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CURSO DE DIREITO DE FAMÍLIA EJEF – TJMG TEMAS TRATADOS À LUZ DO NOVO CPC E DEMAIS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS E CONSTITICONAIS: PRINCÍPIOS ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS EXECUÇÃO DE ALIMENTOS MEDIDAS DE URGÊNCIA NO DIREITO DE FAMÍLIA PROFESSOR LUIZ FERNANDO VALLADÃO NOGUEIRA 1 . PRINCÍPIOS – NATUREZA – CONSTITUIÇÃO FEDERAL – CÓDIGO CIVIL - EMENDA CONSTITUCIONAL 66/2010 – NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO. 1.1. PRINCÍPIOS. NATUREZA. De início, deve-se afirmar que as normas se identificam como gênero, do qual se extraem espécies como são as regras e os princípios. Pode-se dizer que as regras têm contornos objetivos, de maneira que o magistrado pode aplicá-la ao caso concreto, conforme a interpretação implementada. Diferente disso, os princípios trazem conceitos mais genéricos e amplos, os quais contribuem para a própria criação das regras, assim como na manifestação de escolha pelo magistrado quando estas trazem cláusulas abertas, ou mesmo para a superação de conflitos entre regras distintas ou para o preenchimento de lacunas legislativas. As regras, pois, possuem diretrizes mais específicas, sendo exemplo disso as leis e as súmulas vinculantes. Com efeito, essas modalidades de regra são aplicadas aos casos concretos que se identifiquem com os enunciados que elas trazem. Assim é que, em havendo colisão entre dois veículos, e uma vez acionado o Estado-Juiz, deverá o magistrado condenar o causador do ilícito a arcar com a indenização correlata, desde que haja danos. Trata-se de imediata aplicação do instituto da responsabilidade civil, insculpido nos arts. 186 e 927 do Código Civil. No campo dos princípios as coisas acontecem um pouco diferente. Por exemplo, no caso do acidente automobilístico, o Juiz, ao fixar a indenização para compensação por danos morais, deparar-se-á com uma regra dotada de cláusula aberta (“ainda que exclusivamente moral” – art. 186 CC), eis que o legislador não estabeleceu critérios rígidos para a quantificação de valores. Aí terá ele que se valer de princípios como a da proporcionalidade e da dignidade humana, para optar por um valor exato e que seja suficiente a fazer justiça entre as partes. Revela-se convincente o conceito de Miguel Reale Júnior, no sentido de que princípios são “enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas” (REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, 27ª ed. ajustada ao novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002). Quando acontecer choque entre regras, aplicar-se-á as dirimentes constantes, sobretudo, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, como se dá, por exemplo, com a prevalência de leis posteriores sobre anteriores, e específicas sobre as genéricas (art. 2º LINDB). Isso significa que, num caso concreto, verificar-se-á a lei que prevalece, afastando-se aquela que é em sentido contrário. Já na hipótese de colisão entre princípios, deve o exegeta valer-se do critério da ponderação, segundo o qual se providencia a redução do alcance de um deles em benefício da relevância e prevalência daquele outro para a situação concreta. Ou seja, ambos princípios continuam válidos e não são anulados, podendo, na medida exata, ser aplicados na solução da lide. Ao afastar o princípio da relativização da coisa julgada em determinada situação, bem elucidou o Superior Tribunal de Justiça sobre o aparente conflito entre princípios. Vale conferir: “1. Quando há confrontos entre princípios jurídicos não se caracteriza uma antinomia verdadeira, de modo que não se deve resolvê-los à luz dos critérios formais de solução de conflitos entre regras jurídicas - lex posterior derogatlex priori, lex superior derogat Lex inferiori e Lex specialis derogat Lex generalis-, mas por meio da técnica da "ponderação de interesses" (também chamada de "concordância prática" ou "harmonização"), a qual consiste, grosso modo, na realização de uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada princípio, preponderando aquele de maior peso. Doutrina. 1.1. A jurisprudência do STJ tem, de fato, aplicado a teoria da relativização da coisa julgada, mas o tem feito apenas em situações excepcionais, nas quais a segurança jurídica, que é o seu princípio informador, tiver que ceder em favor de outros princípios ou valores mais importantes, como a busca da verdade real (nas ações sobre filiação cujas decisões transitadas em julgado conflitem com resultados de exames de DNA posteriores), a força normativa da Constituição e a máxima eficácia das normas constitucionais (nas execuções de títulos judiciais fundados em norma declarada inconstitucional pelo STF) e a justa indenização (nas ações de desapropriação que estabelecem indenizações excessivas ou incompatíveis com a realidade dos fatos). 1.2. A mera alegação de que uma sentença acobertada pela coisa julgada material consagra um erro de julgamento, consistente na aplicação equivocada de um dispositivo legal, não é suficiente para que seja posta em prática a teoria da relativização. A correção de tais erros deve ser requerida oportunamente, por meio dos recursos cabíveis ou da ação rescisória. 1.3. É temerário afirmar genericamente que sentenças erradas ou injustas não devem ser acobertadas pelo manto de imutabilidade da coisa julgada material, permitindo-se que, nesses casos, elas sejam revistas a qualquer tempo, independentemente da propositura de ação rescisória. O grau de incerteza e insegurança que se instauraria comprometeria o próprio exercício da jurisdição, em afronta ao Estado de Direito e aos seus princípios norteadores.” (REsp 1163649 / SP, rel. Min. Marco Buzzi, DJe 27/02/2015). Em rápida síntese, pode-se dizer que se impõem a aplicação das regras, mas estas devem ser interpretadas à luz dos princípios vigentes. 1.2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. A nossa Constituição Federal adota diversos princípios, expressamente. Grande parte desses princípios se encontra no art. 5º da CF, como é o caso, por exemplo, daquele que contempla a isonomia (art. 5º inc. I), ou o que versa sobre a legalidade (art. 5º inc. II) ou sobre a livre manifestação (art. 5º inc. IV). Além desses princípios explícitos, tem-se a autorização da própria Carta Constitucional para a adoção de normas dessa natureza e que sejam implícitas. A propósito, o art. 5º § 2º CF estabelece que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Veja-se que há permissão para que sejam assegurados direitos, ainda que além daqueles decorrentes de norma expressa da Constituição. Tem-se aí, pois, a figura dos princípios constitucionais implícitos. Pois bem, a Constituição Federal é rica quanto à adoção de princípios constitucionais expressos, de índole processual. Anote- se, por exemplo: Princípio da Inafastabilidade Jurisdicional (art. 5°, XXXV, CF/88); Princípio do Juiz Natural (art. 5°, XXXVII e LIII, CF/88); Princípio da Publicidade (art. 5°, LX); Princípio da Duração Razoável do Processo (art. 5°, LXXVIII). E, quanto aos princípios processuais implícitos, pode-se dizer que praticamente advém como desdobramentos do princípio do “devido processo legal”. Sim, o art. 5º inc. LIV CF, ao estabelecer que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devidoprocesso legal”, valeu-se de cláusula extremamente aberta. O significado mais objetivo que se pode extrair para a expressão “devido processo legal” está na afirmativa de que é aquele que, de forma justa, equilibrada e efetiva, assegura o equacionamento do conflito. No âmbito dessa generalidade inserta na cláusula do dwe process of law, encontram-se princípios que norteiam a procura pela decisão justa, equilibrada e efetiva. Nessa toada cabe invocar princípios, como os da proporcionalidade, razoabilidade, efetividade, lealdade e, de certa forma, o duplo grau de jurisdição. Ora, a decisão só será equilibrada, se o processo houver permitido a igualdade de armas entre os litigantes, e, ao mesmo tempo, que elas tenham sido utilizadas de maneira honesta por eles (lealdade). De outro lado, a decisão só será justa se for razoável, à luz das pretensões das partes e daquilo que ordinariamente acontece na vida de todos nós e da sociedade. A decisão, mais ainda, será efetiva, caso o bem de vida chegue na quantidade e intensidade necessárias à satisfação do vencedor e, naturalmente, que a sucumbência experimentada pelo derrotado seja condizente com o que lhe deve ser imposto pelo Juiz (proporcionalidade). 