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MSC Conceituando e Definindo o Machismo

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Machismo na Sociedade Contemporânea 
Conceituando e Definindo o Machismo 
 
David Alexandre Martins 
 
RESUMO 
Este artigo é o primeiro de uma série de onze (11) artigos cujo tema central propõe e 
convida a uma reflexão sobre como o machismo ainda reside, resiste e se apresenta na 
sociedade contemporânea; em contrapartida, busca também retratar tanto os 
comportamentos quanto as impressões, crenças e conceitos do senso comum a respeito 
do tema; principalmente sob a perspectiva feminina. Através de investigações e 
pesquisas inter/multidisciplinares o presente tema (Conceituando e Definindo o 
Machismo) pretende revelar uma espécie de “fotografia” psicossocial do pensamento, 
atitudes internas e realidades acerca dos fatos reais que compõem essa presença sombria 
muitas vezes pouco vista ou percebida. Por fim, nos conduz a uma conclusão sobre a 
realidade por traz dos discursos e sofismas, definindo de forma técnica e clara o que 
realmente é o machismo na atualidade. 
 
Palavra-Chave: Machismo, Mulher, Sociedade, Comportamento Psicossocial, 
Identidade. 
 
ABSTRACT 
This article is the first in a series of eleven (11) items whose central theme proposes and 
invites a reflection on how the machismo still resides, resists and is presented in 
contemporary society; however, also seeks to portray both behaviors as impressions, 
beliefs and concepts of common sense on the subject; mainly under female perspective. 
Through investigations and researches inter / multidisciplinary this topic (concept and 
setting the Machismo) intends to convey a kind of "snapshot" psychosocial thought, 
inner attitudes and realities about the real facts that make up this shadowy presence 
often rarely seen or perceived. Finally, it leads us to a conclusion about the reality 
behind the discourses and sophistry, setting technique and clearly what really is the 
machismo today. 
 
Keyword: Machismo, Women, Society, Psychosocial Behavior, Identity. 
 
Conceituando e Definindo o Machismo 
 
Inicialmente cabe esclarecer as diferenças semânticas aqui adotadas entre os termos: conceito e 
definição. 
Conceito entender-se-á como significado, signo dado, representação simbólica e/ou leitura 
semiótica; características essas, dadas por cada sociedade e cultura a determinado “objeto” 
concreto e/ou abstrato. Essa leitura semiótica por sua vez, contém diversas particularidades 
cambiantes e muitas vezes contraditórias, as quais consequentemente concatenam-se e/ou 
derivam direta/indiretamente de crenças, tradições e percepções do senso comum. 
Definição compreende-se aqui como: por fim, de fine, definitivo, verdadeiro; 
descrição/determinação técnicas comprometidas com as características reais de dado “objeto” 
concreto e/ou abstrato; ou o mais próximo possível das mesmas; utilizando e apropriando-se de 
quaisquer contribuições/investigações científicas inter-relacionáveis, aplicáveis, relevantes e 
cabíveis. 
 
“A mulher determina-se e diferencia-se em relação ao homem e não este em relação a ela; a 
fêmea é o inessencial perante o essencial.” 
 
Simone de Beauvoir. 
 
