que tenha ficado com dúvida se há aumento de tônus do bíceps ou se o paciente realizou de forma ativa o movimento. Para solucionar a dúvida, verifique a resposta do reflexo bicipital. Se houver hipertonia espástica, o reflexo estará aumentado. Assim, diante de hipertonia espástica, a resposta do reflexo tendíneo estará aumentadaou exaltada (na espasticidade). Da mesma forma, na hipotonia muscular, a resposta tendínea estará diminuída (hiporreflexia). A hiper-reflexia ocorre quando há aumento da amplitude da resposta do reflexo tendíneo e crescimento da área da resposta reflexógena. A presença da hiper-reflexia sugere a existência de uma hipersensibilidade do fuso muscular, ou seja, o fuso está muito sensível e, assim, se o músculo sofrer um mínimo alongamento, como a percussão do tendão ou diante de uma saliência óssea próxima à inserção tendínea do músculo, será capaz de contrair reflexamente o músculo. Esse é um dos sinais clínicos presentes na síndrome da espasticidade. 26 Unidade I Além da hiper-reflexia, no paciente com espasticidade são encontrados os reflexos policinéticos, como o clônus muscular. Para Nitrini e Bacheschi (2015), o reflexo policinético consiste em contrações musculares repetidas em resposta a uma única percussão. Pode ser observado à pesquisa de qualquer reflexo profundo. Um dos mais observados durante a avaliação de pacientes espásticos é o clônus observado diante do alongamento brusco e mantido dos músculos tríceps sural, flexores de punho e dedos e reto-femoral (ao se deslocar a patela para baixo de forma rápida). Figura 2 – Representação do reflexo policinético clônus muscular Fonte: Clonus: clinical examination… (2016). Com relação aos reflexos superficiais, suas respostas se esgotam diante de estimulação repetitiva. De maneira geral, compõem contrações breves dos músculos superficiais após estimulação cutânea. Um dos superficiais mais importantes do ponto de vista clínico é o reflexo cutâneo plantar. Com o paciente deitado e relaxado, a estimulação cutânea deve ser realizada através da ponta de um lápis ou caneta sobre a superfície plantar na forma da letra “C” invertida, isto é, partindo o estímulo da região do calcâneo direcionando o lápis para a borda lateral do pé em direção ao hálux. Como resposta, haverá uma flexão global dos dedos. Durante o primeiro ano de vida, a resposta encontrada é a de extensão do hálux associada à abertura (abdução dos dedos) na forma de leque. A persistência do padrão de resposta presente no período de 1 ano é considerada patológica, e esse sinal é chamado Babinski. O sinal de Babinski também é um achado clínico presente na espasticidade, sendo sua presença indicativa de lesão do neurônio motor superior. 27 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL O reflexo cutâneo abdominal é aquele em que uma leve estimulação na parede abdominal no sentido lateromedial provoca a contração dos músculos abdominais homolaterais à estimulação, gerando o desvio da cicatriz umbilical para o lado estimulado. Esse reflexo é integrado nos segmentos medulares de T9 a T11 e está ausente na síndrome piramidal. É importante ressaltar que fatores como obesidade, flacidez e processo cicatricial podem dificultar a pesquisa desse reflexo. Precisamos considerar que a observação dos reflexos profundos e superficiais deve ser somada aos demais tópicos da avaliação neurológica. Em especial, na avaliação fisioterapêutica, os achados dos reflexos tendíneos não têm de ser interpretados de forma isolada daqueles observados na avaliação do tônus muscular. Nenhum profissional fará um diagnóstico clínico do paciente baseado somente nas respostas desses reflexos. 