1.3. PRINCÍPIOS RELEVANTES DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NO ÂMBITO DO DIREITO DE FAMÍLIA. O princípio da dignidade da pessoa humana é estabelecido, na Carta Magna, como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º inc. III). Por isso mesmo, ao ser reiterado no artigo 8º do novel Código processual civil, passa a ter ênfase necessária, de modo a funcionar como grande vetor na aplicação do direito processual e material. O referido princípio tem servido de bússola para orientar decisões judiciais, em casos que o magistrado se vê em conflito de regrar ou mesmo lacuna legislativa. Com efeito, nessa linha de raciocínio que o STF tem adotado a relativização da coisa julgada quando se trata de investigatória de paternidade (RE 363889 / DF). Ou, de igual forma, é com fundamento em tal princípio que o STJ tem interpretado o alcance da impenhorabilidade (ex: REsp 950663 / SC). Enfim, a dignidade humana deve ser mesmo esse grande referencial, notadamente no Direito de Família. Isso não significa que pode ter força para contrariar regra clara, adotada pelo legislador, apenas para exprimir valores ostentados pelo magistrado que decidirá. A presente ressalva deve ser feita, para que, em última análise, a própria Constituição Federal não seja olvidada, notadamente naquilo que diz respeito à divisão de poderes entre Legislativo e Judiciário. Já no art. 1º inc. IV da Carta Magna tem-se assegurada a livre iniciativa. Tal paradigma constitucional, sob o viés do direito das obrigações, significa que o cidadão é livre para contratar com quem quiser e da forma que entender adequada, observados, obviamente, os limites impostos pela ordem jurídica. Trazendo tal princípio ao campo do Direito de Família, ganha ele corpo nas escolhas a serem feitas no campo afetivo e nas obrigações daí decorrentes. Não é razoável, num campo onde prevalecem interesses estritamente pessoais e afetivos, a limitação nas escolhas feitas, por exemplo, ao modelo de família, ao regime de bens, à duração da própria relação, etc... Numa coerência constitucional, tem-se assegurada a livre iniciativa, especificamente quanto ao livre planejamento familiar (art. 226 § 7º). Com efeito, trata-se de direito fundamental, pelo qual se permite as escolhas quanto ao número de filhos e orientação dada aos mesmos pelos pais. Isso significa que, ainda que haja carência material, a população é livre para expandir a família, da forma como planejado. Nenhuma lei, ante o padrão constitucional da garantia, pode ser limitativa da mesma. Mas não é porque há liberdade de opções, que se faculta aos pais, por exemplo, tratarem a paternidade de forma inconsequente e em detrimento aos filhos. Por isso mesmo a Constituição Federal estabelece o princípio que versa sobre a paternidade responsável (art. 226 § 7º). Tal princípio exige rigor na formação e manutenção da família, de forma a assegurar o interesse do menor. Aliás, entrelaçados com a paternidade responsável, estão os princípios da isonomia na filiação (art. 227 § 6º) e do melhor do interesse do menor (art. 227 caput). Em outras palavras, o livre planejamento familiar exige a contrapartida quanto à assunção de responsabilidade na manutenção e orientação dos filhos, seja qual for a origem da filiação. No plano infraconstitucional, há diversos dispositivos que impedem qualquer preconceito ou restrição relacionados com a origem da filiação. Demais disso, no conflito de regras ou normas deverá o juiz sempre se voltar à prevalência do melhor interesse do menor. Nessa toada, pode-se invocar a garantia constitucional de uma sociedade justa, livre e solidária (art. 3º inc. I), ao mesmo tempo da isonomia entre os sexos (art. 5º inc. I – art. 226 § 5º). Ora, não há liberdade de opções que possa se concretizar em detrimento da solidariedade, a qual merece ênfase no campo das relações de afeto. Com base em tal princípio, as interpretações do Judiciário devem se pautar por privilegiar obrigações de assistência entre as pessoas que compõem grupo familiar. E a isonomia entre sexos repugna qualquer norma infraconstitucional que estabeleça privilégios para parentes, cônjuges ou companheiros apenas por conta do seu sexo. A partir desses princípios explícitos, pode-se extrair numa interpretação sistemática da Constituição os seguintes princípios implícitos: Afetividade Liberdade de autodeterminação afetiva Intimidade e da privacidade Promoção da paz social Interesse público na reconciliação Com efeito, o que move os vínculos criados nos grupos familiares é o afeto, o qual pode ser exteriorizado por força da liberdade assegurada constitucionalmente. É a partir da presunção da presença do afeto que o legislador estabelece obrigações aos integrantes da família, tanto que, em jurisprudência dominante prevalece o entendimento de que, em determinadas situações, a paternidade sócioafetiva pode prevalecer sobre aquela meramente biológica. A título de exemplo, vale verificar que o STJ já decidiu que “mesmo na ausência de ascendência genética, o registro da recorrida como filha, realizado de forma consciente, consolidou a filiação socioafetiva - relação de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamente” (REsp 1244957 / SC, rela. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJe 27/09/2012). Se é verdade que há liberdade assegurada nesse setor, não menos certo é que o tema é da intimidade das pessoas. Cabe, a partir de tal premissa, afastar o Judiciário, ao máximo, de intervenções nos conflitos de tal natureza, relegando sua atuação para a parte patrimonial. É por isso que se afigura irrelevante no Direito de Família o elemento culpa em todas as suas vertentes, admitindo-se a incursão em tal seara para situações excepcionais. O importante é ter em mente que os conflitos, na seara da família, não contribuem para a paz social. Por isso, se é verdade que o Estado dever ser pouco intervencionista nessa área, mais certo ainda é que, se inaugurado o processo judicial, deve-se atuar para que a composição ou a solução seja alcançada o quanto antes. 1.4. PRINCÍPIOS REFORÇADOS PELA EC 66/2010 E PELO CÓDIGO CIVIL. A Emenda Constitucional 66/2010, ao eliminar entre nós a exigência de prazos e prévia separação para o divórcio, assegurou a liberdade e a dignidade humana. Ou seja, não pode o Estado intervir no afeto e autodeterminação das pessoas quanto à manutençãode laços nesse setor. De quebra, o legislador constituinte, com o advento da citada emenda, repugnou a discussão sobre a culpa pelo rompimento do vínculo, algo que, durante longo tempo, foi tratado de forma dogmática. Se esses princípios, em data recente, foram revigorados, tal situação deve ser observada sempre que, em situações concretas, o magistrado deparar com conflitos de normas. Ou seja, a interpretação deve se pautar, via de regra, pela liberdade de opções, com seus desdobramentos inclusive patrimoniais, dos que compõem o grupo familiar. É lógico que o direito de família está também ao abrigo do direito público, até mesmo para que a liberdade não prejudique garantias individuais. Porém, se não houver diretriz legal que imponha ao magistrado postura garantista, deve ele decidir em sintonia com as livres opções. Nada mais sensato, com efeito, para que seja alcançada a paz social o quanto antes, que o magistrado atente-se ao que foi entabulado, sem ferir limites legais, pelas partes. No mesmo ritmo tem-se o código civil, o qual esmiúça diversos princípios, valendo destacar o que trata da intervenção mínima (art. 1513 CC). Sim, nos termos do referido artigo, “é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”. Também na linha constitucional, o art. 1.565 § 2º do Código Civil enfatiza que “o planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas”. O princípio da solidariedade, de sua vez, recebe concretude, no campo dos alimentos, nas diversas disposições, a tal propósito, contidas no código civil. 1.5. OS PRINCÍPIOS NO NOVO CPC. O novo código de processo civil, já no artigo 1º, estabelece que “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”. O artigo art. 126 CPC/73 estabelecia preponderância das leis, em comparação com outras fontes do Direito. Sim, a literalidade do referido dispositivo era no sentido de que “o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”. Diferente disso, o art. 140 NCPC assevera que “o juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”. Em outras palavras, o ordenamento jurídico deve ser analisado de forma horizontal, sem hierarquia. Daí a relevância dos diversos princípios agora estudados. Tanto é verdade o que ora se afirma, que o art. 489 § 2º NCPC estabelece: “no caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão”. Ou seja, na colisão de normas, a ponderação é que guiará a deliberação do magistrado, podendo prevalecer o princípio em detrimento de alguma regra. Destaque-se que o próprio código processual encampou princípios, mostrando a relevância de tal fonte do Direito. Eis os principais: Primazia do mérito = arts. 4º, 6º, 317 e 488 NCPC. Dignidade humana = art. 8º NCPC. Proporcionalidade = art. 8º NCPC. Razoabilidade = art. 8º NCPC Legalidade = art. 8º NCPC. Eficiência ou efetividade = art. 8º CPC. Boa-fé processual, inclusive na interpretação das decisões = arts. 