INTRODUÇÃO 
Quando perguntado a mulheres sobre o que é o machismo, as opiniões 
dividem-se, desdobram-se e multiplicam-se; por vezes tornando-se tão contraditórias 
quanto todo o cenário e crise identitária consciente ou inconsciente na qual essas 
mesmas mulheres se encontram atualmente inseridas. 
As mais variadas conceituações/significados emergem; respostas como: 
“machismo é a crença de que o homem é superior à mulher” ou “machismo é o homem 
achar que a mulher tem que obedecê-lo” ou ainda mais comum, “machismo é o homem 
ganhar mais que a mulher”; em outros momentos o significado fica por conta de 
comportamentos atribuídos ao homem machista especificamente; personificando-se 
assim o conceito. Logo, surgem afirmações tais como: “machismo é quando o homem 
não „ouve‟ a mulher” ou “é o homem ser egoísta; primeiro ele, depois a mulher” ou 
ainda: “machismo é o homem não fazer o que a mulher lhe pede, só o que ele quer”; não 
que as afirmações acima citadas não sejam consentâneas –, pois expressam uma parte 
importante das ações/atitudes resultantes e advindas do machismo – entretanto, atribuir 
a esses ou aos demais resultados o caráter e/ou status/qualidade de essência ignorando-
se os verdadeiros fatores causais – assim como crer numa concentricidade para ambos 
na sociedade – soa bastante simplista. 
...gostaria de mencionar outro tema central e recorrente em muitos se não a 
maioria dos significados de machismo: o corpo físico. Este tema se manifesta 
como espancamentos, proezas sexuais, consumo de bebida alcoólica, 
travessuras temerárias e o problema nem tão simples assim de definir as 
categorias de “homem” e “mulher”. Por mais confusas que as identidades de 
gênero possam parecer, estas geralmente compartilham relações de 
dependência mútua com esses âmbitos somáticos. 
(Matthew Gutmann, 2013 – pag 72-73) 
1. Conceituando o Machismo. 
Se por um lado boa parte da nossa sociedade acredita que estejamos evoluindo 
e mudando em relação ao tratamento dado às mulheres – através de avanços 
substanciais considerados inclusive por parte das mulheres como mais do que 
suficientes e até mesmo excessivos – por outro, uma parte mais atenta e perceptiva 
defende a existência de uma realidade ainda muito presente, porém bastante difícil de 
ser notada. Os fatos em si, podem até confundir e iludir as massas, pois algumas 
mudanças correspondem sim, a ações reais; no entanto, essas mesmas ações ao serem 
mais sensivelmente analisadas, demonstram claramente a onipresença silenciosa e 
resiliente do machismo, conduzindo o discurso popular pelas vias do sofisma; pois tais 
avanços não correspondem exatamente às expectativas de boa parte das mulheres 
pensantes e conscientes; esses avanços quando observados mais atenta e tecnicamente, 
diluem-se, tomando novos contornos. Tais progressos – ainda que práticos – não 
configuram quantitativa ou qualitativamente qualquer amadurecimento significativo se 
comparado proporcionalmente ao discurso que ora é difundido por homens, ora pelas 
próprias mulheres –, parte delas – que parecem crer piamente que o momento vivido 
hoje por elas é de enormes conquistas, algo como “muito próximo do ideal”; chegando 
ao ponto de defenderem uma perspectiva que propõe quase que uma acomodação frente 
ao cenário de “avanços” e “direitos iguais” que elas conquistaram. 
Admiravelmente muitas das mulheres que se dizem não machistas costumam 
ter um discurso onde afirmam também não ser feministas, pois entendem e consideram 
o feminismo como uma espécie de “oposto simétrico do machismo” – o que demonstra 
a completa ignorância das mesmas em relação ao movimento, história e filosofia 
feministas. Entretanto, mais admirável ainda é constatar que parte delas afirma que 
homens e mulheres têm, e devem ter – em sentido biológico/evolutivo – 
necessariamente “lugares” específicos na vida e sociedade; algumas chegando a usar 
como argumento retórico analogias com o mundo animal, assim como lugares comuns 
do tipo: “as coisas são assim desde que o mundo é mundo, o homem é diferente da 
mulher, pensa com a „cabeça de baixo‟...” ou “os homens são melhores nas tarefas 
profissionais” ou ainda: “o homem é o provedor, a mulher tem que cuidar da casa e dos 
filhos... tem que ser bonita”; após ouvir tais afirmações fica clara a existência de uma 
presença extremamente poderosa, silenciosa e inconscientemente enraizada, assim como 
internalizada; inextricável e indelével tanto no âmago da maioria das mulheres, quanto 
no mais profundo universo arquetípico da sociedade; onde as mulheres exercem na 
esmagadora maioria das vezesa função de dominadas, e algozes de si mesmas; agindo 
como “autômatas” cegas programadas para serem incapazes de identificar o universo de 
escravidão mental, identitária e existencial no qual foram laçadas e condenadas a vagar, 
como espécies de “zumbis” de si mesmas. 
Determinadas relações reiteram, sistematizam e deslocam na esfera da 
existência privada uma estrutura fundamentalmente machista [ao nível do 
discurso], cuja origem, pode se encontrar no social [por exemplo, o culto do 
herói pelas mulheres, o culto da “self-made-woman”]. 
(Mary Pimentel Drumontt, 1980, pag. 82) 
Declarações como as do livro The Female Brain – sobre conexões versus 
frenesis ou sobre como uma mulher, para ter sexo satisfatório, tem que se 
sentir “confortável, acolhida e aconchegada” e, “o mais importante”, tem 
“que confiar em seu companheiro” – combinam notadamente com os 
ensinamentos do cristianismo fundamentalista. A versão laica é menos 
extrema, mas as mensagens são similares. Alguns programas de educação 
para a saúde desenvolvidos por protestantes e usados em milhares de escolas 
públicas norte-americanas na década passada instruíam em suas tabelas que 
“as cinco maiores necessidades das mulheres” no casamento eram dominadas 
pela “afeição” e pela “conversa”. Sexo não está entre as cinco. Em outro 
gráfico intitulado “rapazes e moças são diferentes”, as garotas têm um sinal 
de igual entre “sexo” e “relações pessoais”. Os garotos têm um sinal de 
diferente. Assim, com confiança científica ou dada por Deus, esses 
programas transmitem para meninas e mulheres como elas devem se sentir. 
(Daniel Bergner, 2013, pag. 42) 
É a reificação sistemática do ser feminino em termos de identidade de gênero; 
subproduto retroalimentado e concebido segundo a sua própria manifestação social; 
resultado profundo da “lobotomização” psicossocial cultivada há milênios por uma 
filosofia de dominação-sujeição advinda da perversa ideologia machista dominante. 
Essa reificação fica clara quando mulheres, feministas ou não – radicais ou não 
– defendem por um lado direitos iguais e por outro, predileções e privilégios, como: 
preferencia dada às mães quanto à guarda de filhos de pais separados, preferência dada 
à mulher divorciada quanto à posse de patrimônio residencial quando há apenas uma 
casa, pensão dada por ex-maridos às ex-mulheres, sanção penal reduzida para mulheres, 
etc. Ao mesmo tempo, criam-se movimentos onde há qualquer coisa “feminina”, dando 
um tom de “vanguarda” e legitimidade, os quais sinceramente não desempenham o 
papel social necessário para qualquer avanço real, reduzindo-se a engodos e demagogias 
– ainda que bem intencionados. Na realidade, esses movimentos e esforços – se 
seguirem essa linha de raciocínio – infelizmente não passarão de subprodutos do 
machismo; pois, se justamente o machismo se origina e reside na raiz da desigualdade; 
assumir-se rótulos é assumir a desigualdade, independente das filosofias. De fato, 
apologias às “feminices” sempre serão negativas, pois atenderão inevitavelmente aos 
interesses do machismo; mesmo que, indiretamente e recobertos por um tom 