1.9 Motricidade voluntária e força muscular Para avaliar a motricidade voluntária, é necessário solicitar ao paciente que realize movimentos analíticos dos membros superiores e inferiores. Os movimentos de flexão, extensão e rotação do tronco também devem ser observados. O terapeuta deverá observar se o paciente é capaz de vencer a ação da gravidade, se há presença de oscilações e principalmente se é capaz de completar totalmente a amplitude de movimento. O paciente pode estar deitado em decúbito dorsal ou sentado. A avaliação deve ser realizada em todos os grupos musculares e de forma bilateral. Uma vez verificada a presença de movimentos ativos contra a ação da força de gravidade, faz-se necessária a avaliação da força muscular. Para isso, além da ação da gravidade, o paciente deverá realizar o movimento contra uma resistência extra oferecida pelo terapeuta. No quadro a seguir é possível verificar a graduação da força muscular, segundo Kendall, Kendall e Wadsworth (1979). Quadro 5 – Graduação da força muscular Escore Caracterização 0 Sem evidência de contração muscular 1 Evidência de contração muscular sem movimento articular 2 Amplitude de movimento incompleta 3 Amplitude de movimento completa contra a gravidade 4 Amplitude de movimento completa contra a gravidade e resistência submáxima 5 Amplitude de movimento completa contra a gravidade e resistência máxima 28 Unidade I Nem sempre é possível a graduação da força muscular em pacientes neurológicos com alteração de tônus, em especial naqueles que possuem espasticidade, que dificultará o recrutamento do músculo antagonista ao espástico. Sendo assim, é esperado que tanto o músculo espástico como seu antagonista sejam fracos. Diante da hipotonia, a graduação da força muscular já é mais possível. Outro aspecto importante a se lembrar é que existem variáveis que interferem na distribuição da força muscular entre os diferentes grupos musculares. A idade do paciente, a prática de atividades físicas assimétricas em relação aos membros e hemicorpos e o lado dominante são alguns fatores que influenciarão a força muscular entre os dois hemicorpos. Assim, o fisioterapeuta deve considerá-los para que possa realizar uma interpretação adequada dessa importante função motora. Os distúrbios da motricidade voluntária são denominados plegia ou paresia. A plegia é equivalente à situação clínica em que o movimento voluntário está ausente, sendo equivalente à paralisia. Quando o movimento voluntário está presente, porém de forma parcial, ocorre a paresia. A instalação da plegia após uma lesão neurológica possui um significado clínico de maior gravidade. Dependendo da distribuição topográfica do distúrbio de motricidade, pode-se encontrar as situações apontadas no quadro a seguir. São termos importantes utilizados no dia a dia da clínica neurológica, que auxiliam o fisioterapeuta a interpretar o quadro motor do paciente. No quadro, a primeira forma de acometimento é a monoplegia. Essa é uma condição clínica comum nas lesões de sistema nervoso periférico. Nela há perda total do movimento voluntário em um membro que pode ser superior ou inferior, a monoparesia, respectivamente, vem a ser a perda parcial do movimento voluntário em um membro. Outra forma frequente de acometimento motor após lesões encefálicas é a hemiplegia, caracterizada pela perda total do movimento em um hemicorpo, que pode ser o direito ou esquerdo. Pode também ocorrer o acometimento da hemiface. Na diplegia, o comprometimento motor está presente nos quatro membros, porém os membros inferiores são mais afetados e o comprometimento dos membros superiores é mais leve e distal, se encontrando na região de punho e dedos. Esse quadro é observado em crianças com diagnóstico clínico de paralisia cerebral. Observação A paraplegia não é equivalente à diplegia. Ela é um tipo de comprometimento motor decorrente de lesões da medula espinal (abaixo do segmento medular T1), em que o paciente perde os movimentos do tronco em direção aos membros inferiores. Na paraplegia, a função motora dos membros superiores está preservada. 