5º e § 3º art. 489 NCPC. Isonomia = art. 7º NCPC. Estabilização da jurisprudência (arts. 926/927 NCPC). Verifica-se, de tais princípios, a importância do magistrado procurar, a partir dos delineamentos das leis, decisão que observe a razoabilidade, a proporcionalidade, a dignidade humana, a isonomia e a boa-fé. Porém, de nada adianta tal provocação, se a justiça for morosa ou se perder em aspectos meramente formais, ainda mais no campo do Direito de Família, onde a paz social deve imperar o quanto antes. Assim é que o princípio da primazia do mérito exige que o magistrado enfrente a lide e desate o conflito, não se perdendo em aspectos formais. Com efeito, o art. 4º do novo diploma processual informa que a duração razoável do processo está atrelada à “solução integral do mérito”. De igual forma, o art. 6º estabelece que a cooperação entre os sujeitos do processo tem em mira alcançar “decisão de mérito justa e efetiva”. No plano prático, esses dispositivos programáticos resultaram em várias relevantes alterações, valendo anotar alguns rápidos exemplos: Art. 317 – Impõe ao juiz oportunizar o saneamento do processo e correção do vício, antes de proferir sentença sem resolução de mérito. Ou seja, o juiz não deve desistir de oportunizar a correção do vício, independente de tentativas anteriores, de forma que se vendo na contingência de extinguir o feito sem resolução de mérito, há de instar, derradeiramente, a parte interessada. Art. 488 – Esse dispositivo aplica, para a hipótese de extinção do processo sem resolução de mérito, o mesmo critério usado pelo CPC/73 para as nulidades. Vale dizer que, agora, o Juiz não extinguirá o processo sem resolução de mérito, se antever que o desate da lide (mérito) seria favorável à parte beneficiada pela extinção. Ou seja, o Juiz identificará o vício, mas o superará e julgará o mérito a favor da parte que seria beneficiada pela extinção do processo sem resolução de mérito. Assim agindo, o magistrado trará, mais rapidamente, a almejada pacificação social. Art. 338 – Nesse dispositivo o legislador faculta ao autor, deparando este com preliminar de ilegitimidade do réu ou invocação de que o mesmo não é “responsável pelo prejuízo invocado”, alterar sua petição inicial “para substituição do réu”. Ou seja, mitiga-se o rigor da estabilidade da lide, no plano subjetivo, e permite-se mudança do réu após a contestação. Dito de outra forma, tal dispositivo repugna a ideia de extinção do processo sem resolução de mérito e autoriza a solução da lide com a inserção de novo réu. No tocante aos recursos, o par. único do art. 932 dá a demonstração clara de que, doravante, o juízo de admissibilidade nos recursos deverá ser critério, apenas, para segurança e isonomia entre as partes. Não se conceberá a possibilidade dos pressupostos de admissibilidade serem tratados de forma sacramental, ao ponto de impedirem cegamente a incursão no juízo de mérito do recurso. Está no citado par. único do art. 933: “Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível”. Pretende o legislador, aqui, oportunizar o saneamento dos vícios pertinentes ao juízo de admissibilidade recursal. Não haverá pressuposto de admissibilidade que seja insanável, devendo, sempre, o relator conceder oportunidade para o recorrente sanar o vício ou complementar documentação exigível. E, para que as decisões de mérito possam formar jurisprudência firme, de tal forma a conduzirem as atividades das pessoas, já que se trata aí também de fonte do Direito, o novo código criou critérios vinculativos. Com efeito, os artigos 926 e 927 NCPC estabelecem critérios de estabilização da jurisprudência,para que a análise de conflitos de normas seja o mais uniforme possível, de maneira que a paz social seja alcançada pela própria orientação dos tribunais. Pois bem, vistos os princípios especificamente e a viabilidade de considerá-los na análise do caso concreto, pode-se estudar alguns institutos do Direito de Família. 2. A MUTABILIDADE DO REGIME DE BENS. INTERPRETAÇÃO À LUZ DA EC 66/2010 E DO NOVO CPC. 2.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS. Grande inovação no Código Civil de 2002, alicerçada na legislação estrangeira (Alemanha, Suíça, França, Espanha e Itália), foi a possibilidade de alteração de regime de bens, desde que atendidas determinadas condições, conforme dispõe o atual artigo 1.639, parágrafo 2º: Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver. § 1º O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento. § 2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros. Por outro lado, estabelecia o art. 230 do Código revogado que “o regime de bens entre cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, e é irrevogável.” Houve, na verdade, a substituição do Princípio da Inalterabilidade do Regime, vigente quando do Código de 1916, pelo Princípio da Mutabilidade Motivada, consagrando a autonomia privada e a intervenção mínima do Estado nas relações particulares. Então, a alteração do regime convencionado pelo casal quando da realização do casamento passa a ser admitida, via judicial, desde que preenchidos os requisitos legais. Vale ressaltar que, mesmo antes da alteração legislativa já era possível modificar o regime de bens em casos excepcionais. Por exemplo, o Supremo Tribunal Federal já admitia a conversão do regime de separação (convencional, obviamente) em comunhão universal, em razão da superveniência de filho comum do casal (RE nº 7.126-MG, julgado em 16 de outubro de 1946), sem que isto importasse ofensa à imutabilidade de regimes. Brilhantemente, explica o autor Orlando Gomes, à época da criação do anteprojeto do atual Código Civil: Tão inconveniente é a imutabilidade absoluta como variabilidade incondicionada. Inadmissível seria a permissão para modificar o regime de bens pelo simples acordo de vontades dos interessados. O Anteprojeto aceita uma solução equidistante dos extremos ao permitir a modificação do regime matrimonial, a requerimento dos cônjuges, havendo decisão judicial que o defira, o que implica a necessidade de justificar a pretensão e retira do arbítrio dos cônjuges a mudança.1 1 GOMES, Orlando. Memória Justificativa do anteprojeto de reforma do Código Civil. Departamento de Imprensa Nacional: 1963, p. 57. Diante de todo o clamor da maior parte dos aplicadores do direito, o legislativo introduziu, finalmente, a possibilidade de alteração do regime em nosso ordenamento. Tal norma, entretanto, deixa algumas lacunas, as quais estão sendo, gradativamente, sanadas pela doutrina e jurisprudência. Vale sistematizar os requisitos legais à obtenção da alteração do regime de bens, conforme referido dispositivo legal: Requisitos para a alteração do regime de bens, conforme o Código Civil: Consenso entre os cônjuges. Identificação exata do regime de bens pretendido. Motivação para a alteração do regime de bens. Demonstração de que não há prejuízo a terceiros. Decisão judicial autorizativa. 2.2. CONSIDERAÇÕES SOBRE O ASSUNTO À LUZ DA EXEGESE DA EC 66/10 E DO NOVO CPC. A Emenda Constitucional n° 66/10 foi responsável, conforme amplo posicionamento doutrinário e jurisprudencial, pela extinção da separação judicial, não mais cabendo a discussão da culpa para a extinção do vínculo conjugal. Ou seja, basta que uma das partes demonstre o interesse pelo divórcio que o Poder Judiciário deve declará-lo, independente do motivo e de qualquer lapso temporal. O escopo de tal mudança foi, justamente, o de reduzir a intervenção estatal na vida particular, conferindo ao julgador o papel, tão somente, de apreciar as consequências jurídicas do divórcio (partilha, guarda, alimentos etc), e não mais investigar a vida íntima dos cônjuges. Tal raciocínio, também, deve ser aplicado nas pretensões de modificação do regime de bens. Isto é, uma vez apresentado o simples interesse dos cônjuges e inexistindo prejuízos a terceiros, o Poder Judiciário não pode negar a pretensão. É que a questão do regime de bens é uma escolha a ser feita apenas pelos cônjuges (salvo, evidentemente, as hipóteses do art. 1641 CC), e as respectivas consequências (bens particulares ou comuns) recairão somente sobre eles. É, na verdade, assunto de natureza privada, atinente à vida íntima e à livre autonomia das partes. Grande exemplo de respeito a essa liberdade do casal foi o precedente do STJ, REsp 1.119.462-MG, no qual o fundamento para a modificação do regime foi a discordância da vida financeira do casal. No bojo de seu voto, o ministro relator assevera que A melhor interpretação que se deve conferir ao supracitado art. 1.639, § 2º, do CC/02 é a que não exige dos cônjuges justificativas exageradas ou provas concretas do prejuízo na manutenção do regime de bens originário, sob pena de se esquadrinhar indevidamente a própria intimidade e a vida privada dos consortes. Certamente, a divergência conjugal quanto à condução da vida financeira da família