“politicamente correto” e “transgressor consciente” – o que torna todo o “jogo” ainda 
mais sórdido – assim sendo, qual será então o grande avanço? 
Um grande exemplo é a indústria literária, com sua categorização: “literatura 
feminina” ou “Ficção feminina”; o mais interessante é que dentro de tal “categoria” 
existem muitas e muitas reais categorias literárias; contudo, o critério adotado deve-se 
ao fato de simplesmente serem livros escritos por mulheres –, logo, suposta ou 
“obviamente” são livros que interessam a mulheres – o que demonstra o quanto as 
próprias editoras impulsionadas e motivadas pelas próprias consumidoras – mulheres, 
muitas vezes ditas feministas – se encontram inseridas dentro dos contextos machistas; 
uma vez que, se compreende o assunto, tema, estilo, área de conhecimento, linha de 
raciocínio, em suma, a categoria literária como estando necessariamente em segundo 
plano; frente ao predicado de maior peso, que passa a ser um raciocínio raso e 
simplório, impregnado de preconceitos profundamente machistas, que reafirmam o 
pressuposto de que existam universos distintos e heterogêneos regidos e consolidados 
pelas identidades de gênero – mediadas pelo gênero masculino, o dominante. 
...A situação não melhora com as ações do editor da TLS Peter Stothard ou 
de VS Naipaul, Harris disse. “‟Ficção feminina‟ ainda é considerado uma 
sub-categoria.”... 
...Eu sabia que assim estava – ou está – no Wikipédia. Havia uma 
controvérsia sobre isso no último ano. Mas a Amazon? Sério? Eu chequei 
isso: ela estava certa. Há uma categoria para Ficção e escritoras mulheres”... 
e “ficção popular feminina”. Eu fiquei estuporada e me perguntei como esses 
títulos foram parar nessas categorias. A mistura de livros é tão grande quanto 
o tamanho de categorias que ela comporta, unidas unicamente pelo gênero de 
suas autoras. Mas o fato é que a categoria está lá e não há nada parecido com 
um “Ficção e escritores homens”. Para homens, a categoria é simplesmente 
“ficção”, eu acredito. (Alisson Flood, Jornal The Guardian, 2014) 
Não há qualquer avanço real em apenas “re-rotular” e “re-categorizar” algo que 
até então pertencia – como regra – ao universo masculino; Isso não é evolução, isso é 
sofisma, é ideologia, não há nada de feminismo nesse tipo de expressão – uma vez que 
o feminismo clássico propõe acima de tudo a igualdade – há apenas uma atitude 
inocente e inconsciente de determinadas mulheres que creem estar realmente 
defendendo os seus ideais e indo na contra mão; porém, ao se perpetuar a desigualdade, 
ao se fazer apologias sexistas, ao apenas inverter as ações/resultados, ainda se estará 
seguindo a cartilha machista. Quanto a essas mulheres? Pobres inocentes; estão 
novamente sendo controladas pelo que no fim deste artigo se definirá como machismo. 
1.1 O Machismo Como Presença Inconsciente. 
Fica claro que geralmente o conceito de machismo está mais ligado aos atos, 
atitudes e práticas; misoginia, feminicídio, violência contra a mulher, grosserias, 
preconceitos diversos, assédio sexual e moral, ditos populares, piadas infames, 
diferenças salariais, sistema patriarcal, sistema patrilinear e repressão de origem 
religiosa – ainda que algumas dessas expressões e manifestações sejam atualmente 
veladas – são alguns exemplos “clássicos” do que o sexismo como manifestação aberta 
e amparada pelo contexto social causou e causa diariamente às mulheres – não somente 
às mulheres, pois os demais lesados pelo machismo sempre apresentam semelhanças ou 
“similaridades” ao o ser feminino, ou apenas são diferentes do que é tido como regra 
pela ótica machista. Essas crenças articulam-se com diversas instituições que direta ou 
indiretamente se beneficiam da condição atual de inconsciência – total ou parcial – 
feminina de si mesma e do real contexto social onde ela própria coexiste. Segundo 
pesquisa feita em 2013 através do instituto Data Popular, 96% dos jovens brasileiros, 
entre 16 e 24 anos, afirmam que a sociedade brasileira ainda é extremamente machista. 
Talvez o mais alarmante de toda essa disparidade conceitual identitária, tanto na esfera 
sociológica, quanto psicológica – aspectos macro e micro – seja suas consequências 
psicossociais – aspectos interacionistas – que a mesma reflete e perpetua; assim como 
os processos presentes e empregados na sua manutenção; fazendo com que as partes 
constituintes mais importantes do processo se camuflem – desviando o olhar para os 
efeitos e ignorando as causas. Ao se refletir sobre, e identificar-se o real cenário atual, 
fica clara a urgentenecessidade de se estimular nas mulheres a busca pela reflexão, 
assim como a criação de uma consciência sobre sua própria inconsciência em relação à 
presença do que realmente é o machismo. 
O machismo está impregnado na cultura. Logo, a cultura é, também, 
machista. Não se trata de um conjunto de práticas, mas daquilo que dá 
validade e significação para este conjunto de práticas e para aquilo que, em 
última instância, define quais práticas estão neste conjunto. (Vinicius 
Siqueira, colunastortas.wordpress.com - 2013) 
2. A Identidade e Seu Papel. 
Investigar o machismo sem compreender o que vem a ser identidade, é sem 
dúvida um enorme erro; visto que, ao adentrarmos nos “territórios” e “domínios” do 
machismo, adentramos inevitavelmente também nos complexos “labirintos” da 
subjetividade humana – tanto feminina quanto masculina. Faz-se necessário 
compreender então que o machismo indiscriminadamente se sustenta, expressa, existe e 
resiste graças às dinâmicas de interação mantidas entre mulheres e homens – enquanto 
identidades de gênero – as quais produzem/reproduzem os comportamentos 
responsáveis pela perpetuação do próprio machismo. Cabe entretanto investigar à 
priori, como a identidade se forma no ser humano, quais processos estão presentes 
nessa formação; quais estruturas se fixam, o que elas representam e que funções 
desempenham em nosso mundo exterior e interior. 
Abordar o tema Identidade é sempre um desafio, uma vez que a definição em 
si é bastante complexa, pois envolve tanto o processo de formação/produção do sujeito, 
quanto como ele se auto reconhece e se apresenta ao mundo. Envolve uma infinidade de 
fatores; tais como: hereditariedade, ambiente e dinâmica familiares, contextos 
fisiológicos, sócio culturais e educacionais, época, contextos físicos, geográficos e 
ambientais. 
Ao tratar da formação da nossa identidade, estamos diante de um dos 
assuntos mais controversos da psicologia. Os pontos de vista são os mais 
diversos e variam da ênfase exagerada nas nossas predisposições inatas – e 
principalmente hereditárias – à minimização desses aspectos, dando a 
entender que somos, mais que tudo, dependentes da nossa formação cultural 
e do contexto familiar no qual crescemos. Meu posicionamento, também 
aqui, é o de tentar operar com todas as possibilidades em vez de excluir 
alguns ângulos da questão e privilegiar uma das rotas como essencial. Por 
vezes me surpreendo com a forma de pensar de muitas pessoas; elas parecem 
incapazes de operar com mais de uma variável ao mesmo tempo. Não vejo 
como excluir nenhum dos elementos que participam do nosso processo de 
formação. Na verdade, minha intenção é a de agregar mais alguns 
“ingredientes” aos que influenciam a constituição da identidade de cada um 
de nós. Penso que a disputa que ainda hoje reina entre muitos profissionais de 
psicologia, qual seja, a do primado da nossa biologia ou da cultura em que 
crescemos, é um tanto primária; parece -me óbvia a influência de ambos os 
componentes. Além disso, considero que levar em conta apenas esses 
aspectos é absolutamente insuficiente para que possamos, um dia, ser capazes 
de entender melhor como nos tornamos “nós mesmos”. (Flávio Gikovate, 
2014, pag.13) 
 