29 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Quadro 6 – Distúrbios da motricidade voluntária, segundo distribuição topográfica Classificação Distribuição topográfica Monoplegia Ausência de movimento em um membro Hemiplegia Ausência de movimento em um hemicorpo Tetraplegia Ausência de movimento nos quatro membros Paraplegia Ausência de movimento abaixo de T2, presença de lesão medular Diplegia Acometimento dos quatro membros, porém com predomínio dos membros inferiores; comum na paralisia cerebral A tetraplegia (ou quadriplegia) é a condição clínicaem que a perda do movimento voluntário é simétrica e envolve os quatro membros, ocorrendo em lesões encefálicas extensas, ou então, lesões medulares altas, como aquelas localizadas na região cervical ou início da medula torácica. 1.10 Sensibilidade Outro item importante da avaliação neurológica é a observação da sensibilidade. Vale lembrar que há três categorias de sensibilidade: a exteroceptiva, a proprioceptiva e a interoceptiva. A sensibilidade exteroceptiva é aquela que inclui os sistemas que recebem os estímulos externos, como visão, audição, gustação, olfato e pele (cutânea). A proprioceptiva está relacionada com a noção de posicionamento dos segmentos do corpo em relação ao espaço e ao próprio corpo, enquanto que a interoceptiva está associada com as informações sensoriais originadas nos órgãos internos e vísceras. Na avaliação fisioterapêutica são focadas as modalidades de sensibilidade extero e proprioceptiva. Diante da suspeita de alterações nos sistemas de visão, audição, olfato e paladar, o fisioterapeuta deverá orientar o paciente a procurar por um especialista para uma avaliação mais detalhada. Com relação à sensibilidade cutânea (superficial), serão observados a dor, a temperatura e o tato protopático (grosseiro). Já a proprioceptiva engloba a sensibilidade cinética-postural, vibratória e o tato epicrítico (discriminativo). Além disso, o terapeuta deverá verificar, de forma geral, a presença de queixas como dores espontâneas, formigamentos e adormecimentos. Todas essas sensações não específicas são chamadas de parestesias, uma das mais frequentes alterações de sensibilidade. Antes de iniciar a observação da sensibilidade propriamente dita, é interessante que seja demonstrado ao paciente o que será utilizado como estímulo: alfinetes descartáveis, uma porção de algodão, tubos de ensaio com água gelada e morna. Essa estratégia é válida para se evitar uma interpretação inadequada de distúrbios reais de sensibilidade dos de origem cognitiva, que também podem estar presentes. 30 Unidade I Uma vez demonstrados os objetos, o paciente deverá permanecer deitado, relaxado e de olhos fechados. Então o terapeuta deve oferecer os estímulos ao longo dos membros superiores e inferiores. O paciente deverá ser capaz de identificar o estímulo e localizar o segmento de seu corpo que foi estimulado. No quadro a seguir são apontadas as modalidades sensoriais superficiais e objetos que podem ser utilizados na avaliação. Quadro 7 – Sensibilidade cutânea Sensibilidade Avaliação Dor Utilização de alfinetes descartáveis Tato protopático (grosseiro) Utilização de uma porção de algodão Temperatura Utilização de tubos de ensaios com água morna e gelada Na sensibilidade profunda, devem ser investigadas a modalidade cinética-postural, a vibratória e o tato epicrítico (discriminativo). O tato epicrítico pode ser avaliado solicitando ao paciente que indique o local exato do ponto estimulado ou da discriminação de dois pontos. A sensibilidade cinético-postural é aquela em que o paciente demonstra capacidade de identificar a posição dos segmentos do corpo em relação ao próprio corpo. Segundo Nitrini e Bacheschi (2015), uma forma simples de avaliação é solicitar que o paciente, de olhos fechados, acuse a posição assumida pelos segmentos deslocados passivamente pelo terapeuta. Com a utilização de um diapasão posicionado sobre as saliências ósseas, como, por exemplo, a crista do osso tíbia, a sensibilidade vibratória pode ser observada. Vale lembrar que a capacidade de reconhecimento de objetos ou formas através do tato requer a integridade da área de associação tátil, localizada no lobo parietal. Lesões dessa região podem ocasionar a agnosia tátil. Dependendo do tipo de acometimento sensorial, os distúrbios de sensibilidade podem ser do tipo hiperestesia, hipoestesia e anestesia. 