é justificativa, em tese, plausível à alteração do regime de bens, divergência essa que, em não raras vezes, se manifesta ou se intensifica quando um dos cônjuges ambiciona enveredar-se por uma nova carreira empresarial, fundando, como no caso em apreço, sociedade com terceiros na qual algum aporte patrimonial haverá de ser feito, e do qual pode resultar impacto ao patrimônio comum do casal. (g.n.) E, ainda, cita a doutrina de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves (2008, p. 227) que, também nessa mesma linha de raciocínio, ensina que: Sem dúvida, o simples fato de ser requerida, em via judicial, a alteração do regime de bens já indica que algum motivo relevante há para os autores do pedido e para a vida pessoal deles, sendo descabida a indagação da causa. Ademais, não se esqueça que a mudança não produzirá efeitos em relação a terceiros, eventualmente prejudicados (que, ademais, serão citados, tendo os seus interesses preservados). Pela soma de todos estes argumentos, é de se preservar a vida privada e a inviolabilidade do núcleo familiar, dispensando-se, em cada caso concreto, por controle de constitucionalidade difuso, a justificativa do casal. De qualquer modo, exigida pelo juiz, a motivação pode ser a mais diversa possível, não devendo o juiz ser rigoroso na exigência de uma indicação precisa. Ora, se o Estado foi afastado da discussão sobre o fim do casamento (apuração da culpa), também deve o ser quanto ao regime patrimonial eleito pelo casal. Em ambos os casos, procura-se evitar a excessiva intervenção estatal no âmbito familiar. A perquirição a respeito do real motivo da mudança pode acarretar situações de desnecessário constrangimento. Desde, pois, o advento da Emenda Constitucional 66/2010, pela qual foram revigorados os princípios da livre iniciativa e menor intervenção do Estado, tem-se se como justo motivo, para efeito de alteração do regime de bens, a própria vontade dos cônjuges,livremente manifestada em tal sentido. O fato é que a EC 66/2010, ao valorizar a livre vontade dos cônjuges e ao afastar a fiscalização mais intensa do Poder Judiciário, revigorou o princípio da menor intervenção do Estado nas relações de família, assim como resgatou a força da corrente que defende deter o casamento natureza contratual. Ora, sabe-se, como aqui já estudado, que os princípios (art. 4º LINDB), enquanto também fontes do Direito, devem nortear o exegeta naqueles casos em que o legislador se valeu de cláusulas ou condições abertas. Exemplo típico disto é exatamente o multicitado art. 1.639 § 2º CC, o qual se vale da expressão genérica e aberta “pedido motivado de ambos os cônjuges”, circunstância que autoriza, por meio dos princípios agora potencializados, a compreensão de que a tal motivação pode se limitar ao livre e honesto desejo dos interessados. Essa leitura do texto legal se adéqua, enfim, ao propósito de que haja uma menor intromissão do Estado na intimidade da vida das pessoas, permitindo-lhes o exercício do livre arbítrio. Para evitar dúvidas, o NOVO CPC deixou clara a desnecessidade de que seja “apurada a procedência das razões invocadas” (§ 2º art. 1.639 CC): Art. 734. A alteração do regime de bens do casamento, observados os requisitos legais, poderá ser requerida, motivadamente, em petição assinada por ambos os cônjuges, na qual serão expostas as razões que justificam a alteração, ressalvados os direitos de terceiros. Ou seja, adaptando-se aos princípios aqui invocados, o novo código, revogando em parte o art. 1.639 § 2º CC, exigiu que os interessados apresentassem suas motivações, mas estas não serão apuradas pelo Juiz. É óbvio que, verificando o Juiz, excepcionalmente, alguma dubiedade ou incerteza na vontade dos requerentes ou mesmo a invocação de condição nula, poderá interferir. Mas, de regra geral, a apresentação dos motivos pelos cônjuges será apenas para ficar consignado no processo, até para confronto com eventual alegação futura de prejuízo a terceiro ou nulidade, sendo desnecessária a aferição de sua veracidade no próprio procedimento de alteração do regime de bens. 2.3. PROCEDIMENTO PARA A MODIFICAÇÃO DO REGIME. O novo código estabeleceu disposições expressas para a alteração do regime de bens. Pode-se assim sintetizá-las: Petição inicial – consenso entre requerentes. Requerentes devem postular o novo regime de bens, devendo ser apresentada partilha dos adquiridos até então, no caso de haver restrição à comunicabilidade no novo regime (segurança para cônjuges e terceiros). Intimação do MP (art. 734 § 1º NCPC). Publicação de edital ou outro meio válido e eficaz proposto pelos requerentes (art. 734 § 1º e § 2º NCPC). Se o juiz apurar a existência de possíveis interessados, que poderão ser atingidos pela alteração do regime de bens, determinará a citação dos mesmos (art. 721 c/c 725 par. único NCPC). Se entender necessário, o Juiz, até porque não vinculado à legalidade estrita (art. 723 par. único c/c 725 NCPC) e detentor da livre iniciativa probatória (art. 370 NCPC), poderá designar audiência para ouvir os requerentes e colher outras provas. Por sentença, deferirá ou não a alteração do regime de bens, podendo, inclusive, adotar decisão que não seja literalmente de acordo com a proposta pelos requerentes (art. 723 par. único c/c 725 NCPC). Contra sentença, caberá apelação. Transitado em julgado a sentença, serão expedidos mandados de averbação aos cartórios de registro civil e de imóveis e, caso qualquer dos cônjuges seja empresário, ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins (art. 734 § 3º NCPC). Não produz coisa julgada material a sentença, eis que não resolve lide propriamente dita. Logo, comporta nova alteração por meio de requerimento posterior. 2.4. EFEITOS DA SENTENÇA: ‘EX NUNC’ OU ‘EX TUNC’. A sentença que autoriza a mudança do regime de bens vale como instrumento hábil à revogação do pacto antenupcial ou do regime legal de bens que regula a relação conjugal. Todavia, a dificuldade a ser enfrentada reside no seguinte aspecto: qual será o termo inicial de vigência do novo regime de bens? Será retroativo à data do casamento ou apenas a partir do trânsito em julgado da sentença que autorizou a alteração do regime? A reposta a tal indagação leva em conta a formulação do pedido propriamente dito, os termos da decisão proferida pelo juiz e, principalmente, qual o novo regime eleito pelo casal. Muito embora seja questão ainda controvertida, os efeitos, em regra, operam-se ex nunc, preservando-se, pois, a situação anterior originada pelo pacto antenupcial, até o momento da mudança. Em precedente julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, Resp. n° 730.546 – MG, de relatoria do Min. Jorge Scartezzini, publicado em 03/10/2005, entenderam os ministros que: Os bens adquiridos antes da prolatação de decisão judicial que venha a alterar o regime de bens remanescerão sob os ditames do pacto de comunhão parcial anteriormente estabelecido: o novo regime de separação total de bens incidirá tão-somente sobre bens e negócios jurídicos adquiridos e contratados após a decisão judicial que autorizar, nos termos do art. 1.639, § 2º, do CC/2002, a modificação incidental do regime de bens. Dependendo do regime de bens que rege o matrimônio, o juiz deverá partilhar aqueles até então havidos pelo casal, como medida de assegurar o direito de terceiros. Somente após essa partilha, é declarado o novo regime. Por exemplo, se o regime vigente for o da comunhão universal e os nubentes pretendem modificar para uma modalidade com restrição à comunicação patrimonial, parece ser tranquila a ideia de que deverá haver a prévia partilha, de modo que sejam eleitos os bens particulares dos cônjuges. Para Carlos Roberto Gonçalves, "a alteração convencional da comunhão universal somente poderá ser autorizada pelo juiz após a divisão do 'ativo e passivo', para ressalva dos direitos de terceiros, como estatui o art. 1.671 do Código Civil."2 A partilha, nesses casos, é medida de segurança e prevenção, tanto para os próprios cônjuges, bem como para terceiros. O pedido de partilha será fundamentado no art. 1.671 do Código Civil, o qual estabelece o fim da responsabilidade de cada um dos cônjuges para com os credores do outro, após a divisão do ativo e do passivo. Ou seja, é importante delimitar a partilha para que eventuais dívidas particulares futuras (que não se comunicam, a teor de tal dispositivo) não atinjam o patrimônio do outro consorte. Ademais, se a sentença não pode ser condicional, jamais poderia o julgador acolher o pedido de modificação do regime de bens e condicioná-lo à futura partilha. Tal aspecto corrobora a necessidade da proposta ser apresentada pelos próprios autores, na petição inicial ou qualquer outra incidental. 2 BARROSO, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro.Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 387 Por outro lado, é possível que os efeitos da sentença sejam ex tunc. Suponhamos que o casal, à época do matrimônio, elegeu o regime de comunhão parcial ou separação total e, anos depois, pretende a alteração para a comunhão universal. Ora, nesses casos, não faz sentido haver distinção entre bens anteriores e posteriores (com partilha, inclusive) se o regime nascedouro estabelece a comunicação de “todos os bens presentes e futuros”(art. 1667, CC/02). Ou seja, mesmo que a sentença não produza efeitosantes da sentença (ex nunc), se os bens particulares comunicam-se na comunhão universal, o resultado prático é o mesmo. Sobre o assunto, ensina Nelson Rosenvald: Ainda sobre a sentença, há grande dificuldade em apontar se os seus efeitos serão retroativos ou não-retroativos. Com efeito, imaginando se tratar de modificação de um regime de comunhão para uma separação absoluta, é de se lhe reconhecer efeitos ex nunc, não retroativos, sendo obrigatória a realização de partilha. De outro modo, hipoteticamente admitida a mudança de um regime separatório para a comunhão universal, naturalmente, vislumbra-se uma eficácia retroativa, ex tunc. Assim, entendemos que dependerá do caso concreto a retroação ou não dos efeitos da sentença. De qualquer modo, é certa a possibilidade dos interessados requererem, expressamente, ao juiz que estabeleça a retroação da eficácia do comando sentencial, optando pelos efeitos ex tunc. Outrossim, no que tange à esfera jurídica de interesses de terceiros, a eficácia será, invariavelmente, ex nunc, não retroativa.3 Em outras palavras, em regra, a alteração apenas atinge atos posteriores ao trânsito em julgado da sentença, preservando-se, pois, a situação anterior originada pelo pacto antenupcial (ex nunc). Todavia, não se descarta a possibilidade do pedido de modificação do regime tenha efeitos ex tunc, ou seja, que retroajam à data da celebração do casamento. Essa é uma situação que deve ser apreciada pelos Magistrados, em cada caso concreto. 2.5. OPOSIÇÃO DE TERCEIROS. Uma das principais preocupações dos legisladores, ao permitir a alteração do regime de bens, é a ocorrência de fraudes e prejuízos a terceiros, o que tornaria o ato anulável (art. 158 CC). No curso do procedimento, como já visto, os credores apontados pelos cônjuges deverão ser citados, sendo-lhes oportunizado, inclusive, a produção de provas. Todavia, caso os interessados não indiquem nenhum credor, e o pedido de modificação seja julgado por sentença, poderá o terceiro prejudicado valer-se de quatro meios processuais. São eles: a. Requerer, se apurado fato posterior, a modificação da sentença, ouvidos os cônjuges, eis que, em tais procedimentos, não incide a coisa julgada material (embora não repetido no novo CPC 3 ROSENVALD, Nelson. FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito das famílias. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Iures, 2008, p. 228. o texto do art. 1111 CPC, continua havendo apenas coisa julgada formal na sentença); b. Se verificada ocorrência de simulação, vício de consentimento ou preterição de requisito formal, poderá ajuizar Ação Anulatória da sentença e da alteração do regime e/ou declaratória de nulidade (art. 966 § 4º NCPC). Veja-se que não cabe ação rescisória, exatamente por não haver coisa julgada material; c. Se os bens do cônjuge devedor forem, de forma dissimulada e em virtude do novo regime de bens, adquiridos em nome do outro ou para ele transferidos, poderá pleitear o reconhecimento da fraude contra credores (arts. 158 e seguintes do CC); d. No curso da execução, fundada em dívida de um cônjuge, requerer a penhora de bens do outro, caso comprove que a dívida beneficiou este também (arts. 790 IV NCPC, arts. 1643 e 1644 CC e súmula 251 STJ). O terceiro que sentir-se prejudicado com a modificação do regime de bens, então, dispõe de diversos mecanismos judiciais para proteger seus direitos. É recomendado, entretanto, que, na própria petição inicial, os interessados apontem os credores e os respectivos bens garantidores da dívida. Agindo dessa forma, evita-se qualquer restrição por parte do julgador e do representante do Ministério Público, os quais observarão, de plano, a boa fé dos autores. 2.6. UNIÃO ESTÁVEL. Entre as novas famílias da CR/88 encontram-se a família monoparental do art. 226, §4º CF, formada por um dos pais e de sua respectiva prole, e a união estável (homoafetiva ou não) que adquiriu o status de entidade familiar, no art. 226, §3º. Não há dúvidas de que o afeto tornou-se a base de toda e qualquer relação familiar no novo Código Civil. Inclusive, a união homoafetiva ganhou reconhecimento na doutrina e na jurisprudência. Quanto à união estável e o regime de bens, o sistema legal é claro no sentido de que, restando-se comprovada, aplicam-se as regras do regime da comunhão parcial de bens, à luz do artigo 1725: Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. Ocorre que, da mesma forma como acontece no casamento, caso os companheiros decidam estabelecer outro regime de bens (diferente do supletivo legal), basta que seja elaborada minuta de união estável, tratando do assunto. 2.7. CASAMENTOS CELEBRADOS NA VIGÊNCIA DO CC/16. Atualmente, já não mais prevalece o entendimento de que a alteração do regime de bens não pode ser concedida àqueles que se casaram até o dia 10/01/2003 (em respeito, conforme era entendido, aos institutos do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, e à ressalva do artigo 2.039 do Código Civil de 2002). Doutrina e jurisprudência, após diversos estudos e discussões, convergem pacificamente no sentido de que qualquer casal pode pleitear em juízo a modificação do regime matrimonial, independentemente da data de celebração do casamento. A discussão girava em torno da interpretação do art. 2.039, segundo o qual, "o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido". De acordo com a interpretação literal de tal dispositivo, a alteração de regime de bens somente é aplicável aos casamentos posteriores à nova lei civil. Seriam imutáveis, a rigor, os regimes adotados na vigência da lei anterior. Contudo, o alcance da regra de direito intertemporal do art. 2.039 do CC/2002 não deve ser interpretada literalmente. Analisando-se o dispositivo, é possível inferir que, ao dispor que o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do código anterior é o por ele estabelecido, determinou a incidência das normas do código de 1916 somente no tocante às regras específicas a cada um dos regimes matrimoniais. A questão da imutabilidade não estava inserida no capítulo que tratava das modalidades de regime, mas, sim, no que dispunha sobre os efeitos do casamento, o qual não tem mais vigência em nosso ordenamento e não está abrangido pela regra de direito intertemporal do art. 2.039 do novo Código Civil. Dessa forma, apenas serão aplicadas as regras do Código Civil de 1916 quando a discussão for sobre as normas específicas dos regimes de bens e das doações antenupciais previstas pelos arts. 256 a 314 do CC/1916. Quanto à mutabilidade, de seu turno, aplica-se a orientação do código vigente. O entendimento pretoriano já é uníssono nesse sentido: Precedentes recentes de ambas as Turmas da 2ª Seção desta Corte uniformizaram o entendimento no sentido da possibilidade de alteração de regime de bens de casamento celebrado sob a égide do Código Civil de 1916, por força do § 2º do artigo 1.639 do Código Civil atual.4 Apresenta-se razoável, in casu, não considerar o art. 2.039 do CC/2002 como óbice à aplicação de norma geral, constante do art. 1.639, § 2º, do CC/2002, concernente à alteração incidental de regime de bens nos casamentos ocorridos sob a égide do CC/1916, desde que ressalvados os direitos de terceiros eapuradas as razões invocadas pelos cônjuges para tal pedido, não havendo que se falar em retroatividade legal, vedada nos termos do art. 5º, XXXVI, da CF/88, mas, ao revés, nos termos do art. 2.035 do CC/2002, em aplicação de norma geral com efeitos imediatos.5 Nas palavras de Maria Berenice Dias "[...] o que foi determinado foi a mantença do regime que existia e, não a sua imodificabilidade"6. 4 STJ - REsp 1112123/DF, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, DJe 13/08/2009 5 STJ - REsp.nº 730.546/MG; 4ª T, Rel. Min. Jorge Scartezzini; DJ 03/10/05 6 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Família. São Paulo: RT, 2006, p. 494. Com efeito, correta é essa interpretação, pois atende aos fins sociais da lei, conforme ensina o art. 5° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e, ainda, respeita a liberdade de planejamento familiar. 3. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS E OS TÍTULOS EXECUTIVOS: JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL. AMPLIAÇÃO RELEVANTE. O crédito alimentar pode ter origem em título judicial ou extrajudicial. Com efeito, o Juiz poderá fixar alimentos, provisórios ou definitivos, por meio de ato judicial. De igual forma, as próprias partes poderão entabular transação, seja por meio de escritura pública ou documento particular, pela qual uma delas assumirá a obrigação alimentar. No tocante ao título judicial, não há dúvida de que – provisório ou definitivo – sempre comportará a execução, que, a partir da adoção do processo sincrético, passou a ser por meio da fase de cumprimento de sentença. Tal procedimento, que dispensa a instauração de ação específica, está previsto no art. 528 NCPC7. Ali, prevê o legislador o cabimento do cumprimento de sentença, que poderá ser instaurado para exigir o pagamento de pensão alimentícia fixada por sentença propriamente dita ou mesmo por “decisão interlocutória”. E, no artigo 5318, o mesmo Código complementa com a informação de que o regramento se aplica a “alimentos definitivos ou provisórios”. 7 Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. 8 Art. 531. O disposto neste Capítulo aplica-se aos alimentos definitivos ou provisórios. Sabe-se que o inadimplemento da obrigação alimentar autoriza a decretação da prisão civil do devedor. Tal medida coercitiva viabilizar-se-á desde que, conforme o § 3º do citado art. 5289, o executado, além de não pagar quando instado, deixar de provar que efetuou anteriormente o pagamento ou deixar de apresentar justificativa para tanto. Registre-se, como cediço, que o cumprimento da sentença ou decisão poderá se dar pela modalidade de penhora e sem, consequentemente, a prisão civil (§ 8º art. 528 NCPC)10. Demais disso, o procedimento poderá se efetivar por meio de desconto em folha de pagamento do devedor (art. 529 NCPC)11. Já quanto ao título extrajudicial havia discussões se ele permitiria a prisão civil. É que, na redação do art. 733 CPC/73, o legislador fez uso da expressão “sentença ou de decisão”, o que poderia levar à conclusão que só atos judiciais autorizariam a medida coercitiva drástica. Pois bem, com o advento do NCPC, a matéria estará pacificada. Isso porque o art. 911 NCPC contempla, expressamente, a “execução fundada em título executivo extrajudicial que contenha obrigação alimentar”, estabelecendo, mais adiante no par. único, que as disposições pertinentes à prisão civil aí também se aplicam. Com efeito, pode-se dizer que embasará, por exemplo, execução por título extrajudicial, com possibilidade de prisão civil, a escritura pública que contenha obrigação alimentar, inclusive no 9 Art. 528 - § 3o Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1o, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses. 10 Art 528 - § 8o O exequente pode optar por promover o cumprimento da sentença ou decisão desde logo, nos termos do disposto neste Livro, Título II, Capítulo III, caso em que não será admissível a prisão do executado, e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação 11 Art. 529. Quando o executado for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa ou empregado sujeito à legislação do trabalho, o exequente poderá requerer o desconto em folha de pagamento da importância da prestação alimentícia. âmbito de acordo de divórcio, separação ou extinção de união estável (arts. 784 II e 733 NCPC)12. De igual forma, o documento particular, com a assinatura de duas testemunhas, pelo qual o devedor assume a referida obrigação (art. 784 III)13, e o instrumento de transação referendado por alguns dos sujeitos citados no inc. IV do art. 784 NCPC14, onde há também a assunção do compromisso pelo alimentante. Portanto, há interessante ampliação dos títulos executivos que autorizam a prisão civil do devedor de alimentos. 3.1 CITAÇÃO E INTIMAÇÃO. COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS E O CHAMAMENTO DO DEVEDOR DE ALIMENTOS. Na execução de alimentos por título extrajudicial deverá o juiz mandar “citar o executado para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento das parcelas anteriores ao início da execução e das que se vencerem no seu curso, prova que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê- lo” (art. 911 NCPC). Prevê o legislador a prisão civil, como aqui já afirmado, no par. único do referido art. 911 NCPC. Se optar o credor pelo processamento da execução sob o rito que gera penhora de bens, em vez da prisão civil, a citação do devedor será para “pagar a dívida, no prazo de 3 (três) dias, contado da citação” (art. 829 NCPC, aplicado por força do art. 913 NCPC)15. 12 Art 784 - II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor. Art. 733. O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731. 13 Art. 784 - III - o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas. 14 Art 784 - IV - o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal. 15 Art. 829. O executado será citado para pagar a dívida no prazo de 3 (três) dias, contado da citação. Houve avanço quanto à citação no processo de execução, de forma geral, eis que foi permitida sua realização via postal. Sim, o art. 222 “d” CPC/73, que veda a citação postal em processo de execução, não foi repetido no correlato artigo do novo código (art. 247). Logo, aquele martírio do credor para conseguir localizar pelo ato citatório o devedor de alimentos, mormente naquelas hipóteses em que se fazia necessária a carta precatória, tende a ser mitigado, ante a facilidade de consecução da citação postal. É verdade, porém, que o legisladormanteve o critério, no caso de pessoa natural ser o citando, que ele próprio assine o recibo. Aliás, a jurisprudência já não admitia a teoria da aparência, no caso de citação de pessoa física, já tendo sido decidido pelo STJ que “a validade da citação de pessoa física pelo correio está vinculada à entrega da correspondência registrada diretamente ao destinatário, de quem deve ser colhida a assinatura no recibo, não bastando, pois, que a carta apenas se faça chegar no endereço do citando”. E, mais ainda: “Caberá ao autor o ônus de provar que o citando teve conhecimento da demanda contra ele ajuizada, sendo inadmissível a presunção nesse sentido pelo fato de a correspondência ter sido recebida por sua filha ”16. Esse rigor, com efeito, no caso de execução de alimentos, ainda mais quando se tratar do rito com prisão civil, não deve comportar atenuação. A citação é ato processual indispensável à validade do processo e precisa haver segurança quanto à sua correta realização. Não obtendo sucesso na citação postal, diz o código que o autor deverá se valer da citação pelo oficial de justiça (art. 249 16 (REsp 712609/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Data da Publicação/Fonte: DJ 23/04/2007, p. 294). NCPC)17. E também aí o oficial de justiça deverá obter o ciente do citando no mandado ou certificar que ele se recusou (art. 251 NCPC)18. Porém, não é raro em execuções de alimentos o citando incorrer em ocultação. Em tal hipótese, caberá a citação por hora certa, agora admitida expressamente para execuções, tanto que o art. 254 NCPC19 utiliza a expressão “executado”, ao dizer que o escrivão ou chefe de secretaria terá que dar ciência a ele por carta, telegrama ou correspondência eletrônica, depois de concretizada aquela modalidade de chamamento. Nada obsta a utilização da citação por edital, mesmo em execução de alimentos pelo rito da prisão civil, caso “ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o citando” (art. 256 II NCPC). Não há vedação legal a tal instrumento, o qual já vinha sendo admitido pela jurisprudência, inclusive do STJ20. Com efeito, é voz corrente naquele pretório a afirmativa de que “não há vício de citação na execução de alimentos pelo simples fato de o ato processual ter sido efetivado mediante edital, sobretudo quando evidenciada, nos autos, a frustração das tentativas de chamamento do devedor por meio dos métodos ordinários” 21. 17 Art. 249. A citação será feita por meio de oficial de justiça nas hipóteses previstas neste Código ou em lei, ou quando frustrada a citação pelo correio. 18 Art. 251. Incumbe ao oficial de justiça procurar o citando e, onde o encontrar, citá-lo.. 19 Art. 254. Feita a citação com hora certa, o escrivão ou chefe de secretaria enviará ao réu, executado ou interessado, no prazo de 10 (dez) dias, contado da data da juntada do mandado aos autos, carta, telegrama ou correspondência eletrônica, dando-lhe de tudo ciência. 20RECURSO ORDINÁRIO. PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA. RECURSO INTEMPESTIVO CONHECIDO COMO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. PRISÃO CIVIL. DÍVIDA DE ALIMENTOS. LEGALIDADE DA CITAÇÃO. PRECEDENTE ESPECÍFICO. 1. Possibilidade de conhecimento do recurso ordinário intempestivo como habeas corpus substitutivo. Precedentes. 2. Inexiste vício de citação na execução de alimentos pela circunstância de ter sido efetivada mediante edital, sobretudo quando evidenciada a frustração das tentativas de cientificação do devedor pelos métodos ordinários de comunicação dos atos processuais. 