Ao nascermos não sabemos quem somos, o que é o mundo, onde terminamos e 
outro começa, o que são objetos, pessoas, animais; o que são formas distintas e 
dissociadas, quem é quem e o que já existiu e existe. Aos poucos nosso cérebro vai se 
desenvolvendo e com novas capacidades podemos começar a distinguir-nos dos outros, 
a compreender que não somos uma extensão de nossas mães, assim como elas não são 
uma extensão nossa; passamos a expressar algumas características particulares inatas, 
entretanto sempre mediadas e concebidas a partir dos estímulos do outro. Ou seja, quem 
somos nasce de uma interação com o que já existe e quem já existe; é da comparação 
que surge a percepção de igual ou diferente – ainda que dentro de um universo de 
generalizações e abstrações – e que faz aos poucos sermos quem somos e/ou como nos 
percebemos. Entre o que compreendemos como nós mesmos e esse processo de 
formação, está sempre o outro; nascemos do outro, nos formamos e nos reconhecemos 
através do outro, nos localizamos pelo outro; somos quem somos em comparação ao 
outro, por isso diz-se que o ser humano é essencialmente um ser social. 
Carlos R. Brandão, antropólogo e educador, diz que a identidade explica o 
sentimento pessoal e a consciência de posse de um eu, de uma realidade 
individual que torna cada um de nós um sujeito único diante de outros eus; e 
é, ao mesmo tempo, o reconhecimento individual dessa exclusividade: a 
consciência de minha continuidade em mim mesmo.(...) segundo o 
psicanalista André Green, o conceito de identidade agrupa várias idéias, 
como a noção de permanência, de manutenção de pontos de referência que 
não mudam com o passar do tempo, como o nome de uma pessoa, suas 
relações de parentesco, sua nacionalidade. São aspectos que, geralmente, as 
pessoas carregam a vida toda. Assim, o termo identidade aplica-se á 
delimitação que permite a distinção de uma unidade. Por fim a identidade 
permite uma relação com os outros, propiciando o reconhecimento de si. 
(Ana Mercês Bahia Bock, Odair Furtado, Maria de Lourdes Trassi Teixeira, 
2000, pag. 203) 
2.1 Nossa Identidade é Ensinada. 
Aprendemos a ser quem somos; isso é um fato, o que sabemos de nós mesmos 
e como nos vimos nos fora um dia ensinado; somos de alguma forma uma continuidade 
daquilo que todos os que antes de nós vieram um dia foram, assim carregamos o que os 
outros – nossos primeiros influenciadores e formadores de opinião – acharam 
pertinente, importante e essencial carregar; não tivemos inicialmente escolha, 
absorvemos o que nos fora disponibilizado e selecionado. Lentamente e por intermédio 
dos mais próximos passamos aos poucos a dominar a linguagem, e com ela pudemos 
dar nome e sentido às coisas e ao mundo. Fomos doutrinados, foram nos dados limites, 
fomos ensinados a responder a determinados estímulos, passando a entender que alguns 
correspondem à aceitação, enquanto outros resultam em desaprovação; fomos então 
internalizando regras, conceitos e crenças, fazendo “ressoar” para sermos ouvidos, até 
que pudemos em determinado momento então escolher de forma mais sofisticada aquilo 
que servia ou não para nós. Podemos então afirmar categoricamente que nossas bases e 
fundamentos subjetivos mais essenciais devem-se aos primeiros anos de vida conforme 
inclusive afirmam tanto a psicologia behaviorista quanto a psicanálise – cada uma de 
acordo com os seus objetos de estudo e perspectivas/abordagens – logo, sem as 
interações iniciais que vivenciamos através dos outros – nosso seio mais íntimo familiar 
– não seria possível sermos quem somos ou em síntese, nos reconhecermos como seres 
humanos. 
Em 1920, o doutor singh descobriu, no interior da índia, duas garotas vivendo 
entre lobos. Uma delas tinha mais ou menos 1 ano e meio e a outra, 8. A mais 
nova cedo faleceu, e a outra viveu mais 10 anos. Durante todo esse tempo o 
dr. Singh observou a criança que recolhera, fazendo depois um amplo relato 
dos comportamentos e experiências dessa menina chamada Kamala (A mais 
nova fôra chamada denominada Amala). Kamala andava de quatro, 
arrastando seus pés e mãos. Tomava líquido e comia num prato deixado no 
chão. Jamais segurava o vasilhame para beber. Quando alguém se 
aproximava dela, durante as refeições, ela reagia agressivamente. À noite 
uivava. Via bem no escuro e tinha medo da luz, do fogo e da água. Não 
deixava o dr. Singh limpá-la ou lavá-la. Durante o dia, dormia num canto da 
sala, sentada sobre um estrado. Depois de2 anos Kamala aprendeu a sentar-
se, embora não muito bem. Após 6 anos, caminhava em posição ereta, mas 
corria como quadrúpede. No curso de 4 anos havia aprendido somente 6 
palavras e em 7, surpreendentemente, 45. Com o tempo Kamala foi 
aprendendo a beber água levando o copo à boca, a gostar das pessoas, a 
comer com as mãos e a ter medo do escuro. Mas com 17 anos tinha o 
desenvolvimento mental de um criança de 4. Como Kamala foram também 
encontradas outras 14 crianças. (...) Todos os casos mostram que é muito 
mais difícil reeducar do que educar o ser humano. Embora com algumas 
habilidades desenvolvidas, o homem criado por animais não adquire a fala 
simbólica, a habilidade da escrita, da leitura, do cálculo e do trabalho 
artístico. Isto equivale a dizer que o desenvolvimento mental do ser humano é 
determinado pelas influências sociais. Sem a vida social e a cultura, o homem 
não pode desenvolver-se a ponto de distinguir-se de certos animais (...) 
(Lannoy Dorin, 1980, pag. 255-256) 
2.2 Identidades de Gênero: Filhas e Filhos do Machismo. 
Podemos afirmar então que a formação de identidade humana passa 
necessariamente pelos ditames do machismo; corresponde ao e responde ao; uma vez 
que os nossos primeiros formadores e influenciadores já correspondem a 
reprodutores/mantenedores – ainda que inconscientes – do próprio machismo; 
contemplando plenamente e integralmente a função de doutrinar e manter o sistema no 
qual nos encontramos atual e globalmente inseridos – uma vez que nossa identidade 
depende/corresponde – em parte preponderante – ao meio em que vivemos – sociedade 
e cultura – e que de alguma forma teremos de nos situar – central ou marginalmente – 
assumindo posições. De tal sorte que, seja disposta ou opostamente, seguindo ou 
transgredindo ainda estaremos inevitavelmente inseridos –, subjetiva e/ou objetivamente 
– uma vez que nascemos e formamos nossas identidades dentro e a partir dessas 
diretrizes. Logo, pode-se afirmar que todos somos inexoravelmente filhos e filhas do 
machismo. 
 