1.11 Coordenação motora Para a observação da coordenação motora, o fisioterapeuta deve estar atento, uma vez que a queixa funcional do paciente pode ser explicada devido ao seu comprometimento. Ela pode ser verificada através de testes específicos como índex-índex, índex-nariz e calcanhar-joelho, entretanto também deve ser observada a coordenação motora envolvida na realização de atividades funcionais, como para abotoar e desabotoar uma camisa, calçar uma meia e amarrar o cadarço de sapatos, bem como aquela necessária para a escrita. 31 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Com relação à coordenação da região do tronco, é possível verificar, sobretudo, o equilíbrio e seu controle durante a manutenção de posturas como sedestação (sentada) e bipedestação (ortostática). Através da solicitação dos testes específicos, é possível verificar a coordenação dos membros superiores e inferiores. Antes de descrevê-los, será necessário demonstrar o teste ao paciente, que em seguida deverá realizar de forma lenta e de olhos abertos, para depois com os olhos fechados, aumentar a velocidade do movimento. Outra forma de coordenação motora envolve a diadococinesia, que é a capacidade de realizar movimentos rítmicos e alternados dos membros. Para sua avaliação, estando o paciente sentado e com os antebraços apoiados sobre os joelhos, poderá ser solicitada a realização alternada dos movimentos de pronação e supinação dos antebraços. Nos membros inferiores, podem ser realizados movimentos alternados de flexão e extensão do tornozelo. As orientações a serem dadas ao paciente são as mesmas para os testes específicos. Na prova índex-nariz, é solicitado ao paciente que, partindo da posição de abdução do ombro a 90° e extensão de cotovelo, leve a ponta do dedo de encontro à ponta do nariz. No índex-índex, a solicitação é para que haja o encontro bilateral da ponta do dedo à linha média do corpo. Para os membros inferiores, a prova calcanhar-joelho (figura a seguir), o paciente deitado em decúbito dorsal deverá tocar o calcâneo no joelho contralateral e depois deslizá-lo sobre a tíbia, em linha reta até o dorso do pé. Figura 3 – Representação do teste de coordenação calcanhar-joelho Fonte: Greve (2017, p. 60). Distúrbios de coordenação podem ser observados através da presença de oscilações, dificuldade para o controle da velocidade do movimento e para atingir o alvo. A incapacidade para atingir o alvo do movimento pode ser denominada dismetria, em que o paciente no teste pode não completar o movimento (hipometria) ou ultrapassar o alvo, tocando, por exemplo, a ponta do dedo sobre a fronte ou boca (hipermetria). A dificuldade na realização de movimentos alternados e rítmicos é denominada disdiadococinesia. 32 Unidade I Os distúrbios de equilíbrio e de coordenação envolvem as ataxias, que podem ser de origem cerebelar, vestibular e sensitivas. A ataxia sensitiva é resultado de acometimento nas vias de sensibilidade cinético-postural, onde as informações sobre o posicionamento das partes do corpo não são conduzidas de maneira adequada, gerando limitações no recrutamento de ajustes posturais. Nessa ataxia, a visão pode agir como compensação para o déficit sensorial, e um teste que pode ser observado é o sinal de Romberg. Ao solicitar o fechamento dos olhos com o paciente na postura ortostática, é possível observar oscilações sem tendência para um dos lados. Quando esse padrão de resposta está presente, é dito sinal de Romberg positivo. A marcha na ataxia sensitiva é denominada talonante ou calcaneante, uma vez que pelo déficit proprioceptivo, o paciente toca o calcanhar fortemente no chão, além de manter a visão durante cada passo, que é irregular e curto. Diante do fechamento dos olhos, essas alterações pioram e podem até impossibilitar a marcha. Polirradiculoneurites ou lesões dos gânglios espinais e nas raízes dorsais (tabes), esclerose múltipla no funículo posterior da medula espinal, podem resultar na ataxia sensitiva. As lesões cerebelares também podem gerar ataxia. Outro sinal presente nessas lesões é a dança de tendões. Para a manutenção da postura ortostática, é necessária