3. Precedentes do STJ. 4. RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO COMO HABEAS CORPUS SUBSITUTIVO,DENEGANDO-SE A ORDEM. (RHC 44164 / SP - Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO. DJe 12/06/2014. STJ). 21 (AgRg no RHC 48668/MG, rel. Marco Buzzi, DJe 14/10/2014). Por derradeiro, cabe acentuar que a citação por meio eletrônico, já prevista nos arts. 6º e 5º da Lei 11.419/200622, foi estabelecida, expressamente, no art. 246 V23 do novo código processual. Todavia, ela depende de prévio cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, o qual, enquanto não houver regulamentação legal expressa, só será obrigatório à “União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e às entidades da administração indireta” e às “empresas públicas e privadas”, “com exceção das microempresas e das empresas de pequeno porte” (art. 246 §s 1º e 2º NCPC). Em outras palavras, embora não haja vedação à citação por meio eletrônico na execução de alimentos (pelo contrário, o NCPC exige a indicação do “endereço eletrônico” do réu, em qualquer petição inicial – art. 319 II)24, a sua concretização dependerá da criação de procedimento que efetive e dê segurança ao prévio credenciamento do executado (conferir art. 2º Lei 11.419/06)25. No caso de alimentos fixados por título judicial, como já se estudou aqui, o credor valer-se-á do procedimento de cumprimento de sentença. Referido procedimento poderá colimar na prisão civil do devedor (art. 528 e seus §s NCPC) ou, caso assim opte o credor, poderá gerar apenas a penhora de bens (art, 528 § 8º NCPC). O legislador optou por exigir a intimação do devedor, para que este, no prazo de três dias, pague, prove que já pagou ou 22 Art. 6o Observadas as formas e as cautelas do art. 5o desta Lei, as citações, inclusive da Fazenda Pública, excetuadas as dos Direitos Processuais Criminal e Infracional, poderão ser feitas por meio eletrônico, desde que a íntegra dos autos seja acessível ao citando. Art. 5o As intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2o desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico. 23 Art 246 - V - por meio eletrônico, conforme regulado em lei. 24 Art 319 II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu.. 25 Art. 2o O envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão admitidos mediante uso de assinatura eletrônica, na forma do art. 1o desta Lei, sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos. justifique a impossibilidade de efetuar o pagamento (art. 528 NCPC)26. Teve o cuidado, ademais, de dizer que tal intimação será realizada “pessoalmente”. É importante pontuar aqui que a expressão intimação pessoal não significa que o ato terá que ser por oficial de justiça. A intimação se diz pessoal porquanto se opõe àquela que é feita na pessoa do advogado no cumprimento de sentença (art. 513 § 2º NCPC). Mas pode se realizar pelo correio (art. 274 NCPC) ou por meio eletrônico (art. 270 NCPC), desde que dirigida, naturalmente, ao citando. A respeito da intimação por correspondência, cabe destacar que, diferentemente da citação, ela será válida, inclusive no cumprimento de sentença para recebimento de alimentos, mesmo que não recebida pessoalmente pelo interessado, se tiver ocorrido modificação temporária ou definitiva de endereço e se tal não houver sido informado ao juízo (art. 274 par. único NCPC)27. Deve-se registrar que, uma vez fixados os alimentos por decisão judicial, e manifestado pelo credor a pretensão de cumprimento da mesma para recebimento do seu crédito, poderá acontecer do devedor comparecer espontaneamente no processo por meio de seu advogado.E, em tal hipótese, ainda que a procuração outorgada ao causídico não contenha poderes expressos para citação ou intimação pessoal em nome do devedor, este será considerado intimado na data do comparecimento. Ora, não condiz com a boa-fé processual (art. 5º NCPC) o comportamento da parte que toma ciência por meio de seu advogado da exigência do crédito alimentar e, depois, passa a aguardar e 26 Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. 27 Art. 274. Não dispondo a lei de outro modo, as intimações serão feitas às partes, aos seus representantes legais, aos advogados e aos demais sujeitos do processo pelo correio ou, se presentes em cartório, diretamente pelo escrivão ou chefe de secretaria.Parágrafo único. Presumem-se válidas as intimações dirigidas ao endereço constante dos autos, ainda que não recebidas pessoalmente pelo interessado, se a modificação temporária ou definitiva não tiver sido devidamente comunicada ao juízo, fluindo os prazos a partir da juntada aos autos do comprovante de entrega da correspondência no primitivo endereço. exigir sua intimação pessoal. Aliás, o novo diploma codificado acentua expressamente que a ciência inequívoca traz a presunção de intimação, em especial quando acontecer a retirada dos autos “em carga pelo advogado” (art. 272 § 6º NCPC)28. É convincente o precedente do STJ29, no sentido de que “resta configurado o instituto do comparecimento espontâneo (art. 214, §1º, do CPC) na hipótese em que o réu, antecipando-se ao retorno do mandado ou "a.r" de citação, colaciona aos autos procuração dotada de poderes específicos para contestar a demanda, mormente quando segue a pronta retirada dos autos em carga por iniciativa do advogado constituído”. E prossegue a ementa do referido acórdão: “Conjuntamente considerados, tais atos denotam a indiscutível ciência do réu acerca da existência da ação contra si proposta, bem como o empreendimento de efetivos e concretos atos de defesa. Flui regularmente, a partir daí, o prazo para apresentação de resposta. Irrelevante, diante dessas condições, que o instrumento de mandato não contenha poderes para 28 Art. 272 - § 6o A retirada dos autos do cartório ou da secretaria em carga pelo advogado, por pessoa credenciada a pedido do advogado ou da sociedade de advogados, pela Advocacia Pública, pela Defensoria Pública ou pelo Ministério Público implicará intimação de qualquer decisão contida no processo retirado, ainda que pendente de publicação. 29 HABEAS CORPUS. DECRETO DE PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR DE ALIMENTOS. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO PARA A AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO. SUPRIMENTO. ORDEM DENEGADA. ( HC 158932 / MG, Ministro Luis Felipe Salomão, Dje: 29/03/2010. STJ). HABEAS CORPUS - AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS - ART.733 DO CPC - COMPARECIMENTO PESSOAL DO DEVEDOR - DESNECESSIDADE DE CITAÇÃO PESSOAL - PROLONGAMENTO DO TRÂMITE DA AÇÃO EXECUTIVA - PERDA DO CARÁTER ALIMENTAR - INOCORRÊNCIA - CESSÃO DE CRÉDITO - IMPOSSIBILIDADE - LEGALIDADE DA PRISÃO CIVIL - ORDEM DENEGADA. 1) Conforme entendimento sufragado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do HC 158.932/MG, o comparecimento espontâneo do devedor no curso de ação de execução de alimentos proposta pelo rito do art.733 do CPC supre a falta de citação pessoal, inexistindo ilegalidade neste aspecto. 2) O prolongamento do trâmite de ação de execução de alimentos, causado principalmente pela dificuldade de localização do executado, não leva à perda da natureza alimentar das prestações executadas, eis que observada a Súmula nº. 309 do STJ. 3) Não se pode impor ao credor de alimentos que aceite o cumprimento da obrigação alimentícia por meio de cessão de crédito previdenciário cuja existência, certeza e liquidez sequer foram demonstradas pelo devedor. 4) Ordem denegada. ( Habeas Corpus Cível 0579889-21.2014.8.13.0000, Des. Teresa Cristina da Cunha Peixoto, Dje: 13/10/2014. TJMG). recebimento de citação diretamente pelo advogado, sob pena de privilegiar-se a manobra e a má-fé processual”30 Este entendimento há que ser aplicado – e assim vem ocorrendo na jurisprudência pátria – também ao cumprimento de sentença pelo rito da prisão civil. A premência própria dos alimentos, ainda que a medida coercitiva da prisão seja drástica, justifica que se considere suprida a intimação pessoal do devedor no caso de comparecimento espontâneo. 3.2. MEDIDAS COERCITIVAS. PRISÃO. PROTESTO. CADASTRO DE INADIMPLENTES. Sabidamente, na execução de alimentos o foco é a própria subsistência do alimentando. Por isso o texto constitucional admite, não como sanção mas a título de coerção, a prisão civil do alimentante- devedor. O § 3º do art. 528 NCPC, ao tratar do cumprimento ou execução de título judicial, manteve a prisão civil do inadimplente “pelo prazo de 1(um) a 3(três) meses”. O art. 911 par. único NCPC seguiu o mesmo critério, ao versar sobre a execução por título extrajudicial que consubstancie crédito alimentar. Destaque-se que, em sintonia com a súmula 309 STJ, o novo código consignou, expressamente, que “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”. Digno de acréscimo, ainda quanto à prisão, que o legislador optou pelo cumprimento da prisão “em regime fechado”, devendo, porém, “o preso ficar separado dos presos comuns” (art. 528 § 4º NCPC). 