Como filhas legítimas do machismo – ainda que inconscientemente para a 
esmagadora maioria das mulheres, mesmo as mais transgressoras – elas ainda replicam 
os ensinamentos e doutrinas aprendidas tanto na tenra infância quanto durante toda a 
vida. Os exemplos mais flagrantes residem justamente nas expressões/manifestações 
advindas que se chama de “feminilidade” ou “essencialmente feminino” – termos 
genéricos geralmente adotados convenientemente em defesa de argumentações 
ideológicas. Esses exemplos aliam-se a argumentos aceitos como inquestionáveis, algo 
como uma espécie de condição feminina inexorável. Exemplos clássicos são: 
casamento, a maternidade como a maior das realizações, conexão emocional para 
validar o prazer sexual, obter um “lar” e um homem para “cuidar”, ser bonita, ser 
recatada para ser “boa para casar”, buscar o outro como realização pessoal, 
compreender a “natureza masculina” e ser tolerante, não ser agressiva, ser delicada, etc. 
O Machismo enquanto sistema ideológico, oferece sistemas de identidade 
tanto para o elemento masculino como para o elemento feminino. Ele é aceito 
por todos e mediado pela “liderança” masculina. Ou seja, é através deste 
modelo normalizante que homem e mulher “tornam-se” homem e mulher, e é 
também através dele, que se ocultam partes essenciais das relações entre os 
sexos, invalidando-se todos os outros modos de interpretação das situações, 
bem como todas as práticas que não correspondem aos padrões de relação 
nele contidos. Desde criança, o menino e a menina entram em determinadas 
relações que independem de suas vontades, e que formam suas consciências: 
por exemplo, o sentimento de superioridade do garoto pelo simples fato de 
ser macho e em contraposição o de inferioridade da menina. Um outro 
exemplo nos é oferecido pela própria destinação em termos de trabalho: a 
menina é geralmente conduzida para as atividades que não produzem 
dinheiro, enquanto que o garoto é necessariamente orientado para uma 
profissionalização. O machismo pode ser genericamente considerado como 
um ideal a ser atingido por todos os homens e atacado e ou invejado pelas 
mulheres. (Mary Pimentel Drumontt, 1980, pag. 81-82) 
3 Definindo o Machismo. 
Importante destacar que, para fins de orientação e localização discursivas, 
dentro do raciocínio aqui exposto, é essencial compreender as possíveis definições das 
próprias palavras: Macho e Machismo; não apenas em seu caráter idiossincrático, mas 
polissêmico e ou universal-teórico proposto; apercepção essa, nos fornecida 
principalmente pelos meios midiáticos mundiais, os quais constantemente propagam e 
reforçam – ainda que ajustados às suas culturas e sociedades – os estereótipos 
fundamentais do que podemos chamar por aferição/inferição de Macho e Machismo. 
Existe uma verdadeira miríade de estereótipos masculinos e mais propriamente ditos 
machistas; criados e perpetuados através de símbolos e ideais a serem seguidos e 
alcançados – em geral esses estereótipos estão carregados de elementos exagerados, 
quase caricatos – pois os símbolos dão significado às coisas; assim, as identidades 
também podem e são formadas/inspiradas por símbolos em geral estereotipados – até 
mesmo por conta de sua natureza de fácil compreensão, identificação e assimilação; 
capazes de nutrir nossa “anomia”, inspirando nossa “heteronomia”, preenchendo-a 
através da imitação e dando finalmente a ilusão de “autonomia” identitária. aparente 
individualidade. 
3.1 Um Estereótipo do Macho. 
Tomemos então apenas como base de análise e referência o estereótipo do 
“Macho Mexicano” – um dos mais icônicos expoentes do cinema da década 1940. 
Matthew Gutmann em seu artigo O Machismo (2013) focado na Colônia de Santo 
Domingo na Cidade do México – bairro popular nascido de uma ocupação irregular nos 
anos 1970 e posteriormente urbanizado – deixa claro a existência de contradições tanto 
no sentido de origem e surgimento, quanto de significado e uso dados às 
palavras/termos Macho e Machismo. 
...as trajetórias históricas dos termos macho [no sentido moderno] e 
machismo [qualquer que seja o sentido] são surpreendentemente curtas... 
...Os dicionários entram em conflito sobre as raízes etimológicas do macho, 
ora vinculando-as a palavras latinas e portuguesas para “masculino” ou 
“mula”, ora designando soldados andaluzes conquistadores como seus 
ancestrais culturais, ou a invasores gringos ianques no início do século 
passado... 
...de fato, delinear as permutações e modulações históricas dessas palavras é 
crucial para poder compreender as discrepâncias que ainda existem de modo 
geral nas Ciências Sociais a respeito dos seus significados... 
...Américo Paredes [1967] fornece várias pistas a respeito da trajetória da 
palavra machismo e neste processo ele esboça conexões nítidas entre o 
advento do machismo e nacionalismo, racismo e das relações internacionais... 
...Paredes não encontrou os termos macho e machismo antes das décadas de 
1930 e 1940. A palavra macho existia, mas quase como uma obscenidade, 
parecido com as conotações posteriores de machismo [que Santamaría 
{1959:677}, por exemplo, define como “vulgaridade crua para hombridade e 
virilidade”]. Outras expressões, algumas das quais relacionadas 
semanticamente aos homens, eram bem mais comuns na época da Revolução 
Mexicana: hombrismo, hombría, muy hombre e hombre de verdade (todas 
relacionadas a hombre); valentia e muy valiente [relacionadas ao valor e à 
coragem] e assim por diante. Apesar de que durante a Revolução Mexicana a 
frase muy hombre era também usada para descrever mulheres corajosas, além 
de homens, a associação especial dessa qualidade com homenstanto daquela 
época como atualmente indica uma associação de certas palavras e frases 
com hombridade, mas ignora se as palavras macho ou machismo eram 
empregadas ou não. (Matthew Gutmann, 2013 – pag 72-79) 
 
Mas as disparidades vão além, como se de alguma forma os significados 
fossem se “distendendo”, tomando sentidos diversos e antagônicos; o que revela e ao 
mesmo tempo deixa em aberto certas questões; essas lacunas nos levam a supor que em 
algum momento esses termos também estiveram expostos às reinterpretações sociais, 
impulsionadas e/ou condicionadas também pelos meios midiáticos, que faziam – como 
via de regra – o papel de formadores de opinião; criando assim, sentimentos 
contraditórios que podem ter em dado momento e certo ponto influenciado de forma 
preponderante a percepção – ao menos parcial – que temos hoje do que vem a ser o 
conceito de machismo. 
...Muitos antropólogos e psicólogos, ao escrever sobre machismo, utilizam 
características como “masculino”, “não masculino” e “hombridade” sem 
defini-as... 
...os termos macho e machismo são usados de maneiras contraditórias. As 
definições empregadas ou implicadas em tais círculos oficiais revelam não 
apenas uma diversidade de pontos de vista a respeito dos conteúdos dos 
termos, mas também conjecturas largamente díspares em termos das origens 
dessas palavras e de seus significados. Ao enfatizar a sexualidade, Stevens 
[1973:90] designa machismo como “o culto à virilidade,” e adiciona que “as 
características principais desse culto são agressividade exagerada e 
intransigência nos relacionamentos interpessoais entre homens e arrogância e 
agressividade sexual nos relacionamentos entre homens e mulheres.” 
Greenberg [1989:227] capta algumas das ambivalências de machismo quando 
descreve um episódio em que Fortino, o protagonista do seu estudo, “estava 
sendo muito macho, se comportando tranquilamente, sem encarar ninguém; 
quase feminino”. Nesse sentido, macho pode ser identificado com um estilo 
de comportamento não agressivo [“feminino”]... 
...a distinção que Mendoza faz entre o que ele designa como duas formas de 
machismo: o primeiro seria a autêntica, caracterizada por coragem, 
generosidade e ascetismo; o segundo, que seria basicamente falso, consiste de 
aparências – covardia, esconder-se por trás de autoelogios vazios. Mendoza 
chama atenção para o dualismo essencial na história do uso da palavra 
machismo... 
...Nos botecos rurais, os templos masculinos da era dourada de cinema 
mexicano, a onda macho se formou. O México apareceu na tela como uma 
entidade singular, mesmo que internamente incongruente, enquanto dentro da 
nação as figuras do homem e da mulher mexicanos avultam – [o primeiro], 
indomado, generoso, cruel, mulherengo, romântico, obsceno, em paz com a 
família e amigos, subjugado e inquieto... {a segunda} obediente, sedutora, 
resignada, meiga, devotada ao e escrava do seu marido, seu amante, seus 
filhos e a seu fracasso essencial.” [Monsiváis, 1992: 18]... 
(Matthew Gutmann, 2013 – pag 72-79) 
 