30 (REsp 1026821/TO, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, DJe 28/08/2012). Demais disso, agora reafirmando o óbvio (art. 40 CPP)31, o Código conclama o Juiz, no caso de “conduta procrastinatória do executado”, “se for o caso”, a “dar ciência ao Ministério Público dos indícios da prática do crime de abandono material” (art. 532 NCPC). As novidades efetivas e de relevância do novo sistema codificado, relacionadas às medidas coercitivas, encontram-se na previsão de protesto do título e na inscrição do nome do devedor no cadastro de negativação de inadimplentes. A previsão expressa do protesto é direcionada para todas as hipóteses de cumprimento de sentença, eis que prevista genericamente no art. 517 NCPC32. É óbvio que, seja por força da lei específica de regência (Lei 9492/97) seja pela aplicação subsidiária do cumprimento de sentença à execução por título extrajudicial (art. 771 par. único NCPC)33, este também será protestável. O primeiro ponto que distingue o protesto específico para o título que consubstancia crédito alimentar em relação à regra geral é a sua força cogente, ou seja, o Juiz, ex officio, deve determinar o protesto. Com efeito, no art. 517 NCPC – regra geral – há previsão da faculdade atribuída ao credor (“poderá”), sendo claro que a ele competirá tomar as diligências para o protesto (§ 1º). Já o art. 528 § 1º, ao versar sobre o cumprimento de decisão que fixa alimentos, diz que “o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial”, não repetindo aí a faculdade e iniciativa do credor. 31 Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao MinistérioPúblico as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia. 32 Art. 517. A decisão judicial transitada em julgado poderá ser levada a protesto, nos termos da lei, depois de transcorrido o prazo para pagamento voluntário previsto no art. 523. 33 Art. 771 - Parágrafo único. Aplicam-se subsidiariamente à execução as disposições do Livro I da Parte Especial. Isso significa que, independente de requerimento do credor, o Juiz, ao deparar com ausência de pagamento ou justificativa válida do devedor, impor-lhe-á, de maneira concomitante, a prisão civil e o protesto do título judicial. Interessante que – não é raro – o devedor pode se esconder para evitar a prisão; porém, enquanto se esconde, terá o título protestado, o que poderá, ao menos, trazer-lhe transtornos comerciais e para a entabulação de negócios jurídicos. Outro ponto que privilegia o protesto de título judicial que contempla verba alimentar é a possibilidade de tal acontecer, ainda que se trate de alimentos fixados provisoriamente e com pendência de recurso sem efeito suspensivo. Sim, diferente do art. 517 que diz sobre “decisão judicial transitada em julgado”, o art. 528 faz alusão apenas ao cumprimento de sentença “que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos”. Vale dizer que, na mesma linha do art. 531 e seu § 1º do referido codex, é possível a execução de alimentos provisórios, mesmo com decisão sem trânsito em julgado, e também o protesto do respectivo título. Na verdade, o protesto de decisão judicial já vinha sendo admitido pela jurisprudência, a partir da percepção de que a Lei 9492/97 possui, na parte final de seu artigo 1º, redação genérica e receptiva de tal possibilidade (“e outros documentos de dívida”). Agora, a situação ficou clara e cogente, no caso de dívida alimentar. O procedimento do protesto, no âmbito cartorário, é aquele previsto na Lei 9492/97, sendo que, uma vez proveniente de ordem judicial sua implementação só poderá ser sustada também por determinação do juízo (art. 17 Lei 9492/97)34, o mesmo acontecendo com o cancelamento do seu registro já efetivado (art. 517 § 4º NCPC)35. Todavia, uma vez quitado 34 Art. 17. Permanecerão no Tabelionato, à disposição do Juízo respectivo, os títulos ou documentos de dívida cujo protesto for judicialmente sustado. 35 Art. 517. § 4o A requerimento do executado, o protesto será cancelado por determinação do juiz, mediante ofício a ser expedido ao cartório, no prazo de 3 (três) dias, contado da data de protocolo do requerimento, desde que comprovada a satisfação integral da obrigação. o valor consignado no título no prazo legal contido na lei de regência, será evitado o registro do protesto, não sendo necessária para isso prévia ordem judicial (art. 19 Lei 9492/97)36. Embora óbvio, é cauteloso lembrar que não cabe ao Tabelião analisar qualquer justificativa sobre a impossibilidade do pagamento, tarefa esta reservada com exclusividade ao Juiz (art. 528 e §s NCPC). De anotar-se, por fim, que o novo código ampliou as benesses da gratuidade da justiça aos notários ou registradores (art. 98 IX NCPC)37, o que alcança todos os atos relacionados ao cumprimento de ordem judicial para protesto do título que embasa crédito alimentar. De outro lado, o art. 782 § 3º NCPC trouxe a previsão de que, “a requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes”. Trata-se de permissivo relevante e que se presta a pacificar a divergência jurisprudencial acerca do tema, notadamente no concernente à execução de alimentos38. 36 Art. 19. O pagamento do título ou do documento de dívida apresentado para protesto será feito diretamente no Tabelionato competente, no valor igual ao declarado pelo apresentante, acrescido dos emolumentos e demais despesas. 37 Art 98 - IX - os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido. 38 EMENTA: AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO DE ALIMENTOS - NEGATIVAÇÃO DO DEVEDOR NO SPC / SERASA - PROTESTO DE DÍVIDA JUDICIAL - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO NÃO PROVIDO. - É ilegal o registro do nome do devedor de alimentos em cadastros de proteção ao crédito, assim como o protesto de certidão de dívida alimentícia, por constituir violação do segredo de justiça imposto pelo art. 155, II, do CPC. - Agravo não provido. (Agravo interno 0723198-37.2013.8.13.0000, Des. Alyrio Ramos, Dje: 09/12/2013. TJMG). Direito constitucional. Direito civil. Processo Civil. Alimentos. Execução. Devedor contumaz. Ausência de bens passíveis de constrição. Emprego de meios coercitivos para o cumprimento espontâneo da obrigação. Inscrição do nome do devedor em cadastro restritivo de crédito. SPC e Serasa. Possibilidade. Observância dos princípios constitucionais do direito à vida e da dignidade da pessoa humana quanto ao alimentando, que tem o direito de desfrutar de uma existência digna com suas necessidades básicas atendidas por aqueles A viabilidade da negativação do nome do devedor está prevista expressamente quando o Código novo trata da execução por título extrajudicial (art. 782), sendo ampliada para o cumprimento de sentença no § 5º do citado artigo legal. O problema que poderia surgir está na afirmativa contida no dito § 5º art. 782, de que se aplica a viabilidade à “execução definitiva de título judicial”. Essa restrição poderia eliminar o meio coercitivo em pauta para a execução de decisão interlocutória (alimentos provisórios) e para aquelas decisões ainda não transitadas em julgado. que têm obrigação legal de prover seu sustento. A determinação de inclusão do nome do devedor contumaz de prestação alimentícia a menor é medida que independe de lei e se justifica à luz da melhor técnica hermenêutica. Bancos de dados como SPC e SERASA registram, na grande maioria dos casos, os nomes de devedores que estejam inadimplentes ou em mora à conta de operações bancárias ou comerciais. Tais registros são de grande importância nas economias globalizadas e de consumo, como a nossa, porque estimulam a tomada responsável de crédito e protegem o mercado dos nocivos efeitos da inadimplência. A rigor, o devedor de alimentos a um menor ou a uma pessoa incapacitada de trabalhar, causa dano muito maior do que aqueloutro que deixa de pagar a prestação de um eletrodoméstico. Tanto assim que, em caso de alimentos, a Constituição Federal prevê a mais grave e excepcional medida coercitiva que é a prisão. Aqui se mostra impositiva a máxima "quem pode o mais pode o menos" porque se o Juiz pode determinar a prisão por até 60 dias do devedor de alimentos, poderá, meramente, determinar a negativação de seu nome em órgãos de proteção ao crédito. Dir-se-á que, nestes casos, o alimentante não tomou qualquer tipo de crédito e, portanto, seu nome não pode constar de um cadastro de proteção ao crédito. O argumento não passa de sofisma, dês que a medida deve ser avaliada pelo seu conteúdo coercitivo e não pela razão ou motivo da dívida. Não se desconhece que, na espécie de que se trata, há colisão de direitos fundamentais, qual seja o direito à privacidade versus o direito à vida/dignidade da pessoa humana, valendo
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