Fica clara uma atmosfera enigmática envolvendo as incongruências semânticas 
derivadas/conferidas às palavras/termos Macho e Machismo. Provavelmente não será 
possível aqui descrever ou traçar com exatidão as trajetórias histórico-etimológicas 
dessas palavras/termos – ainda que em caráter teórico-hipotético – pois corre-se o risco 
de desviar e ou reinterpretar suas rotas de transformação/ressignificação/objetificação 
psicossociais; as quais por si só passariam então a estar mais imbuídas de especulações 
do que de contribuições válidas às suas definições; levando assim a mais e mais 
especulações, desviando-se então do foco aqui em pauta proposto – o de 
esclarecimentos; ainda que em caráter teórico-hipotético-investigativo. 
3.2 O Machismo Para Além da Ideologia. 
Para definir então o machismo em sua essência – conforme a proposta e 
tratamento semânticos aqui dados – torna-se necessário estabelecer uma série de 
reflexões, raciocínios, ponderações, questionamentos e análises; advindas dos diversos 
estudos, pesquisas, investigações teóricas e práticas já previamente citadas; através de 
tais contribuições, faz-se possível encontrar uma nova perspectiva – enquanto proposta 
de definição – de encontrar a verdade por detrás das aparências e discursos do senso 
comum. Ao nos aprofundarmos na análise de tais terrenos do comportamento 
psicossocial, deixando para trás as frágeis e parcas percepções fronteiriças das massas, 
conclui-se que o machismo não é exatamente ou somente uma filosofia e/ou ideologia; 
trata-se de algo muito mais intrínseco, mais arraigado e presente; trata-se de uma 
concatenação de crenças, sentimentos, certezas, direitos, tradições inquestionáveis, 
estigmas, condicionamentos inconscientes e culturais, envolvidos por uma aura de 
conformidade conformista e por vezes – ao nível do discurso – interpretada como 
ascética; trata-se de uma sensação e presença internas – tanto no individuo, quanto na 
coletividade – capaz de realimentar-se e restaurar-se como uma espécie de “homeostase 
da própria doença” não apenas em seu sentido processual, mas ético, moral, contextual; 
compreende e faculta a algo tão encrustado na “sombra” do inconsciente coletivo que 
faz com que sua simples apercepção em certos cenários se torne uma árdua tarefa – 
segundo C. G. Jung, sombra é uma região da psique humana onde reside o que é 
negligenciado por nós, dando a aparência de não existência. Essa presença tem em sua 
resiliência a capacidade de frustrar muitas das tentativas de reação propostas por 
quaisquer minorias capazes de ver com certa clareza a possível forma e natureza reais 
dessa presença mutável e “metamórfica”; capaz de delir as rotas e itinerários da própria 
moral e ética enquanto concepções legítimas imparciais, reescrevendo-as e 
transfigurando-as segundo suas próprias diretrizes e interesses, conferindo-lhes total ar 
de legitimidade e verossimilidade, de forma silenciosa e na maioria das vezes 
imperceptível. 
[...]o machismo em discussão aqui não é reduzível a um conjunto coerente de 
ideias sexistas; não é mero chauvinismo masculino. Como enfatizou Roger 
Lancaster [1992:19] no seu estudo sobre a Nicarágua, “machismo é resiliente 
não apenas porque constitui uma forma de „consciência‟; não é uma 
„ideologia‟ no sentido clássico do conceito, mas um campo de relações 
produtivas”. (Matthew Gutmann – 2013, pag. 72) 
 
Em termos de colocação adotada, o machismo é definido como um sistema 
de representações simbólicas, que mistifica as relações de exploração, de 
dominação, de sujeição entre o homem e a mulher. Esta definição não tem a 
preocupação de atingir um rigor conceitual a partir de um modelo teórico 
fechado e abstrato. Mas ao contrário, a de conceituar ainda que 
provisoriamente o machismo, de forma que a investigação possa ser 
conduzida para dar conta da multiplicidade de suas manifestações concretas 
dentro de uma unidade de análise. O machismo constitui, portanto, um 
sistema de representações-dominação que utiliza o argumento do sexo, 
mistificando assim as relações entre o homens e as mulheres, reduzindo-os a 
sexos hierarquizados, divididos em polo dominante e polo dominado, que se 
confirmam mutuamente em uma relação de objetos. Ao apropriar-se da 
realidade sexual, o machismo, em seu efeito de mistificação, supercodifica a 
representação de uma relação de poder [papéis sexuais, símbolos, imagens, 
representações eróticas, instituições sexuais, etc.] produzindo “duas 
linguagens”: uma masculina e uma feminina. Nesta produção-reprodução de 
papéis, códigos, representações sociais, etc., há produção de espaço aberto no 
sentido dado à expressão “corpo sem órgão“ por Guattari e Deleuzedo 
extorsão do prazer, objeto, etc., onde se reproduzem as próprias condições de 
subordinação da mulher. Assim, o machismo representa-articula [relações 
reais e imaginárias] esta dominação do homem sobre a mulher na sociedade. 
(Mary Pimentel Drumontt, 1980, pag. 81-82) 
3.3 Conclusão: O Machismo e Sua Definição. 
Para definir o machismo em termos e óticas “ontológicas/epistemológicas”, 
torna-se necessário recorrer a diversas contribuições e referências de análise e/ou 
teóricas pertinentes. Não cabe aqui categorizar o que viria a ser o machismo enquanto 
estrutura concreta ou estática, mas compreender suas estruturas mutáveis, mecanismos 
lógicos, simbólicos e representativos; dinâmicos e adaptáveis; resilientes e auto 
ajustáveis; buscando assim uma possibilidade de interpretação sob novas perspectivas 
de pensamento e raciocínio. 
Tal conceituação do problema implica em estuda-lo da perspectiva da Análise 
Institucional. Nesta perspectiva, as instituições sociais são concebidas como 
centros históricos de centralização de poder. O conceito não se reduz ao 
conjunto de normas assumidas por agentes [o que seria o seu aspecto 
estrutural explícito] mas abrange também as normas não reveladas, 
frequentemente as mais importantes, pois apontam para as “regras do jogo” 
do poder institucional. Inclui também o conjunto das relações sociais 
[práticas institucionais]. Esses dois aspectos, [as normas e as práticas] são 
mediados pelo discurso institucional. Estas instituições são sede de poder por 
onde atravessam as normas, as regras do poder institucional. Elas [as 
instituições] se processam num contexto de mudança e afirmação de relações 
e formas de produção social, apontando para as fissuras internas das práticas 
[hegemônicas] e para as respostas dos instituídos. Proceder à análise 
institucional, significaria pois, estudar as formas instituintes e não privilegiar 
as formas instituídas. Trata-se então de buscar no discurso institucional, antes 
de tudo o simbólico, o não explícito em termos de resultados de uma 
observação. Esse simbólico, o não dito, é ligado a uma estrutura de poder. A 
análise institucional, atenta também para as implicações sociais, econômicas 
e políticas da observação sociológica. E introduz a dimensão dialética, 
quando procura as formas de respostas do polo institucional dominado, que 
se revelam nas relações entre dominantes e dominados. 
(Mary Pimentel Drumontt, 1980, pag. 82-83) 
O machismo pode ser parcialmente definido como uma manifestação cultural, 
uma filosofia, uma ideologia – sentimentos coletivos capazes de integrar uma 
sociedade; uma crença inquestionável capaz de dar sentido ao ato pelo ato, como parte 
de um todo maior e imutável, levando assim, à desigualdade e consequentemente à 
dominação. No entanto, todas essas expressões/manifestações ainda representariam 
apenas a “ponta do iceberg”, como um tipo de subprodutos advindos de algo mais 
“primitivo”, original. Mesmo compreendendo em parte o machismo como uma 
somatória de todas essas possíveis “definições” – beirando talvez o incognoscível – faz-
se necessário observar mais atentamente as suas diversas facetas, manifestações e 
justificativas; torna-se possível e necessária uma forma de interpretação/compreensão 
mais profundas. Reconhecendo sua existência, coexistência e resistência, perpassando 
os limites dos conceitos e das definições costumeiramente difundidas; pode-se afirmar 
que seus contornos denotam diversos traços que correspondem a uma espécie de estado 
existencial, percebido ou não, interpretado ou não, porém quase sempre aceito 
praticamente como inato; pois é, essencialmente em si, um tipo de condicionamento e 
aprisionamento mental, psicossocial e cultural, enraizado e onipresente, quase 
onipotente. Pode-se definir então o machismo como: UM ESTADO DE 
CONSCIÊNCIA EXISTENCIAL IDENTITÁRIA COLETIVA, OPERANDO EM 
NÍVEL INCONSCIENTE E GLOBAL. 
 
“A cultura é um resultado, não uma soma. É possível mostrar que se conhece os gregos num 
poema onde nem se fala deles nem se é influenciado por eles.” 
 
Fernando Pessoa. 
Referências 
 
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